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Proc. nº 925/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 23 de Novembro de 2017
Descritores:
- Suspensão de eficácia
- Multa administrativa
- Requisitos cumulativos
- Prejuízo de difícil reparação
- Efeito suspensivo do recurso

SUMÁRIO:

I - Fora das situações previstas no art. 121º, nº2 a 5 e 129º, nº1, do C.P.A.C., os requisitos das alíneas a), b) e c), do nº1 do art. 121º são cumulativos. De tal modo é assim que basta a não ocorrência de um deles para a providência já não poder ser decretada.

II - A demonstração do requisito da alínea a), do nº1, do art. 121º, do C.P.A.C. não se contenta com uma mera alegação vaga e imprecisa dos prejuízos para a esfera do interessado. É preciso que o requerente revele minimamente que a sua esfera material e patrimonial seja fortemente afectada com a execução do acto.

III - Estando em causa uma decisão administrativa que impõe o pagamento de quantia certa sem natureza disciplinar, o recurso contencioso pode ter efeito suspensivo (sem dependência, portanto, da instauração da providência) desde que o recorrente preste caução por uma qualquer das formas previstas na lei (art. 22º, do C.P.A.C.).

Proc. nº 925/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
“A LIMITADA”, sociedade com sede em Macau na XXXXXXXXXXXXX, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o número XXXXX (SO), requereu no TA (Proc. nº 147/17-SE) a -----
suspensão de eficácia ---
Da decisão do DIRECTOR DA DIRECÇÃO PARA OS ASSUNTOS DO TRÁFEGO, constante do despacho exarado na Proposta n.º 4100/DGT/F.C/2017 e notificado através do ofício n.º 1714902/5331/DGT/F.C/2017,
Que lhe aplicou a multa de MOP$ 25.000,00 por alegadamente operar a indústria de transporte de passageiros em automóveis ligeiros de aluguer, ou táxi, em violação da Portaria nº 366/99/M.
Alegou para tanto a existência de prejuízos em decorrência da multa, a não ocorrência de prejuízos para o interesse público caso venha a ser decretada a suspensão requerida e a inexistência de indícios de ilegalidade na interposição do recurso.
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Foi proferida sentença que indeferiu a providência.
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É contra essa sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações produziu as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto da decisão do douto Tribunal a quo, o qual indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo praticado pelo Senhor Director da Direcção dos Serviços para os Assuntos do Tráfego, o qual condenou a ora Recorrente numa multa em violação da Portaria n.º 366/99/M.
2. Argumenta o Tribunal a quo que a Recorrente não logrou demonstrar nos autos que a execução do acto administrativo lhe causaria prejuízo de difícil reparação conforme exigido pelo disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
3. Contudo, o acto administrativo in casu é susceptível de causar à Recorrente prejuízos, pois, a execução do acto que se materializa no pagamento da multa de que a ora Recorrente vem condenada, terá impacto na actividade e neg6cio prosseguido pela mesma.
4. Desde o início de Setembro de 2016 e até à presente data, a Requerente tem sido objecto de centenas de vários procedimentos administrativos instaurados pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego.
5. Até à presente data contabilizam-se que foram instaurados contra a ora Recorrente cerca de 937 procedimentos administrativos pela prática da alegada infracção ao artigo 1.º, n.º 1 da Portaria n.º 366/99/M.
6. Cada procedimento administrativo instaurado contra a Recorrente implica a condenação numa pena de multa de MOP$25.000,00.
7. Ao ser condenada 937 vezes para pagamento de uma multa equivalente a MOP$25.000,00 (vinte e cinco mil patacas), significada um desmesurável prejuízo para a Recorrente.
8. Tais prejuízos irão determinar a cessação do exercício da actividade da Recorrente.
9. O Tribunal de Última Instância entende que “(...) tem sido considerado que são de difícil reparação os prejuízos decorrentes de actos que determinem a cessação do exercício da indústria, comércio ou actividades profissionais liberais.”
10. Tais prejuízos são suficientemente prováveis para que se possa considerar compreensível e justificada a suspensão de eficácia que se requer, estando assim preenchida a alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
11. De qualquer modo sempre se diga que a Requerente requereu à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, em obediência ao princípio da economia processual, que fosse ordenada a conexão das centenas de processos de que a Requerente é parte, pelo que como se trata de uma questão cuja apreciação ainda está a decorrer e que da mesma pode resultar a inutilidade do acto submetido a apreciação judicial, deve o presente recurso ser procedente e ordenada a suspensão de eficácia do acto administrativo em crise.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, requer-se desde já que seja declarado o presente recurso procedente e revogada a decisão a quo, devendo ser substituída por outra que ordene a suspensão de eficácia do acto administrativo do Senhor Director da Direcção dos Serviços para os Assuntos do Tráfego constante do despacho exarado na Proposta n.º 4100/DGT/F.C/2017 e notificado através do ofício n.º 1714902/5331/DGT /F.C/2017.”
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Não houve resposta ao recurso.
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O Digno Magistrado do MP emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade:
- “No dia 18 de Julho de 2017, a DSAT proferiu despacho na proposta nº 4100/DGT/F,C/2017, como a requerente exerceu ilegalmente a actividade de transporte de passageiros em automóveis ligeiros de aluguer sem obter a respectiva autorização, nos termos do art. 1º nº1, art. 14º, nº1, alínea a) e art. 19º do Regulamento de Táxis, em conjugação com o art. 30ºm nº1 do Regulamento Administrativo nº 3/2008 (Organização e Funcionamento da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego) decidiu aplicar à requerente uma multa no valor de MOP$ 25.000,00”.
- “Por carta nº 1714902/5331/DGT/F.C/2017 de 21 de Julho de 2017 da DSAT, foi notificado o mandatário judicial da decisão referida e de que deve pagar voluntariamente a multa dentro de 30 dias contados da recepção da notificação e pode recorrer para o Tribunal Administrativo dentro do prazo legal previsto no art. 25º do Código de Processo Administrativo Contencioso (vide a fls. 7)”.
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III – O Direito
1 – A “A” pedira a suspensão de eficácia do acto que lhe aplicou uma multa no valor de vinte e cinco mil patacas, ao abrigo do art. 14º, nº1, al. a), do Regulamento de Transporte de Passageiros em Automóveis Ligeiros de Aluguer ou Táxis, pelo facto de estar a operar o serviço de transporte de passageiros em veículos ligeiros sem a prévia e necessária autorização e licença.
Para o efeito, e tendo em atenção os requisitos previstos no art. 121º, nº1, do CPAC, dizia que este acto “terá impacto na actividade e negócio prosseguido pela mesma”, que da suspensão não advirá qualquer lesão grave do interesse público e que se não revela a existência de indícios de que o recurso contencioso é ilegal.
A sentença, porém, considerou que o primeiro requisito não se achava verificado, face à forma vaga e não concreta de demonstrar o prejuízo de difícil reparação a que alude o art. 121º, nº1, al. a), do CPAC.
Por assim ter entendido, e por achar que os requisitos de procedibilidade da providência são cumulativos, indeferiu o pedido.
No recurso, a recorrente entende que o requisito estudado na 1ª instância está provado, até pelo facto de esta não ser uma multa isolada, pois lhe foram aplicadas 937 vezes sanções de igual montante e fundadas nas mesmas razões.
Decidindo.
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2 – Este acto suspendendo, na medida em que interfere com a esfera jurídica da requerente, alterando o seu status quo ante tem uma natureza constitutiva e positiva. Nessa medida é suspensível (art. 120º, al. a), do CPAC).
Contudo, e como se sabe, fora das situações previstas no art. 121º, nº2 a 5 e 129º, nº1, do CPAC, os requisitos das alíneas a), b) e c), do nº1 do art. 121º são cumulativos. De tal modo é assim que basta a não verificação de um deles para a providência já não poder ser decretada.
Foi este o raciocínio subjacente na sentença impugnada, ao não dar por ocorrido o requisito dos prejuízos para a requerente decorrente da execução do acto.
Ora, como tem sido uniformemente dito, a demonstração do requisito da alínea a), do nº1, do art. 121º, do CPAC não se contenta com uma mera alegação vaga e imprecisa dos prejuízos para a esfera do interessado. É preciso que o requerente revele minimamente que a sua esfera material e patrimonial seja fortemente afectada com a execução do acto (v.g., Ac. do TUI, de 4/03/2016, Proc. nº 7/2016). Por isso é que se exige que esta execução provoque “previsivelmente” um “prejuízo de difícil reparação”.
Portanto, a requerente deveria ter invocado factos com suficiência bastante, perdoe-se o pleonasmo, que levassem o tribunal a crer que muito provavelmente os prejuízos dificilmente seriam reparáveis.
Contudo, o que a requerente fez na petição inicial foi simplesmente afirmar genericamente que a multa lhe iria provocar impacto na actividade e negócio que desenvolve. É pouco, muito pouco, deve reconhecer-se. Trata-se de uma afirmação sem conteúdo, sem especificação, sem concretização factual, meramente conclusiva. E isto não serve os propósitos do ónus que sobre o requerente recai na demonstração do requisito.
Além disso, não esqueçamos que se trata de uma multa de valor reduzido, o que nos leva a pensar que por si só não é capaz de provocar o tal prejuízo de difícil reparação.
Claro que uma coisa é a multa aqui suspendenda, outra coisa é a soma de 937 multas de igual valor. Aí, sim, o valor total é bem susceptível de representar um penoso sacrifício ou gravame para a interessada.
Contudo, em primeiro lugar temos que recordar que o que conta para cada providência é o acto isolado, é a decisão administrativa que esteja a ser objecto de suspensão de eficácia e de impugnação contenciosa. Em segundo lugar, nem mesmo a eventualidade de 937 multas, podendo gerar um sacrifício de MOP$ 23.425.000,00, significa automaticamente a cessação da actividade da recorrente. Não sabemos, efectivamente, qual a capacidade económica dela em suportar um tal montante, a fim de melhor se efectuar um juízo de prognose minimamente sustentável.
E sendo assim, não podemos deixar de concordar com a sentença recorrida.
Lembramos por fim que, estando em causa uma decisão que impõe o pagamento de quantia certa sem natureza disciplinar, o recurso contencioso pode ter efeito suspensivo (sem dependência, portanto, da instauração da providência) desde que o recorrente preste caução por uma qualquer das formas previstas na lei (art. 22º, do C.P.A.C.).
Eis, então, por que não se vê motivo para verter qualquer censura sobre a sentença impugnada, que assim se tem que confirmar.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, conformando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 4 UC.
T.S.I., 23 de Novembro de 2017
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
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Mai Man Ieng


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