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Processo nº 593/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 12 de Outubro de 2017

ASSUNTO:
- Impugnação da decisão da matéria de facto
- Contrato promessa de compra e venda
- Cláusula resolutiva
- Abuso de direito

SUMÁRIO:
- Segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.° do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
- A justificar tal princípio e aquilo que permite a existência do mesmo, temos que o Tribunal a quo beneficia não só do seu prudente juízo e experiência, como da mais-valia de um contacto directo com a prova, nomeadamente, a prova testemunhal, o qual se traduz no princípio da imediação e da oralidade.
- Assim, a reapreciação da prova matéria de facto tem um campo restrito, limitando aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
- O contrato-promessa é, em regra, vinculado para o promitente-vendedor, pelo que o exercício do chamado direito ao arrependimento ou o afastamento da execução específica só é permitido no caso de haver convenção expressa, a qual tem que ser clara, com a manifestação inequívoca da vontade de conferir ao promitente vendedor o direito de resolver o contrato.
- Não integra no conceito de abuso de direito a conduta do Autor, na qualidade de promitente-comprador, quando lança mão ao mecanismo legal de execução específica, que lhe é conferido pela lei, em face do incumprimento da promessa por parte da Ré.
O Relator














Processo nº 593/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 12 de Outubro de 2017
Recorrente: A, S.A. (Ré)
Recorrido: B (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho de 31/05/2016, foi indeferida a reclamação apresentada à primeira perícia e, bem assim, o pedido devidamente fundamento de realização de uma segunda perícia.
Dessa decisão vem recorrer a Ré A, S.A., alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. O Relatório Pericial elaborado pela Comissão de Avaliações da Direcção dos Serviços de Finanças padece de deficiência, nos termos do n.º 2 do artigo 508.º do CPC, porque, por um lado, só foram utilizados como referência fracções do mesmo edifício e, por outro, porque, para avaliar os valores de mercado com referência à data de 19 de Abril de 2011, aquela Comissão utilizou como referência transmissões das próprias Fracções, dessa data.
B. Assim, salvo o respeito devido, o douto Tribunal a quo violou o n.º 2 do artigo 508.° do CPC quando indeferiu a reclamação apresentada pela ora Recorrente àquele Relatório Pericial.
C. Para além de ter apresentado reclamação ao Relatório Pericial, a ora Recorrente requereu uma segunda perícia nos termos do n.º 1 do artigo 510.º do CPC; "Qualquer das partes pode requerer segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância com o relatório pericial apresentado.".
D. No entanto, mesmo estando preenchidos todos os requisitos do citado artigo, designadamente tendo sido cumprido o prazo de 10 dias e alegadas fundamentadamente as razões da discordância (por referência à motivação da reclamação), o douto Tribunal a quo decidiu indeferir a segunda perícia (cfr. fls. 404, verso).
E. Pelo exposto, afigura-se que, salvo o respeito devido, o douto Tribunal a quo violou o n.º 1 do artigo 510.º do CPC quando indeferiu a segunda perícia requerida pela ora Recorrente.
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O Autor B respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 478v a 480v dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Por sentença de 24/01/2017, julgou-se procedente a acção de execução específica do contrato-promessa de compra e venda do imóvel intentada pelo Autor e improcedentes as excepções e os pedidos reconvencionais deduzidos pela Ré, ora Recorrente.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. O douto Tribunal a quo julgou não provado que no momento da celebração dos Contratos-Promessa, a Ré já sabia que iria ter de solicitar ao Autor um ajuste do preço de compra das Fracções, tendo em conta o aumento dos custos de construção? (artigo 10.º da base instrutória) e Tendo disso dado conhecimento ao Autor e que iria entrar em contacto consigo oportunamente, para acertar o ajuste do preço de compra? (artigo 11.º da base instrutória).
B. No entanto, a Recorrente entende, salvo o respeito devido, que o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento quanto à matéria de facto em causa, cuja reapreciação ora se requer.
C. Considerando o depoimento das testemunhas C e D, maxime, nos excertos transcritos nesta alegação, ficaram demonstrados os factos em causa. Consequentemente, a decisão do douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser alterada e, nessa sequência, serem julgados provados os artigos 10.º e 11.º da base instrutória.
D. O douto Tribunal a quo julgou não provado que os custos dessa substituição [de muitos dos materiais aplicados no início da construção do edifício das Fracções] foram sendo apurados durante o ano de 2011? (artigo 14.º da base instrutória).
E. No entanto, o Recorrente entende, salvo o respeito devido, que o douto Tribunal a quo não valorou adequadamente a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento quanto à matéria de facto em causa, cuja reapreciação ora se requer.
F. Considerando o depoimento das testemunhas C e D, maxime, nos excertos transcritos nesta alegação, ficou demonstrado o facto em causa. Consequentemente, a decisão do douto Tribunal a quo sobre a matéria de facto deve ser alterada e, nessa sequência, ser julgado provado o artigo 14.º da base instrutória.
G. O pedido principal do Recorrido é a execução específica dos Contratos-Promessa, tendo a Recorrente alegado em sede excepção, na sua contestação, que tal não poderia proceder, desde logo, porque os Contratos-Promessa se encontram resolvidos. Como resulta da simples leitura dos Contratos-Promessa , designadamente a respectiva cláusula 2.2, as partes acordaram expressamente em atribuir à Recorrente o direito de não celebrar o contrato definitivo, fixando-se uma indemnização ao Recorrido, com referência ao dobro do sinal pago.
H. E foi precisamente esse direito, potestativo, que a Recorrente exerceu em 22 de Maio de 2014, quando requereu a notificação judicial avulsa do Recorrido para, nos termos da aludida cláusula 2.2 e do n.º 1 do artigo 426.° do Código Civil, fazer operar a resolução dos Contratos-Promessa, tendo na mesma notificação disponibilizado ao Recorrido as indemnizações que lhe são devidas pelas aludidas resoluções.
I. Face ao teor da cláusula 2.2. dos Contratos Promessa, o Recorrido não tem o direito de se opor àquela resolução, que é válida, nem o direito de requerer a execução específica dos Contratos-Promessa, na medida em que por um lado, os mesmos foram resolvidos, e, por outro, o direito à execução específica dos Contratos-Promessa foi expressamente afastado pelas partes. A aludida cláusula 2.2 constitui uma convenção que, por conferir direito de arrependimento à promitente-vendedora, a ora Recorrente, afasta o funcionamento da execução específica. Trata-se da "convenção em contrário" a que alude o artigo 820.° do Código Civil.
J. Ao decidir em sentido contrário, indeferindo a excepção de resolução, a douto Tribunal a quo violou na sentença em crise os artigos 399.°, 426.°, n.º 1, e 430, n.º 1, todos do Código Civil, pelo que deve esta ser revogada e substituída por outra que, julgando procedente a presente excepção, julgue improcedente a presente acção.
K. Prevendo a improcedência do pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, o Recorrido peticiona, a título subsidiário, uma indemnização pelo dano excedente, alegadamente a coberto da norma do n.º 4 do artigo 436.º do Código Civil.
L. Porém, esta norma apenas se aplica perante o "não cumprimento do contrato" e, como ficou demonstrado supra, os Contratos-Promessa foram validamente resolvidos pela ora Recorrente sem que se verificasse qualquer incumprimento da sua parte.
M. Em todo o caso, o Recorrido nunca teria direito a ser indemnizada pelo dano excedente, por não estarem preenchidos os requisitos de que depende a aplicação do n.º 4 do artigo 436.° do Código Civil, não podendo, caso o presente recurso seja julgado procedente e indeferido o direito do Recorrido à execução específica dos Contratos-Promessa, ser-lhe reconhecido o direito à alegada indemnização pelo dano excedente.
N. Em 22 de Maio de 2014, a Recorrente requereu a notificação judicial avulsa do Autor para, nos termos da aludida cláusula 2.2 e do n.º 1 do artigo 426.º do Código Civil, fazer operar a resolução dos Contratos-Promessa, pelo que, julgando-se procedente o presente recurso, deve a douta Sentença Recorrida ser revogada, por violar o artigo 399.º do Código Civil (princípio da autonomia privada e liberdade contratual das partes - pois a Recorrente fez operar uma causa de resolução fundada em convenção, nos termos do n.º 1 do artigo 426.° do Código Civil, mediante declaração à contraparte, nos termos do n.º 1 do artigo 430.° do mesmo diploma) e substituída por outra, que declare que os Contratos-Promessa foram resolvidos através da sobredita notificação judicial avulsa.
O. Ainda que o fosse procedente o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, o que não se concede, não pode deixar de se reconhecer o direito da Recorrente de receber os valores resultantes do aumento dos custos de construção das Fracções.
P. A douta Sentença Recorrida, na medida em que indefere o pedido reconvencional subsidiário da Recorrente, de condenação do Recorrido no pagamento do aumento dos custos de construção, viola o n.º 2 do artigo 752.° do Código Civil, pelo que, ainda que o douto Tribunal ad quem confirme a douta Sentença Recorrida na medida em que defere o pedido de execução específica dos Contratos-Promessa, não pode deixar de revogar a sentença em crise e substituí-la por outra, que condene o Recorrido a pagar à Recorrente os valores resultantes do aumento dos custos de construção das Fracções.
*
O Autor respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 631 a 647 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- A Ré é titular dos direitos resultantes da concessão por arrendamento das autónomas "E DEZASSETE", do décimo sétimo andar "E", "E DEZANOVE", do décimo nono andar "E" e "F DEZANOVE", do décimo nono andar "F", para escritórios, do prédio urbano sito em Macau, no XX, Zona XX, Lote XX, registadas a seu favor na CRP, sob a inscrição n.º 4XX1, a fls. XX do Livro XX, com o título constitutivo da propriedade horizontal inscrito definitivamente sob o n.º XXXX2F. (alínea A) dos factos assentes)
- No dia 30 de Dezembro de 2010, a Ré constitui uma hipoteca voluntária no valor de HK$250.000.000,00, a favor do "Banco E, S.A." sobre o prédio supra identificado. (alínea B) dos factos assentes)
- Por três contratos-promessa de compra e venda formalizados no dia 19 de Abril de 2011, a Ré prometeu vender, e o Autor prometeu comprar, as fracções autónomas referidas supra, pelo preço seguinte:
* fracção "E DEZASSETE", do décimo sétimo andar "E", pelo preço de HK$2.894.000,00 equivalente a MOP$2.980.820,00; e
* fracção "E DEZANOVE", do décimo nono andar "E", pelo preço de HK$2.894.000,00 equivalente a MOP$2.980.820,00; e
* fracção "F DEZANOVE", do décimo nono andar "F", pelo preço de HK$2.196.000,00 equivalente a MOP$2.261.880,00;
tudo conforme as públicas-formas dos três contratos promessa juntas como p.i. e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea C) dos factos assentes)
- O valor supra id. para cada uma das referidas Fracções foi pago integralmente na data da celebração de cada um dos referidos Contratos-Promessa, nos termos das suas cláusulas 2.1. (alínea D) dos factos assentes)
- Nos termos das cláusulas 10 e 10.1 de cada um dos referidos Contratos-Promessa, o Autor responsabilizou-se pelo pagamento do imposto do selo, emolumentos notárias (as despesas da escritura) e de registo, bem como os honorários de advogados. (alínea E) dos factos assentes)
- As partes combinaram ainda na cláusula 11.2 dos referidos Contratos-Promessa que a data da outorga das escrituras de compra e venda fosse indicada pela Ré e prometido que, na data acordada, compareceria no escritório da Dr.ª F para outorgar a escritura. (alínea F) dos factos assentes)
- Em 22 de Maio de 2014 a Ré requereu a notificação judicial avulsa do Autor da declaração da resolução dos três Contratos-Promessa, tendo disponibilizado os valores ali referidos, nos seguintes montantes
i. HK$5.788.000,00, equivalente a MOP$5.961.640,00 (cinco milhões, novecentas e sessenta e uma mil, seiscentas e quarenta patacas), relativamente à fracção "EI7";
ii. HK$5.788.000,00, equivalente a MOP$5.961.640,00 (cinco milhões, novecentas e sessenta e uma mil, seiscentas e quarenta patacas), relativamente à fracção "E19";
iii. HK$4.392.000,00, equivalente a MOP$4.523.760,00 (quatro milhões, quinhentas e vinte e três mil, setecentas e sessenta patacas), relativamente à fracção "F19",
tudo conforme o documento de fls. 73-98 cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (alínea G) dos factos assentes)
- Em 05 de Junho de 2014 o Autor respondeu a essa declaração de resolução dos três Contratos-Promessa dizendo à Ré que ela não dispunha de fundamento legal para resolver os Contratos-Promessa (ponto l); que ele não concordava nem aceitava tal resolução (ponto 2); que ele se recusava a aceitar a indemnização ali proposta da Ré (ponto 3); que ela completasse as obras em curso e ultimasse os procedimentos notariais após receber esta carta (ponto 4) e que, por último, tratasse da marcação da data da assinatura da escritura de compra e venda das Fracções o mais rápido possível - tudo conforme o documento de fls. 99-100 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos. (alínea H) dos factos assentes)
- Da cláusula 2.2. dos contratos de promessas consta: “Após a celebração do contrato, se a Parte A não pretender vender, deve restituir à Parte B o sinal em dobro”. (alínea I) dos factos assentes)
- A Ré não marcou a data das escrituras até à presente data. (alínea J) dos factos assentes)
- O Autor, após a notificação judicial avulsa supra referida, contactou a Ré para pagar o aumento do custo de construção suportados na parte referente às fracções aludidos, o que não foi aceite. (alínea K) dos factos assentes)
- Em 01 de Junho de 2012 a Ré solicitou ao Autor o pagamento de um valor para correcção do preço de venda das fracções, invocando para o efeito o aumento da construção, tudo conforme doc. 4 junto com a contestação cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea L) dos factos assentes)
- Na sequência da comunicação referida em L) o Autor recusa-se a pagar os valores aí identificados. (alínea M) dos factos assentes)
- Em 25 de Abril de 2011 e 06 de Outubro de 2014 a Autor pagou o imposto de selo e selo do conhecimento relativo às transmissões intercalares das Fracções no valor MOP$59.380,00. (resposta ao quesito 1° da base instrutória)
- Após do envio da carta referida em H), o Autor pediu por mais de duas vezes à Ré que cumprisse os três contratos-promessa em causa, marcando para o efeito as respectivas escrituras de compra e venda. (resposta ao quesito 2° da base instrutória)
- O valor das mesmas fracções, à data do registo da presente acção, cifram-se nos seguintes montantes:
* Fracção "E DEZASSETE", do décimo sétimo andar "E", MOP$18.825.000,00;
* Fracção "E DEZANOVE", do décimo nono andar "E", MOP$18.825.000,00;
* Fracção "F DEZANOVE", do décimo nono andar "F", MOP$14.285.000,00. (resposta ao quesito 3° da base instrutória)
- Os valores consagrados nos contratos supra id. como preço são inferiores aos do mercado à data da celebração respectiva. (resposta ao quesito 4° da base instrutória)
- Tal valor resultou da administração da Ré conhecer o Autor, e como atenção ao mesmo. (resposta ao quesito 5° da base instrutória)
- ... e, por outro lado, porque as Fracções se inseriam, então, num edifício em construção com avanços e recuos, que se arrastava já desde a primeira metade da década de 90. (resposta ao quesito 6° da base instrutória)
- O processo de construção do edifício onde se incluem as Fracções iniciou-se na primeira metade dos anos 90, mas parou. (resposta ao quesito 12° da base instrutória)
- Só no segundo semestre de 2010 a Ré colocou em prática o seu plano para recomeçar a reconstrução do edifício, tendo retomado as obras no princípio de 2011. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- Sucede, porém, que muitos dos materiais aplicados no início da construção tiveram que ser substituídos. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- O Autor recusou-se a pagar o valor assim solicitado pela Ré. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- Durante o ano de 2011 os custos de construção de fracções para escritórios (em relação aos custos de 1995, época de início de construção do edifício das Fracções) aumentarem em HK$649,00 por pé quadrado. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- Alguns dos promitente-compradores das mais de três centenas de fracções do edifício, aceitaram pagar o valor nos termos que constam da carta junta aos autos sob doc. 4. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
*
III – Fundamentação
A. Do recurso final:
1. Da impugnação da matéria de facto:
Vem a Ré impugnar a decisão da matéria de facto quanto aos quesitos 10º, 11º e 14º, a saber:
10º
   “No momento da celebração dos Contratos-Promessa, a Ré já sabia que iria ter de solicitar ao Autor um ajuste do preço de compra das Fracções, tendo em conta um aumento dos custos de construção?”
11º
   “…tendo disso dado conhecimento ao Autor e que iria entrar em contacto consigo oportunamente, para acertar o ajuste do preço de compra?”
14º
   “Sucede, porém, que muitos dos materiais aplicados no início da construção tiveram que ser substituídos e os custos dessa substituição foram sendo apurados durante o ano de 2011?”
Os quesitos 10º e 11º foram julgados como não provados enquanto o quesito 14º foi considerado parcialmente provado nos seguintes termos: “Sucede, porém, que muitos dos materiais aplicados no início da construção tiveram que ser substituídos”.
Na óptica da Ré, os aludidos quesitos deveriam ser considerado provados na sua íntegra.
Para sustentar a sua posição, indicou o depoimento das testemunhas C e D.
Quid iuris?
Como é sabido, segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.° do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
A justificar tal princípio e aquilo que permite a existência do mesmo, temos que o Tribunal a quo beneficia não só do seu prudente juízo e experiência, como da mais-valia de um contacto directo com a prova, nomeadamente, a prova testemunhal, o qual se traduz no princípio da imediação e da oralidade.
Sobre o princípio da imediação ensina o Ilustre Professor Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil, I, 175), que “é consequencial dos princípios da verdade material e da livre apreciação da prova, na medida em que uma e outra necessariamente requerem a imediação, ou seja, o contacto directo do tribunal com os intervenientes no processo, a fim de assegurar ao julgador de modo mais perfeito o juízo sobre a veracidade ou falsidade de uma alegação”.
Já Eurico Lopes Cardoso escreve que “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe.” (in BMJ n.º 80, a fIs. 220 e 221)
Por sua vez Alberto dos Reis dizia, que “Prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador seguindo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei. Daí até à afirmação de que o juiz pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas, vai uma distância infinita. (...) A interpretação correcta do texto é, portanto, esta: para resolver a questão posta em cada questão, para proferir decisão sobre cada facto, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, forma sua convicção como resultado de tal apreciação e exprime-a na resposta. Em face deste entendimento, é evidente que, se nenhuma prova se produziu sobre determinado facto, cumpre ao tribunal responder que não está provado, pouco importando que esse facto seja essencial para a procedência da acção” (in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora IV, pago 570-571.)
É assim que “(...) nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (art. 436º do CPC), do ónus da prova (art. 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (art. 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (art. 557º do CPC), da livre apreciação das provas (art. 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é "livre" até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito do arts. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo. Só assim se compreende a tarefa do julgador, que, se não pode soltar os demónios da prova livre na acepção estudada, também não pode hipotecar o santuário da sua consciência perante os dados que desfilam à sua frente. Trata-se de fazer um tratamento de dados segundo a sua experiência, o seu sentido de justiça, a sua sensatez, a sua ideia de lógica, etc. É por isso que dois cidadãos que vestem a beca, necessariamente diferentes no seu percurso de vida, perante o mesmo quadro de facto, podem alcançar diferentes convicções acerca do modo como se passaram as coisas. Não há muito afazer quanto a isso.” (Ac. do TSI de 20/09/2012, proferido no Processo n° 551/2012)
Deste modo, “A reapreciação da matéria de facto por parte desta Relação tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação” (Ac. do STJ de 21/01/2003, in www.dgsi.pt)
Com efeito, “não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.(...).” (Ac. do RL de 10/08/2009, in www.dgsi.pt.)
Ou seja,
Uma coisa é não agradar à Ré o resultado da avaliação que se faz da prova, o que parece ser o caso, e outra bem diferente é detectarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório, o que, salvo devido respeito não sucede no caso sub judice, carecendo em absoluto a Ré de razão ao invocar a violação de tal princípio.
A Ré insurge-se quanto à resposta dada aos quesitos com base no depoimento das testemunhas e retirando dos mesmos o sentido que mais lhe convém.
Ora, em face da prova efectivamente produzida e atentas as regras e entendimento acima enunciados, não assiste razão à Ré ao colocar em causa a apreciação e julgamento da matéria de facto realizada pelo douto Tribunal a quo que não poderia ter decidido em sentido diverso daquele que decidiu, pois, tal como justificou o Tribunal a quo na sua fundamentação da formação da convicção que “… o preço acordado pelas partes é elemento essencial do contrato, a possibilidade de alteração do preço não pode deixar de ser considerado como convenções adicionais ao próprio conteúdo dos documentos. Nos termos do nº 1 do artº 388º, quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo dos documentos autênticos ou particulares mencionados nos artºs 367º a 373º não é admissível a prova por testemunhas, assim, só as palavras das testemunhas, sem qualquer documento que registam as convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento não têm força probatória para comprovar o conteúdo contrário ou para além do documento”.
É de negar provimento ao recurso nesta parte.
2. Do mérito da causa:
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
   “…
   Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
   Considerando as posições expostas pelas partes, a solução do presente litígio importar apreciar as seguintes questões relevantes:
   - Natureza jurídica dos contratos celebrados entre o Autor e a Ré;
   - Cláusula resolutiva;
   - Abuso de direito;
   - Execução específica
   - Expurgação da hipoteca
   - Reconvenção
   Natureza jurídica dos contratos celebrados entre o Autor e a Ré
   Em relação à qualificação jurídica dos contratos celebrados, não existe dissíduo entre as partes a classificação dos mesmos como contratos-promessa a que se refere o art° 404° do C.C..
   Pois, está assente que o objecto dos três contratos consiste em a Ré prometer vender e o Autor prometeu compra três fracções autónomas "E17", "E19" e "F19", pelos preços fixados em HK$2.894.000,00, HK$2.894.000,00 e HKD2.196.000,00, respectivamente.
   Dessa factualidade decorre para a Ré a obrigação de emitir uma declaração de vontade de venda dos bens prometidos ao Autor e para esta o direito de exigir àquela a celebração do contrato de compra e venda relativa às fracções autónomas.
   Os três contratos constam dos documentos de fls. 54 a 65, sendo celebrados de acordo com a forma exigida pela lei, atento o disposto do nº 2 do art° 404° e 866° do C.C..
   Cláusula resolutiva
   Argumenta a Ré que as partes têm estipulado convenção que confere ao promitente-vendedor a faculdade de resolver, unilateralmente, os contratos, justificando que os preços da venda das fracções autónomas em causa eram fixados abaixo do valor do mercado e com a previsão da possibilidade de correcção do preço em função do aumento dos custos de construção, não obstante, o Autor recusou peremptoriamente o pagamento dos montantes adicionais, perante a atitude do Autor, a Ré declarou, no exercício dessa faculdade, a vontade da resolução dos contratos por via da notificação judicial avulsa do Autor, tendo este sido notificado, entendendo que os três contratos-promessa já se encontraram resolvidos.
   Para saber se os contratos em causa ainda poderão produzir efeito em relação aos contraentes, urge aquilatar se a resolução alegada pela Ré é validamente efectuada, isto é, se as contraentes estipularam, realmente, a cláusula resolutiva, tal como alegou a Ré.
   A resolução é uma declaração unilateral recipienda ou receptícia pela qual uma das partes, dirigindo-se à outra, põe termo ao negócio retroactivamente, destruindo assim a relação contratual.
   Dispõe-se o nº 1 do art° 426° do C.C., que "É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção."
   A resolução legal pressupõe o não cumprimento definitivo. São casos comuns de não cumprimento a impossibilidade culposa, incumprimento definitivo ou incumprimento definitivo oriundo da conversão da situação da mora.
   Outra base legal da resolução do contrato é a existência de cláusula resolutiva expressa, através do qual as partes podem reservar a faculdade de revogar o contrato, normalmente quando certa e determinada obrigação não seja cumprida ou determinadas circunstâncias não se ocorrerem conforme o estipulado contratualmente.
   No caso em apreço, foi invocada pela Ré como causa legítima da resolução a existência de convenção resolutiva, que é a cláusula 2.2. inserida nos três contratos.
   Vejamos se a tal convenção confere, efectivamente, a faculdade ao promitente-vendedor o direito de desvincular a relação obrigacional estabelecida.
   Segundo o regime jurídico do contrato-promessa actual, a lei confere ao promitente-comprador o direito de execução específica dos contratos-promessa, independentemente da existência ou não do sinal. O contrato-promessa é, em regra, vinculado para o promitente-vendedor, o exercício do chamado direito ao arrependimento ou o afastamento da execução específica só é permitido no caso de haver convenção expressa.
   Decide-se o T.S.I., a propósito dum caso semelhante, mas o promitente-vendedor pretendeu a resolução o contrato-promessa por sua iniciativa com base no cumprimento imputável a si própria, "Pois no fundo, a nossa lei, na falta de convenção expressa em contrário, não quis conferir incondicionalmente ao promitente vendedor o chamado "direito ao arrependimento", e mas sim impõe que o exercício desse direito fique condicionado pelo não exercício por parte do promitente comprador do direito a recorrer à execução especifica, o que se justifica pela necessidade de evitar, ou pelo menos reduzir a verificação de "situações imorais na prática do contrato-promessa, estimuladas pela desvalorização monetária e pelo próprio acréscimo efectivo do valor dos bens." (cfr. Acórdão do T.S.I., nº 1002/2015, 17/03/2016)
   Portanto, se o contrato-promessa for conceituado como meio de vinculação insusceptível de revogação unilateral, salvo convenção em contrária das partes. Essa convenção estipulada pelas partes para afastar a regra geral tem que ser clara, com a manifestação inequívoca da vontade das partes de conferir ao promitente vendedor o direito de resolver o contrato.
   Consta da cláusula 2.2 o seguinte teor : "簽立本合約後,如甲方放棄賣出,則以雙倍訂金賠償對方。" Significa em português que se a parte A não pretender ou desistir de vender, indemnizará à contraparte o dobro do sinal.
   Da literalidade da cláusula se refere somente a consequência a advir para a promitente-vendedor se "não pretendeu ou desistiu de vender" após a celebração do contrato. O termo "não pretender vender" ou "desistir de vender" é um facto ou realidade, que poderá derivado de incumprimento, da impossibilidade ou de outra causa.
   Não nos podemos olvidar que o que se salienta, nessa cláusula, mais não é a consequência para o promitente-vendedor se não querer honorar o seu compromisso. A sanção indemnizatória estipulada pelas partes, o dobro do sinal, é exactamente a que é prevista pela lei para o caso de incumprimento imputável ao promitente-vendedor. (art° 436°, nº 2 do C.C.) Não obstante de ser previsão legal, a estipulação expressa da consequência legal do incumprimento do contrato é uma prática não menos utilizada nos contratos-promessa de compra e venda relativa aos imóveis.
   Portanto, o sentido dessa cláusula mais não é a estipulação da sanção indemnizatória para o promitente-vendedor no caso de não vender. A expressão "放棄賣出" refere-se somente ao não cumprimento por parte do promitente-vendedor.
   Repara-se que não se constata nessa cláusula qualquer circunstância ou obrigação cuja verificação ou incumprimento importar a resolução do contrato.
   No caso, o promitente-comprador já cumpriu a sua prestação, pagando a totalidade do preço ao promitente-vendedor no momento da celebração do contrato-promessa, em regra, só aguardará o promitente-vendedor a cumprir a sua obrigação de alienar. Nessas circunstâncias, não faria muito lógica que as partes conferiram ao promitente-vendedor e só a ele, o poder de manter ou pôr em termo o contrato.
   Pois, se as partes quisessem mesmo a conferir apenas ao promitente-vendedor, a faculdade de revogar, com toda a liberdade e sem necessidade de qualquer causa, deveriam declarar expressa e inequivocamente essa vontade. O que não é o caso.
   Nestes termos, não se acha que, por via dessa cláusula, as partes querem conferir ao promitente-vendedor a faculdade de revogar o contrato por sua iniciativa e à vontade.
   Assim, na falta de estipulação expressa que confere ao promitente-vendedor, a faculdade de resolução do contrato, não se achamos que estamos perante uma cláusula resolutiva.
   A referida cláusula também não tem qualquer sentido de afastamento da execução específica.
   Não tendo a Ré o direito resolver os contratos-promessa unilateralmente e por sua iniciativa com base na cláusula invocada, considerando a ideia de que o direito ao arrependimento por parte do promitente-vendedor está condicionado com o não exercício da execução específica do promitente-comprador, a notificação judicial avulsa nunca poderá produzir o efeito de resolução dos contratos celebrados entre o Autor e a Ré.
   Abuso de direito
   Defende a Ré que o Autor sabia, que, no momento de celebração dos contratos-promessa, o preço acordado pelas partes era de favor e que o mesmo estaria sujeito à correcção em função do aumento dos custos da construção. Ao recusar o Autor a proceder ao pagamento dos montantes adicionais, resultantes do aumentos do preço de construção, exigindo a execução específica dos contratos-promessa, terá o Autor agido com abuso do direito, devendo ao mesmo ser vedado o direito de execução específica.
   Dispõe-se o art° 326° do C.C. que, "É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos ela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito."
   "O abuso do direito pressupõe logicamente a existência do direito (direito subjectivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele dever ser exercido." (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição p.300).
   Sobre a noção do abuso do direito, a doutrina vária no tocante à delimitação da actuação abusiva. Manuel de Andrade fala-se "dos direitos exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça". Para Vaz Seria, "há abuso do direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante"
   Hoje em dia, uma das manifestações mais corrente do abuso de direito na doutrina e jurisprudências é "venire contra factuam proprium". O venire postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si e diferidas no tempo. A primeira - o factum proprium é contrariada pela segunda."
   Nas palavras do Prof. Baptista Machado, "o ponto de partida é uma anterior conduta de um sujeito jurídico que "objectivamente considerada é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira". (Tutela da confiança e "venire contra factum proprium" in RLJ, ano 117 e ss)
   O abuso do direito pressupõe uma conduta anterior do abusante que criará na contraparte a legítima confiança, e uma conduta posterior daquela contrária à sua conduta anterior pelo abusante, frustrando a confiança que gerada pelo seu comportamento.
   No caso em apreço, de acordo com os factos apurados, não se afigura haver matéria fáctica que se suporta a confiança depositada pela Ré no comportamento do Autor.
   A Ré falava do preço fixado nos contratos era de favor e que sujeita ao aumento posterior. Mas, não consta dos contratos qualquer menção sobre o eventual aumento do preço concertado pelas partes.
   Feita a prova, não logrou a Ré provar que o Autor sabia que os preços seriam corrigidos em função do aumento dos custos da construção.
   Conforme os factos assentes, vem comprovado apenas que a Ré prometeu a vender três fracções autónomas pelos preços determinados ao Autor e já recebeu a totalidade dos preços fixados da parte do Autor.
   Dispõe-se o nº 1 do art° 400° do C.C., que "o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei."
   Assim, na falta de prova da existência de convenção adicional, contemporânea ou posterior quanto ao preço da venda, não poderá a promitente-vendedora, ora Ré, alterar, sem o consentimento da contraparte, o preço já acordado, exigindo ao promitente-comprador o pagamento de montante adicional.
   Desse modo, notificado o Autor pela Ré para proceder ao pagamento adicional, terá o Autor o direito de recusar de pagar mais do que aquilo que foi acordado pelas partes.
   Portanto, a recusa de pagamento adicional do preço por parte do Autor é legítima, não se acha que o Autor infringiu no cumprimento dos contratos-promessa.
   Sendo legítima a recusa de pagamento adicional do preço, essa conduta do Autor não poderá servir, sob o ponto de vista de homem médio, para justificar qualquer expectativa por parte da Ré, se a houver, de o Autor ter perdido o seu interesse no cumprimento dos contratos-promessa, bem ao contrário, a recusa de pagamento de mais montante deverá ser entendido como manifestação inequívoca por parte do promitente-comprador de exigir a contraparte no cumprimento escrupuloso da sua obrigação contratual de vender nos precisos termos dos três contratos-promessa.
   A confiança alegada pela Ré, mesmo que existisse, não é justificada nem legítima.
   Nestes termos, perante a manifestação categórica de não honrar o compromisso de vender pelo promitente-vendedor, o Autor, na qualidade de promitente-compradora, lança mão ao mecanismo legal de execução específica, que lhe é conferido pela lei, não se afigura que a conduta do Autor ofende clamorosamente o sentimento ético-jurídico que poderá ser integrada na concepção de abuso de direito.
   Assim, nada impede ao Autor o recurso à execução específica dos contratos-promessa.
   Execução específica
   Não tendo sido resolvidos os contratos-promessa, analisaremos se no presente caso concreto se reuniam os requisitos para a execução específica.
   Prevê-se o artigo 820º do Código Civil de Macau, o seguinte:
   "1. Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.
   2. Para efeitos do número anterior, a simples existência de sinal prestado no contrato-promessa, ou a fixação de pena para o caso de não cumprimento deste, não é entendida como convenção em contrário e, ainda que tenha havida convenção em contrário, o promitente-adquiridor, relativamente à promessa de transmissão ou constituição onerosa de direito real sobre prédio ou fracção autónoma dele, goza do direito à execução específica, contanto que tenha havido a seu favor tradição da coisa objecto do contrato.
   3 ...."
   Estatui-se ainda no artigo 435º do mesmo Código que "No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço."
   Como se refere, a existência ou não do sinal não constitui obstáculo do recurso à execução específica.
   No entanto, a letra do nº 1 do art° 820° fala-se de "não cumprir a promessa", há interesse apurar se a expressão aqui usada se refere a incumprimento temporário ou incumprimento definitivo.
   Sobre a questão em causa, ensina João Calvão da Silva, "O pressuposto da chamada execução específica do contrato, é a mora e não o incumprimento definitivo." in «Sinal e contrato promessa», pág. 97.
   Por outro lado, decidiu, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 1966, CJ, 1996, 2°-153, "A mora do devedor é pressuposto da execução específica do contrato-promessa. Tal mora depende de o devedor ter sido interpelado-judicial ou extrajudicialmente para cumprir. Tal interpelação só pode ser efectuada a partir do momento em que o credor pode exigir a realização da prestação devida."
   É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência da admissibilidade de recurso à execução específica no caso de mora, bastando o atrasamento no seu cumprimento para a execução específica da promessa.
   In casu perante a firme posição tomada pela Ré, após a recusa expressa de pagamento por parte do Autor de montantes adicionais exigidos, em declarar resolução dos três contratos-promessa por via de notificação judicial avulsa, é claro que a Ré não pretendeu cumprir a sua prestação, essa conduta da Ré não poderá deixar ser entendida como incumprimento definitivo, sendo imputável, como é óbvio, a si própria.
   Outro requisito para que a execução específica, sem eficácia real, seja viável é o bem se encontra registado em nome do promitente-vendedor.
   Disse, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/02/1989, "Em contrato-promessa de compra e venda, despido de eficácia real, a venda do objecto do contrato a terceiro impede a execução específica deste."
   "A possibilidade de execução específica não significa eficácia real, daí que não tenha lugar se, entretanto, o promitente vendedor já vendeu o prédio a terceiro. Então se essa transferência se tiver verificado não se pode, por sentença judicial, provocar a aquisição do mesmo". (Mota Pinto, in Direitos Reais, pag.142)
   Segundo o teor da certidão do registo predial, encontram-se ainda registadas a favor da Ré as fracções autónomas "E17", "E19" e "F19", pelo que nada impede o recurso à execução específica.
   Dispõe-se o nº 6 do artigo 820° do C.C. que "Tratando-se de -contrato em que ao obrigado seja lícito invocar a excepção de não cumprimento, a acção improcede, se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal."
   No caso, como a promitente-compradora tem pago a totalidade do preço acordado no momento da celebração do contrato-promessa, não há por parte do Autor a obrigação de prestação de pagamento de demais quantia.
   Em conclusão, verificando o incumprimento da promessa por parte da Réu, não haja incompatibilidade com a substituição da declaração da vontade por parte do promitente vendedor, e atento ao facto de ainda se encontrarem registadas a favor da Ré as fracções autónomas em causa, e tendo já o Autor pago a totalidade do preço, o pedido de execução específica deverá proceder.
   Deverá julgar-se procedente o pedido de execução específica.
   Expurgação da hipoteca
   Para além da execução específica, o Autor exige que a Ré seja condenada no montante necessário do débito garantido e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até integral pagamento, para efeito de expurgação da hipoteca no termos do art° 820°, nº 5 do C.C.
   O art° 820°, nº 4 e 5º do C.C. prevêem-se o seguinte:
   "4. Tratando-se de promessa, sujeita a execução específica, relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre prédio, ou fracção autónoma dele, sobre que recaia hipoteca, pode o promitente-adquirente, para efeito de expurgação da hipoteca, requerer que a sentença referida no nº 1 condene valor nele correspondente à fracção objecto do contrato, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até integral pagamento.
   5. O disposto no número anterior só se aplica, porém, se;
   a) A hipoteca tiver sido constituída posteriormente à celebração da promessa;
   b) A hipoteca tiver sido constituída para garantia de um débito do promitente faltoso a terceiro, pelo qual o promitente-adquirente não seja responsável;
   c) A extinção da hipoteca não proceder a mencionada transmissão ou constituição, nem coincidir com esta."
   Dos factos está assente que no dia 30 de Dezembro de 2010, a Ré constitui uma hipoteca e uma consignação de rendimentos voluntários, para garantia de créditos até ao limite de HK$250.000.000,00, ...a favor do Banco E, sobre o prédio onde se integra as três fracções autónomas discutidas nos autos.
   A hipoteca foi constituída em 30 de Novembro de 2010, enquanto os contratos-promessa foram celebrados em 19 de Abril de 2011. Pelo que, a hipoteca foi constituída antes e não depois da celebração dos contratos-promessa celebrado entre o Autor e a Ré
   Logo, não se preenche um dos requisitos cumulativos para expurgação da hipoteca, não tendo o Autor o direito de exigir ao promitente faltoso de entregar montante para efeito de expurgação da hipoteca.
   Desse modo, julga-se improcedente esse pedido.
   Conhecendo o pedido principal, fica prejudicada apreciação dos pedidos subsidiários formulados pelo Autor.
   Reconvenção
   Em reconvenção, pretende a Ré formula dois pedidos, em subsidiário:
   i) A declaração da resolução dos três contratos-promessa com fundamento de resolução convencional;
   ii) Da condenação do Autor no pagamento do aumento dos custos de construção.
   Resolução dos contratos-promessa
   Em relação ao primeiro pedido, conforme o que se deixa referido acima quanto à cláusula de resolução, uma vez que não se entende que existe cláusula resolutiva, tal como alegou a Ré, não poderá a mesma destruir os contratos em causa com base da resolução convencional.
   Logo, esse pedido reconvencional não poderá deixar de ser naufragado.
   Aumento do preço da venda
   Pretende a Ré, em subsidiário à procedência do pedido de execução específica, a exigir ao Autor o pagamento dos montantes decorrentes do aumento dos custos de construções das fracções.
   Fundamenta o seu pedido por força do princípio de boa fé, alegando que o Autor foi informado, por ocasião da assinatura dos contratos-promessa, da possibilidade de ter que pagar esses valores como ajustamento do preço das fracções aos custos da construção.
   Na óptica da Ré, apesar de ter fixado um preço certo para a transmissão das fracções autónomas, objecto dos contratos-promessa, esse preço é susceptível de alteração em função do aumento dos custos de construção, conforme o acordado pelas partes.
   No entanto, nada consta dos factos tidos por assentes que o Autor prometeu a pagar mais valores, para além do preço fixado nos contratos-promessa, decorrente do aumento dos custos de construção.
   Sem estipulação expressa da possibilidade de alteração do preço, não poderá o promitente-vendedor modificar, unilateralmente, o elemento essencial do contrato, exigindo, a contraparte a pagar mais valores, para além do preço fixado, alegando o aumento dos custos de construção.
   Ao contrário, tendo o promitente-vendedor prometido vender as fracções pelo preço certo, o princípio de boa fé exige-lhe a honorar o seu compromisso, não podendo modificar arbitrariamente os elementos do contrato, sem consentimento da outra parte.
   Nestes termos, julga-se improcedente esse pedido.
***
   IV) DECISÃO
   Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga procedente a acção e, improcedente a reconvenção, em consequência, decide:
   - Substituir-se à Ré A SARL (A有限公司) a emitir a declaração de no sentido de vender ao Autor B, pelo preço de HK$2.894.000.00, HK$2.894.000,00 e HK$2.196.000,00, respectivamente, a fracção autónoma designada por "E17" do 17° andar "E", as fracções "E19" e "F19" do 19° andar "E" e "F", todas para escritório, do prédio urbano sito em Macau, no Fecho da XX, Zona XX, Lote XX, descrito na CRP de Macau sob o número XXX95, inscrita a favor da Ré sob a inscrição o nº 4XX1, a fls. XX do Livro XX; e
   - Julgar-se improcedente o restante pedido formulado pelo Autor, absolvendo a Ré do pedido;
   - Julgar-se improcedentes todos os pedidos reconvencionais formulados pela reconvinte/ Ré, absolvendo o Autor/reconvinda desses pedidos.
*
   Custas pelo Autor e Ré na proporção do seu decaimento fixadas em 1/10 e 9/10.
*
   Registe e Notifique…” .
Trata-se duma decisão que aponta para a boa solução do caso com a qual concordamos na sua íntegra.
Assim, ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, negamos provimento ao recurso quanto ao mérito, remetendo para os fundamentos invocados na sentença recorrida.
B. Do recurso interlocutório:
Vem recorrer a Ré das decisões que se indeferiram a sua reclamação da primeira perícia para a determinação do preço das fracções autónomas à data do registo da presente acção, bem como o pedido da realização da segunda perícia para o mesmo efeito.
Ora, com a confirmação da sentença recorrida que determinou a execução específica do contrato-promessa de compra e venda em referência, torna-se desnecessário apreciar o recurso interposto, na medida em que o preço das fracções autónomas à data do registo da presente acção só tem relevância para o eventual cálculo da indemnização por dano excedente em caso da impossibilidade da execução específica.
Por outro lado, como a Ré não impugnou a decisão da matéria de facto constante do quesito 3º (sobre o preço das fracções à data do registo da acção), cuja resposta foi dada com base no resultado da perícia em causa, o que também revela a desnecessidade do conhecimento desse recurso.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam:
- em negar provimento ao recurso final, confirmando a sentença recorrida; e
- não conhecer o recurso interlocutório por desnecessidade.
*
Custas do recurso final pela Ré.
Sem custas para o recurso interlocutório.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 12 de Outubro de 2017.

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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong




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593/2017