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Processo nº 901/2016
Data do Acórdão: 09NOV2017


Assuntos:

Reabilitação
Agentes disciplinarmente punidos pelas pensa expulsivas
Efeitos das penas disciplinares
Ónus de prova


SUMÁRIO

1. Dada a superioridade dos valores tutelados pelo direito penal em relação aos valores tutelados por outros ramos de direito, nomeadamente os protegidos pelo direito administrativo, na sua vertente disciplinar, se os efeitos das sanções criminais não podem ter carácter perpétuo, por maioria de razão, os efeitos das sanções disciplinares não o podem ter;

2. O silêncio ou a ausência da regulamentação no próprio EMFSM sobre a reabilitação dos punidos com penas expulsivas não pode ser interpretado no sentido de que foi intenção deliberada do legislador excluir a possibilidade legal da reabilitação dos ex-membros do pessoal militarizado, disciplinarmente expulsos, uma vez que a interpretação mais coerente com o sistema jurídico no seu todo deve ser no sentido de que a matéria da reabilitação dos ex-militarizados punidos com penas expulsivas fica sujeita à regulamentação pelo direito subsidiário, que é o regime geral previsto no ETAPM;

3. Por razões suficientemente convincentes que se prendem com as particulares condições de dignidade e de confiança que determinados cargos públicos ou lugares da função pública exigem, não parece ser de todo em todo repudiável a inabilitação de longa duração ou até a inabilitação de carácter perpétuo dos ex-militarizados punidos pelas penas expulsivas, para o desempenho das funções nesses cargos e lugares particularmente exigentes em termos de dignidade e de confiança, se for caso disso, a tal inabilitação carece sempre de ser especificamente regulamentada por via do acto legislativo stricto senso.

4. A falta da causa de pedir não é suprível nos termos prescritos no disposto no artº 88º/1 e 2 do CPA, que tem em vista apenas a suprimento da falta de provas.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 901/2016

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

A, ex-guarda da PSP, punido pela pena disciplinar de demissão em 27JAN1997, vem recorrer do despacho do Secretário para a Segurança que lhe indeferiu o requerimento por ele formulado pedindo que lhe fosse concedida a reabilitação, alegando, concluindo e pedindo:
1 - O despacho objecto do presente recurso contencioso é o proferido pelo Senhor Secretário para a Segurança em 27/10/2016, pelo qual foi indeferido o pedido de concessão de reabilitação formulado pelo recorrente.
2 - O despacho recorrido adoptou e fez seus os argumentos contidos na Proposta N.º 900488/DRHDGR/2016, de 24/10/2016, do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau, bem como os contidos na Informação N.º 46-JLO/2016, do Assessor.
3 - O despacho recorrido entende que o instituto de reabilitação de funcionários e agentes da Função Pública de Macau consagrado no artigo 349º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei N.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, não é aplicável nem extensível ao pessoal militarizado das Forças de Segurança de Macau, isto assim, mau grado o expressamente disposto no artigo 1º n.º 3 do ETAPM.
4 - O n.º 3 do artigo 1º do ETAPM consagra a norma segundo a qual "o presente Estatuto aplica-se ainda ao pessoal civil e, subsidiariamente, com as devidas adaptações, ao pessoal militarizado e do Corpo de Bombeiros das Forças de Segurança de Macau".
5 - Ou seja, o despacho recorrido entende que é preferível que no regime jurídico que regula o pessoal militarizado das FSM haja uma lacuna jurídica no que tange ao importante instituto de reabilitação das penas disciplinares deixando-o à decisão "discricionária" do topo da hierarquia do que adoptar, ainda que subsidiariamente e com as devidas adaptações, o regime geral de reabilitação claro e transparente consagrado no ETAPM.
6 - E, isto assim, mesmo que o Decreto-Lei N.º 66/94/M, de 30 de Dezembro de 1994, ainda que seja uma lei especial, tenha sido aprovada em momento posterior à aprovação do regime geral do ETAPM, aprovado pelo Decreto-Lei N.º 87/89/M, de 21 de Dezembro de 1989.
7 - Estamos em crêr que o legislador ao aprovar o EMFSM não quis tal solução propugnada pelo despacho recorrido. Nem a completude do ordeanmento jurídico num seu todo completo se coadunaria com tal solução propugnada.
8 - Conforme ensina o artigo 8º do Código Civil, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
9 - Entendemos que o regime geral de reabilitação consagrado no artigo 349º do citado ETAPM é, por força de lei, subsidiariamente aplicável ao pessoal militarizado das FSM, com as devidas adaptações.
10 - Entender de forma diversa, afastando em bloco a aplicabilidade do regime consagrado no artigo 349º do ETAPM ao pessoal militarizado das FSM, e desaplicá-lo ao caso concreto do ora recorrente, indeferindo o seu pedido de reabilitação, o despacho recorrido violou a lei, as normas contidas nos artigos 1º n.º 3, e 349º do citado ETAPM.
11 - A adoptar a intepretação subjacente ao despacho recorrido, estaríamos perante uma lacuna jurídica sem possibilidade de apêlo à lei geral. No entanto, o topo da hierarquia policial (in casu, o Senhor Secretário para Segurança, que detém os poderes de direcção sobre a PSP) seria investido de um poder discricionário decisório sem a necessária cobertura legal.
12 - O poder discricionário não pode ser de origem implícita. Cabe ao legislador consagrar, em forma expressa de lei, a atribuição do poder discricionário à Administração na resolução de caso concreto tendo em vista determina interesse público que pretende prosseguir.
13 - O EMFSM, não atribui qualquer poder discricionário ao topo da hierarquia policial o poder de decidir casos de reabilitação de penas expulsivas do seu pessoal militarizado de forma descontrolada à margem do EMFSM, ou à margem do ETAPM.
14 - O recorrente ao formular o pedido de reabilitação juntou o seu certificado de registo criminal actualizado. Tal constitui uma prova bastante da sua boa conduta ao longo dos anos.
15 - Mesmo que hipoteticamente houvesse insuficiência de prova de boa conduta, a entidade recorrida devia ter notificado para suprimir a insuficiência de elementos. Não o fazendo, houve, pois, por parte da entidade recorrida, uma preterição de formalidade no âmbito do procedimento administrativo, violando a norma contida no artigo 88º N.os 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo em vigor. O que faz inquinar o acto recorrido do vício de violação de lei.
16 - O Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Dcreto-Lei N.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, é um diploma legal de direito público. O regime jurídico e as normas aí consagradas visam a prossecução do interesse público de gestão da máquina administrativa num todo, prossecução essa que é feita no respeito devido pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos interesados merecedores de tutela legal.
17 - O instituto de reabilitação das penas disciplinares consagrado no artigo 349° do ETAPM visa, por um lado, tornar útil e efectiva as penas disciplinares, e, por outro lado, a salvaguarda dos direitos fundamentais ao bom nome, honra e reputação do funcionário atingido por pena disciplinar, permitindo o apagamento das penas do seu registo disciplinar pelo decurso do tempo e com boa conduta posterior.
18 - O despacho recorrido entendendo e decidindo diversamente, violou a lei, a norma contida no artigo 349° do ETAPM, e, ainda, o princípio da boa fé que deve nortear a actividade administrativa, consagrado, in fine, no n.º 2 do artigo 8º do Código do Procedimento Administrativo em vigor.
  NESTES TERMOS, nos melhores de Direito, deve o presente recurso contencioso ser admitido e, a final ser julgado procedente por provado, revogando-se o despacho recorrido pelos vícios acima apontados, e ordenar que o pedido de reabilitação se prossiga se nada a tal obstar.

Citado, veio o Secretário para a Segurança contestar pugnando pela improcedência do recurso.

Não havendo lugar à produção de provas.

Notificados para apresentar alegações facultativas, quer o recorrente quer a entidade recorrida não apresentou.

Em sede de vista final, o Dignº Magistrado do Ministério Público opinou no seu douto parecer pugnando pelo não provimento do presente recurso.

Colhidos os vistos, cumpre conhecer.

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

O processo é o próprio e inexistem nulidades e questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito do presente recurso.

Os sujeitos processuais gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

Vejamos.

É tida por assente a seguinte matéria de facto com relevância à decisão do presente recurso:

* O recorrente A desempenhava as funções de guarda da PSP;

* Por despacho do então Secretário-Adjunto para a Segurança, datado de 27JAN1997, com fundamento nas faltas injustificadas ao serviço, foi aplicada ao ora recorrente a pena de demissão;

* Mediante o requerimento datado de 27JUL2016, o recorrente pediu ao Secretário para a Segurança que lhe fosse concedida a reabilitação;

* Por despacho do Secretário para a Segurança proferido em 27OUT2016, consistente nos dizeres “concordo e indefiro o requerido”, exarado na informação nº 900488/DRHDGR/2016P, foi indeferida a requerida reabilitação, conforme se vê no documento nº 1 junto à petição do recurso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

* A informação nº 900488/DRHDGR/2016P tem o seguinte teor:
*
1 本局於2016年8月10日收到保安司司長第20160809044/GSS號公函,要求本局跟進前警員編號...,A之恢復權利申請(附件一)。
2 A因違反《澳門保安部隊軍事化人員通則》第十三條第二款a)項所規定的義務。經參照該《通則》第二百三十八條第二款i)項及第二百零一條第二款m)項的規定,被時任保安政務司司長於1997年1月27日透過第17/SAS/97號批示,處以撤職處分,由1997年2月26日起執行(附件二)。
3 根據本廳資料顯示,前警員編號...,A自1989年1月25日入職日開始,至1997年2月25日執行撤職處分日為止,具備為退休效力而計算的服務時間為10年11個月4日。
4 保安司司長 閣下於2015年6月9日在保安司司長辦公室第07-LC/2015號意見書上,就上述同類型之案件作出批示,基於欠缺法律依據,不批准一名前警員編號...,B之恢復權利申請(附件三)。有關批示內容主要如下:
4.1 恢復權利可作為終止某特定無能力的狀況,然而,倘有關恢復權利的標的(處分)為開除性處分(撤職或強迫退休)時,則不能在被恢復權利者的權利義務範圍內重獲進入公職的能力。
4.2 根據《澳門公共行政工作人員通則》第一條第三款之規定,經適當配合後,補充適用於澳門保安部隊之軍事化人員,但上述《通則》的恢復權利制度並不可延伸適用於軍事化人員,因此,上述《通則》第三百四十九條第三款所規定,如屬強迫退休及撤職處分後,經過五年期間,利害關係人或其代理人得申請恢復權利,並不適用於軍事化人員。
4.3 無論當時生效的《澳門保安部隊紀律通則》第一百一十五條,抑或現時《澳門保安部隊軍事化人員通則》第三百條,均無針對開除性處分而訂定恢復權利的制度。
4.4 《澳門保安部隊軍事化人員通則》第二百三十九條第二款及第三百條第七款規定,具備至少15年服務時間的軍事化人員,可將撤職轉換為強迫退休,不適用退休效力少於15年之人員。(附件三)。
5 綜上所述,前警員編號...,A申請恢復權之案件建議如下:
5.1 前警員A在本局實際擔任公職時間為10年11個月4日,故此,不符合《澳門保安部隊軍事化人員通則》第二百三十九條第二款及第三百條第七款規定,具備至少15年服務時間的軍事化人員,可將撤職轉換為強迫退休,因此,上述《通則》之規定不適用於前警員A之個案;
5.2 根據《澳門公共行政工作人員通則》第三百四十九條第三款所規定,如屬強迫退休及撤職處分後,經過五年期間,利害關係人或其代理人得申請恢復權利,根據保安司司長 閣下於2015年6月9日所作批示,現行《澳門公共行政工作人員通則》的恢復權利制度並不可延伸適用於軍事化人員。
5.3 基於欠缺法律依據,現謹向司長 閣下建議不批准前警員編號...,A的恢復權利申請。
6 謹呈上級決定。

* Por despacho do Secretário para a Segurança proferido em 27OUT2016, consistente nos dizeres “concordo com o parecer” exarado na informação nº 46-JLO/2016;

* A informação nº 46-JLO/2016 tem o seu teor:

Informação N.o 46-JLO/2016
  Assunto: Reabilitação em matéria disciplinar
  Requerente: ex- guarda n ..., A
  
  O requerente não trouxe ao processo a prova de boa conduta a que a se refer o n.º 3 do artigo 300.° do EMFSM.
  A reabilitação das penas expulsivas inscreve-se na apreciação discricionária do Chefe do Executivo, não beneficiando sequer dos efeitos automáticos determinados pelo decurso do tempo, a que se refere n.º 1 do citado artigo 300.º.
  Além disso, não tendo o requerente, ao tempo da falta cometida, ainda 15 anos de serviço, a reabilitação não produziria quaisquer efeitos na sua esefero jurídica, a não ser o cancelamento dos respectrivo registo, no que, em razão do interesse público, não se vê qualquer vantagem.
  Sou assim de opinião que V. Exa poderá concordar com a proposta do CPSP.
  À consideração superior

* Inconformado com o indeferimento, o recorrente interpôs recurso contencioso dessa decisão para este TSI;

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões na petição do recurso, constituem o objecto do presente recurso de anulação as questões da aplicação subsidiária do artº 349º do ETAPM e da insuficiência da instrução.

Quanto ao pedido para ordenar que “o pedido de reabilitação se prosseguisse”, no caso da procedência do recurso, este é de rejeitar logo, uma vez que o tal pedido é inútil face ao disposto no artº 11º do CPA, pois aquilo que pediu consiste justamente naquilo que é estatuído nesse artigo que consagrou o princípio de decisão.

Então avancemos.

Tal como vimos supra alegado pelo recorrente e por nós tido por assente na parte do relatório do presente Acórdão, o Secretário acolheu, para o indeferir a requerida reabilitação, quer os fundamentos expostos na informação nº 900488/DRHDGR/2016P, elaborada pela PSP, quer os argumentos deduzidos na informação nº 46-JLO/2016, da autoria do seu assessor jurídico.

Da leitura desses fundamentos todos resulta que o fundamento principal para o indeferimento da requerida reabilitação é a impossibilidade legal de reabilitação de um ex-agente do pessoal militarizado, punido com pena disciplinar expulsiva, por força do disposto no artº 300º/2 e 7, a contario, do EMFSM, ao passo que o fundamento subsidiário é a não demonstração pelo requerente, ora recorrente, da prova de boa conduta.

1. Da aplicação subsidiária do artº 349º do ETAPM

O artº 300º do EMFSM, único artigo inserido na subsecção dedicada à matéria da reabilitação, reza que:

1. A reabilitação tem lugar automaticamente e é irrevogável, decorridos 10 anos sobre a aplicação ou cumprimento de penas não expulsivas, se, durante esse tempo, o militarizado não tiver sido punido disciplinarmente nem condenado por qualquer crime doloso.
2. Os militarizados punidos com quaisquer penas não expulsivas poderão ser reabilitados antes do decurso do prazo previsto no número anterior e independentemente da revisão do processo disciplinar, sendo competente para esse efeito a entidade com competência para a aplicação da pena.
3. A reabilitação prevista no número anterior será concedida a quem a tenha merecido pela boa conduta, podendo para esse fim o interessado utilizar todos os meios de prova admitidos em direito.
4. A reabilitação pode ser requerida pelo interessado ou pelo seu representante, decorridos os prazos seguintes sobre a aplicação ou cumprimento da pena:
a) 1 ano, no caso de repreensão escrita;
b) 2 anos, no caso de multa;
c) 3 anos, no caso de suspensão até 120 dias;
d) 4 anos, para a pena de suspensão superior a 120 dias.
5. A reabilitação tem como efeito a anulação da pena nos termos do artigo 313.º, devendo proceder-se ao averbamento previsto no artigo 314.º
6. A reabilitação não prejudica os direitos que da aplicação da pena advierem para o ofendido ou para terceiros.
7. Decorridos 5 anos sobre a aplicação da pena de demissão, poder-se-á decretar a sua conversão em aposentação compulsiva, nos termos do n.º 2 do artigo 239.º
É verdade que estas normas estabelecidas no regime especial para os militarizados das FSM nada dizem sobre a reabilitação dos ex-agentes do pessoal punido pelas penas expulsivas, nomeadamente a de demissão.

Por seu turno, quer a lei geral, o artº 1º/3 do ETAPM, quer a própria lei especial, o artº 256º do EMFSM, prevêem que aquele é direito subsidiário a este.

Assim, importa averiguar se a matéria de reabilitação se encontra exaustivamente regulada no artº 300º do EMFSM, ou seja, se a regulamentação prevista nesse diploma legal é auto-suficiente independentemente de qualquer outro direito subsidiário.

Ora, perante a lei especial, nomeadamente o estatuído nos nºs 2 e 7 do citado artº 300º do EMFSM, parece ser a intenção do legislador admitir apenas a reabilitação dos membros do pessoal militarizado punidos com penas disciplinares não expulsivas, e quanto aos punidos com penas disciplinares expulsivas, só admissível a conversão da pena de demissão na pena de aposentação compulsiva, verificado o condicionalismo exigido pelo EMFSM no seu artº 239º/2.

Nos termos do disposto no artº 349º/4 do ETAPM, lei geral, a reabilitação consiste na cessação das incapacidades e demais efeitos da condenação ainda subsistentes.

Ao passo que o artº 300º do EMFSM se limita a estabelecer os requisitos exigidos para a concessão da reabilitação, nada se referindo aos efeitos da reabilitação.

E face ao disposto no artº 1º/3 do ETAPM, este aplica-se subsidiariamente, com as devidas adaptações, ao pessoal militarizado e do Corpo de Bombeiros das Forças de Segurança de Macau.

Portanto, os efeitos da reabilitação, a que se refere a lei especial, devem ser encontrados previstos na lei geral.

Então, é de averiguar quê incapacidades e quê efeitos da condenação que o artº 349º/4 do ETAPM está a referir-se?

Nos termos do disposto no artº 308º/1 do ETAPM, as penas disciplinares apenas têm os efeitos expressamente declarados na lei.

Face ao disposto no artº 13º do ETAPM, não têm capacidades para o exercício de funções públicas os demitidos ou aposentados compulsivamente, nos termos do regime disciplinar ou da lei penal, salvo reabilitação.

Por sua vez, o EMFSM prevê no seu artº 86º/-b), cuja epígrafe é capacidade cívica, que não têm capacidade cívica para o provimento, os indivíduos punidos com pena de aposentação compulsiva ou de demissão da função pública ou de inibição de exercício de funções públicas.

Confrontado o EMFSM com o ETAPM nas matérias da reabilitação e das incapacidades decorrentes da aplicação das penas disciplinares expulsivas, para o exercício das funções públicas, parece que podemos concluir preliminarmente pelo seguinte:

A. Os ex-membros do pessoal militarizado, sujeitos à regulamentação do EMFSM, punidos com penas disciplinares expulsivas, não podem ser reabilitados e por isso, perderão definitivamente a capacidade para ser re-admitido na função pública, civil e militarizada;

B. Os ex-trabalhadores, não militarizados, regulados pelo ETAPM, punidos com penas disciplinares expulsivas, enquanto não reabilitados, não poderão ser admitidos na função pública, civil e militarizada;

C. Os ex-trabalhadores, não militarizados, regulados pelo ETAPM, já poderão ser readmitidos na função pública depois de terem sido reabilitados nos termos do ETAPM;

Perante a conclusão A, coloca-se a questão da razoabilidade do carácter perpétuo dos efeitos das penas disciplinares expulsivas, que nos apresenta algo de repudiar no nosso ordenamento jurídico.

Pois é-nos da razoabilidade duvidosa, senão da legalidade duvidosa, o carácter perpétuo ou definitivo dos efeitos das penas disciplinares expulsivas previstas para o pessoal militarizado.

Ora, não estamos a pôr em causa a definitividade do afastamento do visado do seu posto de trabalho concreto que ocupava no momento dos factos que deram origem à punição disciplinar ou no momento da punição disciplinar, nem a da cessação do seu vínculo funcional, que é o conteúdo das próprias penas disciplinares expulsivas, o que questionamos é a inabilitação perpétua para o exercício de função pública, dado que tornará o ex-militarizado punido pela penas expulsivas perpetuamente interdito de aceder à função pública como um todo.

Ora, se é verdade que inexiste uma norma na nossa Lei Básica que proíbe as penas em si e os efeitos de uma pena, privativos ou restritivos de capacidades para o exercício de certa profissão, com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida, o certo é que esta proibição constitui consensualmente um dos princípios conformadores do nosso direito penal, na matéria das consequências jurídicas do crime – cf. artº 61º do CP.

Como se sabe, a função do direito penal é a tutela dos bens jurídicos.

Os bens jurídicos tutelados pelo direito penal são os valores mais valiosos e indispensáveis à manutenção do bom funcionamento de uma sociedade politicamente organizada, portanto elegidos pela sociedade como de fundamental importância e carecentes da intervenção do direito penal como ultima ratio para os proteger sob ponto de vista da política legislativa.

Devido a sua fundamental importância, este grupo dos bens jurídicos serve de base material para a tipificação de tipos penais e constitui o mais essencial núcleo dentre todos os valores dignos da protecção pela ordem jurídica.

Ora, dada a superioridade dos valores tutelados pelo direito penal em relação aos valores tutelados por outros ramos de direito, nomeadamente os protegidos pelo direito administrativo, na sua vertente disciplinar, as sanções penais e os seus efeitos devem ser naturalmente os mais gravosos e severos para os visados dentre todas as outras sanções previstas na ordem jurídica.

Assim, se os efeitos das sanções criminais não podem ter carácter perpétuo, por maioria de razão, os efeitos das sanções disciplinares não o podem ter.

Na esteira desse raciocínio, cremos que podemos concluir com segurança que o silêncio ou a ausência da regulamentação no próprio EMFSM sobre a reabilitação dos punidos com penas expulsivas, nunca pode ser interpretado no sentido de que foi intenção deliberada do legislador excluir a possibilidade legal da reabilitação dos ex-membros do pessoal militarizado, disciplinarmente expulsos.

E que a interpretação mais coerente com o sistema jurídico no seu todo deve ser no sentido de que a matéria da reabilitação dos ex-militarizados punidos com penas expulsivas fica sujeita à regulamentação pelo direito subsidiário, que é o regime geral previsto no ETAPM.

Portanto, falece o fundamento principal do indeferimento da requerida reabilitação, consistente na impossibilidade legal da reabilitação dos punidos pelas penas expulsivas.

Ex abundantia, não nos repugnamos admitir, por razões suficientemente convincentes que se prendem com as particulares condições de dignidade e de confiança que determinados cargos públicos ou lugares da função pública exigem, a inabilitação de longa duração ou até a inabilitação de carácter perpétuo dos ex-militarizados punidos pelas penas expulsivas, para o desempenho das funções nesses cargos e lugares particularmente exigentes em termos de dignidade e de confiança.

E se for caso disso, a tal inabilitação carece sempre de ser especificamente regulamentada por via do acto legislativo stricto senso.

2. Da insuficiência da instrução

Como fundamento subsidiário, exposto na informação nº 46-JLO/2016, que o Secretário para a Segurança acolheu para o indeferimento da requerida reabilitação é a não demonstração da boa conduta a que se refere o artº 300º/3 do EMFSM.

Para acusar a entidade recorrida da insuficiência da instrução, o recorrente alega que “o recorrente ao formular o pedido de reabilitação juntou o seu certificado de registo criminal actualizado. Tal constitui uma prova bastante da sua boa conduta ao longo dos anos” e que “mesmo que hipoteticamente houvesse insuficiência de prova de boa conduta, a entidade recorrida devia ter notificado para suprimir a insuficiência de elementos. Não o fazendo, houve, pois, por parte da entidade recorrida, uma preterição de formalidade no âmbito do procedimento administrativo, violando a norma contida no artigo 88º N.os 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo em vigor. O que faz inquinar o acto recorrido do vício de violação de lei.”.

A entidade recorrida imputa ao recorrente a falta do cumprimento do seu ónus de provar a causa de pedir, ao passo que o recorrente acusa a entidade recorrida da insuficiência da instrução.

Quem tem razão?

Nos termos do disposto no artº 87º/1 do CPA, cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado, sem prejuízo do dever cometido ao órgão competente nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

Compulsados os autos do procedimento administrativo, verificamos que, no requerimento inicial dirigido ao Secretário para a Segurança, o recorrente se limitou a invocar a sua ignorância devida à sua juventude e a falta de consciência da ilicitude da sua conduta perante a lei da função pública, no momento da prática dos factos que deram lugar à aplicação da pena de demissão em 1997, nada mais alegou para pedir a concessão da pretendida reabilitação.

Como se sabe, se um dos requisitos materiais para a concessão da reabilitação é a boa conduta posterior à punição, durante um certo lapso de tempo, o interessado deve alegar factos demonstrativos de uma conduta posterior habilitante e merecedora dessa medida “graciosa”.

Não o tendo feito, nem sequer se coloca aqui a questão da prova.

Assim sendo, não estamos perante uma situação da falta de prova, mas sim a falta da causa de pedir, o que obviamente não é suprível nos termos prescritos no disposto no artº 88º/1 e 2 do CPA, ora invocado pelo recorrente, e que reza:

1. O órgão que dirigir a instrução pode determinar aos interessados a prestação de informações e a colaboração noutros meios de prova.
2. Quando seja necessária a prestação de informações ou a apresentação de provas pelos interessados, são estes notificados para o fazerem, por escrito ou oralmente, no prazo e condições que forem fixados.

Assim improcede o recurso nessa parte.

Permanecendo válido o fundamento subsidiário do indeferimento do pedido de reabilitação, que é a falta de demonstração da boa conduta, é de julgar improcedente o recurso.

Em conclusão:
5. Dada a superioridade dos valores tutelados pelo direito penal em relação aos valores tutelados por outros ramos de direito, nomeadamente os protegidos pelo direito administrativo, na sua vertente disciplinar, se os efeitos das sanções criminais não podem ter carácter perpétuo, por maioria de razão, os efeitos das sanções disciplinares não o podem ter;
6. O silêncio ou a ausência da regulamentação no próprio EMFSM sobre a reabilitação dos punidos com penas expulsivas não pode ser interpretado no sentido de que foi intenção deliberada do legislador excluir a possibilidade legal da reabilitação dos ex-membros do pessoal militarizado, disciplinarmente expulsos, uma vez que a interpretação mais coerente com o sistema jurídico no seu todo deve ser no sentido de que a matéria da reabilitação dos ex-militarizados punidos com penas expulsivas fica sujeita à regulamentação pelo direito subsidiário, que é o regime geral previsto no ETAPM;
7. Por razões suficientemente convincentes que se prendem com as particulares condições de dignidade e de confiança que determinados cargos públicos ou lugares da função pública exigem, não parece ser de todo em todo repudiável a inabilitação de longa duração ou até a inabilitação de carácter perpétuo dos ex-militarizados punidos pelas penas expulsivas, para o desempenho das funções nesses cargos e lugares particularmente exigentes em termos de dignidade e de confiança, se for caso disso, a tal inabilitação carece sempre de ser especificamente regulamentada por via do acto legislativo stricto senso.
8. A falta da causa de pedir não é suprível nos termos prescritos no disposto no artº 88º/1 e 2 do CPA, que tem em vista apenas a suprimento da falta de provas.

Resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência julgar improcedente o recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 3 UC.

Registe e notifique.

RAEM, 09NOV2017
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Mai Man Ieng
901/2016-20