打印全文
Processo n.º 954/2017 Data do acórdão: 2017-12-1 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– crime de reentrada ilegal
– julgamento na ausência da arguida
– interrogatório em inquérito
– revogação da suspensão da pena
– prática de novo crime
– art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal
S U M Á R I O
1. No caso dos autos, a recorrente foi julgada em primeira instância na sua ausência, tal como tinha sido consentido por ela própria, pelo que ela já ficou representada para todos os efeitos possíveis pela sua defensora nessa audiência de julgamento (art.º 315.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal).
2. Atentos o facto de ter sido interrogada pelo Ministério Público na fase do inquérito e o acto de prestação do consentimento escrito para a audiência de julgamento poder ser realizada na sua ausência, é de concluir que ela já soube da existência do subjacente processo penal, pelo que ao ter voltado a cometer o crime doloso de reentrada ilegal, mostrou ela que as exigências da prevenção especial já não poderem ser alcancadas, devendo, pois, ser revogada, sob a égide do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão então imposta.
O primeiro juiz-adjunto,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 954/2017
(Autos de recurso penal)
Arguida recorrente: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o despacho revogatório da suspensão, por dois anos e seis meses, da execução da pena única de dezoito meses de prisão imposta no acórdão de 17 de Junho de 2016 do subjacente Processo Comum Colectivo n.º CR4-15-0331-PCC do 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), veio a arguida A, aí já melhor identificada, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação dessa decisão revogatória da pena única suspensa com almejada consequente manutenção da suspensão da pena, tendo alegado, para o efeito, e em síntese, o seguinte: apesar do seu consentimento escrito anteriormente prestado para que a audiência de julgamento pudesse ser realizada na sua ausência, ela não chegou a tomar conhecimento dos termos concretos do dispositivo do acórdão, pelo que não se poderia julgar, em sede do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), que ela tivesse voltado, intencionalmente, a cometer crime durante o período da suspensão da pena (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação de recurso, apresentada a fls. 353 a 355 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 357 a 361) o Ministério Público no sentido de revogação da decisão recorrida.
Subidos os autos, emitiu o Digno Representante do Ministério Público parecer (a fls. 409 a 410v), pugnando também pela procedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, foi apresentado à deliberação do presente Tribunal Colectivo o douto projecto de acórdão minutado pelo M.mo Juiz Relator, o qual acabou por sair vencido na votação.
Cumpre decidir do recurso, nos termos do presente acórdão definitivo, lavrado pelo primeiro dos juízes-adjuntos.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame crítico e global dos autos, fluem os seguintes elementos fácticos e processuais, pertinentes à solução do recurso:
– por acórdão de 17 de Junho de 2016 (de fls. 239 a 249) do subjacente Processo Comum Colectivo n.º CR4-15-0331-PCC do TJB, já transitado em julgado em 7 de Julho de 2016 (cfr. a nota de trânsito lavrada a fl. 255 do mesmo processo ora em causa), a ora recorrente ficou condenada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de furto simples, por seis meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico com a pena de quatro meses de prisão então imposta no Processo Sumário n.o CR3-15-0190-PSM do TJB (por um crime de reentrada ilegal, praticado em 26 de Outubro de 2015) e com a pena de sete meses de prisão então imposta no Processo Comum Singular n.o CR1-15-0570-PCS do TJB (por um crime de uso de documento alheio, cometido em 8 de Junho de 2015), finalmente na pena única de dezoito meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos e seis meses;
– no ora subjacente processo n.o CR4-15-0331-PCC, a audiência de julgamento e a leitura do acórdão foram realizadas na ausência da recorrente (a qual ficou representada pelos seus Ex.mos Defensores Oficiosos de então – cfr. a acta da audiência de fls. 238 a 238a e a acta de leitura do acórdão de fl. 250), à luz do consentimento escrito prestado por ela na fase do inquérito, depois de interrogada pelo Ministério Público;
– ulteriormente, por sentença proferida em 4 de Janeiro de 2017 (com texto disponibilizado a partir de 6 de Janeiro de 2017) do Processo Sumário n.º CR4-17-0002-PSM do TJB, transitada em julgado em 26 de Janeiro de 2017 (cfr. o teor da certidão dessa sentença, junta em 8 de Fevereiro de 2017, a fls. 270 e seguintes dos presentes autos), a recorrente ficou condenada pela autoria material de um crime, consumado em 3 de Janeiro de 2017, de reentrada ilegal, na pena de cinco meses de prisão efectiva;
– em face da condenação penal nesse processo sumário, o M.mo Juiz titular dos subjacentes autos n.º CR4-15-0331-PCC ouviu a própria pessoa da recorrente (cfr. o teor da acta dessa diligência lavrada a fls. 286 e 287), na sequência do que acabou por decidir revogar, à luz do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, a suspensão da execução da pena única de prisão inicialmente aplicada à mesma arguida (cfr. o teor do despacho revogatório da pena suspensa, constante de fls. 286v a 287).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, vê-se que a recorrente sindicou principalmente do mérito da decisão recorrida, revogatória da suspensão da sua pena única de prisão então imposta no subjacente Processo n.o CR4-15-0331-PCC.
No caso dos autos, a recorrente foi julgada nesse subjacente processo penal em primeira instância na sua ausência, tal como tinha sido consentido por escrito por ela própria, pelo que ela já ficou representada para todos os efeitos possíveis pelos seus Ex.mos Defensores na audiência de julgamento e na subsequente leitura do acórdão em primeira instância (art.º 315.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal).
Dos elementos referidos na parte II do presente acórdão de recurso resulta que: ela tinha ficado condenada nos subjacentes autos penais pela prática de dois crimes de furto simples, e aí finalmente condenada numa pena única de dezoito meses de prisão (suspensa na execução por dois anos e seis meses), na sequência do cúmulo jurídico, aí operado, das penas de prisão desses dois crimes de furto, com as penas de prisão então impostas a ela em outros dois processos penais, um por um crime de reentrada ilegal, e outro por um crime de uso de documento alheio; ela voltou a praticar, durante o período de suspensão da execução dessa pena única de prisão, o crime doloso de reentrada ilegal.
Alegou ela que desconheceu os termos concretos do dispositivo do acórdão do subjacente Processo n.o CR4-14-0331-PCC. Mas, este argumento não pode valer, porquanto atentos o facto de ter sido interrogada na fase do inquérito pelo Ministério Público e o acto de prestação, por ela, do consentimento escrito para a audiência de julgamento se poder realizar na sua ausência, é de concluir que ela já soube da existência do subjacente processo penal, pelo que ao ter voltado a cometer um crime doloso de reentrada ilegal, mostrou ela que as exigências da prevenção especial já não poderem ser alcancadas, devendo, pois, ser revogada, sob a égide do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do CP, a suspensão da execução da pena única de prisão então imposta.
Improcede, portanto, o recurso, sem mais indagação por prejudicada ou desnecessária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pela arguida, com duas UC de taxa de justiça e duas mil patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
O presente acórdão é irrecorrível nos termos do art.o 390.o, n.o 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, Primeiro de Dezembro de 2017.
________________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
________________________________
Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
________________________________
José Maria Dias Azedo
(Relator do processo)
(Segue declaração)

Processo nº 954/2017
(Autos de recurso penal)



Declaração de voto

   Vencido que fiquei por não poder acompanhar o douto entendimento dos meus Exmos Colegas, passo a expor o meu ponto de vista.
   
Nos termos do art. 54°, n.° 1 do C.P.M.:

“A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”; (sub. nosso).

No caso, atento o estatuído na al. b), proferiu o Mmo Juiz do T.J.B. a decisão recorrida, revogando a suspensão da execução da pena decretada à arguida dos presentes autos.

No seu recurso, diz a arguida que verificados não estão os pressupostos para a decretada revogação, alegando que foi jugada à sua revelia e que desconhecia que lhe tinha sido aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução.

E, como se viu, no douto Acórdão que antecede entendeu-se (nomeadamente) que:

“No caso dos autos, a recorrente foi julgada em primeira instância na sua ausência, tal como tinha sido consentido por ela própria, pelo que ela já ficou representada para todos os efeitos possíveis pela sua defensora nessa audiência de julgamento (art.° 315.°, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal)”; e que,
“Atentos o facto de ter sido interrogada pelo Ministério Público na fase do inquérito e o acto de prestação do consentimento escrito para a audiência de julgamento poder ser realizada na sua ausência, é de concluir que ela já soube da existência do subjacente processo penal, pelo que ao ter voltado a cometer o crime doloso de reentrada ilegal, mostrou ela que as exigências da prevenção especial já não poderem ser alcancadas, devendo, pois, ser revogada, sob a égide do art.° 54.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão então imposta”.

Ora, sem embargo do muito respeito pelo assim entendido, outra se me apresenta que devesse ser a solução.

Com efeito, é certo que a ora recorrente prestou declarações em sede de Inquérito e que declarou que, na eventualidade de ser deduzida acusação, consentia que o julgamento tivesse lugar na sua ausência.

Porém, a verdade é que é alheia a todo o posteriormente processado, adequado não nos parecendo que (mesmo assim) se ficcione o seu conhecimento em relação à “condenação” proferida nos autos, (notando-se, também, que cotejando-se o processo se constata que nenhum elemento existe que permita concluir que o seu Defensor Oficioso lhe deu efectivo conhecimento do que decidido foi, igualmente adequado não parecendo de se presumir tal comunicação).

Há pois que que ter em conta – e distinguir – que o “conhecimento da pendência de um processo” e o “consentimento” para que se efectuar o julgamento sem a presença do arguido, não se equipara a “conhecimento da decisão de condenação que venha a ser proferida”, (que, em abstracto, até podia ser em pena de “multa”).

E, desta forma, se possível não é considerar-se que a ora recorrente sabia da sua anterior condenação, razoável não é o “juízo negativo” emitido, no sentido de que esta mesma condenação, (em pena suspensa na sua execução), não surtiu efeito, isto é, “que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”, proferindo-se, consequentemente, a decisão ora recorrida.

Não se pode pois olvidar, (aliás, como temos repetidamente afirmado), que “A revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando “ope legis”, pretendendo o legislador “salvar”, até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio””; (cfr., v.g., o Ac. de 09.11.2017, Proc. n.° 979/2017).

E, a ser assim, (sendo uma medida a tomar “in extremis”), adequado não se nos parece que, in casu, (e com a descrita situação), se tenha decido pela revogação da decretada suspensão da execução da pena.

Como – bem – se observa no Parecer do Ministério Público, “crê-se que o juízo negativo sobre o sucesso da suspensão, que é determinante da revogação, não pode prescindir de uma análise, perfunctória que seja, da postura do condenado ante a suspensão decretada e do que esta postura representa em termos de culpa e de permeabilidade à censura do facto e à ameaça da prisão latentes na suspensão da execução da pena de prisão anteriormente decretada.
Daí que (…) o conhecimento pessoal, por parte da recorrente, da condenação em pena de prisão e da suspensão da sua execução, era essencial para se poder concluir que a prática do crime entretanto cometido revelava que as finalidades que haviam presidido à suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.

Macau, aos 01 de Dezembro de 2017
José Maria Dias Azedo




Processo n.º 954/2017 Pág. 2/12