打印全文
Processo nº 948/2017 Data: 01.11.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Revogação da suspensão da execução da pena.

SUMÁRIO
1. A revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando “ope legis”, pretendendo o legislador “salvar”, até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”.

2. Porém, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 948/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. O Digno Magistrado do Ministério Público vem recorrer da decisão da Mma Juiz do T.J.B. que não acolheu promoção sua no sentido da revogação da suspensão da execução da pena de 4 meses e 15 dias de prisão decretada ao arguido A, com os restantes sinais dos autos.

E, em síntese, diz que a decisão recorrida colide com o estatuído nos art°s 53°, d) e 54° do C.P.M.; (cfr., fls. 269 a 272-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Respondendo pugna o arguido no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 277 a 279).

*

Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte Parecer:

“Na Motivação de fls.269 a 272 verso dos autos, o magistrado do Ministério Público assacou, ao douto despacho em escrutínio (cfr. fls.266 a 267 verso), o vício de violação das disposições nas alíneas d) do art.53° bem como a) e b) do n.°1 do art.54.° do CPM ex vi n.°1 do art.400° do CPP.
Sem prejuízo do elevado respeito pela melhor opinião em sentido contrário, subscrevemos as criteriosas sustentações do ilustre Colega na Motivação acima referida.
*
Note-se que no Processo n.°CR1-13-0094-PSM (doc. de fls.172 dos autos), foi concedida ao arguido/recorrido a suspensão da execução, por período de um ano e seis meses, da pena de 1 mês e 15 dias de prisão. Este período de suspensão viu ser prorrogado pelo despacho datado de 04/12/2014, em virtude de ele ter infringido os deveres (doc. de fls.173 dos autos).
Ora, os registos do arguido/recorrido demonstram que no período da suspensão, ele foi condenado na prática dum crime de consumo ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.14° da Lei n.°17/2009. Desta condenação resultou a 2ª prorrogação do período da suspensão (docs. de fls.253 e 254 dos autos).
Sucede que durante o período da suspensão, o arguido/recorrido voltou a cometeu um crime de condução em estado de embriagues p.p. pelo n.°1 do art.90° da Lei n.°3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), pelo que ele foi condenado na pena de 4 meses e 15 dias de prisão efectiva (docs. de fls.255 e 258 dos autos), sem estimar as duas prorrogações.
O n.°1 do art.54° do CPM prevê: A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Adverte prudentemente (Acórdão do TSI no Processo n.°847/2015): A revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando “ope legis”, pretendendo o legislador “salvar”, até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”. Porém, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência.
Em termos mais concisos, «Correcta é a decisão de revogação da suspensão da execução da pena se, o arguido, a quem foi aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução, insiste na sua conduta delinquente, voltando a cometer novos crimes pelos quais veio a ser punido, ignorando assim o “aviso” que lhe foi feito e a oportunidade que lhe foi concedida, e demonstrando que as finalidades que estavam na base da suspensão da pena não puderam, por meio dela, ser alcançadas.» (Acórdão do TSI no Processo n.°48/2012)
No nosso prisma, mostra-se bem equilibrada a pensada a jurisprudência que assevera: «Tendo o recorrente voltado a cometer novo crime doloso pelo qual veio a ser efectivamente condenado, e chegado até a cumprir pena efectiva de prisão num anterior processo, é de revogar-lhe a suspensão da pena de prisão sob a égide do art.54.°, n.°1, alínea b), do Código Penal.» (Acórdão do TSI no Processo n.°514/2014)
Em harmonia das citadas orientações jurisprudenciais, chegamos a conclusão de que as condutas do arguido/recorrido durante o período da suspensão de execução revelam concludentemente que as finalidades subjacentes a suspensão não podem, por meio dela, ser alcançadas, por isso mesmo, o douto despacho recorrido contende com a ratio axiológica da b) do n.°1 do art.54° do CPM, assim, deve ser revogado.
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do presente recurso”; (cfr., fls. 289 a 290).

*

Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

2. Em causa no presente recurso está uma decisão da Mma Juiz do T.J.B. que, confrontada com a prática pelo arguido dos autos de novo crime em pleno período da suspensão da execução da pena de prisão de 4 meses e 15 dias, considerou inadequada a revogação da dita suspensão, prorrogando o aludido prazo de suspensão por mais 1 ano; (cfr., fls. 266 a 267-v).

E, da reflexão que sobre a questão nos foi possível efectuar – e embora se compreenda a motivação da Mma Juiz a quo, que entendeu conceder “mais uma oportunidade” ao arguido – cremos que o recurso merece provimento.

Vejamos.

Nos termos do art. 54° do C.P.M.:

“1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”; (sub. nosso).

E, como se viu – e bem nota o Ilustre Procurador Adjunto – em pleno período da suspensão da pena de 4 meses e 15 dias de prisão cometeu o arguido 2 novos ilícitos, (cfr., Proc. n.° CR3-15-0283-PCS e n.° CR1-16-0192-PSM), revelando, de forma clara que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena não puderam ser alcançadas.

Aliás, pela frequência da sua conduta delinquente – cujo primeiro registo data de 2013, (e, que entretanto, já viu também por duas vezes prorrogado o prazo de suspensão da execução da pena então aplicada), – se constata que o arguido tem (extrema) dificuldade em levar uma vida em conformidade com as normas de uma sã convivência social, apresentando também uma atitude de (total) indiferença e distanciamento pelas limitações decorrentes da decisão de suspensão da pena condicionada ao programa de reabilitação que lhe foi decretado.

Não se nega, (e assim temos entendido) que se devem evitar penas de prisão de curta duração, (cfr., v.g., o Ac. de 15.06.2017, Proc. n.° 462/2017), que a revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando “ope legis”, e que o legislador pretende “salvar”, até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”; (no mesmo sentido, cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 254/15).

Como decidiu o T.R. de Guimarães:

“I) As razões que estão na base do instituto da suspensão da execução da pena radicam, essencialmente, no objectivo de afastamento das penas de prisão efectiva de curta duração e da prossecução da ressocialização em liberdade.
II) Por isso, se conclui sempre que, desde que seja aconselhável à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a opção pela execução efectiva de prisão se revelar indispensável para garantir a tutela do ordenamento jurídico ou para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias”; (cfr., o Ac. de 11.05.2015, Proc. n.° 2234/13).

Porém, igualmente temos afirmado que não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 26.01.2017, Proc. n.° 840/2016 e de 15.06.2017, Proc. n.° 462/2017, e a Decisão Sumária de 16.06.2017, Proc. n.° 460/2017 e de 13.09.2017, Porc. n.° 820/2017).

No caso dos autos, face à postura do ora recorrente, que insiste em levar uma vida delinquente, insistindo em desenvolver um comportamento à margem das normas de convivência social, impõe-se dizer que correcta se nos apresenta a posição do Ministério Público, pois que revelado está que as finalidades que estavam na base da decretada suspensão da execução da pena não puderam ser alcançadas.

Como ensinava Jescheck: “o tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”; (in, “Tratado de Derecho Penal”– Parte General – Granada 1993, pág. 760, e, no mesmo sentido, o Ac. da Rel. de Lisboa de 05.05.2015, Proc. n.° 242/13 in “www.dgsi.pt”).

Por sua vez, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães de 13.04.2015, Proc. n.° 1/12).

Apresentando-se-nos assim que o recurso merece provimento, há que decidir em conformidade.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, revogando-se a suspensão da execução da pena de 4 meses e 15 dias de prisão ao arguido aplicada nos presentes autos.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 01 de Novembro de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 948/2017 Pág. 12

Proc. 948/2017 Pág. 1