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Processo nº 713/2017
(Autos de recurso laboral)

Data: 12/Outubro/2017

Recorrente:
- A (Autor)

Recorrida:
- B, Ltd (Ré)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
  A intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da Ré no pagamento do montante de MOP$232.406,00.
  Realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$113.573,52, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
  Inconformado com a sentença, dela interpôs o Autor recurso ordinário para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
  “1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente à Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
  2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar à Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto no al. a) do n.º 6 do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral.
  3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado.
  4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar à Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário x n.º de dias de descanso não gozados x 2).
  5. De onde, resultando que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante toda a relação de trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$59.753,00 a título do dobro do salário - e não de apenas MOP$29.868,00, correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescido de juros até efectivo e integral pagamento; devendo manter-se a restante condenação da Ré no pagamento da quantia devida a título de não gozo de dias de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal.”
  Conclui, pedindo a revogação da sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor apenas o equivalente a um dia de trabalho em singelo, e substituída por outra que atenda ao pedido formulado pela recorrente.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
  A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (A)
  Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
  Entre 12/09/1997 e 05/03/2009, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente (Cfr. Doc. 1). (C)
  O Autor foi recrutado pela C Lda., e posteriormente exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1:(D)
  - aprovado pelo Despacho n.º 03010/IMO/SEF/2001, de 16/10/2001, com efeitos a partir de 18/01/2002 e válido até 18/01/2003 (Cfr. Doc. 2);
  - foi substituído pelo Despacho n.º 03487/IMO/SEF/2002, de 11/11/2002, com efeitos a partir de 06/01/2003 a 15/01/2004 (Cfr. Doc. 3);
  - foi substituído pelo Despacho n.º 00113/IMO/SEF/2004, 14/01/2004, com efeitos a partir de 11/02/2004 a 31/01/2005 (Cfr. Doc. 4);
  - foi substituído pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, de 08/02/2005, com efeitos a partir de 18/03/2005 a 31/01/2006 (Cfr. Doc.5);
  - foi substituído pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, com efeitos a partir de 15/03/2006 a 31/03/2007 (Cfr. Doc. 6);
  - foi substituído pelo Despacho n.º 09501/IMO/DSAL/2007, de 22/05/2007, aprovado em 12/06/2006, válido até 31/05/2008 (Cfr. Doc. 7);
  - foi substituído pelo Despacho n.º 04735/IMO/GRH/2008, de 20/03/2008, válido até 31/05/2010 (Cfr. Doc. 8).
  Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, com entrada em vigor em 15/03/2005, seria “(…) sempre garantido (ao Autor) o pagamento durante um período de 30 dias, actualmente correspondente a MOP$3,500.00 (três mil e quinhentas patacas), conforme as funções e salários do Mapa II e dos anexos”. (E)
  Entre Março de 2005 e Março de 2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de MOP$2,100.00. (F)
  Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, válido até 31/03/2007, foi acordado que seria “(…) sempre garantido (ao Autor) o pagamento mensal correspondente a MOP$4,000.00 (quatro mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II”. (G)
  Entre Abril de 2006 e Dezembro de 2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de MOP$2,288.00. (H)
  Entre Janeiro de 2007 e Março de 2007, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de MOP$2,704.00. (I)
  Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 09501/IMO/DSAL/2007, de 29/05/2007, aprovado em 12/06/2007 e válido até 31/05/2008, seria sempre garantido o pagamento mensal correspondente a MOP$5,070.00 (cinco mil e setenta mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II. (J)
  Entre Abril de 2007 e Maio de 2008, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de MOP$4,659.00. (K)
  Resulta do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 04735/IMO/GRH/2008, de 20/03/2008, válido até 31/05/2010, ser garantido (ao Autor) o pagamento mensal correspondente a MOP$4,868.00 (quatro mil oitocentas e sessenta e oito patacas), conforme as funções e salários do Mapa II. (L)
  Entre Junho de 2008 e Março de 2009, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de MOP$4,576.00. (M)
  Entre 18 de Março de 2005 e 15 de Março de 2006, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,00 por hora. (N)
  Entre 16 de Março de 2006 e 31 de Dezembro de 2006, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,00 por hora. (O)
  Durante todo o período da relação de trabalho, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, tendo sido remunerado pela Ré com o valor de uma retribuição diária, em singelo. (P)
  Até 31 de Dezembro de 2007, o Autor auferiu da Ré, a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. doc. 9, Certidão de Rendimentos – Imposto Profissional): (Q)
Ano
Salário anual
Salário normal diário (A)
2001
56978
158
2002
55230
153
2003
54038
150
2004
57623
160
2005
55647
155
2006
57820
161
2007
70317
195
  Resulta do Contrato de Prestação de Serviço n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, com entrada em vigor em 18/03/2005 e válido até 15/03/2006, que o valor mínimo de cada hora de trabalho prestado era de MOP$16,27, correspondente a: (MOP$3,500.00/215 horas). (1º)
  Entre 18 de Março de 2005 e 15 de Março de 2006 o Autor trabalhou, em média, 12 horas de trabalho por dia, o que corresponde à prestação por parte do Autor de 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (2º)
  Resulta do Contrato de Prestação de Serviço n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00751/IMO/SEF/2006, com entrada em vigor em 16/03/2006 e válido até 31/03/2007, que o valor mínimo de cada hora de trabalho prestado era de MOP$12,82, correspondente à seguinte operação: (MOP$4,000.00/312 horas). (3º)
  Entre 16 de Março de 2006 e 31 de Dezembro de 2006 o Autor trabalhou, em média, 12 horas de trabalho por dia, o que corresponde à prestação por parte do Autor de 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (4º)
  Durante todo o período da relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal, com excepção de 31 dias em 2001, de 51 dias em 2002, de 47 dias em 2003, de 51 dias em 2004 e de 7 dias em 2005. (5º)
  A Ré nunca fixou ou conferiu ao Autor o gozo de um outro dia de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (7º)
*
  Corridos os vistos, cumpre decidir.
  Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
  Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
  Em face das conclusões tecidas na petição dos recursos, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação é a de saber qual é o multiplicador para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal.
  Tem razão o recorrente.
  Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.
  Diz o artº 17º deste diploma que:
  1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias um descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
  2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
  3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
  4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
  5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
  6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
  Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
  Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

  Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, em vez de o multiplicador X 2 que defendemos, e por outro lado não foram objecto da impugnação quer o número dos dias de descanso semanal em que trabalhou quer o quantitativo diário do salário, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar nela o multiplicador X 2 para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais, o que nos deve levar a atribuir à Autora, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$59.736,00, correspondente ao dobro de MOP$29.868,00, quantia fixada na sentença recorrida.
  Tudo visto resta decidir.
***
III) DECISÃO
  Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor A:
* revogando a sentença recorrida na parte que diz respeito à compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal;
* passando a atribuir à Autora, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$59.736,00, com juros legais calculados de acordo com a forma definida pelo TUI no seu douto Acórdão de 02MAR2011, tirado no processo nº 69/2010; e
* mantendo o resto da condenação da Ré, nomeadamente o pagamento à Autora a título da compensação pelo não gozo dos descansos compensatórios.
  Sem custas a cargo da Ré recorrida por não ter respondido pedindo a manutenção da sentença recorrida.
  Registe e notifique.
  RAEM, 12OUT2017
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Lai Kin Hong
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
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Tong Hio Fong
  (Votei vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição”, este “dobro” é constituído por um dia de salário normal mais um dia de acréscimo.
  
  Provado que o Autor ora recorrente já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá que deduzir esse montante pago em singelo, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, o Autor estar a ser pago pelo quádruplo do valor diário.)



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