打印全文
Proc. nº 753/2016
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 19 de Outubro de 2017

Assunto:
- Artº 74º, nº 6 do CPAC
- Falta de notificação
- Imposto Complementar de Rendimentos

SUMÁRIO:
- Não obstante a Recorrente não ter qualificado o invocado fundamento do recurso como vício da falta de fundamentação, tal não impede o seu provimento com base na qualificação que o tribunal considere adequada – cfr. nº 6 do artº 74º do CPAC.
- Quando a notificação omita os elementos legalmente exigidos, determina, consoante os casos, a ineficácia do acto (se a notificação não dê a conhecer o sentido, o autor e a data da decisão) – artº. 26º, nº 1, do CPAC, ou simplesmente a suspensão da contagem do prazo de recurso – artº 27º do CPAC.
- Mas nunca determina a invalidade do acto administrativo propriamente dito, por não ser parte constitutiva do mesmo.
- É irrelevante para efeitos da tributação do imposto complementar de rendimentos a residência ou sede do contribuinte, mas sim o local onde esses rendimentos se auferem.
O Relator,
Proc. nº 753/2016
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 19 de Outubro de 2017
Recorrente: A. Limited
Entidade Recorrida: Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 30/05/2016, o Tribunal Administrativo da RAEM julgou parcialmente procedente o recurso contencioso tributário apresentado contra o acto de indeferimento do pedido de revisão da matéria colectável relativa ao ano de 2009 apresentado pela Recorrente A. Limited.
Dessa decisão, vem a Recorrente interpor o presente recurso jurisdicional, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo (adiante designado por "Sentença recorrida" ou "Sentença a quo"), que deu provimento parcial ao recurso contencioso tributário apresentado contra o acto de indeferimento do pedido de revisão da matéria colectável relativa ao ano de 2009 apresentado pela ora Recorrente.
B. Através do acto recorrido - i.e. a deliberação da Comissão de Revisão de 14 de Agosto de 2010 - foi indeferido o requerimento apresentado pela ora Recorrente em 27 de Julho de 2014, mantendo - se o acto de fixação do rendimento colectável respeitante a 2009 e a respectiva liquidação de Imposto Complementar de Rendimentos, no montante de MOP1,353,000.00 - cfr. doc n.º 1 em anexo à p.i. de recurso.
C. Não obstante a prova feita, e a fundamentação de Direito expendida, o Tribunal a quo, decidiu i) indeferir o pedido de anulação do acto recorrido, na parte em que é solicitado o reembolso das quantias indevidamente pagas e o pedido de condenação à prática do acto devido, por não serem estes, supostamente, cumuláveis; ii) indeferir o pedido de anulação do acto recorrido com fundamento na ineficácia das notificações efectuadas em relação à ora Recorrente; iii) indeferir o pedido de anulação do acto recorrido com fundamento ilegalidade da tributação directa de entidade com sede em território sobre o qual a DSF não tem jurisdição; e iv) o deferimento do pedido de anulação do acto recorrido por falta de fundamentação do mesmo quanto às alegações de que a Recorrente seria beneficiária de dividendos e/ou responsável solidariamente com a B.
D. O que o Tribunal a quo apelida de 'falta de fundamentação' - a do acto recorrido - a qual não foi, sequer, alegada pela ora Recorrente -, mais não consubstancia do que a falta de prova dos factos alegados pela DSF e a total ausência de sustentação legal do acto recorrido, uma vez que o Tribunal tomou cabal conhecimento da posição de ambas as partes, e deu como provada a inexistência do facto tributário que esteve na origem do acto recorrido.
E. Por um lado, o acto recorrido viola o disposto no artigo 9.º, n.º 2, do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, uma vez que pretende tributar rendimentos inexistentes conforme se deu como provado na sentença recorrida - cfr. p. 2/12 e p. 8/12 da sentença recorrida.
F. Por outro lado, a responsabilidade solidária alegada pela DSF não resulta de qualquer preceito do Código Comercial - diploma invocado expressamente como base legal no acto recorrido - conforme a Recorrente logrou demonstrar.
G. Não tendo a DSF logrado demonstrar o alegado ao longo do presente processo, ao contrário da Recorrente que provou todos os factos que lhe cabiam e elucidou o Tribunal acerca do Direito aplicável, o desfecho do mesmo não pode passar pela imputação de um mero vício formal ao acto recorrido, mas antes ao reconhecimento de que não se verificam os pressupostos do acto tributário que lhe está subjacente.
H. Ao julgar parcialmente procedente o recurso, com fundamento em vício de forma do acto recorrido e não, como lhe caberia, com fundamento em vício de violação de lei - a saber, do Código Comercial e do artigo 9.º, n.º 2, do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, já mencionados, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que decida pela ilegalidade material do acto recorrido, anulando-o.
I. Ao contrário do que resulta da sentença o quo, os pedidos de anulação do acto recorrido e de reembolso do imposto pago não são independentes, nem a Recorrente pretendeu, de alguma forma, cumulá-los.
J. O reembolso de quantias cobradas em virtude de um acto julgado ilegal, acrescido dos juros eventualmente aplicáveis, mais não é do que uma consequência legal da anulação desse mesmo acto, não podendo ser considerado, a qualquer título como um pedido independente susceptível de ser sindicado quanto à susceptibilidade da respectiva cumulação com os demais.
K. Ao absolver a entidade Recorrida de reembolsar as quantias pagas por conta da emissão de uma acto que veio a anular, é esvaziar de todo o conteúdo prático, a decisão de anulação, pois que dela não se retiram quaisquer consequências para a ora Recorrente, mantendo-se esta lesada pelo acto cuja ilegalidade foi decidida.
L. Razão pela qual o Tribunal a quo incorreu em erro ao dissecar um pedido em dois, avaliando, erradamente, da possibilidade da respectiva cumulação, e deve ser revogada, sendo substituída por outra que encare com a unidade necessária o pedido de anulação do acto recorrido e as consequências daí decorrentes, nomeadamente, e como não podia deixar de ser, o reembolso das quantias pagas em virtude da emissão desse mesmo acto.
M. O acto Recorrido pretende liquidar Imposto Complementar sobre Rendimentos relativamente a dividendos pretensamente distribuídos pela B à ora Recorrente relativamente ao exercício de 2009.
N. Em 2009 a ora Recorrente não era sócia da B, pelo que não auferiu quaisquer dividendos daquela sociedade - o que a sentença recorrida deu como provado nas suas páginas 2/12 e 8/12.
O. A ora Recorrente adquiriu a quota da B em Maio de 2010 só aí se tornando sócia da B - cfr. p. 2/12 da sentença recorrida.
P. A generalidade dos impostos e também o Imposto Complementar de Rendimentos, só pode ser liquidada uma vez verificado o respectivo facto gerador da obrigação tributária.
Q. No caso dos presentes Autos o facto gerador da obrigação tributária é a percepção de dividendos por parte da Recorrente nos termos do disposto no artigo 9º, n.º 2 do RICR.
R. Não sendo sócia da B no período a que se reporta a liquidação de imposto, a ora Recorrente não auferiu quaisquer dividendos por parte daquela sociedade pelo que não se verifica o facto gerador da obrigação tributária, não podendo ser-lhe exigido imposto relativo a um rendimento que não recebeu, nem podia ter recebido.
S. Apesar de ter demonstrado cabalmente que não era sócia da B em 2009, a DSF manteve o acto de fixação de rendimento colectável e correspondente liquidação de imposto, conduta que contraria frontalmente o princípio geral de tributação das empresas, que é o de que elas são tributadas, na jurisdição da sua sede, de acordo com o seu rendimento real, ou seja de acordo com os seus proveitos ou resultados extraordinários.
T. Não se verificando, relativamente à ora Recorrente, qualquer facto gerador da obrigação de pagar Imposto Complementar de Rendimentos relativo a 2009, conforme se deu como provado na sentença recorrida, o Tribunal a quo incorreu em erro a decidir por mero vício formal, devendo ser revogada e substituída por outra que retire as devidas consequências materiais dos factos provado e julgue materialmente ilegal o acto recorrido.
U. A Recorrente nunca foi notificada de qualquer acto de liquidação, tendo tomado conhecimento dela através da sua participada B, para a sede da qual foi enviada a notificação - facto que resulta do doc. n.º 1 em anexo à p.i. de recurso, admitido por acordo no artigo 29 da contestação da Recorrida e dado como provado na sentença recorrida.
V. A Recorrente não compreende com que fundamento é que a DSF liquida imposto a uma sociedade com sede em Hong Kong, como é o seu caso, e não em Macau.
W. Uma vez que não está em causa uma liquidação ou retenção à B mas sim a outra entidade - distinta e independente - que é a C, ora Recorrente, com sede num território que não o território da Região Administrativa Especial de Macau não se compreende como a DSF pode arrogar-se competência para tributar uma sociedade com residência noutro território.
X. O procedimento adoptado suscita ainda sérias questões em torno da validade e eficácia de todas as notificações pretensamente efectuadas à Recorrente no âmbito no presente processo e, por conseguinte, sobre a legalidade de todo o procedimento, já que as notificações só podem ter-se por eficazes em relação ao sujeito passivo, quando remetidas para a sua sede social.
Y. O principio da 'não territorialidade' supostamente subjacente ao artigo 2.º do RICR e no qual o Tribunal a quo pretendeu socorrer-se na sentença recorrida, não justifica a actuação da DSF já que, se é facto que a generalidade dos países tributa a globalidade dos rendimentos que tenham por fonte o seu território, também é verdade que o fazem por meio de mecanismos que não implicam a interferência numa jurisdição que não a sua, nomeadamente por meio da consagração de mecanismos de substituição tributária, segundo os quais a entidade pagadora - in casu, a sociedade residente em Macau - tem a obrigação de reter na fonte, a título definitivo, o imposto relativo a rendimentos pagos a entidades não residentes, entregando-o seguidamente ao Estado.
Z. Sendo aceitável a tributação dos rendimentos com origem no território de Macau por retenção na fonte, como forma de concretização de um principio de 'não territorialidade', resulta claro dos Autos que esta NÃO É a situação que lhe está subjacente.
AA. O que sucede no caso concreto é uma pretensão da DSF - validada, erroneamente, pelo Tribunal a quo - em imiscuir-se na jurisdição de um Estado terceiro, procurando liquidar indevidamente imposto - e quiçá cobrá-lo coerciva mente, em caso de não pagamento, embora se desconheça de que meios poderia dispor - directamente junto de um sujeito passivo com sede no estrangeiro.
BB. Não tendo a Recorrente recebido na sua sede - que, como já referido, se situa em Hong Kong -, qualquer documento, de fixação do rendimento colectável, de liquidação, ou outro, a notificação em causa seria sempre ineficaz, tendo-se por não efectuada, o que invalida igualmente todo o processado posterior, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo.
CC. No acto recorrido a DSF defende a existência de uma «responsabilidade solidária», alegadamente plasmada no Código Comercial de Macau, entre a sociedade B e os seus accionistas para, no âmbito fiscal, procurar imputar à Recorrente um imposto que não lhe respeita por não ter recebido, em 2009, qualquer dividendo por parte da B.
DD. Não existe nenhuma norma no Código Comercial de Macau (nem em nenhum código de outras jurisdições que seja do conhecimento da Recorrente) que permita imputar a uma sociedade não residente em Macau um imposto sobre dividendos quando essa sociedade não residente nada recebeu.
EE. É pressuposto da responsabilidade solidária que exista uma prévia obrigação pela qual qualquer um dos alegados devedores possa responder e ser demandando, o que manifestamente não sucede no caso dos presentes Autos.
FF. Inexiste, in casu, qualquer responsabilidade solidária já que nem a B é devedora de qualquer imposto, desde logo porque é a entidade que paga os dividendos, nem a ora Recorrente é, pelo que tem conhecimento, devedora de imposto, pois não auferiu nenhum dividendo em 2009 que tenha sido distribuído pela B.
GG. A DSF falhou, pois, em demonstrar os factos alegados, bem como o Direito aplicável, devendo o acto recorrido ser considerado materialmente ilegal, por violação do Código Comercial.
HH. A B beneficia de isenção de Imposto Complementar de Rendimentos ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 58/99/M, o que não é contestado pela DSF.
II. Ao pretender tributar os dividendos distribuídos pela B, a DSF viola a isenção legalmente prevista para os rendimentos das instituições offshore, já que os lucros obtidos pela B, são os mesmos que esta distribui aos seus accionistas.
JJ. Tributar os dividendos distribuídos pela B não é isentar os lucros da sociedade, tal como pressupõe a lei aplicável, mas somente adiar a sua tributação para o momento da respectiva distribuição, o que contraria a intenção do legislador ao conferir expressamente uma isenção - total e sem reservas - aos lucros obtidos pelas sociedades offshore autorizadas a operar em Macau.
KK. A tributação do dividendo na esfera do accionista resulta ainda numa dupla-tributação jurídica e económica da mesma realidade.
LL. Tributar os dividendos recebidos, sendo certo que estes irão incorporar os lucros da sócia igualmente sujeitos a tributação no final do exercício, mais não é do que sujeitar duas vezes a ora Recorrente a tributação pelo mesmo rendimento, conduta que, não só é pouco recomendável, como contraria as melhores práticas internacionais do foro tributário.
*
A Entidade Recorrida Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos da Direcção dos Serviços de Finanças respondeu à motivação do recurso da Recorrente nos termos constantes a fls. 236 a 250 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
*
O Ministério Público é de parecer pela procedência do presente recurso contencioso, a saber:
   “Nas suas alegações de fls.205 a 230 dos autos, a sociedade «A. Limited», criticou a douta sentença em causa (vide. fls.165 a 170 verso), aí a MMª Juiz a quo decidiu inócua a assacada ilegalidade das notificações, insubsistente a arrogada incompetência da DSF para lhe impor imposto complementar, constatada a falta de fundamentação, e prejudicadas as restantes arguições, e aí determinou ainda a rejeição do pedido, inserido na petição, de condenação do órgão recorrida à emissão de acto legalmente devido, no sentido de «emissão de deliberação que defira o pedido de revisão da matéria colectável quanto ao ano 2010 por si peticionada no requerimento de 28/07/2014.»
    Para os devidos efeitos, perfilhamos a sensata jurisprudência que inculca (cfr. aresto do TSI no processo n.º98/2012): A delimitação objectiva de um recurso jurisdicional afere-se pelas conclusões das alegações respectivas (art.589º, nº3, do CPC). As conclusões funcionam como condição da actividade do tribunal “ad quem” num recurso jurisdicional que tem por objecto a sentença e à qual se imputam vícios próprios ou erros de julgamento. Assim, se as alegações e respectivas conclusões visam sindicar algo que não foi sequer discutido, nem decidido na 1ª instância, o recurso terá que ser julgado improvido.
*
1. Do erro de julgamento
   Nas conclusões D a G das alegações de fls.205 a 230 dos autos, a recorrente imputou o erro de julgamento à sentença questionada, argumentando que ela não tinha alegado a falta de fundamentação, e o vício qualificado pela MMª Juiz a quo como falta de fundamentação devia ser equacionado na figura de inexistência do pressuposto do acto tributário.
   Ora, é verdade que na petição e nas alegações facultativas não há expressa arguição da falta de fundamentação. Porém, é fácil ler-se que a recorrente reiterou que «não compreende» com que fundamento é que a DSF liquida imposto a uma sociedade com sede em Hong Kong, e não em Macau. (vide. as conclusões L e M da petição)
   Bem vistas, tais claras e reiteradas declarações da incompreensão significam naturalmente que a recorrente assacou a falta de fundamentação à deliberação da Comissão de Revisão contenciosamente recorrida (cfr. fls.30 a 31 dos autos). Daqui decorre que a abstracção e sintetização operadas pela MMª Juiz a quo no que respeitam a sobredita incompreensão estão em plena conformidade com o preceito no n.º6 do art.74º do CPAC.
   Cotejando a dita deliberação de acordo com o disposto no n.º2 do art.115º do CPA, e em harmonia com as correlativas interpretações júrisprudenciais e doutrinais, colhemos sossegadamente que são equívocas e ambíguas as indicações dos respectivos suportes legais nos pontos 3 a 5 da mesma deliberação, designadamente as expressões «並不符合有關法律的規定及涵意» e «完全是根據有關法律而施行».
   Nesta ordem de perspectiva, e ressalvado respeito pela melhor opinião em sentido contrário, entendemos que a douta sentença recorrida na parte de julgar verificada a falta de fundamentação se mostra acertada, e assim não se descortina o assacado erro de julgamento.
*
2. Quanto ao pedido de condenação
   No aresto em questão, a MMª Juiz a quo tomou decisão de rejeição do pedido de condenação consubstanciado em ordenar a Administração Fiscal a devolver/restituir à recorrente a colecta já paga por si e os correspondentes juros legais, com argumento de tal pedido não está conforme com disposições legais (因不符合法律規定).
   Na nossa óptica, é descabido o erro arrogado pela recorrente, com argumento de que o pedido de condenação é só uma decorrência legal da procedência do pedido de anulação da apontada deliberação, e ela não pretendeu, de alguma forma, cumulá-los (vide. conclusões H a J das alegações).
   Nos termos da regra geral prescrita no art.20º do CPAC, o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação do acto recorrido ou a declaração da nulidade ou inexistência jurídica. Este art.20º tem como matriz e precedente o art.6º do ETAF de Portugal.
   Interpretando o art.6º do ETAF, as doutrinas mais autorizadas vêm asseverando e sedimentando, de forma constante e praticamente unânime, que esta disposição legal tem duplo alcance (a título exemplificativo, Freitas do Amaral: Direito Administrativo, vol. III, Lisboa 1988, pp.115 a 116):
   Para o recorrente, em princípio nenhum outro pedido é admissível para além dos três géneros legalmente consagrados, qualquer recorrente não pode pedir, no seio de recurso contencioso, a revogação, modificação ou substituição do acto recorrido, «tal como não é admissível qualquer pedido de condenação da administração pública à prática do acto devido».
   Do seu lado, os tribunais administrativos não podem modificar os actos administrativos, nem praticar outros actos administrativos em substituição daqueles que reputem ilegais, nem sequer podem condenar a Administração a praticar este ou aquele acto administrativo.
   Evoluindo sob orientação do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art.2º do CPAC), o nosso CPAC no art.24º admite a cumulação, ao lado de pedidos consagrados no art.20º deste Código, de duas espécies de pedidos de condenação nos termos definidos no n.º1 daquele normativo.
   Destas disposições decorre que fora das excepções contempladas no art.20º do CPAC, a cumulação de pedidos prescrita no seu art.24º é a única janela que admite pedidos de condenação em sede do recurso contencioso; sem socorrer à faculdade estabelecida art.24º o recorrente não pode formular pedidos de condenação no seu recurso contencioso.
   Assim que seja, e considerando a declaração da recorrente de não pretender a cumulação de pedidos (cfr. conclusão I das alegações do recurso jurisdicional em apreço), não podemos deixar de entender que o pedido na alínea b) da petição contende frontalmente com o disposto no art.20º do CPAC, pelo que é ilegal, portanto a sobredita decisão de rejeição é inatacável.
*
3. Quanto à falta da notificação
   De acordo com a função e o objecto, a notificação comporta dois géneros: dum lado, notificações da decisão expressa final (art.100º do CPA), e de outro, notificações intra-procedimentais (as interiores dum certo procedimento), tais como a notificação da acusação no processo disciplinar (art.333º do ETAPM), a notificação para audiência (art.94º, n.º1 do CPA), a notificação dos contra-interessados quanto a recurso hierárquico (art.158º do CPA).
   Repare-se que sendo extrínseca e necessariamente posterior ao acto decisor, e servindo-se de instrumentos ou veículos de comunicação desse acto, a notificação da decisão expressa final projecta, quanto a mais, na eficácia do acto notificando, mas a falta, insuficiência ou irregularidade da notificação não influencia a validade do acto notificando, portanto não pode constituir causa de pedir de recurso contencioso (de entre outros, vide. arestos do TSI nos Processos n.º569/2011 e n.º647/2012, e do TUI nos Processos n.º569/2011 e n.º647/2012)
   No nosso prisma, as notificações intra-procedimentais constituem formalidade de procedimento administrativo, essenciais ou não essenciais consoante influenciarem ou não o exercício de direitos e garantias dos respectivos interessados. Perfilhamos a sagaz jurisprudência de que são não essenciais as formalidades preteridas ou irregularmente praticadas quando, apesar da omissão ou irregularidade, se tenha verificado o facto que elas se destinavam a preparar ou alcançado o objectivo específico que mediante elas se visava produzir (Acórdão do TUI no Processo n.º32/2008).
   Em conformidade, podemos extrair que a indevida preterição, a deficiência e o erro da notificação, quando provocarem prejuízo a direitos ou garantias de interessados, determinam nulidade processual insuprível e, em consequência, a invalidade, nulidade ou anulabilidade, da decisão final do correlacionado procedimento.
   No vertente caso, é verdade que a Notificação de Fixação de Rendimento de M/5 não foi enviada à sede em Hong Kong da recorrente (doc. de fls.33 dos autos). Todavia, importa ter presente que a ora recorrente deduziu tempestivamente a Reclamação que veio a ser decidida pela Comissão de revisão, e na qual ela reconheceu «本公司於2014年7月11日接獲貴局有關2009年度及2010年度所得補充稅收益評定通知書» (doc. de fls.36 a 37 dos autos).
   É, pois, compreensível que a recorrente recebeu efectivamente tal Notificação de Fixação de Rendimento de M/5. Com efeito, reconheceu ainda a recorrente que a partir de Maio de 2010 ela passou a ser a única sócia da sociedade «D, Limitada».
   Tudo isto detona e transparece que a irregularidade da Notificação de Fixação de Rendimento de M/5 não afectou o exercício pela recorrente do direito de impugnação graciosa. Nesta linha, temos por inegável que é inconsistente a conclusão-X das alegações de fls.205 a 239 dos autos.
*
4. Sobre a arguição da incompetência da DSF
   Nos termos do preceituado no n.º3 do art.36º do RICR, a Comissão de Fixação é competente para fixar o rendimento colectável de quaisquer contribuintes do Grupo A, desde que se verifica a falta ou insuficiência das correspectivas declarações. Este segmento legal aplica-se ao vertente caso, em virtude de a recorrente nunca apresentar a declaração M/1.
   Determina concludentemente o art.2º do mesmo RICR: O imposto complementar incide sobre o rendimento global definido nos termos do artigo 3.º, que as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede, aufiram no Território. (sublinha nossa)
   Esta disposição legal demonstra que o factor determinante consiste no local do rendimento colectável, bastando que o rendimento sujeito ao imposto complementar tenha sido auferido na RAEM, sendo irrelevante a residência e sede da pessoa titular desse rendimento.
   Ora bem, os arts.3º e 36º do RICR conduzem indiscutivelmente que a DSF seja decerto competente para fixar o quantum da matéria colectável sobre o rendimento auferido pela recorrente na RAEM, embora não tenha sede aqui mas em Hong Kong, e nunca apresente a declaração M/1.
   Daí decorre necessariamente que a douta sentença no desfecho de afirmar a competência da DSF para fixar a matéria colectável e liquidar a colecta devida de um rendimento auferido pela ora recorrente na RAEM é legal, acertada e irrefutável, falecendo inevitavelmente as conclusões Y, Z e AA das ditas alegações do recurso jurisdicional em análise.
*
5. Da arguição da isenção e dupla tributação
   O art.9º n.º2 do RICR prevê propositada e inequivocamente: Para as pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea e) do número anterior, a isenção não abrange os lucros ou dividendos distribuídos, respectivamente, aos sócios ou accionistas (sublinha nossa). Este disposto conduz a que embora a sociedade «D, Lda.» gozasse e goza da isenção fiscal consagrada na a) do n.º1 do art.12º do D.L. n.º58/99/M, tal isenção não aproveita aos lucros imputados à recorrente.
   De outro lado, à luz das doutrinas autorizadas, a duplica tributação tem por pressuposto a identidade do facto gerador, e significa que sobre o mesmo facto objectivo incide a pluralidade de normas fiscais (Alfredo José de Sousa, José da Silva Paixão: Código de Processo Tributário – Comentado e Anotado, Almedina 2ª ed., p.580; Alberto Xavier: Direito Tributário Internacional, Almedina 1993, pp.31 e segs.).
   Sem carência de citação mais desenvolvida das sábias doutrinas no que digam respeito às modalidades ou espécies da dupla tributação, o que é patenteado e inquestionável é que a recorrente apresenta apenas uma arguição vaga, sem prestar mínima prova verosímil que possa demonstrar convincentemente a verificação da dupla tributação. Pelo contrário, o que é seriamente verosímil é a evasão fiscal se o Fiscal da RAEM não tributar os lucros aqui auferidos pela recorrente.
   Seja como for, visto que os lucros imputados à recorrente tiveram lugar em Macau, a soberania fiscal da RAEM tem toda a legitimidade e competência para tributa-los, sob pena de deixar emergir uma flagrante evasão fiscal e, em consequência, de atropelar o princípio da igualdade e justiça de encargos fiscais.
   Nesta ordem de consideração, e atendendo a que os argumentos nas conclusões II a KK das alegações do recurso jurisdicional sejam irremediavelmente sofisticados e distorcidos, colhemos que a deliberação da Comissão de Revisão atacada contenciosamente não colide com a isenção consagrada na alínea a) do n.º1 do art.12º do D.L. n.º58/99/M, nem implica a dupla tributação.
   Ora, a invocação da dupla tributação incidente nos sobreditos lucros como fundamento de impugnação e de defesa só seria própria, legítima e justificada quando e se as autoridades fiscais da Região Administrativa Especial de Hong Kong viessem a tributar os mesmos lucros, em virtude de que cuja fonte teve lugar na soberania fiscal da RAEM.
*
6. Das críticas sobre solidariedade e erro de facto
   Na sentença em escrutínio, a MMª Juiz a quo não tomou posição quanto às críticas da recorrente sobre a responsabilidade solidária e a inexistência dos lucros tributados pela Administração Fiscal de Macau, com fundamento de que essas críticas ficam prejudicadas pela constatação da assacada falta de fundamentação.
   6.1- Ressalte-se que as jurisprudências consolidadas do Venerando TSI conferem firmeza à sensata doutrina que ensina incansavelmente: Uma causa é prejudicial a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda (vide. Acórdãos emanados nos Processos n.º620/2007, 326/2011 e 240/2014).
   De outro lado, sufragamos a prudente jurisprudência do Venerando TUI que assevera (cfr. Acórdão no Processo n.º20/2002): Perante uma sentença de provimento no recurso contencioso, embora já é aparentemente favorável ao recorrente, a este é mais preferível se o tribunal julga verificado um vício que obsta à renovação do acto do que vê a Administração, apesar de ser anulado o seu acto, colocada novamente na situação de poder proferir outro acto com o mesmo conteúdo que o acto anulado.
   Em homenagem das jurisprudências supra citadas, e de acordo com a determinação no n.º5 do art.74º do CPAC, afigura-se-nos que em bom rigor, o desfecho da procedência da invocada falta de fundamentação não prejudica a apreciação das sobreditas das críticas da recorrente. O que nos leva a apreciar essas duas arguições da recorrente.
   6.2- Antes de mais, impõe-se destacar que até a 19/05/2010 a sócia da sociedade «D, Lda.» tinha sido a «E Limited», e só a partir desse 19/05/2010 é que a recorrente passou a ser a única sócia da referida sociedade «D, Lda.» (doc. de fls.51 dos autos).
   6.3- Nos sobretudo arts.18º a 21º da contestação, o órgão recorrido reconheceu não se dispor de prova capaz de demonstrar razoavelmente que à ora recorrente tivessem sido distribuídos efectivamente dividendos ou lucros pela dita sociedade «D, Lda.» que foi constituída pela «E Limited» acima aludida (doc. de fls.48 a 49 dos autos).
   6.4- Nestes termos, parece-nos que a única presunção consentida pelo princípio da legalidade anda no sentido de havendo-os, os lucros na esfera patrimonial da sociedade «D, Lda.» no exercício do ano 2009 foram distribuídos por esta à sua sócia «E Limited», não à recorrente.
   6.5- Interpretando o n.º2 do art.9º em harmonia com as disposições nos arts.2º e 3º do RICR, colhemos que os sócios ou accionistas a quem tenham sido distribuídos lucros ou dividendos são sujeitos passivos ou contribuintes do imposto complementar desses rendimentos.
   6.6- Sem prejuízo do elevado respeito pela melhor opinião em sen-tido contrário, a nossa interpretação deste comando legal conduz a que no caso sub judice, o contribuinte seja a «E Limited», em vez da recorrente que, na devida, altura, não era sócia.
   6.7- No âmbito do imposto complementar de rendimentos, não se descortina in casu norma legal ou negócio jurídico que tenha estabelecido a responsabilidade solidária quanto à obrigação fiscal entre a recorrente e a «E Limited» – contribuinte originária.
   Isto não significa nenhuma ignorância do disposto no art.297º do Código das Execuções Fiscais que tem ainda valor de referência na actual ordem jurídica da RAEM, aí prescreve: Por todas as contribuições, impostos, multas e quaisquer outras dívidas ao Estado que forem liquidadas ou impostas a empresas ou sociedades de responsabilidade limitada, em relação a actos praticados ou a actividades exercidas por essas sociedades ou empresas, são pessoal e solidariamente responsáveis, pelo período da sua gerência, os respectivos administradores ou gerentes e ainda os membros do conselho fiscal nas sociedades em que o houver, se este expressamente sancionou o acto de que deriva a responsabilidade, desde que as mesmas dívidas não possam ser cobradas dos originários devedores.
   6.8- Tudo isto implica que a deliberação da Comissão de Revisão enferma de dupla violação de lei, consubstanciada respectivamente, de um lado, em socorrer erradamente à responsabilidade solidária, e de outro, em não ter demonstrado que a recorrente tivesse efectivamente auferido lucro ou dividendos na RAEM. Contudo, merecem consideração os esforços e dedicações da DSF em prevenir e combater elisão fiscal.
*
   Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do presente recurso jurisdicional.”
*
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
*
II – Factos
Foi assente a seguinte factualidade pelo Tribunal a quo:
- 司法上訴人為一所在香港註冊成立之有限公司(見附卷第65頁至第66頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
- 於2004年08月11日,D有限公司獲批准在澳門特別行政區成立,股東為E有限公司(見附卷第94頁至第95頁及第97頁至第103頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
- 於2010年05月19日,D有限公司獲批准轉讓公司股權,司法上訴人成為該公司之股東,並作出相關登錄(見附卷第96頁及第97頁至第103頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
- 於2014年05月14日,財政局人員制作編號:016/DAIJ/2014建議書,指出納稅人D有限公司因有分派股息之所得,而應向其徵收2009及2010年度所得補充稅,建議以其受益人A有限公司(即司法上訴人)的名義徵收所得補充稅稅款。同年05月22日,財政局局長作出“批准”批示(見附卷第2頁至第5頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
- 於2014年07月07日,財政局所得補充稅評稅委員會依照D有限公司申報之收益,評定其2009年度之可課稅收益為澳門幣11,500,000.00元,稅款為澳門幣1,353,000.00元,並由財政局副局長於同日作出結算(見附卷第41頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
- 於2014年07月08日,財政局副局長發出M/5格式所得補充稅收益評定通知書,通知司法上訴人2009年度所得補充稅A組可課稅收益評定為澳門幣11,500,000.00元,核定收益所徵總稅款為澳門幣1,353,000.00元;同時指出該通知書推定在掛號郵戳日期後第五日,或倘若該日並非辦公日則順延至緊接的工作日作出,並從該日起司法上訴人可按照第15/96/M號法律第4條之規定,於15天內向複評委員會提出申駁(見附卷第38頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
- 於2014年07月28日,司法上訴人之法定代表針對上述收益評定之決定向財政局副局長提出申駁(見附卷第63頁至第64頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
- 於2014年07月30日,司法上訴人向財政局提交相關文件(見附卷第61頁至第66頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
- 於2014年08月14日,被上訴實體作出決議,議決不接受司法上訴人之申駁,維持2009年度之可課稅收益為澳門幣11,500,000.00元,以及議決對稅款澳門幣1,353,000.00元訂定百分之零點壹作為稅額之提增;並指出司法上訴人就是次決議可於指定期限內提出聲明異議或向行政法院提起司法上訴(見附卷第29頁及其背頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
- 於2014年09月22日,財政局透過編號:072/DAIJ/CRIC/14公函,將上述決議通知司法上訴人(見卷宗第29頁至第32頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
- 於2014年11月05日,司法上訴人針對被上訴實體於2014年8月14日作出之決議向行政法院提起司法上訴(見卷宗第2頁)。
*
III – Fundamentação
1. Da questão prévia:
Dispõe que o nº 2 do artº 151º do CPAC que “Em processo de recurso contencioso, tem ainda legitimidade para impugnar a decisão final de provimento o recorrente que tenha ficado vencido relativamente a fundamento cuja procedência pudesse assegurar tutela mais eficaz dos direitos ou interesses lesados pela acto recorrido”.
No caso em apreço, o Tribunal a quo não julgou improcedentes os seguintes fundamentos do recurso contencioso invocados pela Recorrente na petição inicial, a saber:
- a inexistência da responsabilidade solidária no pagamento do imposto entre ela e B; e
- o diferimento da tributação de rendimentos isentos e a dupla tributação dos lucros na esfera dos sócios,
mas sim considerou prejudicado o conhecimento dos mesmos.
Nesta conformidade, não se pode dizer que a Recorrente tenha ficado vencido nesses fundamentos, o que significa que não tem legitimidade para interpor o recurso jurisdicional da decisão de não conhecimento dos mesmos.
É certo que o nº 5 do artº 74º do CPAC dispõe que “A procedência de um dos fundamentos não prejudica a apreciação de outros, na ordem prevista, quando o tribunal, face à eventualidade de renovação do acto recorrido, o entenda necessário para melhor tutela dos direitos ou interesses do recorrente”.
No entanto, a Recorrente não imputou a sentença recorrida ter violado o referido preceito legal, nem requereu que fosse determinado o Tribunal a quo, não obstante da anulação do acto recorrido com fundamento no vício da falta de fundamentação, conhecer os vícios supra identificados para melhor tutela dos seus direitos e interesses.
Face ao exposto, é de rejeitar o recurso jurisdicional nesta parte.
2. Do recurso jurisdicional propriamente dito:
A sentença recorrida, além do supra mencionado, decidiu-se ainda:
- indeferir o pedido da prática do acto legalmente devido por parte da Entidade Recorrida no sentido de devolver as quantias do Imposto Complementar de Rendimentos indevidamente recebidas;
- julgar improcedentes os fundamentos da anulação do acto com base na ineficácia da notificação e na incompetência da DSF para tributar rendimentos auferidos por uma sociedade com sede fora da RAEM; e
- anular o acto recorrido com fundamento no vício da falta de fundamentação.
Vamos agora apreciar se as decisões da sentença recorrida merecem alguma censura ou reparação.
Para a Recorrente, o Tribunal a quo ao decidir anular o acto recorrido com fundamento na falta de fundamentação, cometeu um erro no julgamento na medida em que nunca invocou este vício com fundamento recurso.
Não lhe assiste razão.
É certo que tanto na petição inicial como nas alegações facultativas, não há indicação/qualificação expressa do vício da falta de fundamentação.
No entanto, a Recorrente disse de forma expressa que “não compreende com que fundamento é que a DSF liquida imposto a uma sociedade com sede em Hong Kong, como é o seu caso, e não em Macau”, bem como “… não se compreende como a DSF pode arrogar-se competência para tributar uma sociedade com residência noutro território” (cfr. as al. L) e M) das conclusões da petição inicial e al. O) e P) das conclusões das alegações facultativas).
Tais expressões, a nosso ver, traduzem numa invocação do vício da falta de fundamentação do acto recorrido.
Ora, não obstante a Recorrente não ter qualificado a referida invocação como vício da falta de fundamentação, tal não impede o seu provimento com base na qualificação que o tribunal considere adequada – cfr. nº 6 do artº 74º do CPAC.
Não se verifica, portanto, o alegado erro de julgamento, pelo que é de negar provimento ao recurso jurisdicional nesta parte.
Quanto à anulabilidade do acto recorrido com base na ineficácia da notificação, cumpre-nos dizer que mesmo que se verifique a falta de notificação do acto, nunca conduz à invalidade do acto recorrido.
Pois, não se deve confundir a notificação e o acto administrativo propriamente dito.
Como é sabido, é através da notificação, se dá conhecimento ao seu destinatário dos elementos essenciais do acto administrativo propriamente dito.
Quando a notificação omita os elementos legalmente exigidos, determina, consoante os casos, a ineficácia do acto (se a notificação não dê a conhecer o sentido, o autor e a data da decisão) – artº. 26º, nº 1, do CPAC, ou simplesmente a suspensão da contagem do prazo de recurso – artº 27º do CPAC.
Mas nunca determina a invalidade do acto administrativo propriamente dito, por não ser parte constitutiva do mesmo.
Improcede, assim, este argumento do recurso jurisdicional.
No respeita à alegada incompetência da DSF para tributar impostos de rendimentos auferidos por uma sociedade com sede fora da RAEM, também não assiste razão à Recorrente, já que nos termos do nº 2 do artº do RICR, o imposto complementar de rendimentos incide sobre o rendimento global que as pessoas singulares ou colectivas, qualquer que seja a sua residência ou sede, aufiram na RAEM.
Como se vê, é irrelevante para efeitos da tributação do imposto complementar de rendimentos a residência ou sede do contribuinte, mas sim o local onde esses rendimentos se auferem.
Ora, no caso em apreço, como os rendimentos que foram objecto de tributação do imposto complementar dizem respeito aos dividendos distribuídos pela sociedade com sede na RAEM (D, Lda.), é indiscutível que as autoridades fiscais da RAEM têm competência para o efeito.
A sentença recorrida não merece, portanto, qualquer censura ou reparação nesta parte.
Por fim, em relação do indeferimento do pedido da prática do acto legalmente devido por parte da Entidade Recorrida no sentido de devolver as quantias do Imposto Complementar de Rendimentos indevidamente recebidas, o Dignº Magistrado do Mº Pº junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer:
   “No aresto em questão, a MMª Juiz a quo tomou decisão de rejeição do pedido de condenação consubstanciado em ordenar a Administração Fiscal a devolver/restituir à recorrente a colecta já paga por si e os correspondentes juros legais, com argumento de tal pedido não está conforme com disposições legais (因不符合法律規定).
   Na nossa óptica, é descabido o erro arrogado pela recorrente, com argumento de que o pedido de condenação é só uma decorrência legal da procedência do pedido de anulação da apontada deliberação, e ela não pretendeu, de alguma forma, cumulá-los (vide. conclusões H a J das alegações).
    Nos termos da regra geral prescrita no art.20º do CPAC, o recurso contencioso é de mera legalidade e tem por finalidade a anulação do acto recorrido ou a declaração da nulidade ou inexistência jurídica. Este art.20º tem como matriz e precedente o art.6º do ETAF de Portugal.
   Interpretando o art.6º do ETAF, as doutrinas mais autorizadas vêm asseverando, de forma constante e praticamente unânime, que esta disposição legal tem duplo alcance (a título exemplificativo, Freitas do Amaral: Direito Administrativo, vol. III, Lisboa 1988, pp.115 a 116):
   Para o recorrente, em princípio nenhum outro pedido é admissível para além dos três géneros legalmente consagrados, qualquer recorrente não pode pedir, no seio de recurso contencioso, a revogação, modificação ou substituição do acto recorrido, «tal como não é admissível qualquer pedido de condenação da administração pública à prático do acto devido».
   Do seu lado, os tribunais administrativos não podem modificar os actos administrativos, nem praticar outros actos administrativos em substituição daqueles que reputem ilegais, nem sequer podem condenar a Administração a praticar este ou aquele acto administrativo.
   Evoluindo sob orientação do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art.2º do CPAC), o nosso CPAC no art.24º admite a cumulação, ao lado de pedidos consagrados no art.20º deste Código, de 2 espécies de pedidos de condenação nos termos definidos no n.º1 daquele normativo.
   Destas disposições decorre que fora das excepções contempladas no art.20º do CPAC, a cumulação de pedidos prescrita no seu art.24º é a única janela que admite pedidos de condenação em sede do recurso contencioso; sem socorrer à faculdade estabelecida art.24º o recorrente não pode formular pedidos de condenação no seu recurso contencioso.
   Assim que seja, e considerando a declaração da recorrente de não pretender a cumulação de pedidos (cfr. conclusão H das alegações do recurso jurisdicional em apreço), não podemos deixar de entender que o pedido na alínea b) da petição contende frontalmente com o disposto no art.20º do CPAC, pelo que é ilegal, portanto a sobredita decisão de rejeição é inatacável.”
Trata-se duma posição com a qual concordamos na sua íntegra. Assim, com a devia vénia, fazemos como parte integrante da nossa fundamentação para negar provimento ao recurso jurisdicional nesta parte.
*
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
*
Custas pela Recorrente, com taxa de justiça de 8UC.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 19 de Outubro de 2017.

_________________________ _________________________
Ho Wai Neng Joaquim Teixeira de Sousa
_________________________ (Fui presente)
José Cândido de Pinho
(com declaração de voto anexo)
_________________________
Tong Hio Fong








Declaração de voto
Concordo com a decisão do acórdão quando anula o acto com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação, sem embargo de me parecer que no recurso jurisdicional está implicitamente invocado o art.º 74º, nº 5, do C.P.A.C., o que implicaria a remessa dos autos à 1ª instância para apreciação dos dois vícios de legalidade substantiva ainda não conhecidos.




30
753/2016