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Processo n.º 933/2017
(Suspensão de eficácia de acto administrativo)

Data : 1 de Novembro de 2017

Requerente: A

Entidade Requerida: Presidente do Instituto de Habitação

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância

I – Relatório

A, devidamente identificado nos autos, inconformado com o despacho do Presidente do Instituto de Habitação que lhe determinou a rescisão do contrato de arrendamento de habitação social, interpôs recurso contencioso de anulação para o Tribunal Administrativo.

Por sentença proferida em 14JUL2017, foi o recurso contencioso de anulação julgado improcedente.

De novo inconformado, interpôs recurso jurisdicional dessa sentença para este Tribunal de Segunda Instância.

Admitido o recurso, apresentadas as alegações mas antes de ser feito subir o recurso, o recorrente A pediu, mediante o requerimento a fls. 2 a 20 dos presentes autos pediu, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, a suspensão de eficácia do despacho recorrido.

Notificada a entidade requerida, veio contestar pugnando pelo indeferimento do pedido da suspensão

A Dignª Magistrada do Ministério Público emitiu o seu douto parecer, no qual opinou no sentido de indeferimento da requerida suspensão, por inverificação do requisito a que se refere o artº 121º/1-a) do CPAC.

Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.

II - O Mmo Juiz Relator lavrou douto projecto de acórdão, no sentido do indeferimento do pedido de suspensão, o que fez nos seguintes termos:

   «(…)
   Fundamentação
   
   O CPAC diz no seu artº 120º que:
   
A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
   a) Tenham conteúdo positivo;
   b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
   
   Assim, é de averiguar se o acto em causa tem conteúdo meramente negativo, pois a ser assim, o acto em causa não se mostra logo susceptível de ser objecto do pedido de suspensão de eficácia.
   
   Portanto, temos de nos debruçar sobre esta questão primeiro.
   
   Tradicionalmente falando, a suspensão de eficácia tem uma função conservatória ou cautelar, admitida no âmbito dos processos do contencioso administrativo, que visa obter provisoriamente a paralisação dos efeitos ou da execução de um acto administrativo.
   
   Assim, o acto administrativo de cuja eficácia se requer a suspensão tem de ter, por natureza, conteúdo positivo, pois de outro modo, a ser decretada a suspensão, em nada alteraria a realidade preexistente, deixando o requerente precisamente na mesma situação em que se encontra.
   
   In casu, estamos perante um despacho que determinou a rescisão do contrato de arrendamento de habitação social.
   
   Tal como entende o Ministério Público no seu doutor parecer, a rescisão do contrato de arrendamento obviamente implica a alteração de uma realidade preexistente.
   
   Assim, o despacho de cuja eficácia ora se requer a suspensão integra no artº 120º/-b) do CPAC, e portanto é susceptível da suspensão.
   
   Passemos então a averiguar se se verificam os requisitos previstos no artº 121º/1 do CPAC.
   
   Para o deferimento da providência, a lei exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos – artº121º/1-a), b) e c) do CPAC:
   
   a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
   
   b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
   
   c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
   
   Sendo de verificação cumulativa que é, a inverificação de qualquer deles implica logo o indeferimento da suspensão.
   
   Comecemos então pelos requisitos exigidos nas alíneas b) e c), que se nos afiguram ser de fácil apreciação, tendo em conta a matéria de facto assente e os elementos existentes nos autos.
   
   No que respeita ao requisito exigido na alínea b), apesar de o fundamento invocado pela entidade requerida para a rescisão do contrato de arrendamento ser a violação de um dos deveres impostos a arrendatários e estipulados no contrato pelo recorrente, nomeadamente, o de não dar alojamento a um familiar não declarado ou registado na moradia objecto do contrato, não cremos que a não execução imediata, apenas num curto período de tempo correspondente ao tempo da pendência do recurso jurisdicional possa causar imediatamente lesão do interesse público de tal maneira grave que frustrará de todo em todo o fim concretamente prosseguido por este despacho.
   
   Em relação à inexistência dos fortes indícios da ilegalidade do recurso, podemos dizer que existem sim fortes indícios da legalidade do recurso, tendo em conta a recorribilidade da sentença do Tribunal Administrativo, a fase em que se encontra o recurso jurisdicional já admitido e tramitado no Tribunal Administrativo, e a manifesta legitimidade do requerente para reagir jurisdicionalmente contra a decisão judicial de primeira instância.
   
   Então resta analisar a verificação ou não do requisito exigido na alínea a), ou seja, se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso.
   
   A lei exige que sejam de difícil reparação os prejuízos resultantes da execução imediata do acto suspendendo.
   
   A dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência de uma eventual sentença de anulação – Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, 2ª ed. pág. 168.
   
   Com a exigência desse requisito consistente nos previsíveis prejuízos de difícil reparação, a mens legislatoris é para acautelar as situações em que, uma vez consumada a execução do acto administrativo, ocorre a dificuldade de reconstituição hipotética da situação anteriormente existente e ainda aquelas em que, para ressarcimento dos prejuízos causados pela execução imediata, se revele difícil fixar a indemnização, por serem de difícil avaliação económica exacta, mesmo no âmbito ou por via dos meios judiciais a que se referem os artºs 24º/1-b) e 116º do CPAC.
   
   E para convencer o Tribunal de que, segundo o decurso normal das coisas e pela experiência comum, os alegados prejuízos sejam a consequência adequada, típica, provável da execução imediata, é preciso que o Requerente da suspensão de eficácia alegue e demonstre factos concretos e bem determinados em que assentam tais prejuízos.
   
   Para sustentar a sua tese da verificação in casu desse requisito, o requerente alega que:
   
   III- DA EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO DE DIFÍCIl REPARAÇÃO
   26.º
  Com a execução do Acto Recorrido, que é iminente, o ora Requerente será forçado a desocupar a Fracção de habitação social sub judice.
   27.º
  Tal execução provocará para o ora Requerente um prejuízo irreparável, visto que, se tal suceder, será forçado a ir viver para a via pública, uma vez que não tem qualquer outro sítio para morar.
   28.º
  Como decorre dos autos, designadamente do processo instrutor apenso aos de recurso contencioso, o ora Requerente vive em condições económicas desfavorecidas, condições essas devidamente analisadas e verificadas pela Entidade Requerida aquando a atribuição da habitação social em causa nos presentes autos.
   29.º
  A carência económica e financeira do ora Requerente consta igualmente dos autos, designadamente da circunstância de lhe ter sido atribuído apoio judiciário na modalidade de isenção de preparos e custas, bem como de nomeação de patrono, como decorre do documento junto à Petição Inicial como Doc. 2.
   30.º
  O ora Requerente não é proprietário de qualquer fracção, nem em Macau nem em qualquer outra Região ou País.
   31.º
  Para além disto, o Requerente, prestes a completar 64 anos, sofre de hipertensão primária crónica pelo menos desde Março de 2012, altura em que lhe foi diagnosticada (cfr. documento junto com a petição inicial como Doc. 10).
   32.º
  Em consequência da referida patologia, o ora Requerente sente muito frequentemente arritmias. tonturas fortes e, ocasionalmente, perdas momentâneas de consciência.
   33.º
  Por outro lado, a patologia de que o ora Requerente infortunadamente sofre, coloca-o, como é consabido, no grupo de risco de surgimento de aterosclerose e trombose, podendo, nos casos mais graves, dar-se aneurismas e acidentes vasculares cerebrais, mesmo que o tratamento adequado seja recebido.
   34.º
  O Requerente não tem quaisquer poupanças ou depósitos que lhe permitam fazer face ao pagamento extraordinário da renda de uma habitação no mercado de arrendamento em Macau, que, como é do conhecimento público, é muito elevado.
   35.º
  Por outro lado, o Requerente não tem qualquer familiar em Macau com disponibilidade e capacidade para o alojar.
   36.º
  Como facilmente se intui de tudo quanto se expôs supra, a execução do Acto Recorrido, isto é, o despejo do Requerente da fracção de habitação social sub judice, terá como consequência directa e imediata posicionar o ora Requerente em situação de "sem abrigo".
   37.º
  "Sem abrigo" e em situação de perigo social e físico, atendendo à idade do Requerente e aos males de saúde de que padece, uma vez que, se o acto for executado, o Requerente ver-se-à forçado a aguardar pelo resultado final do recurso contencioso de anulação na rua, sujeito ao frio do inverno que se avizinha em Macau, exposto às inúmeras fontes de propagação de doenças que se encontram a cada esquina da cidade.
   38.º
  Por outro lado, o ora Requerente não vê como previsível a possibilidade de ser albergado por instituições de solidariedade social - designadamente o Cáritas Macau, a casa Corcel e o próprio Instituto de Acção Social - as quais, desdobrando-se em esforços para apoiar todos os sem-abrigo de Macau, não têm capacidade para alojar todas as pessoas em tal situação (tanto, que se assim não fosse, inexistiriam "sem abrigo" em Macau), pelo que a intervenção destas instituições se vê limitada à distribuição de roupas quentes, edredões e comida quente, como disso dá nota o próprio Instituto de Habitação Social no seu sítio de internet.
   39.º
  Em face da baixa probabilidade - e patente imprevisibilidade - de o Requerente conseguir ser albergado por instituição de solidariedade social em caso de execução imediata do Acto Recorrido, é evidente, notório, que tal execução provocará uma lesão irremediável ao direito de amparo que a RAEM presta aos seus cidadãos, mormente aos idosos, como se dispõe no artigo 38.º, último parágrafo da lei Básica, bem como ao seu direito ao bem-estar, direito igualmente fundamental consagrado no segundo parágrafo do artigo 39.° da mesma Lei.
   40.º
  Afigura-se, pois, evidente que o direito do Requerente a ter uma habitação condigna - direito esse que fundamentou ab initio, a concessão de uma unidade de habitação social - sairá, previsivelmente, lesado de forma grave e irremediável caso o acto recorrido venha a ser executado.
   
   
   Em síntese, os alegados prejuízos de difícil reparação são os alegadamente decorrentes da perda do direito de residir na moradia que lhe foi atribuída e da falta da capacidade económica para custear uma habitação no mercado e da previsível impossibilidade de recorrer aos meios de assistência social por insuficiência dos recursos disponíveis para satisfazer todos os indivíduos “sem-abrigo” de Macau.
   
   Alegou como agravante a sua situação de saúde.
   
   Tal como enfatizemos supra, o instituto da suspensão de eficácia visa evitar, na pendência do recurso contencioso de anulação ou da declaração de nulidade, a constituição ou consolidação de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos, irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no recurso contencioso.
   
   Então pergunta-se o que pretende o requerente ao reagir por via judicial contra a decisão recorrida?
   
   Obviamente é a manutenção do seu direito ao arrendamento da habitação social.
   
   Ora, se vier a proceder o recurso jurisdicional ora pendente contra a sentença recorrida do Tribunal Administrativo e esta segunda instância acabar por dar razão ao ora requerente determinando a anulação da decisão administrativa recorrida, não vemos em que medida e como é que a não suspensão da decisão administrativa pode conduzir à constituição ou consolidação de uma situação de facto consumado.
   
   Pois, basta a restituição da moradia ou a atribuição de uma outra moradia idêntica para recolocar o requerente na situação anterior à execução da rescisão do contrato de arrendamento.
   
   Quantos aos prejuízos que poderão entretanto verificar-se na pendência do recurso jurisdicional, entendemos que o requerente, enquanto interessado em ver suspensa a execução imediata do acto, não cumpriu bem o seu ónus de alegar e provar factos demonstrativos da verificação dos prejuízos e da existência do nexo de causalidade adequada entre a execução imediata do acto e a verificação dos prejuízos.
   
   De acordo com os elementos existentes nos autos, nós sabemos que o requerente aufere o rendimento mensal no valor de MOP$8.817,00 – vide fls. 18 do processo administrativo.
   
   Todavia, nada sobre os encargos sabemos, pois nada disse o requerente acerca disso.
   
   Portanto, na falta dos elementos relativos aos encargos que o requerente tem, não podemos aceitar cegamente as expressões vagas e meramente conclusivas, tais como “forçado a ir viver para a via pública”, “vive em condições desfavorecidas”, “não tem quaisquer poupanças ou depósitos que lhe permitem fazer face ao pagamento extraordinário da renda de uma habitação no mercado” “em situação de sem abrigo”.
   
   Assim sendo, sem mais delongas, é de concluir pela inverificação do requisito exigido no artº 121º/1-a) do CPAC, o que implica o indeferimento da pretendida suspensão.
   
   Em conclusão:
   
   1. O instituto da suspensão de eficácia visa evitar, na pendência do recurso contencioso de anulação ou da declaração de nulidade, a constituição ou consolidação de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos, irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação, para os interesses que o requerente visa assegurar no recurso contencioso.
   
   2. Para o efeito, o requerente, enquanto interessado em ver suspensa a execução imediata do acto, tem o ónus de alegar e provar a verificação dos prejuízos e a existência do nexo de causalidade adequada entre a execução imediata do acto e a verificação dos prejuízos.»

III. 1. Não obstante a douta argumentação expendida, somos a entender que a factualidade que lhe está subjacente, conduz a uma outra conclusão sobre a verificação do requisito constante do artº 121º/1-a) do CPAC, não se colocando qualquer divergência no que respeita, seja em relação à matéria de facto que vem fixada, seja em relação aos restantes requisitos inseridos naquela norma, resultando da Doutrina e Jurisprudência uniformes que os requisitos previstos no art. 121º supra citado são de verificação cumulativa, excepção feita aos condicionalismos dos artigos 121º, n.º 2, 3 e 4 e 129º, n.º 1 do CPAC, pelo que, não se observando qualquer deles, é de improceder a providência requerida.1
Não deixamos de ter presente o recente acórdão tirado no Proc. 836/2017, de 19 de Outubro, se bem que não se deixa de sublinhar que cada caso é um caso e o circunstancialismo das diferentes situações varia no tempo, no espaço e sempre conforma os comportamentos dos sujeitos titulares de cada uma delas com repercussão no tratamento jurídico que devem merecer.

2. Fixemo-nos, então, no requisito positivo, relativo à existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar para o requerente ou para os interesses que este venha a defender no recurso - al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC -, sendo este o ponto fulcral da discordância com a abordagem feita no projecto acima transcrito.
   Conforme tem sido entendimento generalizado, compete ao requerente invocar e demonstrar a probabilidade da ocorrência de prejuízos de difícil reparação causados pelo acto cuja suspensão de eficácia requer, alegando e demonstrando, ainda que em termos indiciários, os factos a tal atinentes.
   Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto.2
   A este nível invoca ela o facto de resultar da imediata execução do acto, que se traduz no “despejo” da casa, um prejuízo de ordem não patrimonial que não terá sido devidamente equacionado na decisão tomada.
   Na verdade, para além dos prejuízos de ordem patrimonial avolumados em face de uma situação menos confortável,l em termos de rendimentos por parte daquela pessoa em concreto, já que os seus modestos rendimentos inferiores a MOP9.000,00 não serão suficientes para arranjar uma casa no mercado habitacional, vindo assente que ele não possui outra casa e não tens outros bens ou dinheiro que lhe permitam dar resposta a essa necessidade básica qual seja a da sua habitação.
Se é verdade que o requerente não destacou as suas despesas ou encargos, não será difícil elevarmo-nos acima dessa insuficiência, em termos das regras de conhecimento e experiência comum, para configurar um mínimo de subsistência para que uma pessoa possa sobreviver e concluir que aquele rendimento, para uma pessoa de 64 anos, com uma hipertensão a carecer de tratamento é insuficiente para fazer face a uma renda a suportar no mercado habitacional, a ter que pagar água, luz, água, alimentação e demais necessidade básicas.
Dir-se-á que há até quem sobreviva com menos, bastando pensar nos não residentes, nas empregadas domésticas ou outras situações similares em termos de recebimento de menores rendimentos! Mas tudo deve ser relativizado e há que enquadrar a situação presente com a de alguém que tinha um determinado padrão de vida, sendo em função desse padrão que a questão deve ser equacionada
De todo o modo, a ênfase na valoração do prejuízo decorrente da imediata execução do “despejo” não reside essencialmente na componente patrimonial, aceitando-se que essa componente é a que menos relevo terá no caso “subjudice”, antes se evidenciando a perda da casa de um homem só, doente, de 64 anos de idade, que desde 2003 tem aquela casa com sua. São 17 anos de casa tida com a sua casa e a sua perda não se configura como facilmente ressarcível.
É verdade que tudo tem remédio, pode até configurar-se uma aproximação indemnizatória a tal perda, mas os prejuízos devem ser eles também relativizados e uma coisa que parece ter pouca importância e que uns quantos cifrões podem reparar não deixa de ganhar grande dimensão ao nível daquela pessoa em concreto, podendo ser a manutenção daquela situação jurídica concreta o bem maior, mais precioso na vida para aquele homem.
Importa não esquecer que a medida tomada implica a perda da casa da sua morada, a procura de uma outra casa com uma renda sujeita ao mercado habitacional, as despesas da mudança, deslocação e instalação e, se bem que tudo isso possa ser materialmente reparável, o certo é que há todo um conjunto de incómodos, sacrifícios, incertezas, receio de ficar sem abrigo, enfoque muito destacado na sua preocupação e vertida na alegação produzida.
Como já dissemos noutro passo, claro que isto é muito triste e não é facilmente reparável. Se tiver que ser, porque o requerente não tem direito à casa, tudo bem. Mas se não tiver que ser, se no recurso contencioso o requerente vier a ter ganho de causa há dinheiro que compense essa saída? É evidente que só “a morte não tem remédio”, mas não é preciso chegar a esse ponto para se terem por contempladas as situações que a previsão da lei no art. 121º/17ª do CPAC visa acautelar.
    
    Por outro lado, que mal advirá para o interesse público em aguardar pela clarificação do caso e deixar aquele homem na casa por mais algum tempo?
    
    Afirma a entidade requerida que esses pretensos prejuízos não vêm comprovados. Com todo o respeito, não estamos certos de que assim seja. Não se trata de factos novos, pois esses prejuízos foram desde o primeiro momento invocados, falando-se logo no requerimento inicial na preocupação em arranjar uma casa no mercado habitacional, na incerteza de conseguir uma casa que possa arrendar ou onde possa ficar, configurando até a hipótese de se tornar um “sem abrigo” e, se bem que o requerente deva provar o que alega, o certo é que da matéria dos autos nada flui em sentido contrário, nem sequer a entidade recorrida impugna essa factualidade de carência.
Quanto à pretensa vaguidade da alegação do recorrente, sublinha-se que em boa medida ela é colmatada pelas regras da experiência comum, para além de que a sua situação de doença se mostra documentalmente comprovada.
  
3. Vimos actualizamos neste passo o que dissemos já no Proc. n.º 566/2016, de 6/10/2016.
Como se sabe, não é possível a comprovação testemunhal da matéria alegada em sede deste procedimento cautelar, pelo que o julgador terá de enquadrar e configurar o que alegado vem em termos plausibilidade e razoabilidade. Para tanto, coloquemo-nos na posição daquele homem; seríamos insensíveis e indiferentes a um quadro de saída provisória e incerta da nossa casa, ainda que os custos materiais viessem a ser repostos mais tarde? A indemnização sobreveniente repararia esses sacrifícios e incómodos? Estamos em crer que não. Especialmente quando se atingem as situações mais sensíveis, da intimidade, da centralidade da família, da casa de morada que se assume já como sendo a sua. Enquadramento que não deixará de ser feito, em conjugação com as regras da experiência comum e dos factos notórios, ao abrigo do disposto no artigo 434º/1 do CPC.
   Temos presente que, noutros casos, aparentemente próximos ou paralelos, não se terá decidido neste sentido; só que cada caso é um caso e o que conta é a alegação da própria parte, ao assinalar os concretos prejuízos que advêm da execução do acto.
Também não deixamos de ter presente a lição de Cândido Pinho, referindo-se à casa de família:
“Se ela for a única de que o interessado e o seu agregado dispõem para viver, sobretudo se nela vivem há muito tempo como sendo o seu lar, o seu pequeno canto do mundo, o lugar onde desenvolveram grande parte da sua vida afectiva e familiar, (…) que nem mesmo a mudança para outro lugar consegue superar.”3 
Não vemos razão, mutatis mutandis, para deixar de aplicar ao presente caso as preocupações inerentes aos sacrifícios que o projectado despejo comporta.  

4. Por outro lado, sobre a lesão do interesse público já se decidiu neste Tribunal que, ressalvando situações manifestas, patentes ou ostensivas a grave lesão de interesse público não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto. Trata-se de um requisito que se prende com o interesse que, face ao artigo 4º do C.P.A., todo o acto administrativo deve prosseguir.4
   Relativamente a este requisito, importa observar que toda a actividade administrativa se deve pautar pela prossecução do interesse público, donde o legislador exigir aqui que a lesão pela não execução imediata viole de forma grave esse interesse.
Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo. Assim, se um órgão da Administração praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente. E o interesse público é o interesse colectivo, que, embora de conteúdo variável, no tempo e no espaço, não deixa de ser o bem-comum.5
   
Ora, se se tratar de lesão grave - séria, notória, relevante - a execução não pode ser suspensa.
   Perante o acto impositivo concreto há que apurar se a suspensão de eficácia viola de forma grave o interesse público.
   Tem-se entendido que preenche tal previsão a suspensão que põe em causa a confiança dos utentes e de público em geral no serviço em causa ou ofende a boa imagem da Administração, a autoridade do Estado, a ordem e a própria disciplina da função ou das funções, sendo manifestas as situações em que a actuação vise a prossecução da defesa de valores fundamentais da saúde, ordem, segurança, salubridade, abastecimento básico da população, fornecimento de bens e serviços essenciais.
    
A expressão "grave lesão do interesse público" constitui um conceito indeterminado que compete ao juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso.
A entidade recorrida , na sua contestação, alega que a não execução do acto, acarretaria prejuízos e atrasos na atribuição de casas de habitação económica, mas com todo o respeito, trata-se aqui de matéria vaga e não concretizada, ficando-se sem saber qual a razão porque isso acontece com a não desocupação por algum tempo.  
 
De todo o modo, já acima nos descaímos sobre a posição que tomamos sobre o assunto, ao interrogarmo-nos sobre qual o prejuízo que adviria para a Administração com uma contemporização de espera na entrega da casa por mais algum tempo. Se até os particulares, numa relação normal de arrendamento são a negociar e compreender alguns tempos de espera que o inquilino tantas vezes solicita, também aqui não se vislumbra que haja algum prejuízo, muito menos grave, para o interesse público, com a não execução imediata do acto.
Face ao exposto, somos a concluir no sentido da verificação dos requisitos da alínea a), b) e c) n.º 1 do art. 121º do CPAC, pelo que, na falta de outros factores que tal impeçam, o pedido de suspensão de eficácia do acto não deixará de proceder.


IV - DECISÃO

Pelas apontadas razões, acordam em decidir no sentido de deferir o presente pedido de suspensão de eficácia do acto.
  
Sem custas.

Notifique.
Macau, 1 de Novembro de 2017

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
_________________________
Ho Wai Neng
_________________________
Lai Kin Hong
Vencido, enquanto Relator substituto do processo, quanto à verificação ou não do requisito previsto no artº 121º/1-a) do CPAC, por razões que expus na parte correspondente da fundamentação do projecto do Acórdão que apresentei à Conferência e que ora se encontra integralmente transcrita no presente Acórdão.

_________________________
Mai Man Ieng






1 - Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 3ª ed., 176; v.g. Ac. do TSI, de 2/12/2004, Proc.299/03
2 - Acs. STA de 30.11.94, recurso nº 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236, in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes
3 - Man. de Formação de Dto Adm., CFJJ, 321
4 - Ac. do T.S.I., de 22 de Novembro de 2001, Proc. n.º 205/01/A ; T.S.I., de 18 de Outubro de 2001, Proc. n-º191/01
5 - Freitas do Amaral, Direito Administrativo”, 1988, II, 36 e 38
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Susp.ef. 933/2017-19