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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 07/11/2017 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 953/2017
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado como autor material da prática de 1 crime de “ameaça”, p. e p. pelo art. 147°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão; (cfr., fls. 226 a 233 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio in dubio pro reo”; (cfr., fls.250 a 254).

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Ao recurso respondeu o Ministério Público considerando que o recurso não merecia provimento; (cfr., fls. 256 a 257-v).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.250 a 254 dos autos, o recorrente solicitou a absolvição da acusação, assacando ao douto Acórdão sob sindicância (cfr. fls.226 a 233 dos autos), o erro notório na apreciação de prova e a violação do princípio de in dúbio pro reo.
Antes de mais, sufragamos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na douta Resposta (cfr. fls.256 a 257 dos autos), no sentido do não provimento dos recursos em apreço.
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Em sede de fundamentar a arguição do erro notório na apreciação de prova, o recorrente/arguido arrogando que o 4° facto provado está na notória contradição com o 5° facto provado, visto a venda aludida no 4° facto provado tornar impossível o contacto referido no 5° facto provado.
Repare-se que no que diz respeito ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, Acórdãos do Venerando TUI nos Processos n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014):
O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
No caso sub judice, acontece que no 4° facto provado, o Tribunal a quo referiu, com toda a precisão, que o arguido vendeu, em 27/5/2012, o telemóvel de cor branco que tinha sido propriedade do indivíduo de nome B, apropriando por si ilegitimamente o preço na valor de $4,100.00 patacas; e no 5° facto provado se lê a menção específica de que em 13/5/2012 o arguido contactou o ofendido C com o número de telemóvel de 6XXXXX19 que pertencera ao indivíduo de nome B.
Em esteira da prudente jurisprudência supra citada, temos por certo que não existe in casu, sem margem para dúvida, o invocado erro notório na apreciação de prova, bastando-nos acompanhar a sensata observação da ilustre colega que esclarece: «2. 從判決書第2條及第4條獲證明之事實可見,嫌犯 (即現時上訴人) 以借口取去B一部白色手提電話及電話卡,該卡對應的電話號碼是6XXXXX19,隨後,嫌犯將該手提電話出售。在這裡只提及出售手提電話,而沒有提及電話咔,而電話咔一般也不包括在出售之列。»
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 267 a 268).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 227-v a 229, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “ameaça”, p. e p. pelo art. 147°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão.

É de opinião que incorreu o Tribunal a quo no vício de “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio in dubio pro reo”.

Vejamos.

Como temos repetidamente afirmado, “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 23.03.2017, Proc. n.° 115/2017, de 08.06.2017, Proc. n.° 286/2017 e de 14.09.2017, Proc. n.° 729/2017).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.03.2017, Proc. n.° 114/2017, de 15.06.2017, Proc. n.° 249/2017 e de 21.09.2017, Proc. n.° 837/2017).

Também, sobre este tema, pronunciou-se, recentemente, a Relação de Coimbra, em termos que merecem a nossa concordância e que vale a pena aqui referir.

Com efeito, importa ter em conta que “Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum”; (cfr., o Ac. de 13.09.2017, Proc. n.° 390/14).

E, dito isto, à vista está a solução.

Com efeito, basta uma mera leitura à fundamentação pelo Tribunal a quo exposta, (cfr., fls. 229 a 229-v), onde de forma clara e lógica expõe o “porque” da sua convicção, em total consonância com a “naturalidade das coisas”, não se vislumbrando nenhum – o mais pequeno – desrespeito a qualquer norma sobre o valor das provas legais ou tarifadas, regras de experiência ou legis artis, constatando-se que mais não faz o recorrente que opor-se, simplesmente, e sem fundamento, ao decidido, afrontando o princípio da livre apreciação da prova, o que, manifestamente, não colhe, evidente sendo a carência de razão do recorrente no ponto em questão.

–– Igual solução merece a suscitada violação do “princípio in dubio pro reo”, em relação ao qual temos considerado que “mesmo se identifica com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dubio pro reo”, decidir pela sua absolvição”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.05.2017, Proc. n.° 344/2017, de 15.06.2017, Proc. n.° 462/2017 e de 13.07.2017, Proc. n.° 592/2017).

Segundo o princípio “in dubio pro reo”, «a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido»; (cfr., Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, pág. 215).

Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito – tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo – quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda, segundo uma terminologia mais actualizada, tipos justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.

Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”; (cfr., Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano”, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, Vol. VIII, págs. 611-615).

Por isso, para a sua violação exige-se a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido; (neste sentido, cfr. v.g., o Ac. do S.T.J. de 29.04.2003, Proc. n.° 3566/03, in “www.dgsi.pt”).

Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias; (neste sentido, cfr., v.g. o Ac. da Rel. de Guimarães de 09.05.2005, Proc. n.° 475/05, in “www.dgsi.pt”), sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador – e não no do recorrente – alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”.

E, sendo de se manter tudo o que se deixou consignado sobre o sentido e alcance do referido princípio in dubio pro reo, visto está que se terá de rejeitar o presente recurso.

De facto, e como de uma mera leitura ao Acórdão recorrido se vê, em momento algum teve o Colectivo qualquer dúvida (ou hesitação), tendo, mesmo assim, decidido em prejuízo do arguido ora recorrente.

Dest’arte, e mais não se mostrando de dizer, imperativa é a decisão que segue.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 07 de Novembro de 2017


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