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Processo nº 1027/2017 Data: 14.12.2017
(Autos de Recurso Extraordinário
de Revisão da Sentença)

Assuntos : “Recurso extraordinário de revisão”.
“Novos factos ou provas”.
“Graves dúvidas”.



SUMÁRIO

1. O recurso extraordinário de revisão constitui uma “válvula de segurança” que permite a correcção de (eventuais) “erros judiciais” existentes numa decisão já transitada em julgado e, por isso, insusceptível de recurso ordinário, assegurando-se, desta forma, o respeito do direito que a todos deve ser reconhecido de contestar uma “condenação – que considere – injusta”.

2. “Graves dúvidas, não são quaisquer dúvidas”, até mesmo sob pena de se vulgarizar o presente meio de revisão de uma sentença que já transitou em julgado, e que como o nome o diz, é um “recurso extraordinário”.
Necessário e imprescindível é assim que os novos meios de prova ou novos factos invocados se revelem tão seguros e tão relevantes – seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra, facilmente, o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 1027/2017
(Autos de Recurso Extraordinário de Revisão da Sentença)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. LAU LUEN HUNG (劉鑾雄), com os restantes sinais dos autos, interpôs o presente “recurso extraordinário de revisão”, alegando, em conclusões, o seguinte:

“1ª - O ora Recorrente foi condenado no âmbito dos presentes autos pela prática de um crime de corrupção activa para acto ilícito e de um crime de branqueamento de capitais, p.p., respectivamente, pelas normas do artigo 339.°, n.° 1, do Código Penal e do artigo 10.°, n.° 1, alínea a) da Lei n.° 6/97/M e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão efectiva.
2ª - No entanto, permite a ordem jurídica que a intangibilidade de tal condenação possa ser posta em causa.
3ª - Na verdade, o mecanismo da revisão de sentença transitada em julgado pode ser utilizado quando factos supervenientes são susceptíveis de pôr em causa ou de colocar fortemente em dúvida a justiça de uma decisão, mormente condenatória, como nos presentes autos.
4ª - Os fundamentos e condições de admissibilidade do recurso de revisão encontram-se taxativamente enumerados na lei e são os seguintes: falsidade dos meios de prova, prova de crime cometido pelo juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo, inconciliabilidade de decisões e descoberta de novos factos ou meios de prova, tal como se prevê no artigo 431.°, n.° 1 do nosso Código de Processo Penal (CPP).
5ª - Como é bom de ver, o fundamento previsto nesta norma importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
6ª - Ora, o Recorrente foi recentemente informado de que o ex-Secretário para as Obras Públicas e Transportes, Ao Man Long, quando depôs frente ao Tribunal de Última Instância no âmbito do Proc. n° CR4-12-0125-PCC, o ilibou de forma clara e inequívoca.
7ª - Neste processo, Ao Man Long foi julgado e condenado pelo crime de corrupção passiva que se reflecte no crime de corrupção activa pelo qual foi condenado o Recorrente.
8ª - E com efeito, consultando-se a gravação da audiência de julgamento, no Disco 2, a partir dos 9m19s, declarou Ao Man Long, ipsis verbis, que nunca recebera qualquer benefício de Lao Luen Hung e que este nunca o havia subornado.
9ª - Declarou ainda que não teve nenhum relacionamento com o Recorrente salvo um ou dois encontros casuais.
10ª - E que nunca existiu entre ele e o Recorrente qualquer troca de interesses.
11ª - Mais declarou, que o pagamento de HKD$20.000.000,00 à sociedade “Ecoline Property Limited” foi efectuado pelo Sr. Ho Meng Fai, através da sociedade “San Meng Fai”, a título de amortização de uma dívida daquele para com a “Ecoline” e que não se trata de um alegado suborno, injustamente imputado ao Recorrente na douta sentença revidenda.
12ª - Ora, o douto acórdão que condenou o ora Recorrente – a sentença revidenda – considera de forma taxativa que todo o processo concursório foi efectivamente conduzido e controlado passo a passo por Ao Man Long (cfr. págs. 205 a 410).
13ª - Assim, temos que quem controlou desde o início todo o processo concursório é a mesma pessoa que declarou, espontaneamente e em juízo, que o ora Recorrente está inocente do crime pelo qual foi condenado nos presentes autos.
14ª - Afigura-se ao Recorrente que tais declarações constituem um meio de prova susceptível de fazer suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação do Recorrente.
15ª - Trata-se de entendimento partilhado pacificamente na doutrina e na jurisprudência, que até vão mais longe e entendem, sem dissonância, que as próprias declarações de um arguido que favoreçam um co-arguido no mesmo processo, ilibando-o, são susceptíveis de fundamentar a revisão de sentença transitada em julgado (vd. por ex., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 2016, Proc. n° 395/01.9TBVNF-B.S1).
16ª - Ora, in casu, as declarações supra transcritas foram desde logo proferidas em juízo e o seu autor não é sequer co-arguido nos presentes autos mas apenas arguido num outro processo, pelo que tais declarações constituem um meio de prova ainda mais forte do que as declarações de um co-arguido.
17ª - As declarações em causa tratam-se de um meio de prova que não foi produzido na audiência de julgamento que teve lugar no âmbito dos presentes autos, nem foi tomado em consideração quando foi proferida a douta sentença que condenou o ora Recorrente.
18ª - Assim, nesse sentido, apesar de anteriores à sentença revidenda, são sem dúvida um novo meio de prova, de cujo concreto teor o Recorrente, aliás, só recentemente tomou conhecimento.
19ª - E são um superveniente meio de prova, susceptível de lançar sérias dúvidas sobre a justiça da sua condenação quando conjugadas com outros elementos de prova constantes dos autos.
20ª - Efectivamente, deste novo meio de prova surgem automaticamente sérias dúvidas em relação aos factos probandos que alicerçaram a condenação do Recorrente, nomeadamente, os factos n°s. 96, 100, 106, 115, 120, 123, 128, 129 e, sobretudo, o facto probando n° 98, cuja infirmação é, de per si, suficiente para que seja proferida nova sentença, absolutória, relativamente ao crime de corrupção activa pelo qual foi condenado o Recorrente.
21ª - Se como resulta das declarações de Ao Man Long chamadas à colação não houve “combinação” alguma entre ele e o Recorrente, então tem que se inferir que a decisão de Ao Man Long quanto à modalidade de concurso não visava que fosse o Recorrente quem o obtivesse, o que infirma o Facto n° 100.
22ª - As declarações de Ao Man Long em conjugação com o documento de fls. 3010, Vol. 12 do processo principal dos autos provam que o Recorrente resolveu terminar o contrato de representação com a “Jones Lang Lasalle” em 24 de Junho de 2005, isto é, antes da proposta apresentada por aquela agência em 27 de Junho de 2005, o que suscita graves dúvidas sobre os Factos probandos n°s. 106 e 115, fazendo inferir, à luz das regras da experiência comum, que a cessação daquele contrato em 24 de Junho de 2005 por iniciativa unilateral do Recorrente, ocorreu após este ter provavelmente reponderado nos riscos em investir de forma maciça num meio desconhecido, como ele próprio o afirma na sua Contestação.
23ª - Acresce que, conforme vem provado no facto n° 87, 2ª parte, pontos ii e iv, da douta sentença condenatória, a “Moon Ocean Limited” (a seguir, “Moon Ocean”) era totalmente controlada por Lo Kit Sing, através das sociedades “Easy Action Limited” e “Best Express Holdings Limited”.
24ª - E conforme o atesta o documento de fls … dos autos (Sales and Purchase Agreement entre a “Union Team” e a “Easy Action Limited”) e vem provado no n° 132 da factualidade constante da sentença revidenda, o Recorrente só viria a adquirir as participações sociais da “Moon Ocean Limited” (70,01%), em 5 de Janeiro de 2006.
25ª - Conjugando, portanto, as declarações proferidas em juízo por Ao Man Long com este documento e com os factos probandos n° 87 e n° 132 da sentença revidenda, infere-se que não teve o Recorrente qualquer participação na apresentação da candidatura da “Moon Ocean Limited” em 27 de Junho de 2005, no processo de adjudicação dos terrenos através de concurso promovido pelas sociedades-concessionárias, mas apenas Lo Kit Seng.
26ª - Infere-se, igualmente, por maioria de razão, que em inícios de 2005 o Recorrente não tinha decidido adquirir esses terrenos, contrariamente ao mencionado no Facto 96 da douta sentença condenatória.
27ª - Os demais factos onde se refere o nome do Recorrente são os que constam do n. 87, que se limita a dizer que o Recorrente possui e desempenha cargos em diversas empresas, e os dos n°s. 97, 99, 101 e 102, 104 e 105, 114, 134 e 135.
28ª - Trata-se simplesmente de factos atinentes a condutas insusceptíveis de provar a prática dos crimes imputados ao Recorrente, no sentido de que não provam nenhum elemento essencial constitutivo dos respectivos tipos.
29ª - O n° 97 diz que o Recorrente e Lo Kit Sing conheceram Ao Man Long em data não apurada e estabeleceram ligações entre si, mas as declarações que constituem o novo meio de prova desmentem que alguma vez o Recorrente tenha tido “relacionamentos” com Ao Man Long.
30ª - Acresce que, ainda que assim não fôsse, de tal facto não se pode inferir que o Recorrente corrompeu o ex-governante em causa.
31ª - Os n°s. 101 e 102, 104 e 105, resumem-se à prova de que o Recorrente encomendou os serviços de um atelier de arquitectura para que este elaborasse um estudo sobre a concepção do projecto e que esse estudo foi feito entre 24 e 26 de Fevereiro de 2005, o qual foi pago em 01-06-2005 pela sociedade “Chinese Estates Holdings Limited”, sendo que estas duas entidades haviam visitado o terreno entre 09-03 e 11-03-2005.
32ª - E o máximo que deste interesse se pode inferir é que podia estar interessado em construir nesse terreno se aparecesse uma tal oportunidade.
33ª - O mesmo se pode dizer do facto constante do n° 114, onde apenas se relata que uma sociedade da qual o Recorrente era administrador assinou em 25-06-2005 um contrato com a sociedade “Moon Ocean Limited”, nos termos do qual, teria direito a comprar 70.01% do capital social desta última caso ela ganhasse o concurso por convites supra referido.
34ª - A este respeito note-se que consta dos autos um documento a fls. 2874 a 2906 do Vol. 11 do processo principal designado “Loan Agreement” com a data de 26 de Junho de 2005, pelo qual uma outra sociedade da qual o Recorrente era administrador se compromete a emprestar à sociedade “Moon Ocean Limited” o valor correspondente à caução a prestar em caso de adjudicação do terreno a concessionar e outras despesas.
35ª - O valor estipulado pelo concedente para a caução a prestar pelo concessionário era de MOP$200.000.000,00 e o valor do empréstimo seria o de HKD$250.000.000,00.
36ª - Tal empréstimo era remunerado, estava sujeito ao pagamento de juros e foi pessoalmente garantido pelo co-arguido Lo Kit Sing (cfr. fls. 2907 e ss. do Vol. 11 do processo principal).
37ª - Infere-se, portanto, que o contrato de opção mencionado no n° 114 era, também, uma garantia do mútuo, caso este viesse a ser concedido.
38ª - O n° 114 apenas prova uma operação financeira em que o mutuante procura garantir o máximo possível o pagamento de um mútuo de valor extremamente elevado.
39ª - O n° 134 retrata um elemento de prova indiciária do qual o julgador inferiu o que consta do n° 135, no sentido de que Ao Man Long recebera a mencionada contrapartida de HKD$20.000.000,00 de Lo Kit Sing e do Recorrente.
40ª - Mas, como já acima se referiu, o novo elemento de prova vem lançar sérias dúvidas sobre a correcção e justiça de tal inferência uma vez que as declarações de Ao Man Long frente a um colectivo de juízes incluem a afirmação taxativa de que tal quantia nenhuma relação tem com com o Recorrente, mas sim com uma dívida de Ho Meng Fai por serviços de consultadoria.
41ª - E consta de fls. 182 e ss. do Apenso Q, Vol. 1, que a sociedade “Moon Ocean” pediu esse valor à sociedade “Groupluck” enquanto adiantamento de um empréstimo que esta última concedeu à primeira no valor de HKD$250.000.000,00 (cfr. fls. 5 a 37 do Apenso Q, Vol. 1), e que esses HKD$20.000.000,00 se destinavam ao pagamento de serviços de consultadoria da sociedade Eastern Base”.
42ª - Sendo que, é importante salientar que em todos os outros julgamentos em que Ao Man Long foi condenado por crimes de corrupção passiva, nunca aquele havia produzido quaisquer declarações, antes tendo exercido o seu direito, legítimo, ao silêncio.
43ª - Só no julgamento conexo com o julgamento donde nasceu a condenação do Recorrente é que Ao Man Long fez questão de proferir declarações, propositadamente para evitar a injustiça de o Recorrente vir a ser condenado por um crime que não cometeu.
44ª - Urge corrigir tal injustiça e o meio adequado é através da procedência do presente Recurso.
45ª - Finalmente, nos termos do n° 1 do artigo 3° da Lei n° 2/2006, a punição pelo crime de branqueamento de capitais implica necessariamente a existência de um crime precedente.
46ª - In casu, procedendo a Revisão quanto ao crime de corrupção, deixa de haver crime precedente e, consequentemente, a absolvição do Recorrente em relação ao crime de corrupção implicará a sua absolvição em relação ao crime de branqueamento de capitais.
47ª - O que torna irrelevante a subsistência ou não do facto probando n° 99 da douta sentença condenatória.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., vem o ora Recorrente, requerer a revisão da sentença proferida nos presentes autos que o condenou pela prática de um crime de corrupção activa e um crime de branqueamento de capitais, na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão efectiva, a qual já transitou em julgado, nos termos e ao abrigo do disposto na al. d) do n° 1 do artigo 431° do CPP, de modo a que nela seja apreciado e reconhecido como relevante o novo meio de prova agora carreado para os autos, permitindo que o mesmo, por si e/ou em conjugação com os demais elementos de prova constantes dos autos, possa dar lugar, através da repetição do julgamento, à prolação de uma outra sentença que substitua a transitada em julgado e que absolva o Recorrente dos crimes em que por esta foi condenado.
(…)”; (cfr., fls. 1 a 18-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

O processo correu os seus termos, e oportunamente, pelo Mmo Juiz do T.J.B. foi elaborada a informação a que alude o art. 436° do citado C.P.P.M.; (cfr., fls. 249 a 250-v).

*

Remetidos os autos a este T.S.I., foram os mesmos a vista do Exmo. Representante do Ministério Público que juntou o douto Parecer de fls. 262 a 262-v.

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Colhidos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada parecendo obstar, cumpre decidir.

Fundamentação

2. Vem o ora recorrente pedir a revisão do Acórdão do Colectivo do T.J.B. de 14.03.2014, proferido nos Autos de Processo Comum Colectivo n.° CR1-12-0131-PCC, com o qual foi condenado pela prática como co-autor material e em concurso real de 1 crime de “corrupção activa”, p. e p. pelo art. 339° do C.P.M., na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, e 1 outro de “branqueamento de capitais”, p. e p. pelo art. 3°, n.° 2 e 3, da Lei n.° 2/2006, na pena de 4 anos de prisão, fixando-lhe o Colectivo em cúmulo jurídico a pena única de 5 anos e 3 meses de prisão; (cfr., fls. 35 a 147-v).

Porém, da reflexão que sobre a pretensão apresentada nos foi possível efectuar, afigura-se-nos que nenhuma razão lhe assiste.

Vejamos.

Como é sabido, em regra, o “trânsito em julgado” de uma decisão faz “esquecer” os vícios de que padece, (“auctoritas rei judicatae prevalet veritati”).

Nas palavras do Prof. Eduardo Correia, “verdadeiramente …, o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com eventual detrimento da verdade material, eis assim o que está na base do instituto” do caso julgado; (in, “Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz”, pág. 302).

Como salienta J. Alberto Romeiro – em artigo intitulado “A Valorização da Magistratura pela Revisão” – “uma justiça que reconhece os próprios erros e se corrige, que não os procura manter e defender com formulas vãs, é uma justiça edificante, que só confiança poderá inspirar”; (in, Scientia Jurídica, Tomo XVII, nºs 92/94).

Por sua vez, como ensinava o Prof. Cavaleiro de Ferreira: “a justiça prima e sobressai acima de todas as demais considerações. O direito não pode querer e não quer a manutenção duma condenação, em homenagem à estabilidade de decisões judiciais”; (cfr. “Revisão Penal” in, Scientia Jurídica, Tomo XIV, n.° 75-76).

Considerava ainda o referido autor que: “a resignação forçada perante a necessidade de dar valor definitivo à sentença judicial não equivale a desconhecer a sentença injusta e a proclamar uma misteriosa transubstanciação em ordem jurídica de todos os erros jurisprudênciais, como se de nova e contraditória fonte de direito se tratasse. É melhor aceitar como ónus da imperfeição humana, a existência de decisões injustas, que escondê-las, para salvaguardar um prestígio martelado sobre a infalibilidade do juízo humano e sob a capa de uma juridicidade directamente criada pelos tribunais”; (in “Curso de Processo Penal” III, ed. da AAFDUL, 1957, pág. 37).

No mesmo sentido afirma também o Prof. F. Dias: “embora a segurança seja um dos fins prosseguidos pelo processo penal, isto não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se podia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos, tem de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania”; (in “Direito Processual Penal”, pág. 44).

Era, igualmente, o Prof. A. dos Reis, (citando Mortara), de opinião que:

“Quanto mais evolui a consciência jurídica dum povo culto, mais se difunde a convicção de que é legítimo corrigir erros, cobertos embora pelo prestígio do caso julgado, mas que não devem subsistir, porque a sua irrevogabilidade corresponderia a um dano social maior do que a limitação feita ao mítico princípio da intangibilidade do caso julgado”; (in “C.P.C. Anot.”, vol. VI, pág. 337).

Nesta linha de raciocínio, teve também esta Instância oportunidade de afirmar, que “o instituto da revisão visa estabelecer um mecanismo de equilíbrio entre a imutabilidade de uma decisão transitada em julgado e a necessidade de respeito pela verdade material. Reside na ideia de que a ordem jurídica deve, em casos extremos, sacrificar a intangibilidade do caso julgado por imperativos de justiça, de forma a que se possa reparar uma injustiça e proferir nova decisão”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 21.02.2002, Proc. n.° 207/2001, de 15.05.2014, Proc. n.° 193/2014, de 28.01.2016, Proc. n.° 773/2014 e de 01.12.2016, Proc. n.° 827/2016).

De facto, como considera Amâncio Ferreira perante análogo expediente no âmbito do Processo Civil:

“Bem consideradas as coisas, estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza.
Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.
Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio.
A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio”; (in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª ed. pág. 333).

Dito isto, e clarificada que parece estar a “razão de ser” do “recurso de revisão” em questão, continuemos.

Pois bem, o presente “recurso extraordinário de revisão” comporta 3 fases: uma “preliminar”, onde se processa, instrui e se informa sobre o peticionado pelo recorrente, (e que, no caso, foi a que ocorreu no T.J.B.), outra “intermédia”, onde se aprecia e decide do pedido (de revisão), (e que é a que agora nos ocupamos), e, a “final”, para efectivação do novo julgamento no caso de ser aquele autorizado.

Encontrando-nos na “fase intermédia” e competindo-nos emitir o apelidado “juízo rescindente”, decidindo pela “autorização” ou pela “denegação” da pretendida revisão, detenhamo-nos na apreciação da pretensão do ora recorrente.

Nesta conformidade, mostra-se útil aqui transcrever o teor do art. 431° do C.P.P.M., o qual, estatuindo (taxativamente) os pressupostos para se admitir a revisão de uma sentença transitada em julgado prescreve que:

“1. A revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
2. Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
3. Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
4. A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida”; (sub. nosso).

“In casu”, da análise a que se procedeu, confirma-se que preenchido está o requisito do “trânsito em julgado” da decisão (revidenda) objecto do presente recurso.

E, então, que dizer?

Ora, como se referiu, invoca o recorrente a “al. d)” do transcrito art. 431° do C.P.P.M., (que como se viu, prescreve que “A revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando”, se “Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”).

E, como deixamos adiantado, evidente se nos apresenta que verificado não está o aí preceituado.

Passa-se a (tentar) demonstrar este nosso ponto de vista.

Pois bem, como se vê do prescrito na al. d) do art. 431° do C.P.P.M., dois são os pressupostos para se admitir a revisão de uma sentença transitada em julgada: o primeiro, a “descoberta de novos factos ou meios de prova”, sendo, o segundo, a capacidade, (virtualidade), destes (“novos factos e/ou meios de prova”), suscitarem “graves dúvidas sobre a justiça da condenação” proferida na sentença revidenda.

Ora, é sabido que o sentido e alcance dos referidos “novos factos ou meios de prova” não é questão “pacífica”, pendente estando no Vdo T.U.I., recurso para fixação de jurisprudência sobre tal matéria; (cfr., o Ac. de 22.03.2017, Proc. n.° 15/2017, onde se decidiu “Verifica-se a divergência das soluções vertidas nos dois acórdãos sobre a mesma questão de direito, respeitante à interpretação da norma contida na al. d) do n.º 1 do art.º 431.º do CPP, nomeadamente sobre o conceito de “novos factos ou meios de prova” aí preceituado, se um entende que, no caso de o interessado ter tido na altura de julgamento conhecimento de elementos de prova alegados para pedir a revisão da sentença, não se considera como novos os factos ou meios de prova invocados e o outro decide que os alegados “factos ou meios de prova” devem ser “novos” no sentido de não terem sido apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo recorrente no momento em que o julgamento teve lugar”).

Porém, e independentemente do sentido e alcance que se deva atribuir aos ditos “novos factos ou meios de prova”, o certo é que não se vê como, ou em que termos, é que as (pretendidas) “declarações do ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas AO MAN LONG” podem suscitar “graves dúvidas” sobre a justiça da condenação do ora recorrente.

Com efeito, (e, uma vez mais, independentemente do que se declarou), não se pode olvidar que no âmbito do Proc. n.° 37/2011 do Vdo T.U.I., (que corresponde ao Proc. n.° CR4-12-0125-PCC pelo recorrente indicado na 6ª das suas conclusões de recurso), e onde o referido ex-Secretário foi arguido, deu-se como provada a “matéria de facto” que o ora recorrente (agora) pretende inverter, tendo-se, a final, proferido decisão condenatória em relação aos (respectivos) “crimes” pelos quais pretende agora o recorrente obter uma absolvição; (cfr., o referido Ac. do Vdo T.U.I. de 31.05.2012).

E, assim, se no âmbito do Proc. n.° 37/2011, (onde observadas foram todas as formalidades processuais), foi o aí arguido condenado pela “matéria de facto” que o ora recorrente pretende que se venha a dar como “não provada” com recurso às declarações deste mesmo arguido, cremos que claro e evidente se apresenta que razoável não é falar-se em “dúvidas” – e ainda por cima, “graves, (ou sérias)” – sobre a justiça da condenação do ora recorrente para que se possa, agora, autorizar a pretendida revisão.

Na verdade, e como também se entendeu no Ac. do S.T.J. de 18.01.2012, Proc. n.° 454/04, “graves dúvidas, não são quaisquer dúvidas”, até mesmo sob pena de se vulgarizar o presente meio de revisão de uma sentença que já transitou em julgado, e que como o nome o diz, é um “recurso extraordinário”.

Necessário e imprescindível é assim que os novos meios de prova ou novos factos invocados se revelem tão seguros e tão relevantes – seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra, facilmente, o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato.

Não sendo o caso, à vista está a solução.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar a peticionada revisão.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.

Registe e notifique.

Oportunamente, nada mais vindo aos autos, proceda-se à sua devolução ao T.J.B., com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 14 de Dezembro de 2017
José Maria Dias Azedo
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Proc. 1027/2017 Pág. 28

Proc. 1027/2017 Pág. 27