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Processo n.º 55/2017
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Chefe do Executivo da RAEM
Data da conferência: 22 de Novembro de 2017
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Fundamentação do acto administrativo
- Falta de fundamentação
- Princípio da boa fé

SUMÁRIO
1. Nos termos dos art.ºs 114.º e 115.º do CPA, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, sendo que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
2. A fundamentação do acto administrativo deve permitir a um destinatário normal reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo do autor do mesmo acto.
3. Sendo a criação de emprego local apenas um dos factores a ponderar na apreciação e análise dos requerimentos de autorização de residência temporária com base no investimento, a respectiva anúncio no site da internet do IPIM não significa, nem poderia significar, que toda e qualquer criação de emprego tenha de ser valorada positivamente para o efeito.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo, de 16 de Setembro de 2015, que indeferiu o seu pedido de concessão de autorização de residência temporária na RAEM.
Por Acórdão proferido em 11 de Maio de 2017, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Inconformada com a decisão, vem agora A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1 - Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido em 11/05/2017 pelo TSI, que negou provimento ao recurso contencioso interposto do acto administrativo de indeferimento reformulado proferido pelo Ex.mo Senhor Chefe do Executivo da RAEM.
2 - No recurso contencioso de anulação interposto do acto de indeferimento assacou a recorrente àquele acto, entre outros, o vício de falta de fundamentação. Vício esse que, em nossa perspectiva, se mantém no acto posterior que veio a substituir o acto originariamente impugnado.
3 - O acórdão recorrido julgou improcedente esse imputado vício, entendendo que, em face do novo acto reformulado esse mesmo vício teria sido sanado e deixado de existir.
4 - Não concordamos com tal veredicto.
5 - O novo acto reformulado colheu e fez seus os supostos fundamentos tecidos na Proposta N.º XXX/GC-SEF/2016, datado de 30/09/2016.
6 - Da leitura atenta e crítica ao texto dessa mesma proposta não se vê como os “considerandos” e “motivos” aí tecidos sirvam ou sejam bastantes para tornar o acto administrativo impugnado com suficientemente fundamentado.
7 - Efectivamente, os considerandos da referida proposta, embora rica em considerações, é parca uma fundamentos claros e efectivos ao seu destinatário ou para terceiros. Não esclarecendo o que seja investimento “relevante” ou quais sejam as necessidades “específicas” que a RAEM pretende captar com o quadro legal criado pelo Regulamento Administrativo N.º 3/2005.
8 - Correctamente interpretando e aplicando aqueles normativos ao acto recorrido, deveria o acórdão recorrido ter julgado procedente o apontado vício de falta de fundamentação, e anulado o acto impugnado.
9 - O acórdão recorrido ao considerar tais argumentos como bastantes para suporte do acto administrativo impugnado, errou na sua apreciação, fazendo tábua rasa ao disposto no artigo 114.º n.º 1, alíneas a) e c) e artigo 115.º n.ºs 1 e 2, ambos do Código do Procedimento Administrativo que assim violou.
10 - O Tribunal “ad quem”, indo a julgar o presente recurso, e correctamente interpretando e aplicando aqueles normativos ao acto recorrido, deveria o acórdão recorrido ter julgado procedente o apontado vício de falta de fundamentação, e anulado o acto impugnado.
11 - E, ainda, em especial, o acto recorrido ao fazer apelo ao disposto no fundamento constante da página 4, parágrafo 8, da Proposta N.º XXX/GC-SEF/2016, consistente em: “Considerando, finalmente, que a economia da RAEM se encontra numa situação de pleno emprego”, violou, concomitantemente, o princípio da boa-fé que deve nortear a actividade administrativa, já que foi ela quem em seu site oficial na Internet do IPIM enunciou que a criação de emprego local é, decididamente, um factor de ponderação a ter em conta na análise do investimento feito. E o investimento da recorrente veio, efectivamente, a criar postos de trabalho para trabalhadores locais e a não-residentes.

Contra-alegou a entidade recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
I. O acórdão recorrido não errou – nem ao entender que o acto administrativo impugnado junto do TSI está devidamente fundamentado, nem ao entender que não houve violação do princípio da boa-fé;
II. Na verdade, esse acto administrativo apresenta-se como um discurso formalmente coerente, claro e capaz de explicitar suficientemente o juízo pessoal efectuado pelo CE ao abrigo do RA 3/2005;
III. Habitualmente, os particulares não concordam com os actos administrativos discricionários que lhes são desfavoráveis – e frequentemente confundem a sua discordância com falta de fundamentação do acto;
IV. É natural, e desejável, que um acto administrativo, além dos motivos da decisão propriamente ditos, inclua outra informação factual e jurídica que permita a boa compreensão do raciocínio feito pelo órgão decisor;
V. A correcta fundamentação do acto administrativo não implica, no entanto, que este esclareça o destinatário sobre a forma de obter uma decisão favorável;
VI. O autor do acto administrativo não incorreu em contradição ao fundamentar o indeferimento na situação de pleno emprego vivida na RAEM;
VII. Efectivamente, o facto de a própria Administração anunciar ao público que a criação de emprego é um dos vários aspectos a levar em conta, na apreciação de pedidos de autorização de residência ao abrigo do RA 3/2005, não significa que qualquer criação, pelo investidor, de quaisquer postos de trabalho, lhe conceda automaticamente a autorização pretendida.
VIII. Manda a lei (RA 3/2005, no seu art.º 7.º, al. 4), e manda a razão, que, na apreciação dos pedidos de autorização de residência, se atenda às necessidades da RAEM;
IX. Ora as necessidades da economia da RAEM em matéria laboral não são sempre as mesmas – podendo muito bem acontecer que aquilo que hoje é necessário deixe de o ser amanhã.
X. Não se pode, pois, dizer que a actuação da Administração tenha criado na recorrente expectativas dignas de protecção jurídica, e cuja frustração ofenderia o princípio da boa-fé.

E o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que se deve negar provimento ao recurso jurisdicional.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
Nos autos dão-se como provados os seguintes factos:
1. A recorrente pediu a autorização de residência temporária de Macau com fundamento na posse de 5,625% das acções do [Limitada].
2. O IPIM de Macau elaborou a proposta n.º XXXX/Residência/2014, em que entendeu não relevante o projecto de investimento apresentado pela recorrente, logo sugeriu o indeferimento do seu pedido de autorização de residência temporária, com o seguinte conteúdo:
“…
I. Fundamentos de pedido e a identificação da interessada
1. A recorrente, ao abrigo do disposto no RA n.º 3/2005, pediu a autorização de residência temporária, fundamentando-se na detenção de “5,625%” das acções do [Limitada] (vide documentos a fls. 39 e 43). A seguir é a identificação da interessada:
Num.
Nome
Relação
Documento
Num.
Validade
1
A
Requerente
Passaporte chinês
GXXXXXXXX
2020/12/12



Permissão de entrada da Guiné-Bissau
RGB/B-XXXXXX
10 anos
II. Projecto de investimento relevante apresentado pela requerente e os documentos comprovativos
1. Dados de registo comercial da sociedade investida (vide documentos de fls. 25 a 48 e fls. 106)
Nome da entidade:
[Limitada]
Capital registado:
80.000,00 patacas
Data do registo de criação:
XX de X de 2006
Proporção das acções:
4.500,00 patacas
Data de abertura:
XX de X de 2006
Actividade explorada:
Restaurante
Local de exploração:
[Endereço] (arrendado)
Licença de exploração:
Licença de 2ª classe de restaurantes n.º XXXX/2015 emitida pela Direcção dos Serviços de Turismo, válida até 31 de Dezembro de 2015
2. Descrição do projecto de investimento da requerente (vide documentos de fls. 23 a 24)
A sociedade em causa irá investir novo capital na remodelação para tornar-se um restaurante cinco estrelas de “hotpot” e de gastronomia chinesa de qualidade superior. De resto, a sociedade irá procurar novo local em Macau para abrir mais restaurante, continuando a aumentar o investimento.
3. A situação de investimento da requerente entre 1 de Janeiro de 2013 e 31 de Dezembro de 2013 (vide documentos de fls. 100 a 106)
Núm.
Projecto
Valor (patacas)
1
Valor global do activo
32.535.250,77
2
Custos da exploração
5.883.420,17
3
Vencimentos dos empregados
5.888.602,80
4
Despesas totais da operação
87.553,73
Valor global do investimento
44.394.827,47
Valor de investimento da requerente (5,625% das acções)
2.497.209,05
III. Análise feita pela necessidade da RAEM
1. Parecer do CPSP (vide documentos de fls. 152 a 159)
À luz do despacho n.º 120-I/GM/97 do antigo Governador de Macau, o CPSP proferiu parecer relativamente ao documento de viagem da interessada, e notificou o IPIM de que esta preenchia os requisitos de identidade para solicitar a fixação de residência através de investimento. No entanto, após a consulta dos dados, verificou-se que a interessada trabalhou na [Fábrica de vestuário] no período compreendido entre Fevereiro e Outubro de 2009. Durante o período mencionado, a interessada foi interceptada pelo pessoal da PJ por ser suspeita da prática do crime de falsificação de documento previsto no artigo 244.º do CP (adquirição por meio ilícito do falso título de identificação de trabalhador não-residente), e foi entregue ao MP em 29 de Novembro de 2010. Foi instaurado no MP o processo de inquérito n.º 11729/2009, que neste momento ainda está em julgamento.
2. Situações consideradas por causa de segurança
Não se verifica, até este momento, qualquer documento comprovativo de que o referido pedido de autorização de residência temporária da requerente porá em causa a segurança de Macau.
3. Parecer de outros Serviços:
Não se aplica.
4. A contribuição do investimento em causa para o mercado de emprego de Macau (vide documento a fls. 86)
Segundo mostra o mapa-guia de pagamento de contribuições do primeiro trimestre de 2014 do Fundo da Segurança Social, a referida sociedade contractou nesse trimestre 26 trabalhadores residentes, entre os quais 1,46 contractado pela requerente, segundo a sua proporção de acções.
5. Análise do projecto de investimento da requerente:
(1) Actividade:
Restaurante.
(2) Valor investido:
De acordo com a demonstração financeira de contabilista apresentada pela sociedade em causa relativamente ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2013, o valor global de investimento da sociedade no referido período foi de 44.394.827,47 patacas. Logo, o montante global investido pela requerente, calculado segundo a sua proporção de 5,625% das acções, foi de 2.497.209,05 patacas, valor que não se considera relevante.
(3) Mercado de emprego
Segundo mostra o mapa-guia de pagamento de contribuições do primeiro trimestre de 2014 do Fundo da Segurança Social, a referida sociedade contractou nesse trimestre 26 trabalhadores residentes. Atenta a proporção das acções possuídas pela requerente, considera-se que esta não fez uma contribuição significativa para o mercado de emprego local.
(4) Nesse caso concreto, tendo em conta que Macau não carece do tipo de actividade a que o referido projecto de investimento se destina, que o valor investido não é relevante, e que a contribuição para o mercado de emprego local não é significativa, o respectivo projecto de investimento não se revela de interesse para Macau.
IV. Conclusão
1. Tendo em conta que a actividade a que o projecto de investimento da requerente se destina não é escassa em Macau, e que a requerente apenas possui 5,625% das acções desse projecto de investimento, sendo, segundo o cálculo da sua proporção de acções, não relevante o seu valor investido e não significativa a sua contribuição para o mercado de emprego local. Ademais, atentas as circunstâncias do investimento da requerente, não se verificaram muitos elementos de interesse para Macau nem que este se revelasse relevante.
2. Nestes termos, procedeu-se à audiência escrita (vide documento de fls. 165) por a situação se revelar desfavorável ao pedido de fixação de residência da interessada. A interessada apresentou resposta (vide documento de fls. 160 a 164), com o teor principal a seguir exposto:
(1) O mapa do plano de investimento apresentado pela requerente é somente um plano preliminar. A sociedade está na fase de pré-abertura, e o valor de investimento, segundo a conclusão tirada da assembleia de todos os sócios, é de 60 milhões de dólares de Hong Kong;
(2) Apresenta-se o documento comprovativo de que à sociedade em causa foi atribuído o “Prémio para Equipa Serviço de Qualidade” pela Direcção dos Serviços de Turismo da RAEM;
(3) A sociedade está a aguardar a vistoria da DSSOPT, pelo que mantém 25 a 40 trabalhadores. E a sociedade vem fazendo anúncios de recrutamento, todavia, devido à escassez de trabalhadores residentes, o recrutamento ainda se encontra em processo. Após a abertura oficial, o número dos trabalhadores residentes irá aumentar para 65 a 70. Logo, pede-se que o IPIM faça a decisão após a abertura oficial.
3. Análise feita sobre a supra referida audiência escrita:
(1) A resposta da requerente não formula qualquer parecer em relação a não escassez da espécie de investimento em causa e à inexistência de elementos de interesse para Macau, e apenas alega que o restaurante ainda está no período de pré-abertura e que o valor de investimento e o número de trabalhadores residentes irão aumentar após a abertura oficial.
(2) No entanto, mesmo que o valor de investimento seja aumentado para 60 milhões de dólares de Hong Kong, o montante investido pela requerente, calculado conforme os 5,625% das acções que possui, ainda não se revelaria relevante. Aliás, a requerente não apresentou qualquer documento comprovativo de a referida sociedade ter fundos suficientes para realizar o respectivo plano de investimento.
(3) Do mesmo modo, ainda que o número de trabalhadores residentes aumente para 65 a 70, tendo em conta a proporção de acções da requerente, esta não contribuiria significativamente para o mercado de emprego local.
4. Nos termos do RA n.º 3/2005, poderá ser considerada relevante: a instalação de unidades industriais que, pela natureza das respectivas actividades, contribuam para o desenvolvimento e diversificação da economia da Região Administrativa Especial de Macau; a instalação de unidades de prestação de serviços, designadamente serviços financeiros, de consultoria, de transporte e de apoio à indústria ou ao comércio, que se apresentem de interesse para a Região Administrativa Especial de Macau; a instalação de unidades hoteleiras e similares de reconhecido interesse turístico.
5. No caso vertente, todavia, o projecto de investimento da requerente ou o valor e a espécie do seu investimento ainda não são suficientes para se considerar de interesse para a RAEM. Logo, sugere-se que o investimento em causa não se considere relevante.
6. Face ao exposto, tendo em conta o valor e a espécie do investimento da interessada, bem como as necessidades especiais de Macau, sugere-se, ao abrigo do referido RA, o indeferimento do pedido de autorização de residência temporária…”
3. Em 16 de Setembro de 2015, o Chefe do Executivo da RAEM proferiu o seguinte despacho:
“De acordo com o RA n.º 3/2005, tendo em conta o valor e a espécie do investimento da interessada, bem como as necessidades especiais de Macau, indefiro o pedido de autorização de residência temporária da seguinte interessada:
Núm.
Nome
Relação
1
A
Requerente
…”
4. A recorrente interpôs recurso para este Tribunal em 13 de Novembro de 2015.
5. Em 30 de Setembro de 2016, o pessoal do Gabinete do Secretário para a Economia e Finanças elaborou a proposta n.º XXX/GC-SEF/2016, com o seguinte teor:
“Uma forma sucinta de fundamentação foi adoptada no despacho do senhor Chefe do Executivo de 16.09.2015, exarado no processo n.º PXXXX/2014 do IPIM, o qual indeferiu o requerimento em que A pediu autorização de residência com fundamento no investimento de 4 000 000 HKD numa sociedade comercial, designada [Limitada], que explora um restaurante.
Diz o despacho o seguinte: Nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, considerando o valor e tipo do investimento feito pelo interessado, bem como as necessidades da RAEM, indefiro o pedido de autorização de residência”.
O interessado interpôs recurso contencioso para o TSI, o qual corre actualmente os seus termos sob o n.º 982/2015.
No entanto, o TSI tem vindo a anular actos administrativos idênticos, por entender que a respectiva fundamentação é demasiado sucinta – entendimento esse que foi, entretanto, confirmado pelo Tribunal de Última Instância num outro processo (acórdão de 22.07.2016, nos autos do recurso jurisdicional n.º 45/2016).
Consequentemente propomos a revogação do acto administrativo de 16.09.2015 que decidiu o pedido de autorização de residência formulado por A e, simultaneamente a re-apreciação desse requerimento, nos seguintes termos:
Considerando que A, portadora do passaporte da República Popular da China n.º GXXXXXXXX, requereu ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) autorização de residência na RAEM, com fundamento em investimento ao abrigo da alínea 2) do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005;
Considerando que o RA n.º 3/2005 permite ao Chefe do Executivo conceder, discricionariamente, autorização temporária de residência aos titulares de investimentos que sejam considerados relevantes para a RAEM;
Considerando que tal normativo se destina a atrair à RAEM investimentos que sejam de particular interesse para esta, não se podendo, no entanto, entender que todo e qualquer investimento é relevante;
Considerando que o requerente fundamentou o seu pedido de autorização de residência com um investimento de 4 000 000 dólares de Hong Kong na sociedade comercial [Limitada], na qual adquiriu uma quota;
Considerando que essa sociedade se dedica à exploração de um restaurante especializado em comida cantonense requintada;
Considerando que, como é do conhecimento público, a RAEM está muitíssimo bem servida de restaurantes, das mais variadas categorias e para todas as bolsas;
Considerando que o investimento do requerente na referida sociedade não vem trazer a Macau nada de que esta esteja especialmente necessitada;
Considerando, finalmente, que a economia da RAEM se encontra numa situação de pleno emprego,
Decide-se que o investimento feito por A não é relevante, para efeitos do RA n.º 3/2005, e indefere-se o respectivo pedido de autorização de residência.
À consideração superior.”
6. Em 7 de Outubro de 2016, o Chefe do Executivo da RAEM proferiu na proposta atrás mencionada o seguinte despacho: “concordo com os fundamentos e as sugestões da proposta”.

3. Direito
Imputa a recorrente ao acórdão ora recorrido o vício de erro de julgamento no conhecimento das questões por si suscitadas de falta de fundamentação do acto administrativo e de violação do princípio da boa-fé.
3.1. Falta de fundamentação
Na óptica da recorrente, faltam no acto administrativo impugnado fundamentos claros e efectivos ao seu destinatário ou para terceiros, porque não foi esclarecido o que seja investimento “relevante” ou quais sejam as necessidades “específicas” que a RAEM pretende captar com o quadro legal criado pelo Regulamento Administrativo n.º 3/2005, com violação do disposto nos art.ºs 114.º n.º 1, al.s a) e c) e 115.º n.ºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo.
Ora, dispõem os art.ºs 114.º e 115.º do CPA o seguinte:
“Artigo 114.º
(Dever de fundamentação)
1. Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado;
d) Decidam em contrário de parecer, informação ou proposta oficial;
e) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
f) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior.
2. Salvo disposição legal em contrário, não carecem de ser fundamentados os actos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal.
Artigo 115.º
(Requisitos da fundamentação)
1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
3. Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos administrados.”
Daí decorre que a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, sendo que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A lei exige que a fundamentação seja congruente, clara e suficiente.
A fundamentação do acto administrativo deve permitir a um destinatário normal reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo do autor do mesmo acto.
E para haver falta de fundamentação, não basta qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência dos fundamentos invocados, sendo necessário ainda que eles não possibilitem um “esclarecimento concreto” das razões que levaram a autoridade administrativa a praticar o acto.1

No caso dos presentes autos, e perante o pedido formulado pela recorrente, no sentido de autorização de residência temporária na RAEM com fundamento na detenção de 5,625% das acções do [Limitada], correspondente a um investimento de HKD4.000.000,00, e ao abrigo do disposto na al. 2) do art.º 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, decidiu a Administração indeferir o pedido, tendo em consideração os seguintes factores:
- O referido normativo destina-se a atrair à RAEM investimentos que sejam de particular interesse para esta, não se podendo, no entanto, entender que todo e qualquer investimento é relevante;
- O pedido da recorrente fundamentou-se num investimento de 4.000.000 dólares de Hong Kong na sociedade acima identificada;
- Tal sociedade dedica-se à exploração de um restaurante especializado em comida cantonense requintada;
- A RAEM está muitíssimo bem servida de restaurantes, das mais variadas categorias e para todas as bolsas;
- O investimento da requerente na referida sociedade não vem trazer a Macau nada de que esta esteja especialmente necessitada;
- Finalmente, a economia da RAEM encontra-se numa situação de pleno emprego;
- Concluindo, o investimento feito pela recorrente não é relevante, para efeitos do RA n.º 3/2005.
Ora, a fundamentação do acto administrativa em causa, tal como foi transcrita, permite, sem dúvida, conhecer as razões que levaram a autoridade administrativa a praticar o acto de indeferimento, donde resulta claramente que foi pela irrelevância do investimento feito pela recorrente, no valor de HKD4.000.000,00 num restaurante de comida cantonense requintada, que determinou o indeferimento do pedido, sendo certo que em Macau há mutos restaurantes, das mais variadas categorias.
A recorrente pediu autorização de residência na RAEM, com fundamento em investimento ao abrigo da al. 2) do art.º 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, ao abrigo da qual podem requer autorização de residência temporária na RAEM os titulares de investimento que “sejam considerados relevantes” para a RAEM.
Nos termos do art.º 2.º do RA n.º 3/2005, poderá ser considerada relevante:
1) A instalação de unidades industriais que, pela natureza das respectivas actividades, contribuam para o desenvolvimento e diversificação da economia da RAEM;
2) A instalação de unidades de prestação de serviços, designadamente serviços financeiros, de consultoria, de transporte e de apoio à indústria ou ao comércio, que se apresentem de interesse para a RAEM;
3) A instalação de unidades hoteleiras e similares de reconhecido interesse turístico.
Resulta claramente do acto administrativo impugnado que, tendo em conta a finalidade do normativo em causa, o valor e espécie do investimento que a recorrente fez, a realidade da RAEM referente ao sector de restaurantes e à situação de pleno emprego, o investimento feito pela recorrente não foi considerado pela Administração como relevante para efeitos do RA n.º 3/2005, o que motivou o indeferimento do pedido formulado pela recorrente.
Tal fundamentação é, a nosso ver, suficiente para demonstrar as razões determinantes do indeferimento do pedido, sendo que qualquer pessoa normal possa conhecer o porquê da decisão administrativo impugnada.
Na óptica da recorrente, no acto administrativo deveria ter esclarecido o que fosse investimento “relevante” ou quais fossem as necessidades “específicas” que a RAEM pretende captar com o quadro legal criado pelo RA n.º 3/2005.
Ora, sendo o acto administrativo impugnado uma decisão tomada pela Administração sobre o pedido da recorrente, afigura-se-nos bastante fazer análise e avaliação do caso concreto e depois concluir pela relevância ou não do investimento efectuado pela recorrente. Na decisão não há que explicar ou esclarecer, em geral, o que seja investimento relevante que a RAEM pretende atrair nem quais sejam as necessidades específicas que a RAEM pretende captar com o regime estabelecido no RA n.º 3/2005.
Não se vê verificado o vício imputado pela recorrente de falta de fundamentação.

3.2. Violação do princípio da boa-fé
Alega a recorrente que, ao fazer apelo a uma das considerações referente a que a economia da RAEM se encontra numa situação de pleno emprego, o acto administrativo violou o princípio da boa-fé, já que em site ofícial na Internet do IPIM enunciou que a criação de emprego local é um factor de ponderação a ter em conta na análise do investimento feito. E o investimento da recorrente veio, efectivamente, a criar postos de trabalho para trabalhadores locais e a não-residentes.
O art.º 8.º do Código do Procedimento Administrativo prevê o seguinte:
Artigo 8.º
(Princípio da boa fé)
1. No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.
2. No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial:
a) Da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa;
b) Do objectivo a alcançar com a actuação empreendida.

Ora, tal como decorre do acto administrativo em causa, a consideração sobre a situação de pleno emprego é tão só um dos elementos que fundamentaram a decisão de indeferimento.
Se é verdade que a criação de emprego local é um dos factores a ponderar na apreciação e análise dos requerimentos de autorização de residência com base no investimento, não é menos certo que tal anúncio não significa, nem poderia significar, que toda e qualquer criação de emprego seja relevante e garanta o deferimento dos pedidos, independentemente das demais circunstâncias, como alega a entidade recorrida.
Na realidade, cabe à Administração avaliar, no exercício dos seus poderes discricionários, se a criação de emprego verificada e o investimento feito no caso concreto é relevante ou não para efeitos de autorização de residência temporária.
Saliente-se que a criação de emprego é apenas um dos aspectos a considerar.
A recorrente pediu a autorização de residência temporária com fundamento na posse de 5,625% das acções do [Limitada], sendo que o montante investido pela recorrente não se revela relevante nem a criação de emprego contribui significativamente para o mercado de emprego local, tendo em conta a proporção de acções da recorrente.
A lei diz que poderá ser considerada relevante a instalação de unidades hoteleiras e similares de reconhecido interesse turístico, pelo que a criação de emprego tem de ser vista neste enquadramento.
No caso vertente, a recorrente não abriu nenhum novo restaurante nem instalou nenhum estabelecimento hoteleiro.
É de concluir pela improcedência do alegado vício.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo o Acórdão recorrido.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça fixada em 6 UC.

                Macau, 22 de Novembro de 2017
                
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
                
1 Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado, p. 639 e 640.
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Processo n.º 55/2017