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Processo n. 693/2017 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 09 de Novembro de 2017
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios

SUMÁRIO:

I. Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).

II. Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).

Proc. nº 693/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, casado, de nacionalidade nepalesa, residente em XX Street, XX, portador do Passaporte Nepalês N.º XXXXX86, emitido pelas autoridades competentes do Nepal, instaurou no TJB (Proc. nº LB1-15-0154-LAC) ----
Acção de processo comum do trabalho, contra: ---
1) B, SARL, (adiante, B), com sede na Avenida de XX, Hotel XX, XX.º andar, Macau, ---
e ---
2) C, S.A., (adiante, C), com sede na Avenida de XX, Hotel XX, XX.º andar, Macau, ---
Pediu que as rés fossem condenadas a pagar-lhe a importância total de MOP$411.130,00 referente a compensação a título de subsídio de alimentação, de efectividade, de trabalho prestado em dias de descanso semanal, de feriado obrigatório remunerado, de bonificações e outras remunerações adicionais, incluindo gorjetas, de comparticipação no alojamento, trabalho extraordinário, de serviço prestado em 30 minutos antes do início de cada turno laboral, em termos que aqui damos integralmente reproduzidos.
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Por despacho de fls. 246-257, o tribunal “a quo” admitiu a correcção requerida a fls. 234 pelo autor aos diversos erros de escrita que cometeu na petição inicial, essencialmente concernentes à indicação da moeda em que seriam considerados os valores do salário base mensal e do salário normal diário (erradamente referidos em patacas, quando foram em dólares de Hong kong), bem como da moeda em que devem ser consideradas as indemnizações peticionadas referentes ao descanso semanal, trabalho prestado em dias feriados, compensação por alojamento, trabalho extraordinário e pelos 30 minutos ao serviço da entidade patronal antes do início de cada período de trabalho, que devem ser consideradas em Hong kong e não em patacas.
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Deste despacho foi interposto recurso jurisdicional pelas rés, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“I- Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a fls. 246 a 247, que admite “ (...) a correcção requerida pelo autor aos pedidos formulados na sua petição inicial com a conversão cambial dos valores monetários reclamados, tal como é requerido, o que se faz em coerência com os documentos juntos aos autos e também por força do princípio da economia processual (pois se assim se não fizesse previsivelmente teríamos o Juízo Laboral inundado de outras tantas acções, somente por força deste lapso, que assim se admite seja reparado).”;
II- O despacho recorrido carece de fundamento legal, não podendo acolher-se o entendimento que, por via do princípio da economia processual e por forma a evitar que o Juízo Laboral seja inundado de outras tantas acções, seja admitida a correcção dos pedidos formulados pelo Autor, simplesmente porque não há nada a corrigir e estamos perante verdadeiras alterações dos pedidos fora das situações legalmente previstas;
III- O princípio da economia processual mais não é que um princípio de simplificação do processo, segundo o qual o processo deve obter o maior resultado com o mínimo de esforço, mas sempre nos limites da legalidade e da Justiça imparcial, não sendo de se admitir o recurso ao princípio da economia processual como desculpa ou fundamento de atropelo à lei;
IV- O Autor fundamenta o seu pedido de correcção do pedido no preceituado no art.º 244º do CC e no art.º 217.º do CPC, os quais, flagrantemente não têm aplicação ao caso conforme acaba por deixar escapar o despacho recorrido sobre os quais nem se debruça;
V- Do que vem declarado pelo Recorrido no seu requerimento não resulta que se trate de um erro de escrita ou de cálculo, nem dos seus articulados anteriores, mormente da petição inicial, se descortina esse erro, pois o Recorrido sempre foi muito claro em alegar e calcular todas as parcelas do seu pedido em Patacas, e nunca se refere a Dólares de Hong Kong;
VI- É pacífico que, a existir um lapso manifesto, tal erro só pode ser ratificado se ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto, sendo necessário que ao ler-se o te se veja de imediato o erro e que se entenda o que o interessado pretendia dizer;
VII- Aquilo que o Recorrido pretendeu e acabou por ser deferido pelo Tribunal a quo foi alterar o seu pedido, o que, conforme resulta do citado art.º 217.º nº 2 do CPC só é admitido na Réplica, sendo certo que alteração não é o mesmo que ampliação;
VIII- Mas ainda que se tratasse de um requerimento de ampliação do pedido, o que legalmente é permitido até ao encerramento da discussão em primeira instância (art.º 217.º, nº 2 do CPC), a pretensão do Recorrido carece de qualquer fundamento legal porquanto não se trata de “desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”, nem o Recorrido o fundamentou;
IX- Se o Recorrido pretendia alegar que auferia a quantia mensal de HK$7,500.00 (em vez de o receber em patacas) e deduzir os seus pedidos com base nessa quantia, poderia e deveria tê-lo feito ab initio na sua petição inicial, não podendo admitir-se que o faça agora lançando mão de expedientes processuais a despeito de erros de escrita que, como se viu, não existem;
X- Atento o princípio da preclusão, o Recorrido não pode vir desdizer aquilo que disse e sobre o qual as partes já tiveram oportunidade de se pronunciar e sobre matéria que foi já aceite pelas partes, colocando o processo e as restantes partes na contingência das suas variações;
XI- Se o Autor não alegou que auferia o salário em dólares de Hong Kong - e essa alegação não decorre do seu articulado - e não deduziu os seus pedidos com base nesse mesmo salário, apenas a si lhe poderá ser imputado, não sendo admissível que lhe seja permitido fazê-lo agora, em momento inoportuno, lançando-se mão ao princípio da economia processual, como veio a fazer a decisão recorrida;
XII- No essencial, não se poderá sobrevalorizar o princípio da economia processual em detrimento de outros princípios que enformam o processo, designadamente desvalorizando-se os princípios da estabilidade da instância e da preclusão;
XIII- Motivo pelo qual, entendem as Recorrentes, sempre com todo o respeito, que enferma tal despacho do vício de erro na aplicação do Direito por violação dos artigos 6º e 217.º do CPC, do art.º 16º do CPT e do art.º 244º do CC, devendo o mesmo ser revogado e substituído por outro que decrete o indeferimento do requerimento de fls. 234 a 237 apresentado pelo Autor, ora Recorrido.
Assim e, nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, devendo o despacho de fls. 246 a 247 ser revogado e substituído por outro que decrete o indeferimento do requerimento apresentado pelo Autor, ora Recorrido, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
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O recorrente não respondeu a este recurso.
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Foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenadas as rés em montantes já liquidados e outros que vieram a ser liquidados em execução de sentença, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Contra esta sentença foi interposto recurso jurisdicional pelo autor da acção, o qual concluiu as suas alegações nos seguintes termos:
“1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao ora Recorrente as quantias pelo mesmo reclamadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, feriados obrigatórios e pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
2. Salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo devida pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, feriado obrigatórios e prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho e, nesta medida, se mostra em violação ao disposto nos artigos 10.º, 17.º, 19.º e 20.º do Decreto-Lei N.º 24/89/M, de 3 de Abril, razão pela qual deve a mesma ser julgada nula e substituída por outra que atenda à totalidade dos pedidos reclamados pelo Autor na sua Petição Inicial;
Em concreto,
3. Ao condenar a Ré a pagar ao Autor apenas uma quantia em singelo pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal não gozado, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al, a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na medida em que de acordo com o referido preceito se deve entender que o mesmo trabalho deve antes ser remunerado em dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescido de um outro dia de descanso compensatório, tal qual tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Segunda Instância;
Acresce que,
4. Contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal a quo, não parece correcto concluir que pela prestação de trabalho nos dias de feriados obrigatórios se deva proceder ao desconto do valor do salário em singelo já pago;
5. Pelo contrário, salvo melhor opinião, a fórmula correcta de remunerar o trabalho prestado em dia de feriado obrigatório nos termos do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril - ainda que a determinar em sede de liquidação de execução de Sentença - será conceder ao Autor, ora Recorrente, um “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito” - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - conforme tem vindo a ser entendido pelo douto Tribunal de Segunda Instância;
Por último,
6. Contrariamente ao entendimento sufragado pelo douto Tribunal a quo, está o ora Recorrente em crer que a situação de “tolerância” de 30 minutos para a conclusão de tarefas não acabadas contante do n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, tão-só se justifica para situações ocasionais, isto é, para situações esporádicas, não podendo tal circunstância se transformar em regra, razão pela qual deva a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia pelo mesmo reclamada pela prestação de 30 minutos de trabalho por dia para além do seu período normal diário.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda aos pedidos tal qual formulados pelo Recorrente, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!”
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As rés responderam a este recurso, nos seguintes termos conclusivos:
“I. Veio o Recorrente no Recurso a que ora se responde insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base na parte em que julgou parcialmente improcedente as quantias reclamadas pelo mesmo a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, de feriados obrigatórios e pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo, por entender que tal decisão enferma de erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo das sobreditas compensações e, nessa medida, mostra-se em violação do preceituado nos artigos 10.º, 17.º, 19.º e 20.º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
II. Quanto à forma de cálculo adoptada pelo Tribunal a quo para apuramento de eventual compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados obrigatórios nada há a apontar à Decisão Recorrida, onde é feita uma correcta interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 17.º, 19.º e 20.º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril;
III. Nos termos do preceituado no artigo 17.º, n.º 6, alínea a) do Decreto-lei 24/89/M, estando em causa o pagamento do trabalho em dias de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, tendo o Recorrente sido pago já em singelo, importa ter em conta esse salário já pago e pagar apenas o que falta (e não o dobro);
IV. A tese defendida pelo Recorrente nas suas doutas alegações subverte por completo a letra da lei e, a seguir-se tal tese, onde se lê que o trabalhador que aufira um salário mensal tem o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal quando presta trabalho nos dias de descanso semanal, ler-se-ia que o pagamento em apreço deveria corresponder ao triplo da retribuição normal;
V. A Decisão em Recurso para além de encontrar total sustentação na letra da lei, encontra-a também na jurisprudência unânime do Tribunal de Última Instância de Macau, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007 e, bem assim, naquele que lo; já entendimento unânime no Tribunal de Segunda instância no Acórdão de 29.03.2001 no processo n.º 46/2001, para cuja fundamentação se remete;
VI. Se o trabalhador já recebeu a remuneração, só terá de receber o “equivalente a 100% dessa mesma remuneração, a acrescer ao salário já pago” (neste sentido vide “Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau”, do Dr. Miguel Quental, Ilustre mandatário do ora Recorrente, págs. 283 e 284);
VII. Do mesmo modo, de acordo com o n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, se o trabalhador prestar trabalho no dia de feriado obrigatório, para além do salário que já recebeu em singelo, terá direito a uma compensação equivalente ao dobro desse salário e não ao triplo, como pretende o Recorrente;
VIII. Aliás, neste sentido vai o Venerando Tribunal de Última Instância nas decisões proferidas nos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007, para cuja fundamentação se remete e de onde resulta claramente que tendo o trabalhador sido remunerado em singelo pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, o mesmo só terá direito a auferir o dobro da sua retribuição;
IX. Assim, caso resulte provado que o Autor, ora Recorrente, tenha trabalhado em feriados obrigatórios, e se for possível determinar o número de dias que prestou trabalho em dia de feriado - o que deveras se não concede -, tendo em conta que o Recorrente foi sempre remunerado pela sua prestação de trabalho em dias de feriados obrigatórios no valor de um dia de salário normal diário, o mesmo apenas teria direito a receber o dobro do salário normal diário por cada dia de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório;
X. O Recorrente recorre também da decisão que absolveu a Ré, ora Recorrida, relativamente à prestação dos 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
XI. Não assiste razão ao Recorrente pois como se pode ler no n.º 1 do artigo 10.º Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, sob a epígrafe “Duração do Trabalho”, “Nenhum trabalhador deve normalmente prestar mais do que oito horas de trabalho por dia e quarenta e oito por semana, devendo o período normal de trabalho ser interrompido por um intervalo de duração não inferior a trinta minutos, de modo a que os trabalhadores não prestem mais de cinco horas de trabalho consecutivo.”, e no n.º 4 do mesmo artigo preceitua o seguinte: “Os períodos fixados no nº 1 não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos diários.”;
XII. Conforme alega o Recorrente, por solicitação das Rés, ora Recorridas, aquele estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno, sendo que, durante esse período, o Recorrente e os seus colegas guardas de segurança eram informados pelos respectivos superiores hierárquicos acerca dos seus postos de trabalho, dos clientes tidos por “suspeitos” e das questões de segurança a ter conta no interior do Casino;
XIII. Todo esse conjunto de informações enquadra-se na preparação para o início do trabalho que o Autor teria de prestar naquele dia, donde se conclui que, mesmo verificada a finalidade supra descrita e desde que não excedidos os 30 minutos imediatamente antes do início de cada turno, este período de 30 minutos não poderá ser considerado como trabalho extraordinário, porquanto não consubstancia qualquer violação à lei, e tal como explanado na Sentença recorrida e proferida em primeira Instância “ (...) aliás, o Autor peticiona precisamente este período de tempo a título de trabalho extraordinário), pelo que se entende que esse tempo de trabalho está contido na margem de flexibilidade dada pelo legislador. Improcederá, nesta parte, o pedido.”;
XIV. O Recorrente não tem qualquer razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser considerado totalmente improcedente.
Assim, e nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o Recurso a que ora se responde ser julgado improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
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Também as rés da acção se inconformaram com a sentença, da qual recorreram nos termos das seguintes conclusões alegatórias:
“1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção procedente e condenou as Rés, ora Recorrentes, no pagamento de uma indemnização ao Autor A no valor de MOP117,135.00 pe1.ª Ré B, sendo MOP18,100.00 a título de subsídio de alimentação; MOP12,000.00 a título de subsídio de efectividade; MOP24,205.00 a título de descanso semanais, MOP24,205.00 a título de não gozo dos dias de descanso compensatório; MOP23,175.00 a título de comparticipação no alojamento descontadas; MOP15,450.00 pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho, e no valor de MOP41,175.00 pe1.ª Ré C, sendo MOP10,800.00 a título de subsídio de alimentação; MOP7,200.00 a título de subsídio de efectividade; MOP13,905.00 a título de comparticipação no alojamento descontadas; e MOP9,270.00 pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho, acrescidas de juros moratórias à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório; Mais condenando as Rés, ora Recorrentes, a pagar ao Autor o montante correspondente ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatórios e a 1ª Ré B às bonificações ou remunerações adicionais incluindo gorjetas pagas ao operários residentes, a liquidar em execução de sentença.
2. As ora Recorrentes vêm impugnar a decisão proferida sobre a matéria fáctica vertida nos quesitos 7º, 8º, 10º a 12º, 14º a 23º e 25º a 27º, porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderiam os referidos quesitos terem sido provados, porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderiam os referidos quesitos terem sido provados, já que a matéria fáctica foi, salvo devido respeito, incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece dos vícios de erro de julgamento e erro na aplicação do direito e nulidade por falta de fundamentação decorrente da violação do ónus da alegação por parte do Autor ora, Recorrido.
3. Assim, foi a seguinte a factualidade tida por assente e provada:
“Desde 1 de Agosto de 1998, o Autor esteve ao serviço da 1a Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente (Cfr. doc. 1). (A); Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade nos locais (postos de trabalho) indicados pelas Rés. (B); Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e as instruções das Rés. (C); Durante o período que prestou trabalho, a 1a Ré (B) pagou ao Autor a quantia de HKD$7.500,00 a título de salário de base mensal (Cfr. doc.1). (D); O Autor foi recrutado pela D, Lda. - e exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 4198, aprovado pelo Despacho n.º 1124/IMO/SEF/2000, de 26/06/2000 (Cfr. doc. 2 e 3). (1º); Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da 1a Ré (B) para a 2.ª Ré (C) , com efeitos a partir de 21/07/2003 (Cfr. Doc. 4). (2.º); Entre 22/07/2003 a 24/01/2005, o Autor esteve ao serviço da 2.ª Ré (C), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente, (3.º); Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pelas Rés. (4.º); Durante o período que prestou trabalho, a 2.ª Ré (C) pagou ao Autor a quantia de HKD$7.500,00, a título de salário de base mensal. (5º); Resulta do ponto 3.3. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 4/98, que “ (...) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1. o outorgante (leia-se, as Rés) paga aos operários residentes no Território”. (6.º); Entre 01/08/1998 a 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) sempre pagou aos trabalhadores residentes do Território, de forma regular e contínua, diversas bonificações e/ou remunerações adicionais, incluindo-se as gorjetas que eram recebidas dos clientes das salas de Jogo e que eram distribuídas pelos mesmos trabalhadores (residentes) após serem reunidas e contabilizadas pela 1a Ré (B). (7º); Entre 01/08/1998 a 21/07/2003, a 1a Ré (B) nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas, (8.º); Resulta do ponto 3. 4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 4/98, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “ (...) um subsidio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (9.º); Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés. (10.º); Entre 01/08/1998 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (11.º); Entre 22/07/2003 e 24/01/2005, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (12.º); Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços nº 4/98, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “(...) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (13.º); Entre 01/08/1998 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros. (14.º); Entre 22/07/2003 e 24/01/2005, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (15.º); Entre 01/08/1998 e 31/12/2002, a 1.ª Ré (B) nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (16.º); A 1.ª Ré nunca concedeu ao Autor um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (17.º); A 1.ª Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (18.º); A 1.ª Ré (B) nunca conferiu ao Autor um qualquer outro dia de descanso compensatório. (19.º); Entre 01/08/1998 e 21/07/2003 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios para a 1.ª Ré. (20.º); A 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se, um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (21.º); Entre 22/07/2003 e 24/01/2005 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios para a 2.ª Ré. (22.º); A 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia adicional (leia-se, qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (23.º); Durante o período em que o Autor prestou trabalho, as Rés procederam a uma dedução no valor de HKD750,00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (24.º); Durante todo o período da relação de trabalho com as Rés, o Autor prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos. (25.º); Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1.ª Ré (B) num regime de 3 turnos rotativas de 8 horas por dia: (26.º) Turno A: (das 08h às 16h), Turno B: (das 16h às 00h), Turno C: (das 00h às 08h); As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (27.º); Por ordem das Rés, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (28.º); O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos. (29.º); Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau.
4. Ora, pela sua relevância no presente recurso não pode deixar de se transcrever os fundamentos aduzidos pelo douto Tribunal na resposta à matéria de facto:
“Concretamente, atendemos ao depoimento prestado pela testemunha apresentada pelo Autor, com a razão de ciência que melhor resulta da acta da audiência, que revelou conhecimento directo dos factos sobre que depôs, num depoimento que se revelou sóbrio e não comprometido, tendo explicado que não era política da Ré permitir o gozo de descansos semanais (não sendo tal trabalho sido pago além de um dia normal); explicou ainda, a este propósito, que nunca foi dado qualquer dia de descanso compensatório. Explicou ainda a testemunha que não foi pago qualquer subsídio de efectividade ou qualquer compensação pela prestação de trabalho em dias de feriado obrigatório; quanto a estes últimos, a resposta restritiva decorre da circunstância de a testemunha ter explicado que o Autor (à sua semelhança) gozava 24 dias de férias anuais, não tendo, no entanto, conseguido concretizar exactamente o período em que tal sucedia, até porque esses dias podiam ser utilizados ao longo do ano quando havia alguma razão forte que os fizesse por exemplo ir ao país deles, razão porque não houve prova suficiente dos dias de feriado obrigatório em que o Autor prestou trabalho.”.
5. Mais ficou estabelecido na sentença recorrida que: “Explicou ainda a testemunha que nunca foram pagas quaisquer quantias a título de subsídio de alimentação, gorjetas ou outras remunerações além do salário. Mais explicou a testemunha que a Ré não forneciam refeições mas tão só um local - que não era assim uma cantina - onde os trabalhadores podiam tomar a refeição que traziam de casa. A testemunha inquirida afirmou ainda que, a título de alojamento, era cobrava a quantia mensal de 750 HK, mesmo que os trabalhadores optassem por residir fora das residências fornecidas pelas Rés. Mais relatou ainda a testemunha, de forma detalhada, como se processavam os turnos de trabalho e a sua rotatividade, precisamente nos termos que ficaram provados.
Cumpre ainda referir que nenhuma prova de sentido contrário foi produzida, quer testemunhal, quer documental, que permitisse pôr em causa o depoimento prestado em audiência pela testemunha, nomeadamente, nenhum registo que comprove ter o autor alguma vez faltado ao serviço ou que lhe tivesse sido paga qualquer quantia, e a que Mula, além do que resulta provado (...) ”.
6. Da prova produzida em sede de julgamento a resposta a todos os quesitos acima descritos, i.e., 7º, 8º, 10º a 12º, 14º a 23º e 25º a 27º da Base Instrutória e a fundamentação supra transcrita teriam necessariamente de ser diferentes, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento e como no presente caso foi deferida a documentação das declarações prestadas na audiência de julgamento, existindo por isso suporte de gravação, o que permitirá ao douto Tribunal de Segunda Instância melhor avaliar, e decidir, sobre o ora invocado erro na apreciação da prova, aqui expressamente se requerendo a reapreciação da matéria de facto, nos termos admitidos no art.º 629º do CPC, aplicável ex-vi art. 1º do CPT.
7. As Recorrentes, ao invocarem no presente recurso o erro na apreciação da prova, que, na sua óptica, inquina a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, não pretende apresentar apenas uma simples discordância relativamente à interpretação dos factos feita por aquele douto Tribunal, tendo bem presente o dispositivo do art.º 558º do CPC, e a natureza insindicável da livre convicção relativamente à apreciação da prova efectuada pelo Tribunal recorrido, e estando bem ciente da jurisprudência afirmada nos Tribunais Superiores da RAEM sendo que é entendimento das Recorrentes que tal erro de julgamento se verifica na situação dos autos, e que o vício apontado à decisão recorrida resulta dos próprios elementos constantes dos autos, que por si só são contraditórios, ou do recurso às regras da experiência comum.
8. Nos presentes autos foi ouvida apenas uma única testemunha, E, cujo testemunho se encontra gravado na Passagem gravada em 28.02.2017, CD 1 Tradutor 1 Excerto 1 - 9.58.58 do minuto 13:20 ao minuto 14:46; Passagem gravada em 28.02.2017, CD 1 Tradutor 1 Excerto 3 - 10.22.48 do minuto 00:46 ao 02:21, do minuto 06:29 ao 18:01, do minuto 18:46 ao minuto 22:44, do minuto 25:49 ao minuto 28:27; Passagem gravada em 28.02.2017, CD 1 Tradutor 1 Excerto 4 - 10.52.53 do minuto 03:35 ao minuto 04:01; Passagem gravada em 28.02.2017, CD 1 Tradutor 1 Excerto 5 - 10.57.22 do minuto 00:28 ao minuto 03:15.
9. E do mesmo se extrai que o depoimento da única testemunha ouvida em julgamento é genérico sem que tivesse a testemunha conseguido concretizar se em relação ao Autor as coisas se passavam como se haviam passando em relação a si mesma, já que em relação ao Autor a instâncias do Meritíssimo Juiz e perguntado à testemunha se alguma vez tinha trabalhado com o Autor declarou que: “Sim, é que na altura trabalhava no casino do XX (13:56), e, mas eu, nós, no turno, não trabalhamos no mesmo turno, eu conheci o autor, eu conheço o autor, no entanto, eu não sei quando é que ele saiu de lá! (14:06) E apenas tenho a noção que estava lá a trabalhar há muito tempo...” (14:11) (Cfr. Passagem gravada em 28.02.2017, CD 1 Tradutor 1 Excerto 1 - 9.58.58). Ora, face a esta resposta, como pode o Tribunal a quo dar com precisão como provados os factos vertidos nos quesitos que dizem respeito aos pedidos relativos aos descansos semanais, aos feriados obrigatórios, ao subsídio de alimentação e de efectividade, às horas extraordinárias relativamente aos turnos e relativamente ao pagamento de gorjetas?
10. Aquilo que revelou é que pouco sabe sobre o Autor, e aquilo que sabe é relativamente a si próprio pois mais parece um verdadeiro depoimento de parte, sobre si mesmo, não tendo um conhecimento directo sobre o que se passava com o Autor, ora Recorrido, o que revela a parcialidade do seu depoimento, sendo que a aludida testemunha foi Autor numa acção em tudo semelhante àquela em que veio depor, o que tende a revelar a parcialidade do seu depoimento e face às afirmações acima transcritas nunca poderia o Tribunal a quo ter dado como provado que o Autor não recebeu os subsídios a que alega ter direito, ou que nunca faltou sem conhecimento e autorização das Rés, ou que aquele nunca gozou dias de descanso semanal ou feridos obrigatórios ou se, a cada 21 dias, trabalhava 16 horas em cada período de 24!
11. Parece pois insuficiente admitir que a procedência do pedido do Autor seja feita com base num único depoimento genérico e indirecto, isto quando às Rés, ora Recorrentes, se tornou impossível contradizer documentalmente o depoimento da testemunha porquanto a presente demanda só se iniciou volvidos mais de 11 anos sobre o termo da relação laboral, não estando a mesma portanto obrigada a manter nos seus arquivos a documentação atinente a todos os seus trabalhadores, pelo que também aqui pecou o Digno Tribunal a quo quando deu como provados tais factos.
12. Quanto às gorjetas também aqui o Tribunal a quo pecou ao dar como provado o quesito 7º da Base Instrutória, pois foi a seguinte a pergunta que foi colocada em audiência foi “ (...) Olhe, alguma vez os senhores receberam gorjetas?” (CD 1 tradutor 1, Excerto 3, 10.22.48, minuto 06:29) e ainda “Mas O senhor sabe se os outros guardas e croupiers e dealers da Companhia, da B, neste caso, recebiam gorjetas regularmente ou não?” (CD 1 tradutor 1, Excerto 3, 10.22.48, minuto 06:54) e as respostas foram que: “Não. Ninguém recebeu gorjetas.” (CD 1 tradutor 1, Excerto 3 do minuto 06:39 ao minuto 06:42) e “Não, não, ninguém recebeu.” (CD 1 tradutor 1, Excerto 3, minuto 07:07). Vindo o Digno Tribunal a dar como provado que “Entre 01/08/1998 a 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) sempre pagou aos trabalhadores residentes do Território, de forma regular e contínua, diversas bonificações e/ou remunerações adicionais, incluindo-se as gorjetas que eram recebidas dos clientes das salas de Jogo e que eram distribuídas pelos mesmos trabalhadores (residentes) após serem reunidas e contabilizadas pela 1a Ré (B). (7º)”, sem que alguma vez em audiência tenha sido questionado à testemunha se os trabalhadores residentes tinham recebido gorjetas, já que aquilo que decorre do contrato de prestação de serviços é que: “ (...) este terá direito, para além da remuneração supra referida, ás bonificações ou remunerações adicionais que a 1ª Outorgante paga aos operários residentes no Território.” (Sublinhado e destacado nossos).
13. Ora, se tal facto não foi sequer perguntado à testemunha nem esta sobre o mesmo se pronunciou, e se a eventual atribuição de gorjetas aos guardas Nepaleses dependia da atribuição de gorjetas aos guardas residentes da B como é que o Tribunal teve provas suficientes para apurar se foram pagas gorjetas aos trabalhadores residentes no território para assim dar a matéria vertida no quesito 7º como provada? A verdade, é que não se obteve prova suficiente para dar como provado tal facto e tal quesito, pelo que, e é com todo o respeito que o afirmamos, também aqui falhou o Digno Tribunal a quo, devendo a resposta ao mesmo quesito ser diversa da que foi dada, devendo tal quesito ser dado como não provado, pelo que após reapreciação da prova efectuada em juízo por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o invocado vício de erro de julgamento ao dar por provados os quesitos 7º, 8º, 10º a 12º, 14º a 23º e 25º a 27º da Douta Base Instrutória, os quais serão de dar por não provados e ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o invocado vício de erro de julgamento ao dar por provados todos os quesitos da Douta Base Instrutória, os quais serão de dar por não provados.
14. Mas ainda que improceda o recurso na parte respeitante à impugnação da decisão que dirimiu a matéria de facto, urge ainda questionar se o Autor teria direito a receber todos os créditos que reclama nos termos em que a sentença ora posta em crise os concedeu e a resposta só pode ser em sentido negativo, isto porque quanto ao subsídio de efectividade e ao subsídio de alimentação o Tribunal a quo condenou as ora Recorrentes a pagarem ao Autor compensações a título de subsídio de efectividade e a título de subsídio de alimentação tendo dado o douto Tribunal a quo como provado os supra transcritos quesitos 10º a 12º e 14º a 15º da Base Instrutória fundamentando a condenação da seguinte forma: «A pretensão do Autor assenta no regime legal de contratação de trabalhadores não residentes regulado no Despacho nº 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, cujas condições mínimas de contratação estarão, segundo defende, incorporadas no contrato de prestação de serviços que a Ré celebrou tal como exigido pela alínea c) desse diploma legal e na qualificação jurídica deste contrato como sendo a favor de terceiro.
(...)
Relativamente à questão jurídica fundamental, ao enquadramento da relação estabelecida entre as partes outorgantes dos mencionados contratos de prestação de serviços e à sua repercussão na esfera jurídica do Autor, o Tribunal de Segunda Instância já firmou jurisprudência unânime no sentido de que estamos na presença de um contrato a favor e terceiro que tem como beneficiário o ora Autor, citando-se como exemplo, o mais recebente Acórdão datado de 25.07.2013, cujo sumário parcial aqui nos permitimos reproduzir:
(...)
Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, como parte beneficiária do contrato de prestação de serviços dado como assente, o Autor tem direito a prevalecer-se do clausulado mínimo nele constante.
(...)
Quanto ao subsídio de alimentação resulta provado em 17) que era devido ao Autor o pagamento de 20 patacas diárias a tal título. Resulta ainda provado que entre 28 de Janeiro de 2001 (...) e 21 de Julho de 2003 a 1a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (cf. Facto 18) pelo que tem o Autor a receber a tal título a quantia de MOP18.100,00 (905 dias x MOP20);
- Resulta ainda provado que entre 22 de Julho de 2003 e 24 de Janeiro de 2005 a 2a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (cf. Facto 19) pelo que tem o Autor a receber a tal titulo a quantia de MOP11.060,00 (553 dias x MOP20), mas o Autor pede somente MOP10.800,00, o que lhe será assim atribuído.».
15. Fundamentando ainda que «Quanto ao subsídio de efectividade resulta este previsto no Contrato de Prestação de Serviços nº 4/98 (cf. facto 13) e não foi pago pela 1a Ré ao Autor (cf. facto 15), sendo que 28 de Maio de 2001 (...) e 21 de Julho de 2003 o Autor não deu qualquer falta ao serviço sem conhecimento e autorização prévia da Ré (cf. Facto 14) pelo que lhe é devida a quantia de MOP100x4 dias x 30 meses, isto é, MOP12.000,00;
- Resulta ainda provado que não foi pago pela 2a Ré ao Autor (Cf. Facto 16), sendo que entre 22 de Julho de 2003 e 24 de Janeiro de 2005 o Autor não deu qualquer falta ao serviço, sem conhecimento e autorização prévia da Ré (cf. facto 14), pelo que lhe é devida a quantia de MOP100x4 dias x 18 meses, isto é, MOP7.200,00.»
16. Numa situação como à dos autos em que à data da contratação do Autor estava em vigor o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro - o qual regia a contratação de trabalhadores não residentes - o Venerando Tribunal de Segunda Instância pronunciou-se do seguinte modo: «Tendo sido celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade [...] Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré, estamos em face de um contrato a favor de terceiro, pois se trata de um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a Sociedade [...] Lda. (promissória) o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores estranhos ao contrato (beneficiários).».
17. Retirando-se daqui que o contrato de prestação de serviços funciona como uma garantia do mínimo das condições remuneratórias a cumprir por parte da entidade promitente ou empregadora, sendo portanto de analisar se aquando do início da relação laboral os trabalhadores ficaram individualmente prejudicados face ao resultado que teriam se a entidade empregadora cumprisse apenas com aqueles mínimos das condições remuneratórias mas a verdade é que se as Recorrentes se tivessem limitado a cumprir com os mínimos a que se obrigaram, o Autor teria auferido um salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de 100.00 patacas diárias, acrescida de 20,00 patacas diárias por pessoa a título de subsídio de alimentação, ou seja, MOP3,600.00 mensais, ao qual poderia acrescer um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço e caso se considere que o Autor, ora Recorrido auferia HK$7.500,00, ou seja, mais do dobro dos aludidos montantes, ficam assim devidamente cumpridas e verificadas as condições remuneratórias mínimas previstas no contrato de prestação de serviços, donde nunca poderiam proceder os pedidos formulados pelo Autor, ora Recorrido, a titulo de subsídio de alimentação e de efectividade.
18. Mas ainda que assim não se entenda sempre se diga que, o pedido formulado a título de subsídio de alimentação não poderia proceder, isto porque o Tribunal a quo entendeu que o Autor teria direito a receber MOP20 por 905 dias de trabalho que mediaram entre o dia 28 de Janeiro de 2001 (atenta a prescrição dos créditos reclamados pelo Autor) e 21 de Julho de 2003 e 553 dias que mediaram entre 22 de Julho de 2003 e 24 de Janeiro de 2005, mas a verdade é que não se comprovou que entre 28 de Janeiro de 2001 e 24 de Janeiro de 2005 o Autor tenha trabalhado 1458 dias, mas antes aquilo que se provou foi que durante o período em que o Autor prestou trabalho nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés resultando assim assumido pelo Autor que teve períodos de “dispensa ao trabalho remunerados el ou não remunerados e autorizados pe1.ª Rés”.
19. Perguntando-se então quantos dias o Autor faltou ao trabalho com conhecimento e autorização da Rés? É que a parca matéria fáctica alegada pelo Autor não pode conduzir, sem mais, à procedência do pedido. Isto porque resultou apurado que o Autor teve férias, que deu faltas ao serviço e que pediu dias de dispensa com autorização das Rés mas não se comprova, nem tão pouco foi alegado, quais são esses dias e se não foram alegados esses dias, e sendo os subsídios de alimentação e de efectividade atribuídos em função da efectiva prestação de trabalho, como poderá o Tribunal determinar quais os dias em que o Autor trabalhou e quais efectivamente os dias em que o Autor tem direito a tais subsídios? Parece-nos pois que não estaria o Tribunal a quo em condições de determinar quais os dias relativos aos quais o Autor tem direito ao subsídio de alimentação pois conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, este subsidio trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário tendo tal argumento vindo a ser defendido por esse Venerando Tribunal em diversos arestos dos quais se destaca o proferido em 13.04.2014 no processo 414/2012.
20. Ora de acordo com esta decisão para que houvesse condenação das Rés, ora Recorrentes, no pagamento desta compensação, deveria o Autor ter alegado e provado quantos foram os dias de trabalho efectivamente por si prestados, o que não sucedeu estando, aliás, a decisão em contradição com a factualidade provada (Cfr. resposta aos quesitos 10º, 11º, 12º, 14º e 15º, pelo que, salvo devido respeito por melhor opinião, não tendo sido alegados nem provados os factos essenciais de que depende a atribuição do mencionado subsídio de alimentação, ou seja, a prestação efectiva de trabalho, não poderia o douto Tribunal ter condenado as Recorrentes nos termos em o que fez, padecendo assim a douta sentença nesta parte do vício de erro de julgamento da matéria de facto e na aplicação do Direito, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes do pagamento de compensação a título de subsidio de alimentação.
21. Quanto ao subsídio de efectividade veio a apurar-se que o mesmo fazia parte do contrato de prestação de serviços 4/98 e ainda que o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés, sucede que por definição e conforme resulta do aludido contrato de prestação de serviços, o subsídio de efectividade visa premiar a efectiva prestação do trabalho e o Contrato de Prestação de Serviços é claro ao prever que o subsidio de efectividade pressupunha que “[...] no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.” (Sombreado nosso), sendo irrelevante que o trabalhador tenha faltado por motivo justificado ou mesmo sob autorização prévia, sendo que nos presentes autos não foi feita qualquer prova relativamente à assiduidade do Autor, não se tendo apurado quantos dias de trabalho efectivo ele prestou e nem quantas vezes faltou ao serviço, antes pelo contrário, resulta dos autos e da matéria de facto provada que o Autor deu faltas ao serviço, ainda que com conhecimento e autorização prévia por parte das Rés, não tendo porém sido tais faltas quantificadas, nem se determinando quando foram dadas e neste pressuposto se questiona como foi possível ao Tribunal a quo fixar os dias que fixou para cálculo das compensações se não sabe quantos foram os dias de faltas justificadas? E mais uma vez deixou a decisão recorrida escapar que o próprio Autor alega não ter trabalhado todos os dias.
22. Ou seja, é insuficiente a matéria de facto apurada nos presentes autos que permita ao Tribunal a quo sustentar a condenação das Recorrentes a pagar ao Recorrido qualquer montante a título de subsídio de efectividade, devendo assim ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes do peticionado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão-somente condene as Recorrentes a pagarem ao Recorrido a compensação a título de subsídio de efectividade e de subsídio de alimentação que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no nº 2 do artigo 564º do CPC.
23. Quanto à compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriados obrigatórios com relevo para a apreciação de tais pedidos deu o Tribunal a quo por provado o constante nos quesitos 16º a 23º da Base Instrutória e, tendo resultado que o recorrido teve faltas ainda que justificadas, como pode o Tribunal entender decidir o número de dias devidos e não gozados pelo Recorridos a que se faz alusão a fls. 284 a 284 verso da sentença? Isto porque estando provadas as dispensas ao trabalho ainda que remuneradas e, tendo sido dito pela testemunha que o Autor gozava 24 dias de férias anuais, tal como referido pelo Meritissimo Juiz a quo no relatório da resposta à matéria de facto, sem que a testemunha conseguisse determinar em que dias o Autor gozou tais dias de férias anuais, nunca poderia o Tribunal ter condenado a Recorrente B ao pagamento da quantia de MOP24.205,00+MOP24.205,00 (descansos compensatórios) sem que se provasse o número de dias concretos que o Autor deixou de gozar o seu descanso semanal.
24. Verificou-se assim uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento da matéria de facto por parte do Tribunal a quo na condenação da recorrente nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal e em quantia indefinida quanto aos feriados obrigatórios, já que o mesmo raciocínio se aplica a este pedido de crédito, em violação do princípio do dispositivo consagrado no art. 5º do CPC e bem assim o disposto nos artigos 17º e 19º do DL 24/89/M devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes do peticionado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão-somente condene as Recorrentes a pagar ao Recorrido a compensação a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal que se venha a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no nº 2 do artigo 564º do CPC.
25. No que diz respeito à reclamação das compensações reclamadas pela prestação de trabalho em regime de turno e trabalho extraordinário à semelhança do ocorrido com o subsídio de alimentação o Recorrido limitou-se a invocar factos genéricos, não alegando especificadamente quais os factos que permitam concluir que tenha direito a pedir qualquer tipo de compensação a esse título, nem a própria testemunha, sendo o testemunho genérico e indirecto sem conhecimento real e concreto da situação do recorrido, tornando-se impossível apurar quais as horas que o Recorrido teria trabalhado a mais ou a menos, dada a falta de alegação do Autor, ora Recorrido, e da falta de prova em julgamento, pois nem o Recorrido nem a testemunha especifica datas, dias de trabalho efectivamente prestado, quando é que tais turnos coincidiam e quais os dias. E tendo ficado provado que o Recorrido dava faltas ao serviço (ainda que justificadas) ou pedia dispensas, como pode o Tribunal determinar com certeza quais os dias em que o Autor estava de turno? Ou ainda se eram ou não despendidas horas extraordinárias?
26. Na verdade, não é possível ao Tribunal determinar quais as horas extraordinárias que o trabalhador efectuava em cada dia, em cada semana, mês e ano. Motivo pelo qual também aqui o Tribunal andou mal ao condenar as Recorrentes, em violação do art. 5º do CPC e do art. 10º do DL 24/89/M. E não se sabendo quando, em cada ano, o Autor, ora Recorrido faltou ao serviço e gozou as férias anuais, porque a testemunha não logrou concretizar em audiência, pergunta-se mais uma vez como pode o Tribunal a quo estabelecer com toda a certeza os dias para cômputo das compensações relativas aos descansos semanais, subsídio de efectividade, subsídio de alimentação e trabalho extraordinário nos turnos? Face a esta falta de previsão por parte do Digno Tribunal no apuramento das compensações a atribuir ao Recorrido entendem as Recorrentes, sempre com todo o respeito, que padece a douta decisão dos vícios de erro de julgamento da matéria de facto e erro na aplicação do direito. Devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes do peticionado ou, caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão-somente· condenem as Recorrentes a pagar ao Recorrido a compensação a título de trabalho extraordinário que se venha a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no nº 2 do art.º 564º do CPC.
27. Entendeu o Tribunal a quo que resulta do Contrato de Prestação de Serviços 4/98 que teria o Autor direito a perceber as bonificações ou remunerações adicionais incluindo gorjetas pagas aos operários residentes a liquidar em execução de sentença. Com interesse para apreciação desta questão, pode ler-se na decisão recorrida que, “Resulta do ponto 3.3 do Contrato de Prestação de Serviços nº 4/98 que “(…) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor) este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1a Outorgante (leia-se as Rés) paga aos operários residentes no Território” (sublinhado e destacado nossos).
28. Com o devido respeito entende a Recorrente B que o Tribunal a quo interpretou mal a aludida cláusula no que ao pagamento das gorjetas diz respeito. Resulta claramente da supra transcrita cláusula que os trabalhadores não residentes teriam direito às bonificações ou remunerações adicionais PAGAS pela Recorrente aos operários residentes. As gratificações pagas pela entidade patronal, têm carácter de recompensa, visando premiar e incentivar o trabalhador face ao seu bom desempenho. No caso ficou por comprovar e até mesmo por alegar quais foram as bonificações ou remunerações adicionais que a Recorrente B pagou aos trabalhadores residentes. Sendo certo que nessas bonificações ou remunerações adicionais não será de incluir as gorjetas porque não são as mesmas pagas pela aqui 1a Ré, ora Recorrente, mas sim pelos seus Clientes. Não tinha a Recorrente B nenhum dever de pagar ao Autor nenhuma gorjeta, tal como não existia esse dever para com nenhum dos seus trabalhadores residentes.
29. Ao contrário do que o Autor pretendeu transparecer e veio a ser erradamente admitido pelo Tribunal, as gorjetas não correspondem a uma prestação do empregador mas sim de um terceiro e como tal não estão abrangidas pela sobredita cláusula. Como aliás decorre da nova lei das relações de trabalho (Lei 7/2008) que enquadra as gorjetas no conceito de “remuneração variável” (cfr. art.º 2º alínea 5) e não como remuneração de base o que reforça o argumento que a sua distribuição não constitui uma verdadeira obrigação para a entidade patronal e por isso nunca poderia o Tribunal ter condenado a Recorrente B ao pagamento das bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas, por falta de preenchimento do requisito para tal, pelo que não poderá a Recorrente B senão ser absolvida do sobredito pedido devendo então a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes do peticionado.
30. Face a todo o acima exposto se concluiu também que a decisão em crise padece do vício de falta de fundamentação isto porque a decisão em crise mantém na íntegra as conclusões incoerentes feitas na petição inicial, mantendo por responder a questões/vícios que a seguir se enumeram: (i) ter o Autor trabalhado todos os dias da semana, embora reconheça ter faltado algumas vezes ainda que tenham sido faltas justificadas; a que dias se refere o Tribunal quando faz os cálculos da indemnização? (ii) Quantos foram esses dias de faltas justificadas e quando foram gozados os 24 dias de férias anuais? (iii) Deverá ser atendida a “média” de 30 dias por ano de faltas autorizadas, como o autor concede na nota 3 ao art.º 44 o e a “média de 76 dias” por cada ano civil de dias de faltas autorizadas ao Autor, tal como o Recorrido concede na nota 5 do artigo 48º da petição inicial? (vi) Mas que factos suportam esta conclusão? Questionando-se, face estes pressupostos, como foi possível ao Tribunal fixar os dias que fixou para cálculo das compensações a que condenou as rés a pagar ao Autor se não se sabe quantos foram os dias de faltas justificadas do Recorrido.
31. Com todo o devido respeito, as incoerências e violação do ónus de alegação por parte do Recorrido só poderia, em nossa modesta opinião, ser resolvida pelo Tribunal de Primeira Instância de uma de duas formas: ou dava a oportunidade ao Autor para aperfeiçoar a petição inicial, apresentando nova peça consistente e coerente que permitisse uma decisão clara e esclarecida; ou dava por provado apenas e tão só os factos que se encontram efectivamente provados e suficientemente alegados, os que, in casu, não são praticamente nenhuns, sendo que o que o Tribunal a quo não podia ter feito o que fez, ou seja, factualizar as conclusões do Autor não suportadas em factos nem por prova bastante em audiência e sustentar os factos incoerentes e contraditórios que se mantêm na integra pelo que esta decisão, por essa razão, padece também de vicio de falta de fundamentação decorrente da violação do ónus de alegação por parte do Recorrido, sendo, por isso, nula.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade deverá ser declarada nula a sentença recorrida nos termos nos termos do disposto no art.º 571º, n.º 1 al. b) do CPC, ex-vi do art.º 43º do CPT, com as demais consequências legais.
Sem prescindir, e caso assim não se entenda, deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos supra explanados, com as demais consequências da Lei.”
*
A este recurso respondeu o autor, concluindo a sua peça de contra-alegações nos seguintes termos:
“1. Contrariamente ao alegado pelas Recorrentes, não se vislumbra da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento um qualquer erro ou vício quanto à decisão da matéria de facto posta em crise;
2. Pelo contrário, o Tribunal a quo apreciou e conheceu com detalhe o fundo da causa, enquadrando devidamente os factos no Direito aplicável e em conformidade com a prova produzida, tendo formado a sua convicção ao abrigo dos seus poderes de livre apreciação e mediante uma análise séria, crítica e descomprometida das provas carreadas e/ou produzidas em sede de audiência de julgamento e com desenvolvida especificação das razões e dos fundamentos convincentes da mesma convicção e sem que exista nos autos um qualquer outro meio de prova de igualou de superior valor que possa pôr em causa a sua credibilidade, certeza ou justeza, razão pela qual deve a douta Decisão manter-se (sem prejuízo do alegado pelo ora Recorrido em sede das suas Alegações de Recurso);
3. A leitura das passagens da gravação transcritas pelas Recorrentes - bem como a audição completa e contínua do teor das declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento - apenas confirma que a testemunha inquirida revelou seriedade e não comprometimento, bem como um conhecimento directo dos factos sobre os quais foi chamada a depor - e relativamente aos quais as Recorrentes tiveram oportunidade suficiente para pedir todos os esclarecimentos que entendeu convenientes e/ou necessários;
4. Salvo melhor opinião, a matéria relativa ao regime de turnos rotativos nos quais o Recorrido prestou trabalho para as Recorrentes ao longo da relação de trabalho configura matéria relativa a factos pessoais ou de conhecimento pessoal que as Recorrentes não podem deixar de conhecer, razão pelo qual deve improceder o alegado a este concreto respeito;
5. Depois, ao longo das suas Alegações as Recorrentes mais não fazem do que apresentar a sua directa - mas infundada - discordância quanto à apreciação e decisão da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal a quo, mas sem nada adiantar de concreto quanto às razões da mesma discordância, refugiando-se em argumentos de ordem geral, por vezes descontextualizados, em puro desrespeito ao Princípio da livre apreciação da prova;
6. Por outro lado, as Recorrentes não especificam a propósito de cada um dos concretos factos por si postos em crise em que medida se impunha uma resposta diferente da que foi dada pelo Tribunal a quo e, como tal, não deram integral cumprimento ao “especial ónus de alegação” que resulta do disposto no art. do 599.º do CPC, razão pela qual deve improceder o Recurso nesta parte;
Mas ainda que assim não se entenda,
7. Contrariamente ao alegado, o Contrato de Prestação de Serviços apenas estipula o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados ao seu abrigo, sendo que, in casu, tais condições remuneratórias foram definidas da seguinte forma: um mínimo de $100,00 patacas diárias, acrescida de $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação, (...) de bonificações ou remunerações adicionais (...) de um subsídio mensal de efectividade;
8. De onde, o facto de as Recorrentes terem pago ao Autor, a título de salário diário, uma quantia que se mostra superior ao mínimo diário constante do Contrato de Prestação de Serviços, em caso algum faz com que as mesmas deixem de estar obrigada a pagar as demais quantias (remuneratórias ou não) que igualmente se obrigou a pagar ao ora Recorrido (e aos demais trabalhadores não residentes), vista a diferente natureza e os concretos fins a que cada uma das prestações se destina e que em caso algum se confundem;
Depois,
9. Em momento nenhum anterior nos presentes autos as Recorrentes terão impugnado ou sequer feito prova contrária dos dias de trabalho (ou de não trabalho) que o Autor alegou ter prestado, razão pela qual é estranho que o venham fazer em sede de Alegações de Recurso;
10. Ora, salvo melhor entendimento, a alegação de que a atribuição do subsídio de alimentação constante do Contrato de Prestação de Serviços só é devido quando o trabalhador presta serviço efectivo configura matéria de excepção que há muito deveria ter sido alegada pelas Recorrentes, maxime em sede de Contestação, pelo que não o pode vir fazer agora, porque precludido se mostra o seu direito de impugnação...;
Sem prescindir,
11. Em relação à atribuição ao Recorrido do subsídio de efectividade, apenas se elucida a Recorrente a respeito da interpretação que tem vindo a ser pacificamente seguida pelo Tribunal de Segunda Instância, ao decidir que: “as faltas justificadas não são consideradas como fundamento de exclusão do subsídio em apreço” (Cfr. o Ac. do TSI, Processo n.º 308/2014, de 24/06/2014);
12. De onde se retira que, mesmo que se entenda resultar da matéria de facto assente e provada que o Autor “deu faltas ao serviço e que pediu dias de dispensa com autorização da Ré” - conforme vem referido pela Recorrente e que que tão-só e apenas por completude de raciocínio e dever se bom patrocínio se avança e admite - ainda assim se justifica a condenação da Recorrente na quantia reclamada pelo Recorrido a título de subsídio de efectividade, razão pela qual também por aqui a douta Sentença se deve manter e improceder o Recurso apresentado;
13. A respeito do trabalho prestado em dia de descanso semanal, a 1.ª Recorrente limita-se a manifestar a sua discordância de ordem geral e sem que avance um único elemento documental ou testemunhal que se mostre capaz de abalar a convicção do Tribunal a quo, descurando que na contabilização dos montantes devidos ao Autor, ora Recorrido, o Tribunal a quo não deixou de proceder ao “desconto” 3 dias resultantes do período de 24 dias de férias por ano que o mesmo gozou no Nepal - razão pela qual deve também aqui improceder o alegado pela 1.ª Recorrente;
Por último,
14. Constituirá certamente uma discussão interessante a de saber se à luz da Nova Lei das Relações de Trabalho - na qual as “gorjetas” foram enquadradas no conceito de “remuneração variável” - se tendo as mesmas (gorjetas) sido contratualmente fixadas serão ou não devidas por ainda assim constituírem uma “verdadeira obrigação para a entidade patronal”;
15. Porém, porquanto se trata de uma pertinência que ultrapassa certamente o âmbito da concreta legislação a aplicar nos presentes autos, a sua discussão terá de ficar a aguardar para outra e quiçá melhor oportunidade...
Termos em que devem ser aceites as presentes Alegações de Reposta e julgado improcedente o Recurso apresentado pelas Recorrentes, assim se fazendo a costumada Justiça!”.
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
1) Desde 1 de Agosto de 1998, o Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente (Cfr. doc. l). (A)
2) Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade nos locais (postos de trabalho) indicados pelas Rés. (B)
3) Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade sob as ordens e as instruções das Rés. (C)
4) Durante o período que prestou trabalho, a 1.ª Ré (B) pagou ao Autor a quantia de HKD$7.500,00 a título de salário de base mensal (Cfr. doc. 1). (D)
5) O Autor foi recrutado pela D, Lda. - e exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 4/98, aprovado pelo Despacho N.º 01124/IMO/SEF/2000, de 26/06/2000 (Cfr. doc. 2 e 3). (1.º)
6) Por força do Despacho N.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da 1.ª Ré (B) para a 2.ª Ré (C), com efeitos a partir de 21/07/2003 (Cfr. Doc. 4). (2.º)
7) Entre 22/07/2003 a 24/01/2005, o Autor esteve ao serviço da 2.ª Ré (C), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (3.º)
8) Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pelas Rés. (4.º)
9) Durante o período que prestou trabalho, a 2.ª Ré (C) pagou ao Autor a quantia de HKD$7.500,00, a título de salário de base mensal. (5.º)
10) Resulta do ponto 3.3. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 4/98, que “ (...) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.º outorgante (leia-se, as Rés) paga aos operários residentes no Território”. (6.º)
11) Entre 01/08/1998 a 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) sempre pagou aos trabalhadores residentes do Território, de forma regular e contínua, diversas bonificações e/ou remunerações adicionais, incluindo-se as gorjetas que eram recebidas dos clientes das salas de Jogo e que eram distribuídas pelos mesmos trabalhadores (residentes) após serem reunidas e contabilizadas pela 1.ª Ré (B). (7.º)
12) Entre 01/08/1998 a 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas. (8.º)
13) Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços N.º 4/98, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “ (...) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (9.º)
14) Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés. (10.º)
15) Entre 01/08/1998 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (11.º)
16) Entre 22/07/2003 e 24/01/2005, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (12.º)
17) Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços n. º 4/98, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “ (...) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (13.º)
18) Entre 01/08/1998 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros. (14.º)
19) Entre 22/07/2003 e 24/01/2005, a 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (15.º)
20) Entre 01/08/1998 e 31/12/2002, a 1.ª Ré (B) nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (16.º)
21) A 1.ª Ré nunca concedeu ao Autor um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (17.º)
22) A 1.ª Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (18.º)
23) A 1.ª Ré (B) nunca conferiu ao Autor um qualquer outro dia de descanso compensatório. (19.º)
24) Entre 01/08/1998 e 21/07/2003 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios para a 1.ª Ré. (20.º)
25) A 1.ª Ré (B) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se, um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (21.º)
26) Entre 22/07/2003 e 24/01/2005 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios para a 2.ª Ré. (22.º)
27) A 2.ª Ré (C) nunca pagou ao Autor qualquer quantia adicional (leia-se, qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (23.º)
28) Durante o período em que o Autor prestou trabalho, as Rés procederam a uma dedução no valor de HKD750,00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (24.º)
29) Durante todo o período da relação de trabalho com as Rés, o Autor prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos. (25.º)
30) Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1.ª Ré (B) num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia: (26.º)
Turno A: (das 08h às 16h)
Turno B: (das 16h às 00h)
Turno C: (das 00h às 08h)

31) As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (27.º)
32) Por ordem das Rés, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (28.º)
33) O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos. (29.º)
34) Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau.
***
III – O Direito
A – Do recurso interlocutório interposto pelas rés
Está em causa o despacho de fls. 247, que deferiu o requerimento de correcção da petição em relação à moeda a ter em consideração na indicação de alguns dos montantes peticionados.
O referido despacho, na parte que ora interessa, tem o seguinte teor:
“(…)
Cumpre apreciar.
Tendo em consideração que, efectivamente, consta dos autos ter sido a remuneração mensal do Autor calculada em Hong Kong dólares, admite-se a correcção requerida pelo autor dos pedidos formulados na sua petição inicial com a conversão cambial dos valores monetários reclamados, tal como é requerido, o que se faz em coerência com os documentos juntos aos autos e também por força do princípio da economia processual (pois se assim se não fizesse previsivelmente teríamos o Juízo Laboral inundado de outras tantas acções, somente por força deste lapso, que assim se admite seja reparado).”
As rés, porém, não reconhecem bondade jurídica a este despacho. E isto porquê? Porque acham que o requerimento de correcção e bem assim o dito despacho aparecem nos autos já depois de ter sido fixada a matéria de facto assente e elaborada a Base Instrutória e já depois de ter sido designada a data da audiência de discussão e julgamento.
Na opinião das rés, os fundamentos utilizados no despacho sob censura são contrários à lei e à justiça. Com efeito, para si, o caso não ilustra uma situação de erro de escrita ou de cálculo, que integre a previsão do art. 244.º do CC. Por outro lado, a correcção em causa não é mais do que uma alteração do pedido, o que só podia ser admitido na réplica, nos termos do art. 217.º do CPC. E, por fim, este pedido não pode ser considerado uma ampliação do pedido inicial – desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo - que pudesse ser apresentada até ao encerramento da discussão da 1ª instância (art. 217.º, nº 2, 2ª parte, do CPC).
Vejamos.
O art. 217.º do CPC reza assim:
Artigo 217.º
(Modificação do pedido e da causa de pedir na falta de acordo)
1. Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor.
2. O pedido pode também ser alterado ou ampliado na réplica; pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em primeira instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
3. Se a modificação do pedido for feita na audiência de discussão e julgamento, fica a constar da acta respectiva.
4. O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 333.º do Código Civil, pode ser deduzido nos termos da segunda parte do n.º 2.
5. Nas acções de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em primeira instância, a condenação do réu nos termos do artigo 561.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.
6. É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
Verdade é que nos processos de trabalho não existe o articulado com o nome de réplica, mas sim um outro a que se chama “resposta”(artº 33º do CPT), mas que apresenta a mesma função processual da réplica.
Assim, a alusão no art.º 217.º do CPC à replica nos processos de trabalho deve ser interpretada como feita entendida à resposta aludida.
Decorre, de resto, do preceito que a alteração ou modificação do pedido estão sujeitas ao marco temporal e fase processual definidos no art. 217.º, nº 2 transcrito. A réplica é, assim, simultaneamente, o lugar e o tempo certos para a alteração e modificação do pedido. Fora disso, só em duas situações a lei abre excepções:
- A redução é sempre possível até ao encerramento da discussão em primeira instância;
- A ampliação é também possível até ao encerramento da discussão em primeira instância desde que a ampliação seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Ora bem. No caso em apreço, na nossa modesta opinião, não estamos perante uma alteração do modificação do pedido no seu sentido estrito ou puro. O pedido, tomado este como a pretensão nuclear que está no centro motor do direito suscitado e alegadamente ofendido pelos RR, é rigorosamente o mesmo antes e depois da peça de fls. 240. Nada se alterou ou ampliou do ponto de vista substantivo. Nada se modificou ao direito reclamado, nem qualitativa, nem quantitativamente, enquanto manifestação de uma vontade transformadora. O direito suplicado é o mesmo; o que houve, simplesmente, foi uma correcção, uma rectificação da moeda indicada, assente em lapso ou erro de escrita evidente.
Se, em erro, se faz uma referência a uma moeda (v.g., patacas), quando se pretendia dizer outra (v.g., HK dólares), a sua rectificação, quando detectada, não está sujeita à proibição constante do art. 217.º, nº1, do CPC, nem condicionada às exigências do nº 2 do preceito.
Não se pensar assim equivale a pedir ao tribunal que deixe triunfar a “forma” sobre o “conteúdo”, o “adjectivo” sobre o “substantivo” e isso seria atentatório do princípio da tutela judicial efectiva, já para não falar do princípio da economia e celeridade processual que sairia violado se, para corrigir este lapso, o autor tivesse que apresentar uma outra petição em novo processo autónomo, impedindo o juiz do processo em curso de dirigir o processo da forma mais conveniente e adequada à realização da justiça e de recusar formalismos dilatórios (art. 6º, nº 1, do CPC).
Nada mais é necessário acrescentar, a não ser que as recorrentes em nada saíram prejudicadas no seu direito de defesa com o dito despacho, assim como se impõe concluir que também o princípio da cooperação (art. 8.º, do CPC) sairia defraudado sem a possibilidade de rectificação que o tribunal “a quo” reconheceu e nós, sem mais delongas, confirmamos.
Improcede, pois, o recurso.
*
B – Do recurso da sentença interposto pelo autor
1 – Do trabalho prestado em dias de descanso semanal
Insurge-se o recorrente contra a fórmula de cálculo que o tribunal “a quo” utilizou para a compensação devida pelo serviço prestado pelo autor nos dias que deveriam ser de descanso semanal. O tribunal apenas conferiu ao autor um valor de salário em singelo, quando na opinião deste deveriam ser dois.
Tem razão o recorrente.
Sobre este assunto, tem este TSI vindo a decidir de forma insistente (v.g., ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 29/01/2015, Proc. nº 713/2014; 4/02/2015, Proc. nº 956/2015; de 8/06/2016, Proc. nº 301/2016; de 6/07/2017, Proc. nº 405/2017) que a fórmula utilizada pelo TJB não é mais correcta.
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº 6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Portanto, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Como remunerar, então, este dia de trabalho prestado em dia que seria de descanso semanal?
Ora bem. Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o valor devido (pagou o dia de descanso que sempre teria que ser pago), falta pagar o trabalho prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de “descanso compensatório” a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será sempre AxBx2.
Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira. Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre auferiria o correspondente valor (a entidade patronal não lho poderia descontar, visto que o salário é mensal), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia, apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de uma dia normal de trabalho?!
Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem prejuízo, como é bom de ver, do valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente a cada um desses dias de descanso e que já recebeu.
Significa isto, assim, que a 1ª instância não poderia ter descontado o valor em singelo já recebido pelo recorrente.
Mas, por outro lado, não temos a certeza de que este seja o valor correcto, tendo em atenção de que ele não terá em conta os dias de falta ao serviço, conforme facto provado nº 14 (art. 10º da BI).
Assim, e sem deixar de considerar a fórmula de cálculo acima definida, será caso para apuramento em sede própria quanto ao quantum compensatório, face à anulação parcial da sentença com vista à ampliação da matéria de facto e repetição de julgamento nessa parte (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
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2 – Do trabalho em dias de feriado obrigatório
A sentença, neste passo, considerou que o autor tinha direito a receber por cada dia de feriado obrigatório não gozado um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro, a que haveria que deduzir-se o montante em singelo já pago por cada dia de serviço efectivamente prestado.
Simplesmente, por não se ter apurado quais os dias de feriado obrigatório em que prestou trabalho, relegou a sua liquidação para execução de sentença.
O autor, ora recorrente, não se insurge contra a circunstância de ter sido relegada a liquidação do valor indemnizatório a este título para execução de sentença, mas sim, e apenas, contra a parte em que o tribunal decidiu que a prestação do trabalho deveria ser compensada apenas com mais um salário diário por cada dia de feriado não gozado.
Repare-se no que foi dito, por exemplo, no acórdão proferido no Proc. deste TSI nº 824/2012, em 15/12/2012:
“Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer “não inferior”? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3 ”.
Como se vê, a fórmula obriga a ter em consideração 3 dias de remuneração.
Dito de outra maneira, terá que ser pago o dia de trabalho efectivamente prestado (singelo) acrescido do dobro do valor salarial diário.
Procede, pois, o recurso nesta parte.
Simplesmente, o quantum compensatório a este título deverá ser apurado nos termos que mais abaixo se dirão, face à anulação parcial da sentença para apuramento da pertinente matéria de facto (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
*
3 – Da presença ao serviço 30 minutos antes de cada turno laboral
O que se discute aqui é se a presença obrigatória dos trabalhadores no local de trabalho 30 minutos antes do início de cada turno laboral deve ser levada à conta de uma prestação efectiva de serviço.
O recorrente acha que sim; a sentença disse que não, com fundamento no disposto no art. 10.º, nº 4, do DL nº 24/89/M.
Certo é que, de acordo com o disposto nas respostas aos arts. 32.º e 33.º da BI, o autor estava obrigado a estar presente no seu local de trabalho devidamente uniformizado com a referida antecedência de 30 minutos.
Significa isto que o autor não era livre de comparecer, ou não, durante esse período que antecedia o início de cada turno de trabalho. Estava obrigado a fazê-lo porque assim lho era imposto pela entidade patronal e com carácter de regularidade.
Ora, tal não é o espírito da lei. O preceito citado apenas trata da possibilidade de o trabalhador poder ter que ultrapassar em 30 minutos (no conjunto) o tempo de trabalho fixado no nº1, desde que esse período de 30 minutos seja “necessário à preparação para o início do trabalho” (o que pressupõe que seja prévio ao início de cada turno), ou se mostre “necessário…à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados” (o que significa que é um tempo posterior ao termo de cada turno).
Ora, como nos parece ser bom de ver, a intenção do legislador será não fazer recair sobre a entidade patronal o período de tempo que antecede o início de cada turno na preparação da jornada de trabalho (v.g., o tempo que dura a substituir a roupa da viagem pela que seja mais próxima ao exercício laboral), bem assim como o tempo que dura a concluir um serviço começado e não acabado (v.g., concluir as contas ou, como também se diz, “fechar a caixa”), assim se evitando abusos do trabalhador com artimanhas e estratégias de serviço vagaroso que visem prolongar o horário da prestação de trabalho.
Só que estas são sempre situações que, por natureza não têm carácter regular. Cremos, antes, que sejam excepcionais, que se verificarão apenas quando necessárias, logo, esporádicas e ocasionais.
Porém, este trabalhador estava obrigado a comparecer ao local de trabalho 30 minutos antes todos os dias. Portanto, aquilo que era uma situação excepcional foi convertida em situação de normalidade por iniciativa da entidade patronal B.
Sendo assim, este período deve ser contado para o cômputo da compensação pela prestação de trabalho em horas extraordinárias, uma vez que o autor devia apresentar-se nas instalações da empresa durante esse período devidamente uniformizado, estando por isso ao serviço desta.
Procede, por conseguinte, o recurso nesta parte (no mesmo sentido, ver Ac. do TSI, de 27/04/2017, Proc. nº 167/2017).
Porém, foi provado que durante a relação laboral o autor deu várias faltas ao serviço (facto 14).
Assim, não se sabendo ao certo quantos dias o autor/recorrente se apresentou ao serviço com a referida antecedência, o quantum compensatório a este título deverá ser apurado nos termos que mais abaixo se dirão, face à anulação parcial da sentença para apuramento da pertinente matéria de facto (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
*
C - Do recurso da sentença interposto pelas rés da acção
1 – Do erro no julgamento da matéria de facto
Vislumbram as recorrentes um alegado erro na apreciação da matéria de facto, concretamente nas respostas aos arts. 7º, 8º, 10º a 12º, 14º a 23º e 25º a 27º da Base Instrutória.
Não têm razão, salvo o devido respeito. É que no recurso ora interposto o leitmotiv da fundamentação utilizada reside no facto de o tribunal apenas ter assentado as respostas à factualidade controvertida no depoimento da única testemunha do autor, que as recorrentes tomam como simplesmente genérico e parcial, uma vez que também ela fora autora numa outra acção dirigida contra as rés pelas mesmas razões de índole laboral.
Não podemos concordar. A testemunha sempre foi categórica sobre cada facto a que depôs, dizendo – e convencendo – que a sua situação sempre foi igual à do aqui autor ou vice-versa. Ou seja, essa testemunha deixou claro que ele e todos os seus colegas de trabalho viveram a mesma situação no que concerne aos diversos direitos laborais aqui alegadamente violados.
Tal testemunha mostrou, portanto, conhecer bem o quadro de facto em todos se moviam e em que forneciam a sua prestação de trabalho às rés (utilizou frequentemente o pronome pessoal “nos”, aludindo a si, ao autor e a outro colega devidamente identificado).
Não pode este TSI concluir, em suma, que o tribunal “a quo” fez uma má avaliação da factualidade tida como provada. Se a livre convicção do julgador da 1ª instância dificilmente poderia ser abalada, o elemento de prova testemunhal que as recorrentes sindicam, acaba, em nossa opinião, por confirmar o resultado de tal convicção.
É a posição que este TSI tem tomado uniformemente sobre o assunto em casos similares a este.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
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2 – Do subsídio de alimentação
Acham as recorrentes que pelo facto de terem pago um valor salarial superior ao que resulta dos mínimos estabelecidos no contrato de prestação de serviços nº 4/98 (facto 17 da sentença) não teria que cumprir os valores definidos neste contrato a outros títulos, nomeadamente de subsídio de alimentação e outros.
Sem razão, tal como já foi decidido neste TSI, no Ac. de 25/07/2013, Proc. n.º 322/2013, e aqui reiteramos: “Nada obsta que da relação entre o promitente e o terceiro (agência prestadora de serviços e mão de obra), para além do assumido nesse contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador)”.
Defendem, por outro lado, as recorrentes que o tribunal não podia proceder à sua condenação no pagamento do subsídio de alimentação concernente ao período de 28 de Janeiro de 2001 a 21 de Julho de 2003 e entre 22/07/2003 e 24/01/2005, pela simples razão de que se não sabe quantos dias ele terá faltado ao serviço.
Têm razão, quanto a este aspecto.
Sobre o assunto foi dito no Ac. do TSI, de 14/06/2012, Proc. nº 376/2012:
“Ora, este subsídio tem uma função social radicada numa despesa alimentar efectuada por causa da prestação de trabalho efectiva1. E embora tenha havido por parte da jurisprudência alguma tendência para o considerar prestação retributiva, a verdade é que nem por isso outra a associava, mesmo assim, à noção de trabalho efectivo, tal como, por exemplo, foi asseverado no Ac. da Relação de Lisboa de 29/06/1994, Proc. nº 092324 “ Quer a Jurisprudência, quer a Doutrina têm vindo a entender que o subsídio de alimentação, sendo pago regularmente, integra o conceito de retribuição .... Porém, estando ligada essa componente salarial à prestação de facto do trabalho, só será devida quando o trabalhador presta serviço efectivo à entidade patronal…”.2.
Com o art. 260º do Código do Trabalho Português, o panorama mudou de figura, pois o nº2, do art. 260º deixou claro que esse subsídio não devia ser considerado remuneração, salvo nos casos em que o seu valor excede o montante da despesa alimentar. E assim, terá ficado mais claro que ele só é assumido pelo empregador por causa da prestação efectiva de trabalho. Ele “visa compensar uma despesa diariamente suportada pelos trabalhadores quando realiza a sua actividade”3. Ou “…visa compensar uma despesa na qual o trabalhador incorre diariamente, sempre que vai trabalhar…” (destaque nosso)4.
Em Macau, não está regulada a atribuição destes subsídios, mas não cremos que o sentido da sua natureza que melhor se adequa à geografia local é aquele que atrás descrevemos. Por conseguinte, por não estar regulada na lei (DL nº 24/89/M), nem no referido contrato de prestação de serviços nº 45/94 (fls. 137 e sgs. dos autos), deveremos considerá-lo como compensação pela prestação de serviço efectivo.
Logo, da mesma maneira que deverá descontar-se o subsídio nos períodos de férias ou naqueles em que a pessoa está de licença de maternidade, também ele deve ser subtraído quando o trabalhador não prestou serviço por outra qualquer razão5.”
A ré/recorrente manifesta-se contra a sentença, por considerar que o autor, conforme a matéria de facto provada, chegou a faltar alguns dias ao serviço, mesmo com justificação ou autorização.
Mas, o acórdão deste TSI de 29/05/2014 (Proc. nº 627/2013) deu a resposta para esta questão:
«Contrariamente ao sustentado, não será de afirmar que se retira necessariamente do facto de o autor não faltar sem ser autorizado o facto implícito de ter faltado…. Esse facto pode ser compatibilizado … se dele se retirar que aí se enuncia uma regra que não deixou de ser observada: o trabalhador não podia faltar sem autorização; o trabalhador não faltou sem autorização; se faltasse tinha que ser autorizado. Daqui não se pode concluir que faltou autorizadamente, ou seja, que alguma vez tenha usado essa faculdade». Foi uma solução que seguida foi também no Ac. de 19/06/2014, no Proc. nº 189/2014, e no Ac. de 29/05/2014, Proc. nº 627/2013.
Sucede, contudo, que tal solução não dá resposta segura às situações em que tenha havido gozo efectivo dos dias de descanso anual e de feriados obrigatórios. Por outro lado, estamos em crer que uma leitura mais objectiva da resposta ao art. 7º da BI permite concluir que o trabalhador terá dado algumas faltas ao serviço, ainda que com autorização.
Assim, a melhor solução é aquela que propende para remeter a fixação da indemnização a este título para execução de sentença (assim foi decidido, por exemplo, nos Acs. de Ac. de 13/03/2014, Proc. nº 414/2012, 24/04/2014, Proc. nº 687/2013, 29/05/2014, Proc. nº 168/2014, 24/07/2014, Proc. nº 128/2014)”.
Não seguiremos, neste caso, porém, a tese de relegar a liquidação em execução de sentença, visto que há matéria que deverá ser de novo quesitada, tal como melhor se dirá mais adiante (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
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3 – Do subsídio de efectividade
Por entenderem não se ter provado quantos dias de trabalho efectivo o autor prestou serviço, as recorrentes defendem que não podia o tribunal condená-las no pagamento desta indemnização, a qual, na sua óptica, carece de serviço prestado em cada mês sem qualquer falta, justificada ou não. Se assim, não se entender, defende que se deveria deixar para execução de sentença a liquidação do “quantum” indemnizatório respectivo.
Este TSI tem entendido que a sua atribuição carece de uma prestação de trabalho regular e sem faltas (v.g., Acs. proferidos nos Procs. Nºs 376/2012; 189/2014).
E diz mais este tribunal: “Em relação a este subsídio, vista a sua natureza e fins - já não se manifestam as razões que levam a considerar que a sua atribuição esteja excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho. Se o patrão autoriza uma falta seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade” (Ac. de 25/07/2013, Proc. nº 322/2013).
Assim, “… se o trabalhador falta porque autorizado, por razões de descanso ou de férias, tal não implica que se considere que o trabalhador não foi assíduo e se lhe retire uma componente retributiva que resulta da própria redacção que atribui uma retribuição extra em função do mês anterior e já não de um determinado número de dias de trabalho efectivo.” (cit. ac.).
Ora sendo assim, face à matéria do facto 4) (resposta ao art. 10º da BI), segundo a qual “durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés”, parece ser claro que as eventuais ausências, porque consentidas, não podem relevar negativamente na esfera do trabalhador.
Razão pela qual não pode merecer provimento o recurso nesta parte, ficando desde já, tal como o liquidou a sentença recorrida, as rés a pagar ao autor da acção as quantias de 12.000,00 e 7.200,00, respectivamente pela B e C a título de subsídio de efectividade.
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4 – Do trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriado obrigatório
Vêm as recorrentes manifestar-se também contra a atribuição do valor liquidado a título de trabalho nos dias de descanso semanal e nos feriados obrigatórios.
Em sua opinião, uma vez que ficou provado que o autor teve faltas, ainda que justificadas, não seria possível especificar o número de dias devidos e não gozados por ele, ao contrário do que fez a sentença recorrida.
Tem razão, tal como se decidiu no TSI, de 27/04/2017, Proc. nº 167/2017, cujos termos aqui fazemos nossos.
Sucede, porém, que foi alegada matéria concernente aos dias de trabalho a que o autor terá faltado e que não foi quesitada, e que deverá constituir assim factualidade a que o tribunal “a quo” terá que voltar em sede de repetição de julgamento após a necessária quesitação (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
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5 – Do trabalho extraordinário
As recorrentes reiteram a ideia de que o autor da acção deu faltas ao serviço, além de ter gozado férias anuais. Com base nisso, defendem que não podia o tribunal apurar os dias em que ele teria efectuado serviço extraordinário nos turnos.
Tem razão.
Contudo, e ao contrário do que se tem decidido quanto a esta questão (em que se tem relegado a liquidação do valor indemnizatório a este título para execução de sentença, conforme, v.g., Ac. deste TSI, de 27/04/2017, Proc. nº 167/2017), haverá que ampliar a matéria de facto para o que o processo deverá baixar à 1ª instância, nos termos que mais adiante se dirão.
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6 – Das bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas
Defende a recorrente B que não tinha que pagar ao autor quaisquer bonificações ou gorjetas, primeiro por não ter ficado provado quais foram as bonificações ou remunerações adicionais pagas aos trabalhadores residentes, segundo porque as gorjetas não são pagas por si, mas pelos seus clientes, que para o efeito devem ser tidos como terceiros.
Quanto ao primeiro argumento, ele tem que ver com a matéria do ponto 3.3 do Contrato de Prestação de Serviços nº 4/98, segundo o qual o trabalhador, após 30 dias de prestação de serviço, teria direito, para além da remuneração normal, às bonificações adicionais, incluindo as gorjetas, que a 1ª ré paga aos operários residentes em Macau (facto 10 da matéria provada).
Pois bem. A matéria provada não revela quais sejam as bonificações ou remunerações adicionais, que a 1ª ré tenha pago aos seus trabalhadores residentes.
Ora, este TSI teve já o ensejo de afirmar que este seria um ónus que pertencia ao recorrente, concretizando ou especificando quais os suplementos, bonificações e remunerações adicionais concedidas, em que circunstâncias, quais os seus beneficiários e montantes, etc., não lhe bastando assim formular um pedido genérico (Ac. do TSI, de 29/06/2017, Proc. nº 326/2017).
Assim sendo, não tendo sido cumprido esse ónus, sem que o tribunal “a quo” tivesse procedido ao convite à correcção da petição, perante um tal pedido genérico, cumpre-nos proceder à absolvição da instância da 1ª ré.
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7 – Da falta de fundamentação
Por fim, as recorrentes imputam à sentença a nulidade decorrente da falta de fundamentação em virtude de ter assentado nas incoerentes conclusões levadas à petição inicial pelo autor.
Ora, não cremos que este fundamento – se verdadeiramente ocorresse – pudesse gerar a nulidade da sentença. Quando muito, poderia levar à modificabilidade da decisão de facto (art. 629.º, do CPC) face à impugnação da respectiva factualidade (art. 599.º, do CPC), à anulação da sentença na parte referente à matéria de facto (art. 629.º, nº 4, do CPC), ou então à improcedência da acção em virtude de os factos provados não revelarem convenientemente a causa de pedir.
Improcede, pois, também este segmento do recurso.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 – Negar provimento ao recurso interlocutório interposto pelas rés.
2 – Conceder provimento parcial ao recurso interposto pelas rés e, em consequência:
a) Anular parcialmente a sentença de forma a apurar os concretos dias de trabalho efectivamente prestado e a poder fixar-se a compensação relativa aos subsídios de alimentação, bem como as importâncias devidas a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal, trabalho extraordinário e por turnos e feriados obrigatórios;
b) Revogar o decidido quanto ao pedido relativo a bonificações adicionais, incluindo gorjetas e, consequentemente, absolver a Ré da instância nessa parte;
2.1 – Julgar não provido o recurso na parte restante, em consequência do que se mantém a sentença recorrida, nomeadamente na parte concernente à liquidação a que já procedeu quanto ao subsídio de efectividade e à comparticipação no alojamento.
3 – Conceder provimento ao recurso do autor e, em consequência, revogar a sentença na parte respectiva e condenar a 1ª ré B no pagamento dos períodos de trabalho prestado em dias de descanso semanal, de feriados obrigatórios de acordo com as fórmulas acima referidas, bem como os períodos de 30 dias antes de cada turno laboral, cujo “quantum” concreto, porém, será apurado em conformidade com o que vier a ser decidido após a repetição parcial do julgamento, nos termos acima definidos.
4 – Vão ainda as rés B e C condenadas nos juros de mora nos termos definidos no Ac. do TUI, de 2/03/2011, Proc. n.º 69/2010.
Custas pelas partes em função do decaimento.
TSI, 09 de Novembro de 2017
_________________________
José Cândido de Pinho
_________________________
Tong Hio Fong
(com declaração de voto)
_________________________
Lai Kin Hong



落敗聲明

針對合議庭裁判中關於周假日及強制性假日的補償問題,根據《勞資關係法律制度》(第24/89/M號法令)第17條第6款a項的規定,本人認為在每周休息日提供工作的工作者,雇主須向其支付平常報酬的雙倍,而在計算雙倍的報酬時,應理解為本身日工資加上另一日的補償。除此之外,根據《勞資關係法律制度》第17條第4款的規定,如在每周休息日提供工作,工作者亦有權享受一天補假。通過以下例子可能比較容易理解:假設工作者的每月收入為9000元,如其在某個周假日提供工作,本人認為他有權多收取一天工資即300元及享受一天補假,但倘若雇主不讓他享受補假,則工作者有權在提供工作後多收取兩天工資即600元的補償,即是所謂的“三工”(本身日工資+一天工資+一天補假)。

至於強制性假日的補償方面,根據《勞資關係法律制度》第19條第3款及20條第1款的規定,本人認為如在強制性假日提供工作,除了有權收取本身的日工資外,工作者亦有權收取不少於兩倍平常報酬的補充工資,即是所謂的“三工” (本身日工資+兩天工資補償)。

合議庭大多數意見認為工作者在周假日及強制性假日提供工作,除了本身的日工資外,還有權收取三天的工資補償,換言之,如工作者在上述假日提供工作,變相有權收取“四工”。引用上述例子,假設工作者的每月收入為9000元,如其在周假日或強制性假日提供工作,除了每月的固定月薪外,工作者還有權要求雇主支付900元的補償(日計,300元x3)。

在充分尊重不同見解的情況下,本人認為根據上述所引用的法律規定,工作者在周假日及強制性假日提供工作,僅有權收取“三工”(當中已包含本身的日工資),而並非除了本身原有的工資外,再多收取“三工”,因為後者變相讓工作者收取“四工”。

本人不同意合議庭裁判中對周假日及強制性假日工作所定出的賠償金,因此作出本落敗聲明。


1 Neste ponto, corrige-se a posição anteriormente tomada no proc. nº 781/2011.
2 No sentido de que só deve ser pago nos períodos de prestação efectiva de serviço, ainda Ac. R.P. de 6/05/1995, Proc. nº 9411201; É por isso que ele não deve ser pago nos subsídios de férias e de Natal (Ac. R.E., de 21/09/2004, Proc. nº 1535/04-2).
3 Luis M. Telles de Meneses Leitão, in Direito de Trabalho, Almedina, 2008, pag. 349. No mesmo sentido, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pag. 547 e Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho anotado, Coimbra Editora e Wolters Kluver, pag. 662-663.
4 Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho anotado, 5ª edição, 2007, pag. 498.
5 A não ser nas situações em que a não prestação se fica a dever a causa imputável ao empregador e em que, apesar disso, o trabalhador teve que efectuar a despesa alimentar.
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693/2017 54