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Proc. nº 48/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 01 Novembro 2017
Descritores:
- Arrendamento
- Prazo de denúncia
- Art. 1039º do Código Civil
- Revelia do réu

SUMÁRIO:

I. Para efeitos do prazo de denúncia do contrato de arrendamento, conforme previsto no art. 1039º do CC, a relevância a ter em conta não é a duração global e efectiva do contrato acrescido de todas as suas renovações, mas isoladamente a do contrato ou a da sua última renovação.

II. Tendo sido reconhecido, por falta de contestação da ré (art. 405º, nº1, do CPC), o facto alegado pelo autor na sua petição de que comunicou a denúncia a esta por carta simples e registada, não pode a sentença dar por não provado esse facto.

Proc. nº 48/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, titular do BIRM n.º XXX, e o cônjuge B, titular do BIRM n.º XXX, ambos residentes na XXX, instauraram no TJB acção de despejo (Proc. nº CV3-15-0016-CPE), contra ---
C, residente em Macau, no XXX.
Com fundamento na cessão do contrato de arrendamento ocorrida em 10/03/2012, os autores pediram a procedência da acção com o consequente despejo imediato dos RR da fracção e a sua devolução aos AA.
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A ré não apresentou contestação e, na oportunidade, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.
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Inconformados com esta sentença, os autores da acção interpuseram recurso jurisdicional, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“1. Salvo de devido respeito, o atrás mencionado entendimento do Tribunal a quo incorre em erro de interpretação e de aplicação da norma respeitante à comunicação da denúncia prevista no artigo 1039.º do CC.
2. Após a análise das disposições do artigo 1039.º e artigo 1038.º, n.º 2 do CC, pode concluir-se que, para o senhorio poder denunciar o contrato, o prazo de arrendamento não deve ser inferior a dois anos. Tendo isto em mente, a opinião do Tribunal a quo no sentido de o prazo de antecedência da comunicação ser calculado conforme a duração global do contrato de arrendamento, isto é, o prazo contratual acrescido das renovações, fará com que o disposto no artigo 1039.º, n.º 1, al.s c) e d) perca a esfera de aplicação.
3. Já que, se as partes celebrarem um contrato de arrendamento com prazo inferior a um ano, de acordo com o disposto no artigo 1038.º, n.º 2 do CC, o prazo de arrendamento deve ser não inferior a dois anos para que o senhorio possa fazer a denúncia, isso significa que o senhorio só pode denunciar o contrato de arrendamento quando este for renovado até decorridos dois anos.
4. Segundo o entendimento do Tribunal a quo, o prazo de antecedência da comunicação é calculado conforme a duração global do contrato de arrendamento, ou seja, o prazo contratual acrescido das renovações, isto quer dizer que a base de cálculo dessa antecedência é dois anos. Por outras palavras, o prazo de antecedência não será inferior a 90 dias. Nesta situação, não há lugar à aplicação das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 1039.º que prevêem, respectivamente, a antecedência de 30 dias e de um terço do prazo de arrendamento.
5. Na verdade, o n.º 2 do aludido artigo também estipula expressamente que tal antecedência se reporta ao fim do prazo do contrato (sem renovação) ou da renovação.
6. Daí que, o prazo de arrendamento indicado nas alíneas do artigo 1039.º do CC deve ser entendido como o prazo de contrato quando não existir renovação ou, em caso de renovações, o prazo da última renovação, ao invés da duração global que compreende o prazo contratual acrescido das renovações.
7. Refere o douto acórdão do TSI, processo n.º 710/2015: “Significa isto, que a relevância a ter em conta não é a duração global e efectiva do contrato acrescido de todas as suas renovações, mas singularmente a do contrato ou a da sua última renovação”. No mesmo sentido cfr. o acórdão do TSI, processo n.º 105/2013.
8. No caso sub judice, por não ter sido denunciado, o contrato renovou-se, automaticamente e por várias vezes, a partir de 9 de Março de 1974 ao abrigo do disposto no artigo 1038.º, n.ºs 1 e 3 do CC.
9. À luz do disposto no referido artigo 1038.º, n.ºs 1 e 3, dado que o anterior proprietário D e a ré C celebraram um contrato de arrendamento com prazo de dois anos, contado a partir de 10 de Março de 1972, o prazo de cada renovação automática foi de um ano, com a última renovação de 10 de Março de 2011 a 9 de Março de 2012.
10. O prazo da última renovação foi de um ano e, como refere o artigo 9 (sic) anterior, o prazo de arrendamento indicado nas alíneas do artigo 1039.º do CC deve ser entendido, em caso de renovações, como o prazo da última renovação, mas não a duração global que compreende o prazo contratual acrescido de todas as renovações.
11. Por outras palavras, os recorrentes somente precisaram de comunicar à arrendatária a denúncia com antecedência de 90 dias ao abrigo do disposto no artigo 1039.º, n.º 1, al. b), ao invés da de 180 dias entendida pelo Tribunal a quo.
12. O Tribunal a quo também refere que “por não haver no caso vertente qualquer facto que indique se a destinatária recebeu a carta ou não, a comunicação não se considera efectiva” e “embora se comprove que uma pessoa que alegou ser a nora da ré C foi ao escritório do advogado constituído pelos autores para ter uma cópia da comunicação da cessação de arrendamento, os autores não podem comprovar que a pessoa que levou a comunicação foi realmente a nora a ré”.
13. Já que os recorrentes enviaram a carta de denúncia mediante correio registado para a fracção autónoma sita no XXX, a qual os primeiros deram de arrendamento a C, o facto de aquela senhora E que alegou ser a nora desta ter conhecimento do assunto e deslocar-se ao escritório do advogado dos autores para exigir a cópia do referido aviso de denúncia mostra que, mesmo que ela não fosse a nora de C, sabia o paradeiro desta. Isso também pode ser corroborado pelo facto dado como provado “Quando os dois autores estavam na fracção em causa, duas pessoas que alegaram ser respectivamente o filho e a nora da ré C atenderam e abriram a porta” e pelo certificado de não citação a fls. 36 dos autos, os quais revelam que a referida senhora E que alegou ser a nora de C reside na fracção autónoma arrendada por esta, e disse ao escrivão judicial que era a nora de C, até podia indicar inequivocamente o endereço onde esta poderia ser contactada.
14. Aliás, nem essa senhora E nem a própria C negou que a primeira era a nora desta, nem tampouco referiu que C não estava ciente ou não conseguia receber a notificação de denúncia lhe emitida pelos recorrentes.
15. A sentença recorrida ainda revela que a ré não contestou após ter sido citada. Nos termos do disposto nos artigos 405.º e 406.º, conjugado com o disposto no artigo 673.º, n.º 2, todos do CPC, consideram-se reconhecidos os factos articulados pelos autores e pode apreciar-se logo o mérito da causa.
16. Já que o Tribunal a quo considera reconhecidos os factos articulados pelos autores, nomeadamente a menção “Em 19 de Outubro de 2011, uma pessoa que alegou ser a nora da ré C foi ao escritório do advogado constituído pelos autores para ter uma cópia da acima referida notificação de cessação de arrendamento”, deve entender-se que a ré reconheceu que E era a sua nora e admitiu que a tirada por esta da carta de denúncia em 19 de Outubro de 2011 produziu efeitos em relação a ela. Quer dizer que deve ser considerado, pelo menos, que a ré recebeu a notificação de denúncia enviada pelos autores 90 dias antes do fim do prazo do contrato de arrendamento.
17. Aliás, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2 do CPC, o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes.
18. Isto quer dizer que, o juiz não pode apreciar se C recebeu ou não a respectiva comunicação quando ninguém tiver alegado a não recepção.
19. Já que não há nos autos quaisquer dados que revelem que a senhora E não é a nora de C e que esta não conhecia ou não conseguia receber a aludida notificação de denúncia lhe emitida pelos autores, deve considerar-se que C já tinha conhecimento da denúncia.
20. Como refere o artigo 11 anterior, os recorrentes somente precisaram de comunicar à arrendatária a denúncia com antecedência de 90 dias ao abrigo do disposto no artigo 1039.º, n.º 1, al. b), ao invés da de 180 dias entendida pelo Tribunal a quo.
21. No caso vertente, em 9 de Setembro de 2011, os recorrentes já comunicaram a C, por correio registado, a denúncia do contrato; e em 19 de Outubro de 2011, uma pessoa que alegou ser a nora de C foi ao escritório do advogado dos autores para tirar a referida carta da denúncia.
22. De resto, já que não há nos autos quaisquer dados que mostrem que C não conhecia ou não conseguia receber a mencionada notificação de denúncia, deve considerar-se que ela já estava ciente e recebeu a notificação.
23. Logo, o período da antecedência relativamente à comunicação da denúncia, quer contado a partir de 9 de Setembro de 2011 quer de 19 de Outubro de 2011, satisfaz o prazo de 90 dias acima exigido.
24. Por conseguinte, o contrato de arrendamento em causa deve considerar-se cessado, podendo os recorrentes exigir à recorrida C a desocupação e a devolução da fracção em causa nos termos do artigo 929.º, al. b) do CPC.
25. Nestes termos, o acórdão recorrido padece de erro de interpretação e de aplicação da lei e viola o princípio dispositivo previsto no artigo 5.º do CPC.
Pelo exposto, peço aos Exm.ºs Juízes que concedam provimento ao pressente recurso, anulem a decisão recorrida, julguem cessado o contrato de arrendamento em causa e ordenem a desocupação e a devolução da fracção em questão pela recorrida C.
Assim se fazendo a justiça!”.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
- Em 24 de Julho de 1996, o autor A e o antigo proprietário D (também conhecido por D1) (D) adquiriram o direito de propriedade sobre a fracção sita na XXX, mediante a celebração da escritura de compra e venda no 1.º Cartório Notarial de Macau. (1º artigo)
- A fracção em causa, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 14190, a fls. 63 do livro B38 e identificada como “B3”, destina-se à habitação e tem a área útil de 49,4 m2, cuja propriedade encontra-se registada sob o n.º XXX, a fls. 459 do livro G58K; a fracção encontra-se inscrita na matriz predial sob o n.º 2754. (2º artigo)
- Em 10 de Março de 1972, o antigo proprietário D (também conhecido por D1) celebrou, de forma escrita, um contrato de arrendamento com a ré C, dando-lhe de arrendamento a referida fracção, com o prazo de arrendamento de dois anos a contar a partir de 10 de Março de 1972 e a renda mensal de 200 patacas. (3º artigo)
- A partir de 10 de Março de 1972, a ré C começou a receber de arrendamento e utilizar a fracção em causa. (4º artigo)
- Tendo adquirido, em 24 de Julho de 1996, o direito de propriedade sobre a fracção em causa através da celebração de escritura de compra e venda, os dois autores sucederam na qualidade do locador do aludido contrato de arrendamento. (5º artigo)
- Depois, os dois autores aumentaram a renda mensal para 1200 patacas, que manteve inalterada até o fim do prazo de arrendamento. (6º artigo)
- Em 9 de Setembro de 2011, o autor A notificou a ré C, mediante correspondências registada e não registada, de que o referido contrato de arrendamento iria cessar após a expiração do prazo contratual em 9 de Março de 2012 e não seria renovado. (7º artigo)
- Em 19 de Outubro de 2011, uma pessoa que alegou ser a nora da ré C foi ao escritório do advogado constituído pelos autores para tirar uma cópia da acima referida notificação de cessação de arrendamento. (8º artigo)
- Desde meados de Março de 2012 (isto é, após a cessação do contrato de arrendamento em causa) até agora, os dois autores dirigiram-se várias vezes à fracção em causa para exigir à ré a desocupação da fracção e a devolução desta. Mas a ré recusou-se todas as vezes. (9º artigo)
- Quando os dois autores estavam na fracção em causa, duas pessoas que alegaram ser respectivamente o filho e a nora da ré C atenderam e abriram a porta. (10º artigo).
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III – O Direito
1 - A causa de pedir na acção radicou num contrato de arrendamento celebrado no dia 10/03/1972 pela ex-proprietária D com a ré e que os autores, adquirentes da fracção por contrato de compra e venda, dizem ter cessado no dia 9 de Março de 2012. Cessação que teria decorrido do facto de os autores terem enviado uma carta à ré anunciando-lhe que o contrato não seria renovado a partir daquela data.
A sentença, essa, julgou a acção improcedente com fundamento duplo:
Em primeiro lugar, por ter considerado que a comunicação da denúncia não foi feita com a antecedência mínima de 180 dias do termo do prazo da renovação contratual (art. 1039º, nº1, al. a), do CC).
Em segundo lugar, por não se ter provado que a ré foi efectivamente notificada.
Para os recorrentes a tese da sentença elimina a aplicação das alíneas c) e d) do art. 1039º. Para tal não acontecer, isto é, para se dar sentido à aplicação de tais preceitos, acham que o prazo de arrendamento indicado nas suas alíneas deve ser entendido como o prazo do contrato quando não exista renovações ou, havendo-as, o prazo da ultima renovação, ao invés da duração global do contrato e das renovações.
Vejamos, então.
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2 - Primeiramente, o argumento da extemporaneidade da comunicação da denúncia.
O art. 1038º, nº2, do CC dispõe que o senhorio não goza do direito de denunciar o contrato para o seu termo ou para o termo das suas renovações antes do decurso de 2 anos sobre o início do arrendamento.
Por seu turno, o art. 1039º prescreve:
«1. A denúncia tem de ser comunicada por escrito ao outro contraente com a antecedência mínima seguinte:
a) 180 dias, se o prazo for igual ou superior a 6 anos;
b) 90 dias, se o prazo for igual ou superior a 1 ano e inferior a 6 anos;
c) 30 dias, se o prazo for igual ou superior a 3 meses e inferior a 1 ano;
d) Um terço do prazo, quando este for inferior a 3 meses.
2. A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao fim do prazo do contrato ou da renovação.»
Qual deveria, então, ter sido o prazo da antecedência para a comunicação da denúncia? 90 ou 180 dias?
Assunto igual a este foi tratado neste TSI, no Ac. de 12/11/2015, Proc. nº 710/2015, com o seguinte teor:
“Segundo a sentença deveria ser de 180 dias. Para assim o concluir, ateve-se à circunstância de todo o período do contrato e das suas sucessivas renovações ter sido superior a 6 anos, o que, na sua tese, faria incluir a situação de facto na previsão da alínea a), do nº1, do art. 1039º, do CC.
Essa, porém, não é a solução que este TSI vem seguindo, conforme Acórdãos proferidos em 22/03/2012, Proc. nº 731/2011 e de 25/04/2013, Proc. nº 105/2013. Realmente, segundo estes arestos, «O prazo de denúncia de um arrendamento previsto no artigo 1039º do Código Civil refere-se à duração do contrato ou da sua renovação, tal como contratualmente foi estipulado, e não à duração efectiva do mesmo por efeito das sucessivas renovações» (Proc. 731/2011, cit.).
Significa isto, que a relevância a ter em conta não é a duração global e efectiva do contrato acrescida de todas as suas renovações, mas singularmente a do contrato ou a da sua última renovação. Aliás, se se olhar bem para o art. 1038º, nº2 do Cod. Civil, logo se conclui que a denúncia do contrato é feita para o “termo do contrato” ou para o “termo das renovações”. Ou seja, o marco determinante é o fim da duração do contrato ou da renovação. Sendo assim, o limite mínimo para da antecedência fixado no artigo subsequente só faz sentido quando reportado a qualquer daqueles termos.
Aliás, se assim não fosse, tornar-se-iam inaplicáveis as disposições das alíneas c) e d) do art. 1039º quando conjugadas com o nº2 do art. 1038º. Na verdade, se a denúncia não pode ser eficaz antes do decurso do prazo de dois anos sobre o início do arrendamento (nº2, art. 1038º), pareceria impossível que as referidas alíneas pudessem ter algum préstimo. Mas têm.
É que os prazos estabelecidos em todas as alíneas do art. 1039º reportam-se ao tempo de duração do contrato e de duração da renovação (consoante os casos) isoladamente, sem ter que se levar em conta todo o tempo efectivo de duração da relação de inquilinato (contrato mais renovações). É por isso que, mesmo na hipótese de contratos de duração inferior a um ano, por exemplo, nada obsta a que a denúncia seja feita no referido prazo, ainda que a sua eficácia se transfira para o termo do prazo de dois anos por via do art. 1038º, nº2 (neste sentido, Ac. do TUI, de 26/11/2008, Proc. nº 50/2007).
Portanto, não se acolhe, quanto a este aspecto, a posição do TJB.”
Sendo esta a posição que este TSI tem por mais correcta, continuamos a abraçá-la.
E por ser assim, o primeiro argumento da sentença impugnada não merece o nosso acolhimento. É que, sendo de um ano o prazo de cada uma das renovações, a comunicação já não deveria ser de 180 dias, mas sim de 90, de acordo com o disposto no art. 1039º, nº1, al. b), do CC.
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3 – Agora, o argumento da falta de prova da efectiva notificação.
Trata-se de um fundamento insubsistente. Na verdade, a ré foi citada para os termos do presente processo e não contestou a acção. Daí que os factos incluídos na petição foram dados por “confessados” segundo o despacho do juiz titular do processo a fls. 40 e nos termos do art. 405º, nº1, do CPC.
É certo que a norma fala em “reconhecimento” e não em “confissão” dos factos. Contudo, do que se trata é de consignar ali um efeito cominatório ante a falta de contestação do réu. Não se interpreta esse reconhecimento como uma confissão do pedido, mas como uma confissão dos factos confessáveis, digamos assim. Não esqueçamos que alguns factos não podem ser dados como “confessados”, atendendo, por exemplo, à circunstância de:
- A vontade das partes não poder ser eficaz para produzir o efeito jurídico que pela acção se pretende obter (ver, v.g., o caso dos direitos indisponíveis: art. 347º, al. b), do CC);
- O facto “confessado” for impossível ou notoriamente inexistente (art. 347º, al. c), do CC); ou
- Se tratar de factos para cuja prova se exija documento escrito (art. 406º, al. d), do CPC).
A justificação para a mudança dos termos (de confissão, para reconhecimento) é esta: A alteração pretendeu afastar o perigo de uma confissão pura em situações em que ela é inoperante ou impossível (cfr. art. 406º, do CPC e 347º do CC). Portanto, o reconhecimento equivale a um efeito confessório relativamente aos factos que possam ser aceites pela confissão.
“O reconhecimento não deixa de ser o acolhimento ou aceitação da realidade de um facto que ao réu (ou ao autor, no caso de reconvenção) é desfavorável e favorável à outra parte. Portanto, o art. 405º, nº 1, do CPCM, no rigor dos termos, não se refere à “confissão do pedido” a que acima nos referimos, mas sim à confissão de factos através de um comportamento omissivo, que nem por isso deixa de ser “confissão-prova”, não na sua variante expressa, mas na presumida (confissão presuntiva da parte). Neste sentido, também, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 543-545” (…) essa parece ser a solução para que se encaminha Cândida da Silva Antunes Pires ao referir a dado passo que o juiz deve declarar “assentes” os factos reconhecidos (Lições de Processo Civil de Macau, 2015, 2ª ed., pág. 332)” (Ac. do TSI, de 20/10/2016, Proc. nº 546/2016).
Ora, no caso em apreço, a comunicação escrita da denúncia por carta regista e simples que vem invocada na petição inicial (art. 7º) revela-se perfeitamente como um facto confessável que possa ser coberto pelo reconhecimento. Daí que, quando o juiz julga “reconhecidos” os factos da petição, está obviamente a englobar este também. Quer isto dizer que está “reconhecido” e, portanto, “confessado” que “a autora comunicou à ré C por carta registada e carta simples que o contrato de arrendamento irá cessar em 9 de Março de 2012, o qual não vai ser renovado”.
Por conseguinte, se está provado que os autores comunicaram a denúncia (comunicação que nunca foi posta em crise, uma vez que a ré não quis contestar a acção) mal se percebe a razão pela qual a sentença, oficiosamente e contrariando o despacho de fls. 40, entendeu que não estava provado que a denúncia teve lugar.
Aliás, e ao contrário do juízo que fez a este respeito, a circunstância de se ter apresentado no escritório de advogados mandatados pelos autores uma pessoa que se disse nora da ré para levantar cópia do conteúdo da denúncia (facto 8 da p.i. e tido como “provado” integrado no capítulo dos “Factos” da sentença) até mais reforça a ideia de que as cartas foram recebidas no local da fracção dada de arrendamento, que é, precisamente, o local onde a ré reside (ou deveria residir).
Vale dizer, então, que a sentença também não pode manter-se quanto a este aspecto. Em vez disso, somos a considerar que acção de despejo deve ser procedente.
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IV – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência:
- Revogar a sentença e decretar o despejo do réu da fracção identificada nos autos.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias.
TSI, 01 Novembro 2017
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
48/2017 16