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Processo n.º 63/2017. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Segurança.
Assunto: Suspensão da eficácia. Grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto. Demissão de investigador criminal indiciado pela prática de burlas. Falta de proporcionalidade entre os prejuízos para o recorrente da imediata execução do acto e o prejuízo para o interesse público resultante da não execução.
Data da Sessão: 8 de Novembro de 2017.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – A suspensão da eficácia de acto que demitiu investigador criminal indiciado pela prática de burlas determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
II – Face ao interesse público no afastamento de um investigador criminal indiciado por prática de burlas, não se afigura serem desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente, se o requerente, atento o seu vencimento e longa carreira, é de presumir que tenha poupanças de modo a sustentar a família até à obtenção de novo emprego, sendo que o mesmo não alegou não ter outros rendimentos ou património que possa liquidar.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, investigador criminal principal da Polícia Judiciária, requereu a suspensão da eficácia do despacho do Secretário para a Segurança, de 6 de Julho de 2017, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI) indeferiu o requerido, por acórdão de 7 de Setembro de 2017, por entender que o requerente não demonstrou que a suspensão não determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), defendendo que:
- O acórdão recorrido é nulo por não ter apreciado a ponderação da desproporção dos prejuízos causados ao requerente pela imediata execução do acto relativamente ao prejuízo para a lesão do interesse público, a que se refere o n.º 4 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso;
- A não suspensão da pena de demissão imposta ao Recorrente poderá, sem margem de dúvidas, causar ao Recorrente a perda completa da fonte de receita durante a pendência do recurso contencioso, não só afectando, imediata e gravemente, o nível de subsistência e a qualidade de vida do Recorrente e do seu agregado familiar, mas também impedindo a manutenção das necessidades mais básicas dos mesmos;
- O interesse público não foi lesado pelo acto praticado pelo Recorrente, pelo que já não faz sentido efectivo nenhum a prevenção das lesões do interesse público relativo a “protecção da boa imagem das Forças de Segurança e da relação de confiança entre os cidadãos em geral e os agentes das Forças de Segurança.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer em que entende:
- Que o acórdão recorrido é nulo por não ter apreciado a ponderação da desproporção dos prejuízos causados ao requerente pela imediata execução do acto relativamente ao prejuízo para a lesão do interesse público, a que se refere o n.º 4 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso;
- O recurso não merece a procedência por não haver qualquer censura ao acórdão recorrido quanto à não verificação do requisito da inexistência de grave lesão do interesse público;
- Deve ser conhecida da questão omitida pelo acórdão recorrido, decidindo-se não ser viável emitir um juízo de desproporção dos prejuízos causados ao requerente, dado que o recorrente não demonstrou que o seu salário era o seu único rendimento.

II - Os Factos
O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:
1 - A, do sexo masculino, é investigador criminal principal do 4º escalão do grupo de investigação criminal do quadro da Polícia Judiciária.
2 - Foi-lhe instaurado, por despacho de 17/12/2015 do Secretário para a Segurança da RAEM, um procedimento disciplinar, nos termos do qual o instrutor lavrou o seguinte relatório:
“Por despacho de 17 de Dezembro de 2015, do Sr. Director Substituto, foi instaurado o presente processo disciplinar, sob nº P.D. XX/2015, contra o arguido A, investigador criminal principal. O signatário B, chefe da Divisão de Investigação Especial, foi nomeado como instrutor deste processo e, a seguir, foi nomeada C, investigadora criminal principal, como secretária.
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O arguido A, do sexo masculino, nascido em Macau no dia X de X de 19XX, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau nº XXXXXXX(X), investigador criminal principal de 4º escalão, em regime de nomeação definitiva, do grupo pessoal de investigação criminal do quadro da Polícia Judiciária
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Iniciou-se a instrução no dia 28 de Dezembro de 2015, tendo-se efectuado nos termos da lei a notificação e procedido à investigação. A instrução terminou no dia 11 de Fevereiro de 2016, sendo concluído no prazo legal (fls. 13 a 108 do processo).
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No dia 22 de Fevereiro de 2016, foi deduzida a acusação nos termos da lei e foi o arguido A, investigador criminal principal, notificado da acusação no dia 23 de Fevereiro do mesmo ano (fls. 109 a 121 do processo).
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O prazo de contestação terminou no dia 8 de Março de 2016, não tendo o arguido A apresentado contestação (fls. 122 a 123 do processo).
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No dia 17 de Março, foi elaborado relatório nos termos da lei, no qual foi proposta a aplicação de pena de demissão. O processo foi submetido no mesmo dia (fls. 124 a 137 do processo).
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No dia 18 de Março de 2016, o Sr. Director da P.J. proferiu despacho nos termos da lei, propondo a aplicação de pena de aposentação compulsiva. Este foi submetido à apreciação e decisão do Secretário para a Segurança no dia 21 de Março do mesmo ano (fls. 138 a 142 do processo).
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No dia 13 de Abril de 2016, o Sr. Secretário para a Segurança proferiu despacho nos termos da lei, ordenando a P.J. efectuar diligência complementar para recolher mais provas, a fim de responsabilizar disciplinarmente o arguido (fls. 143 do processo).
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Para tais efeitos, foi ouvido, de novo, o arguido A e foi pedido ao Ministério Público o fornecimento de mais dados. Em virtude de não se ter encontrado novos factos, o processo ficou pendente (fls. 152 a 154 do processo)
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O relatório nº XX-XXX/2017 do Gabinete do Secretário para a Segurança apontou que o presente processo ficou pendente e ordenou a P.J. para considerar resolver, nos termos da lei, a pendência do processo através de prolongar adequadamente o prazo ou suspender o procedimento (a tradução chinesa de fls. 159 a 170 do processo).
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Posteriormente, a P.J., com base no magistrado encarregado do Ministério Público (sic), notificou nos termos da lei que foi deduzida acusação penal contra o arguido neste processo, A, investigador criminal principal. Foi fornecida a cópia da acusação (sic) que foi juntada ao processo pelo signatário no dia 26 de Maio de 2017 (fls. 161 a 168 do processo).
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Face ao exposto, de acordo com os novos dados, nomeadamente a acusação penal deduzida pelo Ministério Público contra o arguido neste processo, é reconhecido que o arguido A, investigador criminal principal, praticou, em co-autoria material e na forma consumada, um “crime de burla”, p.p. pelo artº 211º, nº 1 do CP, e um “crime de burla”, p.p. pelo mesmo artº 211º, nº 1, conjugado com o nº 4, al. a) e o artº 196º, al. b) do mesmo Código.
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Efectuada a análise profunda da acusação penal, esta demonstra que o teor e factos na acusação correspondem basicamente à factualidade obtida neste processo disciplinar. Não se encontrou mais novos factos, mantendo-se inalterada a matéria de facto.
Além disso, mesmo que não se tenha proferido decisão final e tendo em conta a eventual desconformidade entre os factos provados na audiência de julgamento, no entanto, com base nos princípios da independência e da dupla responsabilidade do processo disciplinar e responsabilidade disciplinar, os factos neste presente processo, que foram provados, com observância dos termos legais, nas fases irreversíveis tais como instrução, acusação, contestação e diligência complementar, provam suficientemente a culpa do arguido, também provando suficientemente as infracções disciplinares dele, os quais são suficientes para sustentar a punição do arguido pelas infracções disciplinares.
Importa referir que os novos dados neste processo disciplinar - a acusação penal, na qual não foi produzido ou surgiu qualquer facto novo, pelo que não altera a matéria de facto no processo disciplinar, nem afecta os efeitos produzidos nas fases que foram procedidas nos termos legais, sendo apenas uma informação suplementar sobre a culpa subjectiva do arguido nas infracções disciplinares praticadas. Portanto, deve observar-se a instrução dada no relatório nº XX-XXX/2017 do Gabinete do Secretário para a Segurança - resolver, o mais breve possível, a pendência do processo.
Pelo exposto, proponho ao Sr. Director que considere tomar decisão final sobre as infracções disciplinares neste processo. No caso de se manter a punição indicada em fl. 139 do processo - aposentação compulsiva, solicito ao Sr. Director que apresente o processo, no prazo de dois dias, ao Exmo. Sr. Secretário para a Segurança para a prolação de decisão, nos termos do artº 337º, nº 3 do ETAPM, pois, de acordo com o artº 322º do ETAPM, conjugado com o artº 4º do Reg. Adm. nº 6/1999 e o Ordem Executiva nº 111/2014, a aplicação da pena de aposentação compulsiva é da competência do Secretário para a Segurança.
À consideração de V.Ex.ª.”
3 – O director da Polícia Judiciária, pronunciou-se da seguinte maneira:
“Concordo com o teor e proposto no relatório elaborado pelo instrutor.
De acordo com o teor e proposto no meu despacho a fls.138 a 141 do presente processo disciplinar e nos termos do artº 316, nºs 1 e 2 do ETAPM, e tendo considerado as circunstâncias atenuantes e agravantes do arguido, proponho a aplicação da pena de aposentação compulsiva ao arguido A, nos termos do artº 315º, nºs 1 e 2, als. c), i), n) e o) (última parte), conjugado com o artº 22º, nº 2 da Lei nº 5/2006 (Polícia Judiciária) e o artº 51º, nº 1, als. c) e d) do D.L. nº 27/98/M.
Remeta-se o processo de investigação disciplinar à Divisão de Ligação entre Polícia e Comunidade e Relações Públicas, de acordo com o artigo 322.º do ETAPM e submeta-se o processo ao Exmo. Sr. Secretário para a Segurança para apreciação e decisão”.
4 – O Secretário para a Segurança, em 6 de Julho de 2017, proferiu o seguinte despacho (a.a.):
“Nos presentes autos de processo disciplinar vem suficientemente provada a matéria da acusação neles deduzida contra o arguido, Investigador Criminal Principal, A, titular do BIRM n.º XXXXXXX(X), a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida e integrada, quanto à descrição dos factos que a sustentam.
Em breve síntese, provou-se que num período que se situa na segunda metade do ano de 2015, o arguido, com inteiro conhecimento da actividade da sua namorada, colaborou com ela, fazendo crer a um elevado número de ofendidos que tinham conhecimentos e exerciam influências facilitadoras do agenciamento de empregos para o Hotel, nos empreendimentos do COTAI, do que davam garantias plenas, contra o pagamento de cerca de 5.000 (cinco mil) renminbis.
Nesse sentido, o arguido colaborou na recolha e guarda de documentos e de quantias previamente acordadas com os ofendidos, não se abstendo de o fazer, antes corroborando as promessas da namorada, quando os ofendidos começaram a questionar as demoras no respectivo cumprimento, dando sinais de impaciência, desilusão e desconfiança.
Pela sua experiência pessoal e vida profissional, o arguido não só tinha o dever de suspeitar do caminho que os procedimentos estavam a tomar, sinalizando-os às autoridades policiais (artigo 225.º do Código de Processo Penal), como o de tudo fazer para os suster, abstendo-se de qualquer colaboração.
Não o fazendo, o arguido, para além de exercer uma actividade incompatível com as suas funções, sem que para tal tivesse solicitado autorização, infringiu o dever geral de contribuir para o prestígio da administração pública, a que se refere o n.º 1 do artigo 279.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, bem como os deveres de isenção e de zelo, respectivamente previstos nas alíneas a) e b) do n.º2 do mesmo normativo citado e, ainda, infringindo a proibição de exercício de actividades incompatíveis a que se refere a sua alíneas i). O arguido, constituiu-se, ainda, em infracção aos deveres especiais constantes do n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 5/2006 (Lei da Polícia Judiciária) e, bem assim, aos constantes das suas alíneas 3) - dever de permanente protecção dos cidadãos - e 4) - defesa do cumprimento da Lei.
Favorecendo o arguido a atenuante da alínea c) do n.º 1 do artigo 282.º do ETAPM, a verdade é que a conduta resulta agravada pela presença do circunstancialismo previsto nas alíneas b) - prejuízo para o interesse geral d) - conluio com outrem para a prática da infracção; h) - acumulação de infracções e j) - responsabilidade inerente ao cargo exercido, do n.º 1 do artigo 283.º, daquele estatuto.
Ora, esta conduta infractora, sobre a qual recai um juízo de elevada censura ético-jurídica, afecta seriamente a imagem da Polícia Judiciária a que o arguido pertence, atento o facto de contrariar afrontosamente aquelas que são as suas atribuições públicas de prevenção e de combate ao crime, violando, ainda, um dever especial de não exercer actividades incompatíveis com essa missão, compromete em definitivo a manutenção da sua situação jurídico-funcional, sendo punível com uma pena de natureza expulsiva.
Com efeito, o Investigador Criminal Principal, A, praticou infracções disciplinares subsumíveis ao disposto nas alíneas c) e n) do n.º 2 do artigo 315.º do ETAPM e c) do n.º 1 do artigo 51.º da Lei n.º 27/98/M de 29 de Junho, revelando não possuir idoneidade moral para exercer funções policiais, pelo que o puno com a pena disciplinar de DEMISSÃO, o que faço no uso das competências executivas que me advêm do disposto no n.º 1 da Ordem Executiva N.º. 111/2014.
Notifique o arguido do presente despacho e de que do mesmo cabe recurso contencioso no prazo de 30 dias contado a partir da notificação”
5 – O requerente esteve preventivamente suspenso por 90 dias, de 1 de Janeiro a 30 de Março de 2016.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
São três as questões a apreciar.
A primeira questão consiste em saber se o acórdão recorrido julgou bem ao considerar não demonstrado pelo requerente o requisito da alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, ou seja que a suspensão do acto de demissão não determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
Suposta a resposta afirmativa à questão anterior, a segunda consiste em apurar se o acórdão recorrido é nulo por não ter apreciado a ponderação da desproporção dos prejuízos causados ao requerente pela imediata execução do acto relativamente ao prejuízo para a lesão do interesse público, a que se refere o n.º 4 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Seja nulo ou não o acórdão, face à alegação do ora recorrente, por fim, trata-se de avaliar se prejuízos causados ao requerente, pela imediata execução do acto, são desproporcionalmente superiores aos prejuízos causados pela lesão do interesse público pela suspensão da eficácia do acto.
Não se apreciam as questões suscitadas pelo recorrente relativamente ao mérito do acto, que são do foro do recurso contencioso, mas completamente estranhas ao presente procedimento cautelar.

2. Grave lesão do interesse público
O acórdão recorrido limitou-se a indeferir a pedida suspensão da eficácia do acto por entender que o requerente não demonstrou que a suspensão não determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
Para tal, considerou que:
“Como facilmente se pode constatar pela descrição fáctica acima efectuada, a pena em causa foi aplicada ao requerente em virtude de, alegadamente, ter colaborado com a sua namorada na obtenção ilícita de dinheiro proveniente de diversas pessoas interessadas em alcançar emprego em Macau, sem que jamais o tivessem conseguido efectivamente. Ou seja, tudo não passaria de um plano urdido pela namorada, mas com o alegado envolvimento do requerente, de, através de um engano caracterizador de uma actividade burlosa, obter o pagamento de um serviço de agenciamento de emprego.
Dito isto, somos a considerar que nem mesmo a relação de amor ou afecto que unia o requerente à namorada deveria servir de pretexto e desculpa pela atitude deste. Na verdade, a um agente policial pede-se que combata o crime, não que o tolere, muito menos nele participe. E não afasta, sequer, a censurabilidade ético-profissional do requerente a circunstância por si alegada, mas não demonstrada, de não vir a beneficiar do dinheiro obtido ilegalmente pela namorada.
Sendo assim, cremos que o comportamento do requerente não dignifica a instituição a que pertencia, pondo em causa a imagem de seriedade que toda a polícia deve preservar e transmitir de si mesma para a sociedade.
Neste sentido, a reintegração que teve lugar após a suspensão preventiva também não tem o condão de limpar a mancha que o requerente lançou sobre si mesmo, bem como sobre a força policial a que pertencia.
Estamos, enfim, convencidos de que o interesse público da lisura, da transparência, da abnegação, frontalidade e garantia do combate ao crime que a Polícia Judiciária na sua actividade diária deve prosseguir sairia gravemente afectado, dando um mau exemplo para o interior da instituição (e, consequentemente, para os colegas do requerente) e transmitindo para o exterior (para a comunidade em geral) uma imagem negativa que descredibilizaria a força policial caso o requerente visse suspensa a eficácia do acto que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão”.
Como referimos no acórdão de 30 de Julho de 2014, no Processo n.º 66/2014:
«Nos termos do artigo 121.º, n.º 1, do CPAC, o tribunal concede a providência cautelar de suspensão de eficácia de actos administrativos quando, além do mais que agora não importa, se verifique o seguinte requisito:
- A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
Nos termos do n.º 1 do artigo 129.º do CPAC, quando não haja contestação do órgão administrativo ou alegação de que a suspensão de eficácia do acto causa grave lesão do interesse público, o tribunal, excepto quando, perante as circunstâncias do caso, seja manifesta ou ostensiva essa grave lesão, considera verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º.
Daí que se possa dizer que o requisito negativo de que a suspensão não determine grave lesão do interesse público funciona como facto impeditivo da pretensão do requerente, com o sentido que a doutrina processual lhe dá [artigo 407.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil], na medida em que o ónus da alegação e da prova da sua existência (grave lesão do interesse público) cabe à entidade requerida (artigo 335.º, n.º 2, do Código Civil), sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal (artigo 415.º do Código de Processo Civil) quando, perante as circunstâncias do caso, seja manifesta ou ostensiva essa grave lesão.
Como referem HANS J. WOLFF, OTTO BACHOF e ROLF STOBER1, no estado de direito a vinculação aos fins das funções da Administração Pública significa a salvaguarda e a promoção do interesse público ou do bem comum. Trata-se de um princípio estrutural, não escrito, de toda a forma de manifestação da Administração. Por isso, a actuação no interesse público faz parte dos elementos conceptuais e funcionais mais marcantes da Administração Pública e constitui o fundamento de toda a execução administrativa.
Mas com razão afirma MARIA FERNANDA MAÇÃS 2 que “não se pode argumentar que, prosseguindo o acto administrativo, pelo seu próprio conceito, um fim de interesse público, a sua não execução origine sempre dano para a concretização desse interesse público. É que no âmbito da suspensão da eficácia exige-se a verificação de «grave» lesão do interesse público e não a simples existência deste interesse que é pressuposto de toda a intervenção da Administração”.
Por outro lado, não é qualquer lesão de interesse público que obsta à suspensão da eficácia do acto, mas apenas aquele interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
Vejamos, pois, qual o interesse público concretamente prosseguido pelo acto e seguidamente, se existe lesão de interesse público que obsta à suspensão da eficácia do acto».
O interesse público do acto de demissão de um funcionário releva dos fins de qualquer pena disciplinar, ou seja pretende retribuir o mal causado pelo infractor e prevenir que o mesmo ou outros funcionários enveredem pelo mesmo tipo de infracções ou semelhantes.
Por outro lado, como reflectimos no acórdão de 19 de Julho de 2017, no Processo n.º 37/2017, o interesse público prosseguido por acto que pune um agente policial com a pena de demissão é o de afastar definitivamente do serviço o agente cuja presença se revelou inconveniente aos seus interesses, dignidade e prestígio, por ter praticado infracção que, pela sua gravidade, inviabiliza a manutenção da relação funcional.
Os actos imputados ao recorrente são extremamente graves. Participou de uma burla engendrada pela namorada, para extrair dinheiro a pessoas com interesse e/ou necessidade de trabalhar em Macau, prometendo a obtenção de empregos, recebendo retribuição em dinheiro, bem sabendo que não tinham poder para obter o resultado prometido.
Há que ponderar que o recorrente não é um qualquer funcionário público, mas um investigador da Polícia Judiciária, o que agrava sobremaneira a conduta praticada.
A manutenção do requerente ao serviço abalaria a confiança do público nas instituições, pelo que não merece censura o acórdão recorrido ao concluir que não se demonstra que a suspensão não determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.

3. Falta de proporcionalidade entre os prejuízos para o recorrente da imediata execução do acto e o prejuízo para o interesse público resultante da não execução. Omissão de pronúncia
De acordo com o n.º 4 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
Ora, o ora recorrente, quando requereu a suspensão da eficácia do acto, invocou expressamente o disposto na mencionada norma, alegando:
“60º
  O requerente é o pilar económico da família, tendo a seu cargo os pais idosos, uma filha menor e um filho maior que está a estudar.
61º
  Basta uma análise simples dos factos referidos para concluir que a execução imediata da pena imposta vai dificultar a manutenção das necessidades básicas da vida do requerente e da sua família, mas não se verifica prejuízo substancial para o interesse público prosseguido. Nesta situação, para o requerente, os prejuízos são desproporcionadamente superiores”.
O acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão, pelo que, manifestamente, omitiu pronúncia, cabendo a este Tribunal conhecer da questão, por se tratar de processo urgente (n. os 2 e 3 do artigo 159.º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Alega o recorrente que é o pilar económico da família, constituído por pais e dois filhos.
Admitamos que os factos, não demonstrados, são exactos.
O ora recorrente estava integrado no 4.º escalão do cargo de investigador principal, a que cabe o índice de vencimento 500 (Mapa IV a que se refere o n.º 4 do artigo 5.º da Lei n.º 2/2008).
O pessoal de investigação criminal tem direito a uma remuneração suplementar mensal, correspondente ao índice 100 da tabela indiciária prevista para os trabalhadores da Administração Pública da RAEM (artigo 35.º do Regulamento Administrativo n.º 9/2006).
Ou seja, o recorrente aufere mensalmente MOP$49.800, pagos 14 vezes por ano, o que redunda em MOP$58.100 por mês, para além certamente de outros subsídios próprios dos trabalhadores da Administração Pública.
Dada a idade do recorrente, já com filho maior e a sua posição na carreira, indicativo de certo tempo nesta, é de presumir que tenha poupanças suficientes para suportar a sua família até arranjar outro emprego.
Pode ter também património imobiliário ou outro que possa liquidar. Nada menciona acerca de rendimentos e património.
Deste modo, face ao interesse público no afastamento de um investigador criminal indiciado por prática de burlas, não se afigura serem desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
Com o que falece o recurso jurisdicional.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 4 UC.
Macau, 8 de Novembro de 2017.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Mai Man Ieng



     1 HANS J. WOLFF, OTTO BACHOF e ROLF STOBER, Direito Administrativo, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, tradução da 11.ª revista, vol. 1, 1999, p. 424.
     2 MARIA FERNANDA MAÇÃS, A Suspensão Judicial da Eficácia dos Actos Administrativos e a Garantia Constitucional da Tutela Judicial Efectiva, Coimbra Editora, 1996, p. 212.

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