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 Processo n.º 836/2017
  (Recurso jurisdicional)
   
  Data: 19/Outubro/2017
   

Assuntos:
  - Habitação económica; casa de morada do requerente


SUMÁRIO :
Se o requerente se candidatou à aquisição de uma habitação económica;
   Reunindo os requisitos, foi-lhe atribuída uma casa pelo IH (Instituto de Habitação);
   Mas porque ajudou a mãe dos seus filhos a comprar uma casa, ficando como comproprietário da mesma com um quinhão de 1/5, foi tido como proprietário dessa casa e, por isso, resolvido o contrato de aquisição de habitação económica;
Se é nessa casa que o requerente mora há alguns anos e é aí que recebe os seus filhos quando estes estão consigo;
Essa casa não deixa de ser também a casa de morada da sua família, e os prejuízos de ordem não patrimonial alegados e implícitos são de mui difícil reparação, não se vendo que a situação não seja compatível com mais algum tempo de espera, em face dos diferentes interesses em presença.

O Relator,





















Processo n.º 836/2017
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)

Data : 19 de Outubro de 2017

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Presidente do Instituto de Habitação

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, requerente da suspensão de eficácia do acto, em que é requerido, o PRESIDENTE do INSTITUTO de HABITAÇÃO da RAEM, notificado do conteúdo da douta sentença de fls. 47 a 51 dos autos e não se conformando com o indeferimento da suspensão da eficácia requerida, que corre por apenso e na pendência do Recurso Administrativo Contencioso N.º 2422/17-ADM, vem dela interpor recurso para este Tribunal de Segunda Instância, alegando em síntese conclusiva:
    
    I. Em 16 de Agosto de 2012, o Recorrente celebrou um contrato-promessa com o IH, referente à habitação económica, designada por fracção autónoma "144", descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXX8-V e inscrita sob o n.º 3XXXXF a favor do I.H.
    II. O agregado familiar do Recorrente é composto apenas por si, não obstante ser pai de dois menores, um com sete e outro com dois anos de idade, sendo que estes integram o agregado familiar da mãe – cfr. documentos constantes do processo administrativo - Pedido n.º 8XXX6; Família n.º 21XXXXXX80.
    III. O Recorrente desde 11.06.2013, data da entrega das chaves, habita na referida fracção e não possuí qualquer habitação própria, nem na RAEM nem em qualquer outro local e é também nesse espaço que os dois filhos o visitam e aí pernoitam.
    IV. A mãe dos seus filhos adquiriu, em 25 de Novembro de 2016, uma fracção autónoma sita no décimo terceiro andar letra "B", na Taipa, no XX nºs XX, Avenida XX n.ºs XX, Edifício XX, e nesse local reside permanentemente com os dois filhos.
    V. O Recorrente, assumindo a posição de um bonus pater familias, aceitou ser titular da quota parte de um 1/5 dessa fracção, para ajudar a viabilizar a possibilidade de aquisição de um tecto para abrigar os filhos.
    VI. A aquisição, operada em 25 de Novembro de 2016, em regime de compropriedade, de 1/5 a favor do Recorrente e de 4/5 a favor da mãe dos menores, apenas teve por motivação permitir viabilizar o empréstimo e a consequente constituição de hipoteca bancária a favor do Banco B.
    VII. O Recorrente com a aquisição de 1/5 da fracção, visou desta forma ajudar a salvaguardar o bem estar dos seus filhos que residem com a mãe, nunca tendo usufruído ou de qualquer forma beneficiado da referida fracção ou de qualquer outra.
    VIII. Em 23 de Maio de 2017, o Recorrente foi notificado da decisão de resolução do citado contrato-promessa, por o IH entender que, depois da celebração do citado contrato-promessa, o Recorrente adquiriu outra fracção autónoma na RAEM e que tal implicou que deixasse de reunir os requisitos previstos no n.º 4 do artigo 14.º, concluindo pela aplicação do n.º 4 do artigo 34.º, ambos da Lei nº 10/2011, com as alterações introduzidas pela Lei nº 11/2015 e que, deveria despejar o locado no prazo de setenta e cinco dias.
    IX. Em 06 de Junho de 2017, o Recorrente não se conformando reclamou junto do Presidente do IH da decisão proferida e, em 21 de Junho de 2017, interpos recurso administrativo contencioso, que corre termos sob o N.º 2422/17-ADM, invocando que o fundamento legal alegado pelo IH peca por partir de um pressuposto errado e, consequentemente, fazer uma má interpretação por erro na aplicação das normas legais, ao atribuir-lhe a qualidade de proprietário, quando o mesmo não passa de um mero com proprietário.
    X. Bem como requereu, em 25 de Julho de 2017, junto do Tribunal Administrativo a suspensão da eficácia do acto por entender ser premente a suspensão do Despacho do Presidente do Instituto de Habitação, datado de 23 de Março de 2017, que concordou com as conclusões da citada proposta n.º 1005/DHEA/17 e na qual foi exarado.
    XI. Porém a sentença do tribunal a quo, indeferiu o respectivo pedido, concretizando-se a mesma fundamentalmente em invocar que, o Requerente não logrou provar o requisito previsto pela alínea a) do n.º 1 do artigo 121º do CPAC, isto é, a probabilidade da ocorrência de prejuízos de difícil reparação causados pelo acto, cuja suspensão de eficácia se requereu.
    XII. Designadamente alegando que o Requerente não logrou provar que paga de per si a prestação da hipoteca bancária no valor de MOP$14,810.00 referente à aquisição, operada em regime de compropriedade, de 1/5 a favor do Requerente e de 4/5 a favor da mãe dos menores, quando o mesmo apenas afirma no n.º 26 do requerimento da suspensão da eficácia que vem (...) contribuindo para que a mãe daqueles possa liquidar a prestação mensal, no valor de MOP$14,810.00, resultante do empréstimo contraído junto do Banco C (...) isto é, refere que vem contribuindo, naturalmente, na proporcionalidade da aquisição operada isto é com 1/5 da prestação mensal e não com a totalidade do citado valor.
    XIII. Realça, ainda, a sentença recorrida que o Requerente aufere um rendimento mensal no valor de MOP $31.253,00, muito acima da média, o que lhe permite arrendar outro imóvel tanto mais que lhe basta um apartamento para uma pessoa, ignorando por um lado que o actual salário que aufere foi após promoção na carreira, às funções de "pit manager" no XX Casino, S.A. nada tem a ver, com o rendimento mensal que auferia quando há mais de doze anos atrás, em 27 de Maio de 2005, apresentou ao IH o boletim de candidatura a contrato de desenvolvimento para habitação e por outro lado, desvaloriza que o Recorrente é pai de dois filhos menores.
    XIV. Mais salienta a sentença recorrida, que os prejuízos patrimoniais e os prejuízos de ordem moral decorrentes da mudança da casa de morada de família isto é, os custos, incómodos e sacrifícios atinentes que decorrem, para o Recorrente e para os seus filhos menores, são um tanto irrelevantes uma vez que o Recorrente só aí reside há pouco mais de quatro anos e os seus filhos residem com a mãe e apenas o visitam esporadicamente, ignorando a decisão que os seus filhos também têm o seu espaço nessa casa onde pernoitam, normalmente, de sábado para domingo e desconsidera, ainda, a expectactiva jurídica que o Recorrente tem há mais de doze anos da realização da respectiva escritura pública de compra e venda desta habitação.
    XV. A douta sentença de indeferimento do pedido de suspensão de eficácia é com o devido respeito, formulada com base nas razões de facto e de direito invocadas na proposta n.º 1005/DHEA/2017 e na contestação do Requerido a fls. 40 a 43 dos autos e, ao invés de proceder à análise objectiva dos factos invocados pelo Requerente no seu pedido, alega "défice de prova" da parte deste para que o pedido pudesse proceder.
    XVI. Parece partir do pressuposto que o Requerente adquiriu outro bem imóvel e como tal deixou de reunir os requisitos previstos no n.º 4 do artigo 14.º, pela aplicação do n.º 4 do artigo 34.º, ambos da Lei nº 10/2011, com as alterações introduzidas pela Lei nº 11/2015, isto porque a alínea 1) do n.º 4, daquela disposição legal o impedia, até à data da celebração da respectiva escritura, de ser «proprietário de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional na RAEM».
    XVII. Como devido respeito, a concordância da douta sentença com os factos alegados pela entidade recorrida, determinou a falta de objectividade revelada na aplicação do poder discricionário, atendendo aos danos que resultam directa, imediata e necessariamente do acto cuja execução se pretende travar. E,
    XVIII. Ignorou que existem razões para que se deva julgar procedente o pedido de suspensão de eficácia do acto em causa, na medida em que se verificam cumulativamente os três requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do supra citado artigo 121º do C.P.A.C.: previsível prejuízo de difícil reparação para o Requerente, inexistência de grave lesão do interesse público e fortes indícios da não ilegalidade do recurso.
    Senão vejamos:
    XIX. Impõe o preceito da alínea c) do artigo 121º do citado C.P.A. que não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso. Ora dos fundamentos do pedido de impugnação elencados no recurso contencioso, mostra-se notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o mesmo pode ter êxito, não podendo deixar de se entender que, pelo menos, estará em causa a defesa do direito à habitação económica onde reside.
    XX. Atenda-se que o Recorrente interpõe o presente recurso contencioso, por a decisão proferida padecer do vício de violação de lei ao decidir resolver o contrato-promessa firmado, impedindo o direito do Recorrente a celebrar o contrato definitivo sobre a fracção autónoma que se tinha comprometido a comprar, por se entender que a situação de compropriedade não pode constituir obstáculo conducente à exclusão do direito à habitação económica em causa nem fundamentar a resolução do respectivo contrato-promessa.
    XXI. Com o devido respeito, o Instituto de Habitação não tem cobertura legal para resolver o contrato-promessa celebrado com o Recorrente por, durante a fase de espera, o mesmo ter tido filhos e se ter revelado um bonus pater familias contribuindo para a aquisição de um tecto para os abrigar.
    XXII. Ora não sendo manifesta a existência de circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito, tanto bastará para se concluir pela verificação do requisito da ausência defumus malus luris, aliás, o Tribunal de Segunda Instância já teve oportunidade de se pronunciar sobre casos análogos entendendo que tudo seria diferente se o interessado tivesse adquirido na sua plenitude e integralidade uma fracção habitacional, de que viesse a ser proprietário único ou que pudesse suprir as suas necessidades habitacionais (cfr. Acs. TSI, Processo n.º 823/2014, de 9/7 /2015 e Proc. n.º 317/2013, de 12/6/2014).
    XXIII. Mais, em 17 de Maio do corrente ano, o Comissariado contra a Corrupção (CCAC), elaborou um relatório alertando para que, se durante a fase de espera para a celebração da escritura pública de compra e venda, os cônjuges dos titulares do direito a habitação económica adquirissem habitações próprias na RAEM, ainda que sejam elementos integrantes dos agregados familiares, não deixam de se encontrar reunidos os requisitos legalmente previstos relativos à aquisição da fracção de habitação económica, não devendo os respectivos contratos-promessa ser resolvidos.
    XXIV. Por maioria de razão, não obstante não estarmos perante a mesma situação, desde logo por o Requerente ser solteiro, não faz qualquer sentido, pelo facto da mãe dos menores filhos do Requerente, ter adquirido habitação própria e este, durante a fase de espera, ter assumido a posição de comproprietário de 1/5 dessa habitação, que tal também não enquadre uma situação que não conduz à resolução do respectivo contrato-promessa.
    XXV. Aliás, à luz de tal critério do CCAC, diga-se, ainda, que o Instituto de Habitação nas hipóteses do Requerente na fase de espera ter contraído matrimónio com a mãe dos seus dois filhos e esta possuísse uma casa, mesmo que o regime de bens adoptado fosse o da comunhão geral, o Instituto não deveria resolver o contrato-promessa, como também não deveria resolvêlo na hipótese do Requerente} após a aquisição efectuada na proporção, respectivamente, de 1/5 e de 4/5, tivesse casado com a mãe dos seus filhos.
    XXVI. Como aceitar, na situação sub judice muito menos gravosa que as explanadas, dado o Recorrente não ter contraído matrimónio com a mãe dos seus dois filhos e, consequentemente, ter entrado no seu património apenas 1/5 de uma fracção, que o Instituto de Habitação insista conforme resulta da contestação de fls. 40 a 43 pela resolução do contrato-promessa, bem sabendo que o Requerente não tem outra habitação para onde possa ir viver.
    XXVII. Perante este quadro, afigura-se como evidente o direito pelo menos à definição jurídica da situação controvertida, daqui decorrendo claramente a legitimidade e o interesse processual do Requerente, titular directo do interesse que é atingido com a resolução do contrato promessa, mostrando-se verificado o requisito negativo da alínea c) do artigo 121º do citado C.P.A., como tem sido entendimento deste Tribunal, conforme resulta do Acórdão do TSI de 30/5/02, proferido no processo n.º 92/02 .
    XXVIII. Quanto à existência de prejuízos de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar ao Recorrente – al. a) do n.º 1 do artigo 121º do CPAC -, o Recorrente invocou um conjunto de prejuízos que têm consequência adequada, directa e imediata da execução do acto, designam ente os seguintes:
    a) Prejuízos de ordem patrimonial:
    - Necessidade de procura de uma outra casa com a renda sujeita ao mercado habitacional, acrescendo as despesas da mudança, deslocação e instalação;
    - Atenda-se que o Requerente, a 11.06.2013, pagou ao Instituto de Habitação, por conta da habitação, MOP$71,950.00 e, em 10.09.2013, pagou o remanescente no valor de MOP$647,550.00, pelo que ainda está a pagar uma prestação mensal no valor de MOP$3,359.00, pelo empréstimo contraído no Banco B, o que implica que perderá os juros já pagos, uma vez que apenas será reembolsado do montante pago;
    - Além de que, caso tenha de desocupar a fracção em causa perderá também as despesas de decoração que efectuou na fracção, mesmo na sequência da procedência do recurso contencioso.
    b) Prejuízos de ordem não patrimonial:
    - A incerteza quanto ao sítio para onde irá, com todos os inconvenientes e incomodidades de ter de passar a suportar um espaço, porventura bem mais exíguo, dado os preços das rendas praticadas no mercado livre, que se traduzem num conjunto de incómodos, sacrifícios e tristezas, que não são susceptíveis de reparação.
    - O inconveniente das crianças, de dois e sete anos de idade, terem de se adaptar a nova vizinhança, a novos espaços, quando visitam o pai e aí pernoitam, para além do facto de, quer o Recorrente, quer os seus filhos, considerarem aquela casa como sua; E,
    - O abalo psicológico de ser despejado da casa onde vive desde 11.06.2013 e pela qual esperou mais de 12 anos, desde 27.05.2005.
    XXIX. Dúvidas não subsistem, perante os prejuízos invocados, de que a posição do Recorrente será muito crítica num quadro de "despejo provisório", ainda que os custos materiais possam vir a ser repostos, a eventual indemnização superveniente nunca poderá reparar os sacrifícios incómodos e incerteza, por estes atingirem as situações mais sensíveis, da intimidade, da casa de morada de família tanto mais que esta é a única habitação de que dispõe para viver e receber os dois filhos onde têm o seu espaço quando aí pernoitam;
    XXX. Jurisprudencialmente, casos análogos têm sido diferidos tanto mais que, in casu evidencia-se do acervo elencado um prejuízo de difícil reparação para o Recorrente e consequentemente para os seus filhos, sendo de concluir que o indeferimento da suspensão da eficácia do acto poderá provocar-lhe danos ou prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, pelo que se verifica a existência do periculum in mora, requisito da alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPTA.
    XXXI. Os argumentos invocados na douta sentença recorrida de que o Recorrente apenas aí vive há pouco mais de quatro anos e de que os filhos são ainda muito novos ou de que, aufere actualmente rendimento suficiente para arrendar um espaço exíguo para uma pessoa, e que os prejuízos e despesas que o Recorrente terá que suportar não são muito elevados, embora possam impressionar num primeiro momento, o certo é que a mudança de casa, o corte com o local onde centraram a sua vida, a boa vizinhança estabelecida e a expectativa lograda ao fim de 12 anos de ser proprietário de uma casa, não devem de todo ser desvalorizados e muito menos desconsiderados, como o foram na sentença recorrida.
    XXXII. Por último, sempre se diga, que a grave lesão do interesse público requisito da alínea b) do nº 1 do artigo 121º do CPTA não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto e, neste particular aspecto, o que se observa é que a entidade requerida não traz nada que evidencie aquele prejuízo, conforme resulta da contestação junta aos autos.
    XXXIII. Estamos em crer que a força da autoridade e da Administração não ficará abalada por, ainda que provisoriamente, até à prolação de uma decisão devidamente ponderada e definitiva, o Recorrente não proceder à entrega da casa.
    XXXIV. Atenda-se que a expressão "grave lesão do interesse público" constitui um conceito indeterminado que compete ao Tribunal integrar, em face da realidade factual que se lhe apresente e essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso, sendo que das razões invocadas não se vislumbra uma premência que não se compagine com uma tolerância de algum tempo de espera pela definição jurídica da situação.
    XXXV. Face ao exposto, somos a concluir no sentido da verificação dos diferentes requisitos, da alínea a), b) e c) do n.º 1 do artigo 121º do CPAC.
    
    NESTES TERMOS, e nos mais de Direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso por se verificarem preenchidos todos os requisitos do artigo 121º do CPAC e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e ordenada a suspensão da eficácia do despacho do Exmo. Senhor Presidente do Instituto de Habitação da RAEM de 23 de Março de 2017, com as demais consequências legais.
    

    2. O Exmo Senhor Presidente do Instituto de Habitação da RAEM, entidade que proferiu o despacho, cuja execução se pretende ver suspensa, respondeu, em síntese:

1. Na petição do recurso, o recorrente só repetiu os fundamentos de facto e de direito expostos por si no pedido de suspensão da eficácia, ou seja, a sua situação reúne o requisito previsto no art.º 121.º, n.º1 do Código do Processo Administrativo Contencioso, mas o depoente reitera que não concorda com isso, mantendo todos os fundamentos de facto e de direito expostos por si na contestação, bem como também concorda com os fundamentos indicados pelo meritíssimo juiz na sentença.
2. Quanto aos factos dados como provados alegados pelo recorrente na petição do recurso, evidentemente a maior parte dos factos não foi dada por provada pelo meritíssimo juiz do Tribunal a quo, também não pertencem aos factos relevantes, pelo que não é necessário ter em consideração tais factos na apreciação do presente recurso.
3. Além disso, o depoente também mantém a sua posição feita na contestação, considerando que não é fundado o recurso interposto pelo recorrente.
4. Quanto aos prejuízos causados ao recorrente pela execução do acto administrativo, é de salientar que qualquer acto administrativo feito contra o interessado vai causar-lhe certa influência, mas isso não é uma razão fundada, visto que o ponto essencial do art.º 121.º, n.º1, al. a) do Código do Processo Administrativo Contencioso é se a execução do acto administração vai causar-lhe o “prejuízo grave e de difícil reparação”.
5. O prejuízo grave e de difícil reparação não é uma presunção necessária, não ficando o requerente desonerado de fazer a demonstração dos factos integradores do alegado prejuízo. O requisito do prejuízo de difícil reparação pressupõe a alegação de factos concretos donde resulte o mencionado prejuízo, não bastando a alegações de considerações genéricas e conclusivas, ou seja cabe ao requerente o ónus de indicar concretamente os eventuais prejuízos, devendo tais prejuízos ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto.
6. Para além da alegação conclusiva de sofrer prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, o recorrente não apresentou qualquer fundamento de facto, pelo que a decisão é correcta, o que o meritíssimo juiz do Tribunal a quo não deu como provada a existência de prejuízos graves e de difícil de reparação”.
7. Quanto aos prejuízos patrimoniais, o recorrente não indicou o valor concreto nem apresentou qualquer prova, não ficou provada essa parte; mas mesmo que existam efectivamente os supracitados prejuízos patrimoniais, pode o recorrente recuperá-los mediante meios processuais adequados, se o respectivo recurso contencioso for julgado procedente. Pelo que, não existem tais “prejuízos graves e de difícil reparação”.
8. Quanto aos prejuízos não patrimoniais, o recorrente também não indicou qualquer facto nem apresentou prova. Quanto ao facto de seus filhos terem pernoitado na fracção económica, tal facto nunca foi indicado no respectivo pedido de suspensão da eficácia do acto administrativo, pelo que no recurso em causa, não se deve apreciar tal “facto novo”.
9. Contudo, mesmo que os filhos do recorrente tenham pernoitado ocasionalmente na dita fracção económica (é uma mera suposição, mas o depoente não concorda com isso), também não entendemos qual o prejuízo que sofre o requerente e porque é de difícil reparação, Pelo que evidentemente não ficou provado o respectivo prejuízo.
10. Por fim, o facto de o recorrente ter de deixar o centro da vida e os bons vizinhos também não foi indicado no pedido de suspensão da eficácia, pelo que não se deve apreciar tal facto na fase do recurso. Além do mais, a habitação económica em causa só foi-lhe concedida no dia 11 de Junho de 2013, é difícil de entender porque o requerente tem um sentimento inseparável por aquela fracção económica,
11. Por fim, de qualquer maneira, a entidade recorrida ainda considera a não execução de imediato do acto administrativo recorrido viola o princípio da imparcialidade e contra a política da aplicação adequada dos recursos públicos, prejudicando seriamente o interesse público, e evidentemente isso é conhecido por todas as pessoas e não necessita da prova.
12. Em suma, nos autos a situação do recorrente não reúne o requisito previsto no art.º 121.º, n.º1, al. a) do Código do Processo Administrativo Contencioso, não deve ser deferido o pedido de suspensão da eficácia do acto administrativo, sendo totalmente legal a decisão recorrida.
13. Pelo que a entidade recorrida entende que não procede a motivação do recorrente, devendo-se rejeitar o recurso e manter a decisão do Tribunal a quo.

  Pelo acima exposto, tendo em consideração que a sentença recorrida totalmente reúne as disposições legais e não padece de qualquer vício, devendo assim o recurso ser julgado improcedente e ser mantida a sentença a quo, fazendo-se, assim, a costumada Justiça!

3. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:

A, identificado nos autos, recorre da sentença de 03 de Agosto de 2017, do Tribunal Administrativo, que recaiu sobre o procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto de 21 de Março de 2017, da autoria do Presidente do Instituto da Habitação, através do qual foi resolvido o contrato-promessa de compra e venda de habitação económica celebrado entre o Instituto da Habitação (IH) e o recorrente.
    Na sua peça de alegação e respectivas conclusões, volta o recorrente a reafirmar a verificação de todos os requisitos de que depende a pretendida suspensão de eficácia, criticando a sentença pelo julgamento errado quanto à inverificação do requisito que apreciou, o do "prejuízo de difícil reparação" previsto no artigo 121.°, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Administrativo Contencioso.
    Por sua vez, a entidade demandada bate-se pelo acerto da decisão recorrida, e volta a enfatizar, tal como fizera na sua contestação, que não está preenchido o requisito previsto na alínea b) daquele artigo 121.°, n.° 1, ponto que a sentença recorrida não chegou a abordar.
    Vejamos.
    Segundo jurisprudência uniforme dos tribunais superiores, cabe ao da providência cautelar de suspensão de eficácia o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, devendo fazê-lo por forma concreta e especificada - cf., v.g., acórdão do Tribunal de Última Instância, de 15 de Julho de 2015, prolatado no processo 28/2015.
    Em cumprimento desse ónus, o requerente, aqui recorrente, alegou prejuízos de ordem patrimonial e não patrimonial. Entre os primeiros acentuou a necessidade de procura de nova casa, com renda sujeita aos preços do mercado habitacional; as despesas de mudança, deslocação e instalação; o risco de não poder continuar a suportar por inteiro o montante de pensão alimentar que paga aos filhos, no valor mensal de MOP $3.000, bem como a sua comparticipação na mensalidade de MOP $14.810 da prestação do empréstimo hipotecário da habitação onde vivem os filhos, adquirida em compropriedade com a mãe destes; a perda dos juros que já pagou relativamente à habitação económica; e as despesas de decoração que suportou. E entre os segundos fez avultar os incómodos, sacrifícios e tristezas derivados da incerteza do sítio onde irá viver e da provável exiguidade da nova casa, bem como os sentimentos de perda daquela que era considerada, por si e pelos filhos, quando em visita, a sua casa e o seu espaço de vivências por mais de quatro anos.
    A acuidade e a procedência destes argumentos, enquanto caracterizadores do prejuízo de difícil reparação, foram refutadas pela Exm.º Colega, no seu parecer de fls. 44 a 46, mediante judicioso critério que não podemos deixar de corroborar. Não ficaram, na verdade, demonstrados prejuízos de difícil reparação. Todos os prejuízos de índole patrimonial elencados se apresentam facilmente quantificáveis, sendo certo que, embora não se possa considerar elevado, o salário mensal do recorrente permite fazer face aos encargos normais que tem que suportar, sem colocar em xeque a sua subsistência. Logo, por. este prisma, não se divisa prejuízo irreparável ou de difícil reparação. E quanto aos demais danos, cabe questionar se esses possíveis transtornos ou incómodos, sacrifícios e tristezas atingem foros de gravidade merecedores da tutela do direito, cuja ressarcibilidade possa vir a revelar-se difícil. Crê-se que não. Não está aqui em causa o esboroar de um apego às raízes ou o desmancho de uma partilha de afectos e de vivências pela perda daquele que sempre foi o lar do recorrente. O recorrente tomou posse da casa em questão, há apenas quatro anos, e vive aí sozinho, pelo que o aspecto sentimental que pretende sobrelevar em matéria de danos não patrimoniais se apresenta irrelevante.
    Não podia o tribunal chegar a conclusão diversa daquela a que chegou em matéria de ocorrência de prejuízos de difícil reparação.
    Nenhum reparo merece a decisão recorrida, que deve ser mantida, negando-se provimento ao recurso.
4. Foram colhidos os vistos legais.
    
III - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes na sentença recorrida:
   
    “(…)
De acordo com os dados constantes dos autos e do apenso, este Tribunal considerou os factos seguintes que se mostram relevantes para a apreciação do caso.
No dia 16 de Agosto de 2012, a entidade requerida celebrou com o requerente A o contrato-promessa de compra e venda da fracção “XX” do bloco XX do Edifício do XX, XXº andar, da habitação económica sita na Rua da XX n.ºXX (Agregado Familiar n.º21XXXXXX80), passando o requerente a ser promitente-comprador da referida fracção pelo preço de venda de MOP719.500,00.
No dia 11 de Junho de 2013, o requerente entregou à entidade requerida uma ordem de pagamento do banco no valor de MOP71.950,00, para servir de pagamento do montante da fracção da habitação económica acima indicada e recebeu as chaves da fracção no mesmo dia. O ónus de inalienabilidade da fracção é de 16 anos; e mais no dia 10 de Setembro de 2013, o requerente entregou à entidade requerida uma ordem de pagamento do banco no valor de MOP647.550,00 para servir de pagamento do montante da fracção em causa.
Antes de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção em causa, é necessário fazer a nova revisão. Segundo os dados obtidos da Direcção dos Serviços de Finanças e da Conservatória do Registo Predial, a entidade requerida verificou que, no dia 25 de Novembro de 2016, o requerente A e D, através do mercado livre, adquiriram uma fracção autónoma com finalidade habitacional sita em Macau, Taipa, no XX, n.ºXX, Edifício “XX” (XX, XX, XX), XXº andar “XX”, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º2XXX2.
No dia 21 de Março de 2017, o presidente do Instituto de Habitação exarou na proposta o despacho “concordo” para decidir a rescisão do contrato-promessa de compra e venda da fracção “I” da habitação económica, bloco XX do Edifício do XX, XXº andar, sita na Rua da XX n.ºXX, celebrado por si e pelo requerente em 16 de Agosto de 2012.
No dia 23 de Maio de 2017, o requerente deslocou-se pessoalmente ao Instituto de Habitação para assinar e receber o respectivo ofício.
O requerente exerce funções como Pit Manager em casino, auferindo mensalmente MOP31.253,00.
O requerente paga mensalmente MOP3.000,00 a título de alimento para os dois filhos menores.
Os dois menores não vivem com o requerente na fracção da habitação económica em causa, só quando o requerente exercer o poder paternal, os menores vão à supracitada fracção.
Em Junho de 2017, foi efectuado o pagamento da prestação mensal no valor de MOP14.810,00 para a supracitada fracção sita em Macau, Taipa, no XX n.ºXX, Edifício “XX” (XX, XX, XX), XXº andar “XX”, sendo D e o requerente A quem contraíram o empréstimo hipotecário para adquirir a dita fracção autónoma.
No dia 25 de Julho de 2017, o requerente constituiu mandatário judicial para intentar, junto do presente Tribunal, a providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo.

IV – FUNDAMENTOS
1. O caso
O requerente candidatou-se à aquisição de uma habitação económica.
   Reunindo os requisitos, foi-lhe atribuída uma casa pelo IH (Instituto de Habitação).
   Mas porque ajudou a mãe dos seus filhos a comprar uma casa, ficando como comproprietário da mesma com um quinhão de 1/5, foi tido como proprietário dessa casa e resolvido o contrato de aquisição de habitação económica.
É nessa casa que o requerente mora há alguns anos e é aí que recebe os seus filhos quando estes estão consigo.
   A execução do acto, não obstante a restituição do dinheiro pago pela casa, impõe que no imediato aquela família – não deixa de o ser por o requerente viver sozinho - tenha de sair da casa e ir morar para casa de parentes ou procurar uma outra casa no mercado habitacional, se o preço da renda for compatível com o seu nível e capacidade económica, sendo pessoa de rendimentos não muito elevados (cerca de MOP30.000,00, tanto assim que teve direito a tal casa).
Para além de todos os prejuízos patrimoniais, por natureza compensáveis, se o recorrente vier a ter ganho de causa no recurso contencioso, invocam-se prejuízos de ordem moral expressos uns e implícitos outros decorrentes da mudança de morada de casa de família com todos os custos, incómodos e sacrifícios atinentes e que decorrem, para além da mudança da casa, do corte com uma casa onde mora há vários anos, do corte com o local onde centrou a sua vida.
Aliás, esta alegação não deixa até de ser reconhecida no douto parecer do Digno Magistrado do MP.
    
   2. O objecto da presente providência passa por saber se se verificam os pressupostos que possibilitam a suspensão da eficácia do acto praticado.
   O instituto da suspensão de eficácia do acto administrativo traduz-se numa medida de natureza cautelar, cujo principal objectivo é atribuir ao recurso, de que é instrumental, o efeito suspensivo. Isto porque, como regra, o recurso contencioso de anulação tem sempre efeito meramente devolutivo, já que o acto administrativo a impugnar goza de presunção de legalidade e do privilégio da executoriedade, entendida esta como “a força que o acto possui de se impor pela execução imediata, independentemente de nova definição de direitos”.1
Faz parte da justiça administrativa a possibilidade de quem recorre ver suspensos os efeitos do acto sobre o qual recai a invocação de ilegalidade, porque, como dizia Chiovenda, «o tempo necessário para obter a razão não deve converter-se em dano para quem tem razão».
Importará ter presente, em sede deste enquadramento inicial, que “o princípio da legalidade da Administração Pública ampliou-se, transformando-se num princípio de juridicidade; a presunção de legalidade de que gozavam os actos administrativos perdeu razão de ser; a emergência de uma nova geração de direitos fundamentais juridicizou a eficácia e a eficiência e colocou a prevenção e a precaução na ordem do dia; finalmente, o direito à tutela jurisdicional efectiva ganhou dimensão constitucional.”2

   3. Prevê o art. 121º do CPAC:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
    
Da observação desta norma é fácil verificar que não importa nesta sede a análise da questão de fundo, de eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, tendo, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, que se partir, por um lado, da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos - fumus boni iuris -, por outro, de um juízo de legalidade da interposição do recurso.
   De todo o modo, ainda que a razão ou a sem razão atinente à questão de fundo não releve, em princípio, para a decisão da suspensão de eficácia – a não ser quando se evidencie uma manifesta ilegalidade do recurso contencioso - , não deixamos de registar que tem sido jurisprudência deste tribunal distinguir a qualidade de proprietário da de outras situações jurídicas, como a que resulta da comunhão hereditária.3

    4. Tal como foi decidido no acórdão do Tribunal de Última Instância de 13 de Maio de 2009, proferido no processo n. 2/2009, para aferir a verificação dos requisitos da suspensão de eficácia de actos administrativos é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido. O objecto do presente procedimento preventivo não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório. Assim, não cabe discutir neste processo a verdade dos factos que fundamentam o acto impugnado ou a existência de vícios neste.4
    A suspensão dessa eficácia depende aqui da verificação dos três requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 artigo 121º do C.P.A.C.: previsível prejuízo de difícil reparação para o requerente; inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão; não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
    
    5. Antes, porém, de analisarmos os requisitos, há que saber se o acto é passível de suspensão, se tem conteúdo positivo, ou alguma vertente positiva – cfr. art. 120º do CPAC.
    Trata-se de suspensão de eficácia de acto que declarou a resolução de um contrato promessa de aquisição de habitação económica.
    Na medida em que se se pretende a saída da casa daquela família em concreto, na sequência da resolução do contrato, não há dúvida sobre a natureza positiva do acto, na exacta medida em que vai provocar uma alteração da situação de facto e jurídica que actualmente se verifica.
    
    6. Quanto aos restantes requisitos.
    Resulta da Doutrina e Jurisprudência uniformes que os requisitos previstos no art. 121º supra citado são de verificação cumulativa, excepção feita aos condicionalismos dos artigos 121º, n.º 2, 3 e 4 e 129º, n.º 1 do CPAC, pelo que, não se observando qualquer deles, é de improceder a providência requerida.5
    Daí que a ponderação da multiplicidade de interesses, públicos e privados, em presença, pode atingir graus de complexidade dificilmente compagináveis com a exigência de celeridade da decisão jurisdicional de suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Sem falar no facto de o interesse público na execução do acto não se dissociar de relevantes interesses particulares e o interesse privado da suspensão tão pouco se desligar de relevantes interesses públicos, sendo desde logo importantes os riscos económicos do lado público e do lado privado, resultantes quer da decisão de suspensão dos efeitos quer da decisão de não suspensão.
    É importante reconhecer que a avaliação da juridicidade da decisão impugnada em tribunal reside hoje, muitas vezes, no refazer metódico da ponderação dos diferentes interesses em jogo.
    A lei não impõe o conhecimento de tais requisitos por qualquer ordem pré determinada, mas entende-se por bem que os requisitos da al. c), relativos aos indícios de ilegalidade do recurso, por razões lógicas e de precedência adjectiva deverão ser conhecidos antes dos demais e ainda, antes de todos, o pressuposto relativamente à legitimidade do requerente, já que a norma fala exactamente em quem tenha legitimidade para deles interpor recurso e, seguidamente, nos requisitos elencados nas diversas alíneas.
    Até porque a existência de fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso reporta-se às condições de interposição ou pressupostos processuais e não às condições de natureza substantiva ou procedência do mesmo.6
    
   7. Da não ilegalidade do recurso
Impõe o preceito acima citado que não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
A instrumentalidade desta medida cautelar, implica uma não inviabilidade manifesta do recurso contencioso a interpor.
Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência.7
   O requerente impugna o acto, escudando-se no direito que se arroga à manutenção do contrato celebrado com o IH, defendendo que a qualidade de comproprietário difere da de proprietário.
   Parece não haver dúvidas de que tem todo o direito a ver esclarecida esta questão.
   Perante este quadro fáctico, tal como configurado nos autos, não é difícil ter por integrado o requisito da legalidade do recurso, afigurando-se como evidente o direito, pelo menos, à definição jurídica da situação controvertida, daí decorrendo claramente a legitimidade e o interesse processual da requerente, titular directa do direito que diz ter sido atingido, não havendo dúvidas, nem elas sendo levantadas, quanto aos outros pressupostos processuais relativos à sua actuação.
Não se está, pois, perante uma situação de manifesta ilegalidade do recurso, mostrando-se ainda aqui verificado o requisito negativo da alínea c) do artigo 121º do citado C.P.A.C..
Este tem sido, aliás, o entendimento deste Tribunal.8
    
9. Dos prejuízos de difícil reparação para o requerente
   Fixemo-nos, então, no requisito positivo, relativo à existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar para o requerente ou para os interesses que este venha a defender no recurso - al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC -, sendo este o ponto fulcral da discordância com a abordagem feita na sentença ora recorrida.
   Conforme tem sido entendimento generalizado, compete ao requerente invocar e demonstrar a probabilidade da ocorrência de prejuízos de difícil reparação causados pelo acto cuja suspensão de eficácia requer, alegando e demonstrando, ainda que em termos indiciários, os factos a tal atinentes.
   Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto.9
   A este nível invoca ela o facto de resultar da imediata execução do acto, que se traduz no “despejo” da casa, um prejuízo de ordem não patrimonial que não terá sido devidamente equacionado na decisão tomada.
   Na verdade, para além dos prejuízos de ordem patrimonial avolumados em face de uma situação menos confortável em termos de rendimentos por parte daquela família em concreto, já que a medida tomada implica a continuação do pagamento de uma hipoteca, pelo menos temporariamente, a procura de uma outra casa com uma renda sujeita ao mercado habitacional, as despesas da mudança, deslocação e instalação, sendo que tudo isso é materialmente reparável, o certo é que há todo um conjunto de incómodos, sacrifícios, incertezas, tristezas, que não são susceptíveis de reparação.
O Mmo Juiz na sua douta sentença prendeu-se particularmente com a questão patrimonial e, no limite, até se admite que os rendimentos do requerente, face às despesas alegadas e comprovadas, nomeadamente com os filhos seriam compatíveis com uma alteração que implicasse a procura de uma nova casa.
Admitimos que sim e por aí a análise do Mmo Juiz não deixaria de ser sufragada. O problema reside quando se parte para o prejuízo não patrimonial, para o incómodo, o sacrifício da saída da casa de morada da sua família, não a deixando de ter por viver sozinho. O requerente não deixou de aludir a esse circunstancialismo, a esse factor, referindo ser essa a sua casa de convívio com os filhos. Há que compreender que essa realidade, no mais das vezes, não é comensurável; sobre ela não há muito a dizer, é uma realidade que se vive, se intui, se sente e os tribunais devem estar sensibilizados para essa realidade, enquanto realidade da vida, do dia a dia de cada um dos cidadãos.

    Desde logo a incerteza quanto ao sítio para onde irão: se casa arrendada, se casa de parentes com todos os inconvenientes e incomodidades daí decorrentes. Depois, há todo um historial das crianças que se terão de adaptar a novas vivências, a novos espaços, quando aquela família - continuamos a referir que essa família não deixa de existir por os pais das crianças estarem separados - já considerava aquela casa como sua, a casa de família, a casa do pai, a casa para futuro. Claro que isto é muito triste e não é facilmente reparável. Se tiver que ser, porque o requerente não tem direito à casa, tudo bem. Mas se não tiver que ser, se no recurso contencioso o requerente e com a ele a sua família vier a ter ganho de causa há dinheiro que compense essa saída? É evidente que só “a morte não tem remédio”, mas não é preciso chegar a esse ponto para se terem por contempladas as situações que a previsão da lei no art. 121º/17ª do CPAC visa acautelar.
    Por outro lado, que mal advirá para o interesse público em aguardar pela clarificação do caso e deixar aquela família na casa por mais algum tempo?
    Afirma a entidade requerida que esses pretensos prejuízos não vêm comprovados. Com todo o respeito, não estamos certos de que assim seja. Não se trata de factos novos, pois esses prejuízos foram desde o primeiro momento invocados, falando-se logo no requerimento inicial na preocupação em arranjar uma casa no mercado habitacional, na incerteza de conseguir uma casa que aquela família possa arrendar, no desgaste e sacrifícios que a mudança implicará.
    Estes factos, ainda que de forma algo genérica e um pouco imprecisa, mas ainda factos, foram desde logo invocados.
 Vimos actualizamos neste passo o que dissemos já no Proc. n.º 566/2016, de 6/10/2016.
Como se sabe, não é possível a comprovação testemunhal da matéria alegada em sede deste procedimento cautelar, pelo que o julgador terá de enquadrar e configurar o que alegado vem em termos plausibilidade e razoabilidade. Para tanto, coloquemo-nos na posição daquele homem e pai; seríamos insensíveis e indiferentes a um quadro de saída provisória e incerta da nossa família, ainda que os custos materiais viessem a ser repostos mais tarde? A indemnização sobreveniente repararia esses sacrifícios e incómodos? Estamos em crer que não. Especialmente quando se atingem as situações mais sensíveis, da intimidade, da centralidade da família, da casa de morada que se assume já como sendo a sua. Enquadramento que não deixará de ser feito, em conjugação com as regras da experiência comum e dos factos notórios, ao abrigo do disposto no artigo 434º/1 do CPC.
   Temos presente que noutros casos, aparentemente próximos ou paralelos, não se terá decidido neste sentido; só que cada caso é um caso e o que conta é a alegação da própria parte, ao assinalar os concretos prejuízos que advêm da execução do acto. Se não se alegam prejuízos dessa ordem moral, o Tribunal nada pode fazer. Não é este caso; os prejuízos desta ordem estão bem evidenciados desde o primeiro momento. É por isso que o papel dos tribunais é, tantas vezes ingrato e incompreendido. É que o juiz não pode fazer aquilo que considera mais justo; no mais das vezes está condicionado pela forma e pelas opções dos interessados, na forma como eles lhe colocam ou deixam de colocar as questões, nos meios e procedimentos por que optam para fazer valer os seus direitos.
   No fundo, se o recorrente vier a ganhar o recurso contencioso e se provar que foi indevidamente afastado da sua casa, a sua algibeira pode ser reposta ao centavo, mas já não o seu coração.
Também não deixamos de ter presente a lição de Cândido Pinho, Juiz que integra o presente Colectivo, ao dizer, referindo-se à casa de família:
“Se ela for a única de que o interessado e o seu agregado dispõem para viver, sobretudo se nela vivem há muito tempo como sendo o seu lar, o seu pequeno canto do mundo, o lugar onde desenvolveram grande parte da sua vida afectiva e familiar, (…) que nem mesmo a mudança para outro lugar consegue superar.”10 
Não vemos razão, mutatis mutandis, para deixar de aplicar ao presente caso as preocupações inerentes aos sacrifícios que o projectado despejo comporta.  

10. Lesão de interesse público
    Sobre a lesão do interesse público já se decidiu neste Tribunal que, ressalvando situações manifestas, patentes ou ostensivas a grave lesão de interesse público não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto. Trata-se de um requisito que se prende com o interesse que, face ao artigo 4º do C.P.A., todo o acto administrativo deve prosseguir.11
   Relativamente a este requisito, importa observar que toda a actividade administrativa se deve pautar pela prossecução do interesse público, donde o legislador exigir aqui que a lesão pela não execução imediata viole de forma grave esse interesse.
Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo. Assim, se um órgão da Administração praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente. E o interesse público é o interesse colectivo, que, embora de conteúdo variável, no tempo e no espaço, não deixa de ser o bem-comum.12
   Ora, se se tratar de lesão grave - séria, notória, relevante - a execução não pode ser suspensa.
   Perante o acto impositivo concreto há que apurar se a suspensão de eficácia viola de forma grave o interesse público.
   Tem-se entendido que preenche tal previsão a suspensão que põe em causa a confiança dos utentes e de público em geral no serviço em causa ou ofende a boa imagem da Administração, a autoridade do Estado, a ordem e a própria disciplina da função ou das funções, sendo manifestas as situações em que a actuação vise a prossecução da defesa de valores fundamentais da saúde, ordem, segurança, salubridade, abastecimento básico da população, fornecimento de bens e serviços essenciais.
    
A expressão "grave lesão do interesse público" constitui um conceito indeterminado que compete ao juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso.
   Trata-se, contudo, de questão que não vem colocada, pelo que bem podíamos ficar por aqui.
   
De todo o modo, já acima nos descaímos sobre a posição que tomamos sobre o assunto ao interrogarmo-nos sobre qual o prejuízo que adviria para a Administração com uma contemporização de espera na entrega da casa por mais algum tempo. Se até os particulares, numa relação normal de arrendamento são a negociar e compreender alguns tempos de espera que o inquilino tantas vezes solicita, também aqui não se vislumbra que haja algum prejuízo, muito menos grave, para o interesse público, com a não execução imediata do acto.
Face ao exposto, somos a concluir no sentido da verificação dos requisitos da alínea a), b) e c) n.º 1 do art. 121º do CPAC, pelo que, na falta de outros factores que tal impeçam, o pedido de suspensão de eficácia do acto não deixará de proceder.

V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em dar provimento ao recurso e, em consequência, em revogar a decisão proferida, decidindo-se no sentido de deferir o presente pedido de suspensão de eficácia do acto.
   Sem custas, por não serem devidas.
Macau, 19 de Outubro de 2017

_________________________ _________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira Joaquim Teixeira de Sousa
_________________________ (Fui presente)
Ho Wai Neng
_________________________
José Cândido de Pinho

1- Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo”, 8º ed., 409
2 - Maria da Glória Garcia, Professora das Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa,Suspensão de Eficácia do Acto Administrativo
3 - Proc. 644/2014, de 9/7/2015; Proc. nº 679/2015, de 18/2/2016
4 - Ac. TUI, Proc. n.º 37/2009, de 17/Dez.
5 - Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 3ª ed., 176; v.g. Ac. do TSI, de 2/12/2004, Proc.299/03
6 - Ac. STA 46219, de 5/772000, www//:http.dgsi.pt
7 - Ac. do TSI, de 30/5/02, Proc. n.º 92/02
8 - Como resulta do acórdão de 25/1/07, n.º 649/2006/A, entre muitos outros.
9 - Acs. STA de 30.11.94, recurso nº 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236, in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes
10 - Man. de Formação de Dto Adm., CFJJ, 321
11 - Ac. do T.S.I., de 22 de Novembro de 2001, Proc. n.º 205/01/A ; T.S.I., de 18 de Outubro de 2001, Proc. n-º191/01
12 - Freitas do Amaral, Direito Administrativo”, 1988, II, 36 e 38
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836/2017 32/32