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Processo nº 375/2016
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 09 de Novembro de 2017

ASSUNTO:
- Declaração da caducidade da concessão
- Recorribilidade do acto
- Falta de publicação do acto
- Falta de fundamentação
- Falta de audiência prévia
- Violação do princípio da proporcionalidade
- Desvio do poder

SUMÁRIO:
- A declaração da caducidade da concessão provisória do terreno é um acto administrativo contenciosamente recorrível por produzir efeitos directos na esfera jurídica individual e concreta da concessionária, pois, implica a desocupação do terreno concedido sem qualquer direito a indemnização, bem como a perda do prémio pago (cfr. artº 168º da Lei nº 10/2013).
- Tanto a publicação como a notificação do acto administrativo visam dar conhecimento ao seu destinatário dos elementos essenciais do acto administrativo propriamente dito.
- Assim, ainda que se verificasse a falta/insuficiência de publicação do acto, nunca conduz à invalidade do próprio acto administrativo, pois quando a publicação/notificação omita os elementos legalmente exigidos, determina, consoante os casos, a ineficácia do acto (se a publicação/notificação não dê a conhecer o sentido, o autor e a data da decisão) – artº. 26º, nº 1, do CPAC, ou simplesmente a suspensão da contagem do prazo de recurso – artº 27º do CPAC.
- Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
- O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
- Cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados” .
- A nova Lei de Terra prevê duas situações da caducidade da concessão dos terrenos urbanos, a saber:
1. A falta de aproveitamento dentro do prazo fixado (cfr. artº 166º da Lei nº 10/2013); e
2. O termo do prazo da concessão provisória sem que a concessão convertida em definitiva (cfr. artºs 48º, nº 1 e 52º, todos da Lei nº 10/2013).
- Para a primeira situação, a Lei de Terra permite, a requerimento do concessionário, a suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno sob autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo (nº 5 do artº 104º da Lei nº 10/2013).
- O que já não acontece para a segunda situação, pois o legislador não prevê outra alternativa para além da caducidade da concessão provisória.
- A audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPAC, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
- Uma vez que a declaração da caducidade no caso do termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva constitui uma actividade administrativa vinculada, a audiência prévia do interessado deixa de ter qualquer relevância, já que nada pode influenciar a decisão a tomar pela Entidade Recorrida.
- A violação do princípio da proporcionalidade e o desvio do poder não são operantes na actividade administrativa vinculada.
O Relator,

Ho Wai Neng




Processo nº 375/2016
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 09 de Novembro de 2017
Recorrente: Macau – Obras de Aterro, Limitada
Entidade Recorrida: O Senhor Chefe do Executivo

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Macau – Obras de Aterro, Limitada, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 09/03/2016, pelo qual se declarou a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo nº 8/2016 da Comissão de Terras, concluíndo que:
1. Com o presente recurso contencioso, a Recorrente vem pedir a anulação do acto administrativo que foi notificado pessoalmente à Recorrente por carta registada com aviso de recepção no dia 17 de Abril de 2016.
2. Desde logo, houve inobservância da forma legalmente exigida porque não foi publicado o despacho do Chefe do Executivo onde é declarada a caducidade da concessão, como exige o artigo 167.º da Lei de Terras, pelo que, no entender da Recorrente, o acto é inválido por vício de forma, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC;
3. Mas não é apenas na parte da decisão que o acto recorrido enferma de vícios de forma. Também há vícios de forma relativamente às exigências legais de fundamentação do acto administrativo.
4. Na verdade, uma vez que extingue direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente, o acto recorrido devia ser expressamente fundamentado, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 114.º e do artigo 115.º, ambos do CPA.
5. E como o despacho do CE remete para o parecer do SOPT, deveria o texto deste Parecer conter a fundamentação expressa do acto, com a exposição das razões de facto e de direito, nos precisos termos estabelecidos no n.º 1 do artigo 115.º do CPA.
6. Sucede que do parecer do STOP apenas constam alguns elementos, os quais todavia não permitem alcançar os fundamentos do acto, e há uma remissão genérica e indeterminada para o processo: «Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.»
7. Esta remissão genérica e indeterminada para o processo não integra no acto administrativo a exposição dos respectivos fundamentos, pelo que não satisfaz as exigências legais: «fundamentações do tipo "pelos motivos revelados no processo" ou "pelas razões feitas saber" não são expressas, por não virem declarados quais são esses motivos ou razões. Não estando eles enunciados ou manifestados no acto, a fundamentação "falta", não existe» (Mário Esteves de Oliveira / Pedro Costa Gonçalves / J. Pacheco de Amorim (Código do Procedimento Administrativo comentado, 2.ª ed., anotação ao artigo 125.º, p. 601).
8. Acresce, por outro lado, que não se percebe a ligação entre os elementos enunciados no Parecer do STOP e a realidade da concessão sub judice, pelo que não se consegue extrair desses elementos justificação suficiente para a decisão recorrida;
9. O lote 25 (A1/g) é somente uma parcela do terreno concedido à Recorrente, nos termos do contrato de concessão titulado por escritura celebrada em 27 Julho de 1990, com as modificações tituladas pela escritura celebrada 9 de Agosto de 1991, e revisto pelo Despacho n.º 98/SATOP/99, o qual tem a área global de cerca de 64 800 m2.
10. O aproveitamento do terreno concedido consistiu na construção de uma área global de cerca de 649 736,00 m2, distribuídos por 10 lotes, e mais de 90% da área de construção prevista construir no terreno concedido está efectivamente construída, em prédios que foram constituídos em regime de propriedade horizontal e que têm registo predial definitivo;
11. Todos os arruamentos, infraestruturas públicas e as operações de demarcação no terreno concedido há muito foram concluídas, como aliás é público e notório: são os prédios construídos entre a Alameda Carlos de Assunção e a Avenida Xiang Xing Hai, no NAPE, em Macau;
12. Quais são os fundamentos, de facto e de direito, para recusar agora o estatuto e o regime jurídico da concessão definitiva à relação contratual instituída em 1990, que dura há mais de 25 anos e que é a sustentação jurídica de todos aqueles prédios?
13. A própria parcela designada lote 25 (A1/g) que corresponde a cerca de 10% da área global do terreno concedido também foi alvo de efectivo aproveitamento, nos termos das condições e finalidades que foram determinadas pelo despacho do STOP em 2003;
14. Em 2003, o primeiro outorgante alterou as condições de utilização e a finalidade do aproveitamento do terreno concedido, na parcela que corresponde ao lote 25 (A1/g): por despacho do STOP foi deferido, em 1 de Agosto de 2003, um requerimento da sociedade Venetian Macau, S.A., sociedade anónima com sede em Macau, para que a referida parcela de terreno fosse aproveitada para servir de instalações temporárias de um parque de estacionamento e de um Centro de Exposições dessa mesma empresa;
15. Houve aprovação do pertinente projecto de arquitectura, foram executadas as respectivas obras e a parcela de terreno foi efectivamente aproveitada como parque de estacionamento e Centro de Exposições;
16. A situação da parcela não é, pois, de falta de aproveitamento, mas de reaproveitamento, no âmbito de uma concessão a que já é aplicável o regime da concessão definitiva;
17. Os fundamentos do acto recorrido não fazem referência a estas questões; falta a explicação para uma selecção tão surpreendente da realidade, falta a. indicação do entendimento jurídico que permitiria colocar em crise a situação da concessão e dos prédios construídos no terreno concedido;
18. O resultado destes vícios de fundamentação é a invalidade do acto administrativo por vícios de forma, nos termos conjugados da alínea a) do n.º 1 do artigo 114.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 115.º, ambos do CPA, e da alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC.
19. O acto recorrido enferma, ainda, de outro vício de forma, nos termos da mencionada alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC, por violação do direito de audiência prévia previsto nos artigos 93.º e seguintes do CPA.
20. Na opinião da Recorrente, o acto administrativo está inquinado de vários vícios de violação de lei, cada um dos quais constitui fundamento de anulação do acto administrativo nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC:
21. Em primeiro lugar, ressalvado o respeito por opinião contrária, a Recorrente conclui que há ofensa ao disposto nos artigos 59.º e 86.º do CPA, há violação continuada do princípio do inquisitório, em especial da dimensão material deste princípio, porque os órgãos administrativos não cumpriram os seus poderes-deveres de proceder às investigações necessárias ao conhecimento dos factos essenciais ou determinantes para a decisão, à descoberta e ponderação de todas as dimensões de interesses públicos e privados que se ligam com a decisão final;
22. Em consequência directa dessas violações de lei, mormente do disposto nos artigos 59.º e 86.º, ambos do CPA, os órgãos administrativos não averiguaram factos relevantes e deixaram de fora do procedimento factos de que tinham conhecimento;
23. Não fora a violação reiterada do princípio do inquisitório, se o procedimento tivesse sido instruído com toda a factualidade pertinente, com a máxima aquisição dos factos referidos no articulado e dos demais que eram conhecidos dos órgãos administrativos instrutores, não ocorresse tal deficit de instrução, e a decisão final teria sido noutro sentido que não o da declaração de caducidade;
24. A violação do princípio do inquisitório inquinou, portanto, por deficit de instrução, o próprio acto administrativo, o qual enferma de ilegalidade, nomeadamente por violação dos artigos 59.º e 86.º do CPA, mas também por violação dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da boa fé consagrados, respectivamente, nos artigos 3.º, 4.º e 8.º do CPA.
25. Em segundo lugar, há violação das normas jurídicas aplicáveis ao reaproveitamento de terrenos objecto de concessão definitiva, quer seja aplicável a Lei n.º 10/2013, quer seja aplicável a Lei de Terras anterior,
26. Porque o terreno constituído pelos lotes 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 24 e 25 da zona «A1» dos Novos Aterros do Porto Exterior, que é o terreno concedido à Recorrente, pelo contrato titulado pela escritura pública celebrada a 27 de Julho de 1990, já tem o estatuto jurídico da concessão definitiva.
27. Em terceiro lugar, se os serviços do primeiro outorgante no contrato de concessão estivessem a actuar em estreita cooperação com a concessionária, tal como exige o artigo 9.º do CPA, e se os serviços do primeiro outorgante tivessem aprovado os projectos de construção na altura em que concluíram a respectiva análise técnica, as obras de construção planeadas já poderiam estar totalmente executadas e já poderia estar concluído o reaproveitamento da parcela designada por lote 25;
28. A opção pela declaração de caducidade é o culminar dessa continuada violação dos deveres e obrigações do primeiro outorgante, pelo que também desta perspectiva o acto recorrido enferma do vício de violação de lei;
29. De outra perspectiva ainda, ressalvado o respeito por opinião contrária, afigura-se à Recorrente que só pode alegar-se que o não reaproveitamento da parcela designada por lote 25, o qual corresponde a 10% da área global do terreno concedida e a 10% da área total prevista construir, constitui um pressuposto legal de caducidade inultrapassável,
30. Caso se esteja olhar para a lei de forma puramente mecanicista e formalista, em violação do artigo do n.º 1 do artigo 3.º do CPA, o que igualmente inquina o acto recorrido do vício de violação da lei.
31. Outro vício de violação de lei que afecta o acto recorrido consiste, no entender da Recorrente, na violação do princípio da proporcionalidade previsto no artigo 5.º do CPA:
32. Com efeito, por parte da concessionária estão reunidas todas as condições para o efectivo reaproveitamento da parcela do terreno designada por lote 25;
33. Os serviços da Entidade Recorrida já concluíram, há vários anos, a análise técnica dos projectos, pelo que estão reunidas as condições para a emissão das licenças;
34. Pelo que o terreno com a área global de 64 800 m2 que é o terreno objecto da concessão e que está hoje aproveitado a 90%, rapidamente pode ser aproveitado na totalidade;
35. Perante esta realidade, a ofensa ao princípio da necessidade é manifesta: não era exigível, nem necessário lesar os direitos e interesses da concessionária, ora recorrente, com a intensidade que resultará da eficácia do acto administrativo impugnado;
36. E é ostensiva, no parecer da Recorrente, a ofensa ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito: a concessionária é quem está na posição de mais rapidamente e com menos despesa realizar as obras e concretizar o reaproveitamento do lote 25; não há, no caso, qualquer benefício para o interesse público que compensasse a lesão sofrida pela concessionária;
37. Entre as várias alternativas de que dispõe, a Entidade Recorrida opta, através do acto recorrido, por aquela via que ofende com mais gravidade os direitos e interesses legalmente protegidos da concessionária, nomeadamente em violação do disposto no artigo 4,º do CPA, no que constitui outro vício de violação de lei,
38. O acto recorrido padece ainda de outro vício, um vício de desvio de poder, porque o primeiro outorgante não está a actuar para cumprir o contrato de concessão, em obediência aos princípios e normas que regem a execução do contrato;
39. O primeiro outorgante está a actuar no quadro de uma política recente que consiste em reaver para a RAEM todos as parcelas de terrenos concedidos, onde exista uma aparência de não aproveitamento,
40. Esta alteração das políticas do primeiro outorgante sobrepõe-se aos interesses públicos subjacentes ao contrato de concessão,
41. Implicando inclusivamente a violação por parte do primeiro outorgante das suas obrigações contratuais.
42. No caso sub judice, até é só uma parcela do terreno concedido, uma parcela que representa 10% da concessão, mas organiza-se o processo como se a pequena parte fosse o todo, assim se criando a aparência de uma realidade que exigiria a declaração de caducidade.
43. Aparência que todavia não corresponde à realidade, visto que ao terreno concedido já é aplicável o regime da concessão definitiva,
44. Mas que concretiza o desvio de poder de que enferma o acto recorrido, vício que determina a sua invalidade, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 757 a 776 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, suscitando a excepção da irrecorribilidade do acto recorrido, bem como pugnando pelo não provimento do recurso.
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Tanto a Recorrente como a Entidade Recorrida ambas apresentaram as alegações facultativas, mantendo, no essencial, as posições já tomadas, respectivamente, na petição inicial e na contestação.
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O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
   “I. Quanto à Reclamação para Conferência
   Na sua exposição de fls.795 a 801 dos autos, a recorrente aduziu a Reclamação do douto despacho de fls.792 na parte consistente em determinar a dispensa da inquirição das seis testemunhas arroladas na petição inicial, com fundamento nuclear da previsível inutilidade deste meio de prova para a boa decisão da presente causa.
   No caso sub iudice, não há margem para dúvida de que o despacho atacado se traduz em declarar a caducidade da concessão de terreno, por a concessionário e ora recorrente não ter concluído o aproveitamento do terreno dentro do prazo da concessão provisória de 25 anos.
   Sem necessidade da citação específica dos correspondentes arestos judiciais, sabemos que a prudente jurisprudência desse Venerando TSI vem consolidando que é estritamente vinculado o acto administrativo da declaração da caducidade provocada pela inobservância do prazo de concessão provisória, e a eventual não imputabilidade de tal inobservância a concessionário bem como a inércia ou negligência da Administração não pode invalidar a correlacionada declaração da caducidade resultante do vácuo decurso deste prazo da concessão provisória.
   Perfilhando a sensata jurisprudência supra aludida, colhemos com tranquilidade que o douto despacho objecto da Reclamação em análise é inatacável e está em perfeita conformidade com o princípio da economia processual e tal Reclamação deverá ser improcedente.
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   II. Em relação do recurso contencioso
   Na petição inicial, a recorrente arguiu:
- vícios de forma, traduzidos respectivamente na omissão da publicação do despacho declarativo da caducidade da concessão, na falta de fundamentação e na indevida preterição da audiência;
- a deficit de instrução por não ter observado as disposições nos arts.59º e 86º do CPA;
- a violação de lei, em virtude de o terreno cuja concessão foi declarada caduca dever ser considerado aproveitado;
- a violação do princípio da proporcionalidade;
- o desvio de poder.
Salvo elevado respeito pela opinião diferente, a atenciosa leitura da contestação leva-nos a sufragar as criteriosas explanações da entidade recorrida, no sentido da improcedência do recurso em apreço.
1. No vertente caso, o documento de fls.76 a 77 dos autos constata que o Despacho n.º19/2016 do STOP efectivou a publicação, no Boletim Oficial n.º16-II Série de 06/04/2016, do Despacho em escrutínio, em que o Exmo. Senhor Chefe do Executivo declarou a caducidade do contrato de concessão identificado no sobredito Despacho n.º19/2016 do STOP.
Desta forma, a Administração procedeu à publicação exigida pelo disposto no art.167º da Lei n.º10/2013, portanto não se verifica in casu o arrogado vício de forma por omissão de publicação no Boletim Oficial do despacho declarativo da caducidade.
Nos termos do preceituado nos arts.120º a 121º do CPA e art.26º do CPAC, a publicação e a notificação desempenham a mesma função, no sentido de constituírem ambos requisitos da eficácia de acto administrativo. O que nos faz entender que à publicação se aplicam mutatis mutantis as prudentes jurisprudências consolidadas asseverando que a deficiência ou falta de notificação não afecta a validade do correspectivo acto administrativo (cfr. a título exemplificativo Acórdãos do TUI nos Processos n.º1/2014 e n.º25/2012, dos TSI nos processos n.º287/2011, n.º464/2011, n.º569/2011, n.º758/2011 e n.º647/2012).
2. No caso sub specie, o despacho em sindicância contém em si a implícita declaração de concordância com fundamentos constantes tanto do Parecer do Exmo. Sr. STOP em 3/3/2016 como do Parecer n.º23/2016 da Comissão de Terras, emitidos no Processo n.º8/2016. (doc. de fls.75 dos autos)
O dito Parecer do Exmo. Senhor STOP aponta expressamente: «5. Reunida em sessão de 19 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, tendo em consideração que o prazo de arrendamento foi terminado, sem que o aproveitamento estabelecido neste contrato se mostre realizado, e que, sendo a concessão provisória, não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º1 do artigo 48.º da Lei n.º10/2013 (Lei de Terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º. Deste modo, a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.»
Sem necessidade de socorrer ao Parecer n.º23/2016 da Comissão de Terras como corroboração, o referido Parecer do Exmo. Senhor STOP, só por si, dá-se suficientemente a cognoscer os fundamentos, de facto e de Direito, decisivas que levam a Administração a declarar a caducidade.
A jurisprudência autorizada assevera (Acórdão do STA de 10/03/1999, no Processo n.º44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
Em esteira da citada sagaz jurisprudência, temos por incontroverso que não existe falta de fundamentação assacada ao acto in questio, pois a fundamentação por remissão adoptada por tal acto explicou cabalmente as razões conducentes à declaração da caducidade, e porquê a Administração considerou não haver conclusão do aproveitamento.
3. Nos termos do art.320º do Código Civil, o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine. E prescreve o n.º1 do art.323º deste Código: Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo. Dado que estes 2 comandos legais reproduzem fielmente as disposições nos art.328º e 331º do Código Civil português, perfilhamos a doutrina preconizando que a caducidade preclusiva constitui regra, só há caducidade-sanção quando norma legal prevê expressamente que a não imputabilidade da inobservância do prazo de caducidade pode dar lugar à suspensão ou interrupção do mesmo.
Na Lei n.º10/2013 (Lei de Terras), o n.º1 do art.48º proíbe peremptoriamente a renovação de concessões provisórias, e nenhuma disposição permite a possibilidade de suspender ou interromper o prazo de concessão provisória, cujo limite máximo é de 25 anos (art.47º, n.º1, desta Lei). Daí decorre que o prazo da concessão em si mesmo não pode ser suspenso, interrupto ou prorrogado, por isso, se emerge caducidade preclusiva quando a concessão provisória não se converter na definitiva neste prazo máximo.
O que nos aconselha a seguir inteiramente à sensata jurisprudência consolidada do Alto TSI que afirma: A não conclusão do aproveitamento dentro do prazo da concessão provisória de 25 anos germina caducidade preclusiva da mesma, cuja declaração incorporada em despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo constitui acto administrativo vinculado. (vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º434/2015, n.º1074/2015 e n.º179/2016/A)
Ensina reiteradamente o Venerando TUI: Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no artigo 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo. (cfr. Acórdãos do TUI nos processos n.º11/2012 e n.º20/2016)
Em observância desta prudente jurisprudência, inclinamos a entender que a preterição da audiência prévia se degrada, no vertente caso, na formalidade não essencial, de modo que não acarrete a invalidade ao acto in questio que consiste em declarar a caducidade da concessão.
4. A recorrente invocou a violação de lei, argumentando que o acto em crise infringe as disposições nos arts.59º e 86º do CPA e o princípio do inquisitório, adquiriram já o estatuto jurídico da concessão definitiva os lotes 14 a 20º, 22, 24 e 25 da zona «A1» dos Novos Aterros do Porto Exterior, e a Administração não cumprira o princípio da cooperação.
Antes de mais, saliente-se que a recorrente nunca especificou, de todo em todo lado, quais diligências pertinentes tivessem sido preteridas no procedimento culminante com a prolação do despacho em questão, e porque é que o seu projecto de construção não tivesse sido aprovado na altura em que concluíra a respectiva análise técnica.
Ora bem, a ambiguidade e inexactidão dessas arguições determinam naturalmente o descabimento das mesmas. De outro lado, não se divisa a omissão indevida de diligências pertinentes, e a ficcionada demora da aprovação do projecto de construção não ofende os arts.59º e 86º do CPA.
Com efeito, o que está em causa é apenas o não aproveitamento do Lote 25 dos NAPE. Na realidade, o aproveitamento deste Lote não sequer foi iniciado dentro do prazo de 25 anos. Sendo assim, não pode deixar de ser irremediavelmente despropositada e insubsistente a 26 conclusão da petição, em que arrogou o estatuto jurídico da concessão definitiva.
5. Na actual ordenamento jurídico de Macau, encontra-se solidamente consolidada a jurisprudência de que os princípios da justiça, da boa fé e da proporcionalidade se aplicam apenas ao exercício do poder discricionário, ou seja, aos actos administrativos discricionários.
Em conformidade, e na convicção de o despacho recorrido ser acto administrativo estritamente vinculado, colhemos decerto que a arguição da violação dos princípios da boa fé e da proporcionalidade tem de ser necessariamente infundada e inoperante. E não faz mínimo sentido que se argua a ofensa do princípio de prossecução do interesse público.
6. Bem, a doutrina e jurisprudência vem, de maneira constante e unânime, asseverando que o desvio de poder é o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir aquele poder e pressupõe uma discrepância entre o fim legal e o fim real (ou fim efectivamente prosseguido pela Administração). (a título exemplificativo, arestos do TUI no Processo n.º68/2012, do TSI nos Processos n.º268/2009, n.º359/2012, n.º185/2014 e n.º15/2015)
Adquire igualmente firmeza a jurisprudência que afirma que o ónus da prova dos factos que integram o vício do desvio de poder cabe a quem alegue tal vício, por estar em causa a verificação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão administrativa consubstanciada no acto administrativo. (vide. Acórdãos do TUI no Processo n.º39/2003 e 68/2012)
Na mesma linha, e considerando que se trata in casu dum acto vinculado, ficamos com convicção de que a arguição do desvio de poder não tem cabimento, e é flagrantemente sofisticada.
***
   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência da Reclamação e também do presente recurso contencioso.”
*
  Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias e nulidades que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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III – Factos
É assente a seguinte factualidade relevante com interesse à boa decisão da presente lide com base na prova documental existente nos autos e no respectivo PA:
1. Por contrato celebrado entre a Região Administrativa Especial de Macau e a sociedade Macau - Obras de Aterro, Limitada, titulado pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 43/2001, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau - II Série, n.º 20, de 16/05/2001, foi autorizada a revisão da concessão, por arrendamento, de um terreno situado na península de Macau, na zona dos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), designado por lote 25 (Al/g), com a área de 6480m2 (seis mil quatrocentos e oitenta metros quadrados), integrante da concessão titulada por escritura pública de 27/07/1990, revista por escritura pública de 09/08/1991 e pelo Despacho n.º 98/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 45, II Série, de 10/11/1999, descrito na CRP sob o nº 21942, que se encontra assinalado com as letras “A” e “B” na planta n.º 5640/1998, emitida em 01/02/2000, pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC).
2. Nos termos da cláusula segunda desse contrato, o arrendamento objecto do mesmo era válido até 27/07/2015.
3. A Direcção dos Serviços de Solos e Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), através da Proposta n.º 390/DSODEP/2015, de 18/12/2015, propôs que fosse autorizado o seguimento do procedimento de declaração de caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento, o que veio a merecer concordância do Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas por despacho de 03/02/2016.
4. Reunida em sessão de 19/02/2016, a Comissão de Terras emitiu o parecer n.º 23/2016, que aqui se dá por reproduzido, e no qual concluiu nos seguintes termos: «reunida em sessão de 19 de Fevereiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e tendo em consideração o parecer e proposta constantes na proposta n.º 390/DSODEP/2015, de 18 de Dezembro, bem como o despacho nela exarado pelo STOP, de 3 de Fevereiro de 2016, considera verificada a caducidade da concessão pelo termo do prazo de arrendamento em 27 de Julho de 2015, deve esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo».
5. Em 03/03/2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu parecer que aqui se dá por reproduzido e que concluiu nos seguintes termos: «Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto pelas razões indicadas naquele, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno».
6. Em 09/03/2016, a Entidade Recorrida declarou a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo n.° 8/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas referido no artigo anterior.
7. No Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 14, II Série, de 06/04/2016, foi publicado o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2016, cujo teor consta de fls. 172 a 173 do Processo n.º 8/2016 da Comissão de Terras, tornando público que «por despacho do Chefe do Executivo, de 9 de Março de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno designado por lote 25 (A1/g), situado na península de Macau, nos NAPE, descrito na CRP sob o n.º 21942 a fl. 37 do livro B104A, a que se refere o Processo n.º 8/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho».
8. Em 01/08/2003, o Senhor STOP, face à concordância da concessionária, ora Recorrente, deferiu um requerimento da sociedade Venetian Macau S.A., com sede em Macau, para utilizar temporariamente a referida parcela de terreno como um parque de estacionamento e um Centro de Exposições (fls. 155 e 156 dos autos).
9. Por ofício datado de 26/12/2012, a DSSOPT informou à Recorrente de que por despacho do Senhor Chefe do Executivo de 06/12/2012, foi determinada a cessação da utilização temporária do terreno em referência por parte da sociedade Venetian S.A., e esta teria de devolver o terreno no prazo de 60 dias (fls. 492 dos autos).
10. Em 07/02/2013, a sociedade Venetian S.A. comunicou à DSSOPT que o terreno em causa seria totalmente desocupado no dia 15/02/2013.
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IV – Fundamentação
1. Da excepção da irrecorribilidade do acto recorrido
Entende a Entidade Recorrida que o acto recorrido – a declaração da caducidade da concessão provisória do terreno – não é um acto administrativo contenciosamente recorrível por não produzir efeitos externos numa situação individual e concreta.
Não lhe assiste razão.
A declaração da caducidade da concessão provisória do terreno produz efeitos directos na esfera jurídica individual e concreta da concessionária, pois, implica a desocupação do terreno concedido sem qualquer direito a indemnização, bem como a perda do prémio pago (cfr. artº 168º da Lei nº 10/2013).
Assim e sem necessidade de mais delongas, é de julgar improcedente a suscitada excepção da irrecorribilidade do acto.
2. Da reclamação do despacho do Relator pelo qual se determinou a não inquirição das testemunhas arroladas
Vem a Recorrente reclamar para a Conferência o despacho do Relator de 05/09/2016 (fls. 792 dos autos), pelo qual de determinou a não inquirição das testemunhas arroladas por entender que a requerida diligência probatória é desnecessária para a boa decisão da causa.
Analisada a situação concreta do caso, concordamos a decisão reclamada no sentido de não ser necessária no âmbito dos presentes autos a produção de prova testemunhal, visto que a caducidade da concessão foi declarada com fundamento no decurso do prazo da concessão provisória sem que esta convertida em definitiva.
Nesta medida, ainda que as razões invocadas (não é imputável na falta de aproveitamento dentro do prazo) pela Recorrente sejam consideradas procedentes, a mesma já não poderá proceder ao seu aproveitamento por qualquer forma.
Assim, em nome da economia processual e com vista a evitar a prática de actos inúteis, a decisão reclamada não merece qualquer censura ou reparação, pelo que a reclamação não deixa de se julgar improcedente.
Custas pela Reclamante com 3UC taxa de justiça
3. Do recurso contencioso
O presente recurso contencioso consiste em apreciar a eventual legalidade/ilegalidade do acto recorrido, pelo qual se declarou a caducidade da concessão do terreno em questão.
A primeira questão que se coloca é a de saber qual a lei aplicável ao caso sub justice, será a nova Lei de Terra (Lei nº 10/2013) ou a antiga Lei de Terra (Lei nº 6/80/M)?
Encontramos a resposta directa na disposição do artº 215º da nova Lei de Terra, nos termos qual esta aplica-se às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, com as seguintes ressalvas:
1) Quando esteja a correr um prazo fixado por legislação anterior e a presente lei o tiver modificado, é aplicado o prazo mais longo;
2) Os direitos e deveres dos concessionários são imediatamente regulados pela presente lei, sem prejuízo do convencionado nos respectivos contratos;
3) Quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 104.º e no artigo 166.º
Aplica-se, portanto e sem qualquer margem de dúvida, ao caso em apreço, a nova Lei de Terra.
Resolvida a questão da aplicação da lei no tempo, cumpre-se agora analisar a natureza do acto da declaração da caducidade.
A nova Lei de Terra prevê duas situações da caducidade da concessão dos terrenos urbanos, a saber:
1- A falta de aproveitamento dentro do prazo fixado (cfr. artº 166º da Lei nº 10/2013); e
2- O termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva (cfr. artº 52º, todos da Lei nº 10/2013).
Para a primeira situação, a Lei de Terra permite, a requerimento do concessionário, a suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno sob autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo (nº 5 do artº 104º da Lei nº 10/2013).
O que já não acontece para a segunda situação, pois o legislador não prevê outra alternativa para além da caducidade da concessão provisória.
Ou seja, uma vez decorrido o prazo da concessão provisória do terreno sem esta ter sido convertida em definitiva, independentemente havendo ou não culpa do concessionário ou prévia declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo fixado, verifica-se sempre a caducidade da concessão provisória.
É a chamada caducidade-preclusão (ou caducidade preclusiva), que depende somente dum facto objectivo simples, que é justamente o decurso do prazo legal ou contratualmente estabelecido.
No mesmo sentido, veja-se o acórdão deste Tribunal, de 08/06/2016, proferido no Proc. nº 179/2016/A.
Como a lei se impõe, sem qualquer alternativa, a verificação da caducidade no caso do termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva, a respectiva declaração da caducidade constitui uma actividade administrativa vinculada.
Feito o estudo preliminar da natureza do acto da declaração da caducidade para os casos do termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva, voltamos então ao caso dos autos.
Para a Recorrente, o acto recorrido padece dos seguintes vícios:
a) vício de forma de decisão;
b) vício de forma por falta de fundamentação;
c) vício de forma por falta de audiência prévia;
d) violação dos artºs 59º e 86º do CPA ;
e) erro no pressuposto de facto;
f) violação do princípio da proporcionalidade; e
g) vício de desvio do poder;
1. Do vício de forma de decisão:
Para a Recorrente, o acto recorrido padece do vício de forma por inobservância da forma legalmente exigida no artº 167º da Lei nº 10/2013 (Lei de Terras).
Não lhe assiste mínima razão, por confundir o acto administrativo propriamente dito e o acto de publicação/notificação.
Dispõe o artº 167º da Lei nº 10/2013 que “A caducidade das concessões, provisórias ou definitivas, é declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial”.
No caso em apreço, a declaração da caducidade, ora acto recorrido, foi feita por despacho do Chefe do Executivo.
Cumpriu-se desde logo a formalidade do acto legalmente exigida.
Quanto à publicação do acto, o Despacho do STOP nº 19/2016, publicado no B.O. nº 14, de 06/04/2016, II Séria, fez menção expressa de que “Tornar público que por despacho do Chefe do Executivo, de 9 de Março de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno designado por lote 25 (A1/g), situado na península de Macau, nos NAPE, descrito na CRP sob o nº 21942 a fls. 37 do livro B104A, a que se refere o Processo nº 8/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho”.
Face ao teor supra transcrito, não resta qualquer margem de dúvida de que está feita também a publicação do acto nos termos legais.
Aliás, ainda que se verificasse a falta de publicação do acto, nunca conduz à invalidade do acto recorrido.
Como é sabido, tanto a publicação como a notificação do acto administrativo visam dar conhecimento ao seu destinatário dos elementos essenciais do acto administrativo propriamente dito.
Assim, quando a publicação/notificação omita os elementos legalmente exigidos, determina, consoante os casos, a ineficácia do acto (se a publicação/notificação não dê a conhecer o sentido, o autor e a data da decisão) – artº. 26º, nº 1, do CPAC, ou simplesmente a suspensão da contagem do prazo de recurso – artº 27º do CPAC.
Mas nunca determina a invalidade do acto administrativo propriamente dito, por não ser parte constitutiva do mesmo.
Improcede, assim, este argumento do recurso jurisdicional.
2. Da falta de fundamentação:
Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
Contudo, não se deve confundir fundamentação com fundamentos, a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados”.
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, anotação do artº 106º, pág. 619 a 621.
Voltando ao caso concreto, será que um destinatário de diligência normal não consegue compreender quais os pressupostos e motivos que estiveram na base da decisão ora recorrida?
Ora, face ao teor do acto recorrido e do parecer integrante, na nossa opinião, o mesmo não só é suficientemente claro no seu texto para dar a conhecer o discurso justificativo da decisão tomada como tem capacidade para esclarecer as razões determinantes do acto, é ainda congruente e suficiente. Dele resulta que foi declarada a caducidade da concessão provisória do terreno pelo termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva.
Conclui-se assim pela improcedência do vício da forma, por falta de fundamentação.
3. Da falta de audiência prévia:
Como é sabido, a audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPAC, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
E destina-se a evitar, face ao administrado, o efeito surpresa e, no mesmo passo, garantir o contraditório, de modo a que não sejam diminuídos os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados.
A doutrina e a jurisprudência portuguesa, cujo sistema jurídico é igual ou semelhante ao nosso, pelo que citamos a título do Direito Comparado, têm vindo a entender que a preterição dessa formalidade pode, em certos casos, ser ultrapassada se daí não resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto, isto é, quando, atentas as circunstâncias concretas, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada (Ac. do STA, proferidos nos Recursos nºs 1240/02, 671/10 e 833/10, respectivamente, de 03/03/2004, 10/11/2010 e 11/05/2011).
No caso em apreço, já vimos que a lei se impõe, sem qualquer alternativa, a verificação da caducidade no caso do termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva, pelo que a respectiva declaração da caducidade constitui uma actividade administrativa vinculada.
Nesta conformidade, a audiência da Recorrente deixa de ter qualquer relevância, uma vez que nada pode influenciar a decisão a tomar pela Entidade Recorrida.
4. Da violação dos artºs 59º e 86º do CPA e erro no pressuposto de facto:
Na óptica da Recorrente, o acto recorrido violou os artºs 59º e 86º do CPA, verificando-se assim uma défice de instrução, nomeadamente não tomou em consideração que o terreno já foi aproveitado com a utilização temporária como parque de estacionamento e centro de exposições por parte da sociedade Venetian S.A., devidamente autorizada pelo Despacho do STOP em 2003, pelo que o que está em causa é simplesmente o seu reaproveitamento após a referida utilização temporária.
Entende também que a Entidade Recorrida ignorou o facto de que o terreno em causa é apenas uma parte do todo, que corresponde somente a 10% da área global do terreno concedido, nos termos do contrato de concessão titulado por escritura pública em 27/07/1990, com as modificações tituladas pela escritura celebrada em 09/08/1991 e revisto pelo Despacho nº 98/SATOP/99.
Quid iuris?
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão.
Como a própria Recorrente admite que a utilização do terreno como parque de estacionamento e centro de exposições por parte da sociedade Venetian S.A. era meramente temporária, o que significa que não implica, portanto, qualquer alteração definitiva da finalidade da concessão previamente fixada.
Nestes termos, não se pode dizer que o terreno já foi aproveitado em conformidade com os termos da concessão.
Quanto ao alegado facto de que o terreno em causa é apenas uma parte do todo, a Recorrente esqueceu que a seu pedido, foi autorizada a revisão do contrato de concessão em relação ao lote 25 (A1/g) em 2001, a partir da qual o terreno em causa passa a ser objecto duma concessão autónoma.
Pois, o nº 2 da cláusula primeira do contrato de concessão revisto dispõe expressamente que “A concessão do terreno designado por lote 25 (A1/g), identificado no número anterior, passa reger-se pelas cláusulas do presente contrato” (fls. 114 a 118 dos autos).
Nos termos do nº 1 da cláusula segunda do contrato em referência, “O arrendamento objecto do presente contrato é válido até 27 de Julho de 2015”.
Como se vê, não se verifica qualquer défice de instrução, nem existe qualquer erro no pressuposto de facto.
5. Da violação do princípio da proporcionalidade e do desvio de poder:
Os vícios supra identificados só existem nas actividades administrativas discricionárias.
Já vimos que a lei se impõe, sem qualquer alternativa, a verificação da caducidade no caso do termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva, pelo que a respectiva declaração da caducidade constitui uma actividade administrativa vinculada.
Ora, sendo uma actividade administrativa vinculada, os alegados vícios nunca são operantes.
No mesmo sentido, vejam-se os acórdãos do TUI, de 08.06.2016 e 22.06.2016, proferidos, respectivamente, nos Proc. nº 9/2016 e 32/2016.
Improcedem, assim, estes fundamentos do recurso.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão:
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente a reclamação apresentada, bem como o recurso contencioso, confirmando a decisão reclamada e o acto recorrido.
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Custas pela Recorrente com 3UC e 10UC de taxa de justiça, respectivamente, para a reclamação e o recurso contencioso.
Notifique e D.N..
*
RAEM, aos 09 de Novembro de 2017.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong

Mai Man Ieng
1


32
375/2016