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Processo n.º 40/2017
Recurso penal
Recorrentes: A, B e C
Recorrido: Ministério Público
Data da conferência: 29 de Novembro de 2017
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Omissão de pronúncia
- Nulidade de leitura das declarações anteriores
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada

SUMÁRIO
1. Se o Tribunal de Segunda Instância não se pronunciou sobre a questão de atenuação especial da pena ou dispensa de pena colocada pelo recorrente no recurso interposto da decisão de 1.ª instância, verifica-se a nulidade do acórdão prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil.
2. A nulidade, derivada da falta de menção em acta de audiência da permissão e justificação legal da leitura das anteriores declarações do arguido, deve ser arguida nos termos da al. a) do n.º 3 do art.º 107.º do Código de Processo Penal, pelo que fica sanada se não foi arguida pelo arguido presente antes de terminar a audiência de julgamento.
3. O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada só se verifica quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.
4. E não se verifica o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada relativamente a factos não constantes da acusação ou da pronúncia, nem suscitados pela defesa, e de que não resultou fundada suspeita da sua verificação do decurso da audiência, nos termos do disposto nos art.ºs 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 24 de Fevereiro de 2017, A, B e C, arguidos melhor identificados nos autos, foram condenados, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 9 anos e 6 meses de prisão (no caso de 1.º arguido) e na pena de 12 anos de prisão (no caso de 2.º e 3.º arguidos).
Inconformados com a decisão, todos os arguidos recorreram para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu negar provimento aos recursos.
Vêm agora os arguidos recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando nas suas motivações do recurso as seguintes conclusões:
- Recurso do arguido A
1. O recorrente foi condenado, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 9 anos e 6 meses de prisão efectiva.
2. O crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p. e p. pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 é punível com pena de prisão de 3 a 15 anos.
3. O recorrente interpôs recurso para o TSI, por entender ser excessivamente severa a pena que lhe foi aplicada pelo tribunal colectivo do TJB.
4. O TSI negou provimento ao recurso interposto pelo recorrente.
5. Na opinião do recorrente, o TJB e o TSI, ao proferirem as decisões, ambos violaram o art.º 40.º, n.ºs 1 e 2 e o art.º 65.º do Código Penal de Macau.
6. O acórdão recorrido não atendeu cabalmente à moldura penal do crime por que foi condenado o recorrente, às circunstâncias concretas apuradas nos autos, e, em particular, às que depunham a favor do recorrente, designadamente:
a) O recorrente é delinquente primário, não tem qualquer antecedente criminal em Macau;
b) O recorrente apenas possui, como habilitações literárias, o 7º ano de escolaridade. Tem a seu cargo a mãe e dois irmãos mais novos.
c) O recorrente prestou colaboração muito activa durante o inquérito;
d) O recorrente confessou os factos que lhe foram imputados; e
e) O recorrente só ficou seduzido pela associação de traficantes de drogas a praticar os factos em causa, devido às condições do seu meio familiar e aos encargos económicos pesados.
7. Ademais, afigura-se ao recorrente que o acórdão recorrido não levou em plena consideração o preceituado no art.º 40.º, n.º 1, in fine do Código Penal, que se refere à finalidade de “reintegração do agente na sociedade”, nomeadamente:
a) O recorrente tem nacionalidade malásia, não é residente de Macau;
b) O recorrente, que não é falante da língua materna chinesa, terá dificuldades em comunicar e se dar bem com os outros reclusos e os funcionários da Direcção dos Serviços Correccionais. Acredita-se que durante o longo período de cumprimento da pena, terá dificuldade em comunicar e se dar bem com os outros;
c) Acresce que para o recorrente que apenas concluiu o 7º ano de escolaridade, a pena de 9 anos e 6 meses de prisão efectiva conduzirá ao seu isolamento face à comunidade em que vive, tornando difícil a sua reinserção na sociedade.
d) Desde que ficou em prisão preventiva até ao presente, o recorrente tem apresentado bom desempenho.
e) Quando tiver sido cumprida a pena, o recorrente não permanecerá em Macau, mas sim regressará ao seu local de origem, sendo, portanto, pouco provável que ele venha a cometer novos crimes em Macau. Por isso, a pena aplicada nesta causa permitirá ao recorrente aprender a lição e fixá-la na mente, impedindo o mesmo da prática de futuros crimes.
8. Portanto, entende o recorrente ser inadequada e desproporcionada a pena de 9 anos e 6 meses de prisão efectiva a que foi condenado.
- Recurso do arguido B
1. O recorrente foi condenado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 12 anos de prisão efectiva.
2. O recorrente interpôs recurso para o TSI, por entender ser excessivamente severa a pena que lhe foi aplicada pelo tribunal colectivo do TJB.
3. O TSI negou provimento ao recurso interposto pelo recorrente.
4. Em sede de recurso, foi indicado pelo recorrente que este mesmo, no dia em que foi preso, mesmo depois de ter escapado, com êxito, do seguimento policial, desistiu voluntariamente de prosseguir na execução do crime e dirigiu-se aos agentes policiais.
5. O recorrente também prestou colaboração activa durante o inquérito.
6. Assim sendo, afigura-se ao recorrente que nos termos do art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou haver lugar à dispensa de pena.
7. No entanto, o tribunal colectivo do TSI (o acórdão recorrido) não se pronunciou sobre esta matéria.
8. De acordo com o art.º 4.º do Código de Processo Penal de Macau, “Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal.”
9. Ao abrigo do art.º 571.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “É nula a sentença: d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
10. Por isso, deve ser declarado nulo o acórdão recorrido.
11. Ademais, na opinião do recorrente, o TJB e o TSI, ao aplicar-lhe e manter a pena de 12 anos de prisão efectiva, violaram o art.º 40.º, n.ºs 1 e 2 e o art.º 65.º do Código Penal de Macau.
12. O acórdão recorrido não atendeu cabalmente à moldura penal do crime por que foi condenado o recorrente, às circunstâncias concretas apuradas nos autos, e, em particular, às que depunham a favor do recorrente, designadamente:
a) O recorrente é delinquente primário, não tem qualquer antecedente criminal em Macau;
b) O recorrente tem a seu cargo o pai, dois filhos e a esposa;
c) O recorrente só ficou seduzido pelo amigo a praticar crime em Macau por se encontrar em dificuldades financeiras;
d) Durante o inquérito, o recorrente prestou colaboração muito activa, nomeadamente, confessou sem reserva os factos, estava disposto a cooperar com a polícia, consentiu e outorgou ao pessoal da Polícia Judiciária o poder de averiguar o conteúdo do seu telefone, e sentia arrependimento pelo crime que tinha cometido, prestando, por isso, às autoridades os dados, as características de dois indivíduos envolvidos no caso sub judice (F e G) e as formas como os encontrar;
e) O recorrente, no dia em que foi interceptado, mesmo depois de ter escapado, com êxito, do seguimento policial, decidiu, por vontade própria, desistir na execução do crime, voltando para o hotel por sua iniciativa para se entregar aos agentes da Polícia Judiciária; e
f) O recorrente, desde que foi preso devido à prática de crime até ao presente, tem apresentado bom desempenho.
13. Por esse motivo, deverá, em consonância com o art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, ser concedida ao recorrente a atenuação especial da pena.
14. Caso assim não se entenda, sempre será aplicável o art.º 66.º, n.º 1 do Código Penal, para que a pena seja especialmente atenuada ao recorrente.
15. Se assim também não se entender, então deverá determinar-se ao recorrente uma pena adequada e proporcional em atenção ao disposto no art.º 65.º do Código Penal, sobretudo às circunstâncias que depõem a favor do recorrente.
16. Além disso, entende o recorrente que o acórdão recorrido não levou em plena consideração o preceituado no art.º 40.º, n.º 1, in fine do Código Penal, que se refere à finalidade de “reintegração do agente na sociedade”, nomeadamente:
a) O recorrente não é residente de Macau, mantém boas relações afectivas com os familiares;
b) No período de prisão preventiva, o recorrente já sentia remorsos e arrependimento pela sua conduta;
c) O recorrente fixará na mente as consequências graves geradas pela prática do crime, o que demonstra, suficientemente, que o mesmo decerto obedecerá à lei no futuro sem cometer novos crimes, ficando, assim, impedido de cometer novos crimes;
d) Viver na prisão por um longo período de 12 anos irá separá-lo da família e da sociedade, tornando, deste modo, difícil a sua reinserção social (seja na sociedade nacional, seja na nigeriana) depois da libertação; e
e) Quando tiver sido cumprida a pena, será impossível o recorrente continuar a permanecer em Macau, pelo que se mostra bastante baixa a probabilidade de o mesmo voltar a cometer crimes em Macau.
17. Face ao exposto, considera o recorrente que a pena de 12 anos de prisão efectiva é inadequada e desproporcionada.
- Recurso do arguido C
1. Existe, no caso sub judice, susceptibilidade de impugnação do douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância, uma vez que o presente recurso se não reconduz a nenhuma das hipóteses de inadmissibilidade (de recurso) previstas no Código de Processo Penal, maxime as do n.º 1 do artigo 390.º.
2. Por decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base nos autos do processo n.º CR3-16-0318-PCC foi o 3º Arguido, ora Recorrente, condenado na pena de 12 anos de prisão pela prática em coautoria material e na forma consumada de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p.p. pelo n.º 1 do artigo 8.º da Lei 17/2009, de 30 de Julho.
3. Inconformado com decisão interpôs o 3º Arguido recurso para o Tribunal de Segunda Instância cujos fundamentos se deixam aqui integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
4. Decidindo do mérito do sobredito recurso, veio o Venerando Tribunal de Segunda Instância proferir decisão no sentido de negar provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, considerando não existir o imputado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e bem assim considerando já sanada a nulidade invocada.
5. Sendo certo que é desta decisão de que ora se interpõe o presente recurso, porquanto não pode o ora Recorrente se conformar com a mesma, a qual, salvo devido respeito, se encontra ferida quer de erro de direito, quer de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quer com a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, tudo conforme, respectivamente, previsto no n.º 1, n.º 2 alínea a) e n.º 3 do art.º 400.º do Código de Processo Penal.
6. Salvo o devido respeito, que é muito, o douto acórdão «esqueceu» a natureza jurídica do crime de tráfico de estupefacientes, que é um «crime exaurido ou de empreendimento», onde dada a largueza normativa do tipo legal de crime, há uma «equiparação típica entre a tentativa e consumação do crime», desde que o arguido tenha praticado qualquer uma das condutas tipificadas nesse tipo legal de crime,
7. O que, ao não ter acontecido, deveria ter levado o acórdão recorrido a pronunciar-se expressamente sobre o preenchimento integral do tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes (art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009) no que se refere a cada uma das condutas típicas ali previstas, e cuja ausência da verificação das mesmas foi suscitada no recurso interposto.
8. O que significa que o douto acórdão recorrido deveria ter identificado, nomeadamente, se o 3º Arguido praticou qualquer uma das condutas típicas previstas no tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes, tais como a «colocação à venda», o «oferecimento, a venda, a distribuição, a cedência, a compra, o recebimento, o transporte, a importação, a exportação, o trânsito ilegal, e, finalmente, se tal detenção ocorrera fora dos casos previstos no n.º 1, do art.º 14.º da Lei n.º 17/2009.
9. Assim, o douto acórdão recorrido ao limitar-se a remeter a análise do preenchimento integral do tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes para o acórdão condenatório emitido pelo Tribunal Judicial de Base (p. 5 do acórdão recorrido) onde tal identificação também não aconteceu, para além de ter incorrido no mesmo vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto na alínea a) do n.º 2 do art.º 400.º do Código de Processo Penal de Macau (CPMM) acaba por incorrer no vício de omissão de pronúncio (art.º 360.º, n.º 2, do CPMM, com referência ao art.º 355.º, n.º 2, do CPPM).
10. Mais: incorreu na violação do princípio da unidade, da identidade, da indivisibilidade, e da consunção do objecto do processo penal – numa palavra o douto acórdão recorrido violou o «mandado de esgotante apreciação do ilícito» submetido à sua cognição e que se encontra intimamente ligado com o princípio da plenitude das garantias de defesa do arguido (art.º 32.º, da Lei Básica de Macau).
11. Salvo o devido respeito, o Venerando Tribunal recorrido violou um dos mais importantes princípios do objecto do processo penal que se interliga com o princípio da legalidade criminal (art.º 1.º, n.º 1 e 3, do Código Penal de Macau e art.º 29.º, n.º 1, da Lei Básica de Macau): o princípio da vinculação temática do tribunal, que tem como corolários lógicos, os sub-princípios da unidade, da identidade, da indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal submetido à cognição do tribunal num dado processo penal.
12. Segundo FIGUEIREDO DIAS, é a este efeito que se chama vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal, ou seja, os princípios segundo os quais o objecto do processo deve manter-se o mesmo, da acusação ao trânsito em julgado da sentença, deve ser conhecido e julgado na sua totalidade (unitária e indivisivelmente); e – mesmo quando o não tenha sido – deve considerar-se irrepetivelmente decidido.
13. Efectivamente, o problema central do objecto do processo penal é o da procura do equilíbrio entre o interesse público da aplicação do direito criminal, mediante a eficaz perseguição dos delitos cometidos, e o direito impostergável do arguido a um processo penal que assegure todas as garantias de defesa.
14. Assim, a identidade do objecto do processo não poderá definir-se tão rígida e estreitamente que impeça um esclarecimento suficientemente amplo e adequado da infracção imputada e da correlativa responsabilidade, mas não deverá também ter limites tão largos ou tão indeterminados que anule a garantia implicada pelo princípio acusatório e que a definição do objecto do processo se propõe justamente realizar.
15. O Venerando Tribunal recorrido estava legal (art.º l.º, n.º 1 e 3 do Código Penal de Macau) e constitucionalmente (art.º 29.º, n.º 1, art.º 32.º, ambos da Lei Básica de Macau) obrigado a conhecer (exaustivamente) toda a matéria ilícita – típica submetida à sua cognição (princípio da unidade ou da indivisibilidade do objecto do processo penal), na medida em que uma tal cognição corre no mesmo sentido do princípio da celeridade processual, e, reflexamente, das próprias garantias processuais de defesa do arguido.
16. Na verdade, salvo o devido respeito, a douta decisão recorrida olvida o essencial: a menção de que o princípio da celeridade processual consiste em que o arguido deve ser julgado no mais curto espaço de tempo compatível com as suas garantias de defesa, e, fundamentalmente com o princípio da presunção de inocência que “unta” o estatuto processual do arguido (art.º 29.º, n.º 2, 2ª parte da Lei Básica de Macau).
17. A douta decisão recorrida ao recusar a cognição de toda a matéria ilícita – típica a que alude os presentes autos, e, daí privando ao arguido a possibilidade de se defender, inclusive, sobre a matéria ilícita típica respeitante ao tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes, incorreu na nulidade de omissão de pronúncia (art.º 360.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal de Macau (CPPM), com referência ao art.º 355.º, n.º 2, do CPPM).
18. Porquanto, impendia sobre a douta decisão recorrida um mandado de esgotante apreciação do ilícito de tráfico de estupefacientes, daquele “pedaço de vida”, daquele “facto histórico unitário”, é dizer, daquele concreto e específico facto ilícito – típico sujeito à cognição do tribunal naquele processo penal,
19. Com efeito, só a (estrita) obediência ao mandado de esgotante apreciação do ilícito ocasionará a curial (e desejável) densificação quer do princípio da plenitude das garantias de defesa do arguido (art.º 29.º, n.º 2, 1ª parte da Lei Básica de Macau), quer do princípio da presunção da inocência (art.º 29.º, n.º 2, 2ª parte da Lei Básica de Macau).
20. Assim, atenta a reconhecida relação de complementaridade funcional que existe entre a lei penal material e a lei processual penal, e de se dar primazia ao conhecimento integral de todas as condutas típicas do tipo de ilícito, forçoso é reconhecer uma dimensão adjectiva desse princípio: ao arguido assiste sempre um direito subjectivo absoluto de exigir a integral valoração do ilícito que lhe foi imputado, em homenagem ao princípio da plenitude das garantias de defesa (art.º 32.º, da Lei Básica de Macau).
21. Algo a que, salvo o devido respeito, a douta decisão recorrida se eximiu, ao subtrair – se ao (legalmente) devido conhecimento de toda a matéria ilícita – típica submetida à sua cognição, donde, conforme se deixou antecipado, a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (art.º 360.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal de Macau (CPPM), com referência ao art.º 355.º, n.º 2, do CPPM).
22. Acresce que a douta decisão recorrida enferma ainda doutro vício: o da inconstitucionalidade material por violação do princípio da legalidade (art.º 1.º, n.º 1 e 3, do Código Penal de Macau, e art.º 29.º, n.º 1, da Lei Básica de Macau).
23. Consabidamente, nos quadros de um Estado de Direito Democrático, como o da Região Administrativa Especial de Macau, estão em rota de colisão duas vertentes do princípio da legalidade criminal: de um lado, o princípio da legalidade da perseguição penal, inclui no seu âmbito, dois eixos fundamentais: temos, de um lado, o Estado-Juiz com o indesmentível interesse e valor social de perseguir o arguido, a chamada pretensão de punição, levando, desse jeito, a cabo uma das suas funções primaciais: a realização da justiça penal, e temos, do outro lado, o interesse de todos os membros da comunidade jurídica, logo também o interesse individual de cada um, de saber, de conhecer a Magna Charta do arguido em toda a sua extensão.
24. É um princípio, todavia, carregado de sentido: são a mais categórica afirmação que, para o Direito Penal, a liberdade pessoal (art.º 28.º, n.º 1, da Lei Básica de Macau) tem sempre um especial valor mesmo em face das prementes exigências comunitárias que justificam o poder punitivo.
25. O facto do princípio da legalidade exigir que num momento inicial do processo de aplicação se abstraia de qualquer fim ou valor decorre de uma opção “axiológica” de fundo que é a de, nas situações legalmente imprevistas, colocar a liberdade dos cidadãos acima das exigências do poder punitivo.
26. Assim se justifica que nem mesmo os erros e falhas do legislador possam ser corrigidos pelo intérprete contra o arguido. É o que bem explica o FIGUEIREDO DIAS: Esquecimentos, lacunas, deficiências de regulamentação ou de redacção funcionam, por isso, sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) abranger na punibilidade também outros comportamentos. Neste sentido se tornou célebre a afirmação de v. Liszt segundo a qual a lei penal constitui a Magna Charta do criminoso.
27. O que significa, que o princípio da legalidade penal, ao ter como objectivo primacial a garantia pessoal de não punição do arguido fora do domínio da legalidade, acaba por correr – e decisivamente – no caminho da densificação da dignidade da sua pessoa humana (art.º 30.º, n.º 1, da Lei Básica de Macau).
28. Quer porque o arguido não pode ser punido fora do “chapéu-de-chuva” da legalidade penal, sob a veste dos seus corolários de lei prévia, certa, escrita, estrita (art.º 1.º, n.º 1 e 3, do Código Penal de Macau, e art.º 29.º, n.º 1, da Lei Básica de Macau), quer porque todo o processo punitivo da máquina estadual da Região Administrativa Especial de Macau se desenrola – natural e necessariamente – sob o manto da legalidade penal, que, por seu turno, tem como razão de ser a defesa intransigente dos direitos fundamentais dos cidadãos.
29. Tendo como fio condutor o que acima se disse em relação ao mandado de esgotante apreciação do ilícito (art.º 1.º, n.º 1 e 3, do Código Penal, art.º 29.º, n.º 1, da CRP), e, fundamentalmente, tendo em conta a qualificação jurídica de crime exaurido ou de empreendimento dada ao tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes (art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009).
30. Com efeito, no tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes: há uma equiparação típica entre a tentativa e a consumação. A um qualquer acto de execução equivale a consumação material do crime. Tentar cometer um facto, já é, na realidade, consumá-lo.
31. É dizer: bastaria a realização de uma das condutas típicas previstas no tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes (art.º 8.º, n.º, da Lei n.º 17/2009) para se consumar esse crime.
32. No caso concreto, não resultou da douta decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base nem tão pouco da decisão ora recorrida quais os elementos do tipo legal do crime de tráfico de estupefacientes é que se deram por verificados (integral ou mesmo parcial).
33. Concretizando: a condenação do 3º Arguido C não foi precedida da análise do preenchimento (integral ou mesmo parcial) de uma das condutas típicas previstas do tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes, o que sempre seria necessário para o respeito integral do princípio da legalidade criminal (art.º 1.º, n.º 1 e 3, do Código Penal de Macau, art.º 29.º, n.º 1, da Lei Básica de Macau).
34. Por conseguinte, a douta decisão recorrida ao eximir-se à verificação do preenchimento (integral ou parcial) das condutas típicas previstas e punidas no tipo legal de crime do art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, maximizou as razões imperativas de interesse geral para exigir a punição do 3º Arguido C e, minimizou o princípio da legalidade criminal (art.º 1.º, n.º 1 e 3, do Código Penal de Macau) art.º 29.º, n.º 1, da Lei Básica de Macau que preside à interpretação (e aplicação) de qualquer norma jurídica de natureza penal.
35. Ao decidir da forma como decidiu, sem a verificação do preenchimento integral ou parcial das condutas típicas previstas no tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes, a douta decisão recorrida violou o mandado de esgotante apreciação do ilícito que emerge do princípio da legalidade penal (art.º 1.º, n.º 1 e 3, do Código Penal de Macau) e que lhe era constitucionalmente imposto (art.º 29.º, n.º 1, da Lei Básica de Macau).
36. Além do que já se deixou exposto, salvo o devido respeito que lhe é devido, a douta decisão recorrida incorreu, ainda, noutro vício: o da incorrecta aplicação da «teoria do domínio da organização» de inspiração alemã.
37. A este propósito afirmou-se no acórdão proferido em Primeira Instância que “Os quatro suspeitos “D”, “E”, “F” e “G” são membros dum grupo do Tráfico da droga transfronteiriço internacional, servindo Macau como estação de trânsito, para transportarem drogas dos países do Sudeste Asiático ou do Oriente médio para Hong Kong ou para o Interior da China por Macau.”
38. “Na primeira metade de 2016, o 2º Arguido B e 3º Arguido C, com a finalidade de adquirirem benefícios patrimoniais, aceitaram o suspeito “F” para receberem as drogas da pessoa designada por este suspeito e transportarem-nas para Hong Kong.” – tradução livre e destacado nosso.
39. Sendo que contra tais argumentos insurgiu-se o Recorrente no recurso por si interposto, designadamente, alegando que dos autos não resultava qualquer prova que determinasse que o 3º Arguido ora Recorrente manteve qualquer contacto com os alegados suspeitos “D”, “E”, “F” e “G” que alegadamente são membros dum grupo do Tráfico da droga transfronteiriço internacional, servindo Macau como estação de trânsito, para transportarem drogas dos países do Sudeste Asiático ou do Oriente médio para Hong Kong ou para o Interior da China por Macau; ou sequer, dos autos se poderia retirar que o 3º Arguido, conhecesse o suspeito “F”.
40. Razão pela qual, tal facto de modo algum poderia sequer servir para fundamentar ou justificar que a prática de qualquer dos factos por parte do 3º Arguido no âmbito dos presentes autos tendo por fim, mesmo que indireto, a prossecução de uma qualquer atividade relacionada com o Tráfico da droga transfronteiriço internacional que pudesse, eventualmente, ser praticada pelos referidos suspeitos.
41. Porém, salvo o devido respeito, que é muito, o douto acórdão recorrido chegou a uma conclusão que não tem contacto com a realidade factual vertida nos presentes autos.
42. Numa palavra, não resultam dos presentes autos quaisquer elementos técnico-jurídicos reconduzíveis a um verdadeiro «domínio da organização» talqualmente foi pensada pelo penalista alemão CLAUS ROXIN, que pressupõe, por um lado, a prova de um i) «aparelho organizado de poder»; ii) o «domínio da vontade», ao nível da comparticipação, do «instrumento da prática do crime» (neste caso, do 3º Arguido C), e, por fim, iii) a «fungibilidade» do «instrumento da prática do crime» no âmbito do «domínio da organização».
43. Caso quisesse a douta decisão de Primeira Instância, considerar como autores mediatos os «homens de trás» que comandam «aparelhos organizados de poder» – o tal «grupo organização com contactos a nível internacional –, teria que se entender que executaram o facto “por intermédio de outrem”, in casu, o 3º Arguido C.
44. Nesse caso, a douta decisão teria que percorrer todas as categoriais dogmáticas do «domínio da organização» e determinar, com base em factos concretos, i) o «aparelho organizado de poder»; ii) a «organização para a prática de crimes»; iii) o «domínio da vontade» dos «instrumentos para a prática do crime» (dentre os quais, o 3º Arguido C); e, por fim, iv) a «fungibilidade do instrumento da prática do crime»;
45. Pelo que, não o tendo feito, tendo tal sido suscitado, não estaria o Venerando Tribunal recorrido em condições de confirmar o envolvimento do 3º Arguido em qualquer organização de forma a determinar a sua indubitável intervenção na prática do crime pelo qual foi condenado. Incorrendo por isso em vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nos termos da alínea a) do n.º 2 do art.º 400.º do CPPM.
46. Aqui chegados, e por todos os fundamentos que já se deixaram supra expostos, não pode o Recorrente se não manter a sua posição de que fora condenado a uma pena de prisão de 12 anos pela prática na coautoria matéria e de forma consumada de um crime de trafico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º da Lei 17/2009, por ter permanecido no mesmo quarto de hotel do seu amigo, por ter ido e voltado com o amigo ao aeroporto de Macau, por ter comprado uma mala de mão para esse amigo e apanhado um táxi para o terminal de Jetfoil e bem assim comprado o bilhete para Hong Kong de onde é residente permanente!
47. E, nem tão pouco se alegue que a prova de que o 3º Arguido praticou um qualquer facto consubstanciador da prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º da Lei 17/2009 estará no facto de “O 1º Arguido alterou a sua declaração anterior na audiência de julgamento, dizendo que não tinha dito à Polícia e ao juiz do JIC que o 3º Arguido no aeroporto lhe disse que era a pessoa que recebe as mercadorias; e que de acordo com o regra de experiência, o declaração do Arguido no início é mais acreditável”.
48. Porque, primeiramente, tal alegada contradição não determina, por si só, a pratica pelo 3º Arguido de um qualquer crime,
49. Em segundo lugar, tais declarações resultam de um meio de prova proibida cuja nulidade foi invocada pelo Recorrente por falta de menção em acta da permissão e justificação legal da leitura das anteriores declarações do 1º Arguido.
50. Nulidade essa, que embora a decisão recorrida diga tratar-se de uma nulidade já sanada por não ter sido invocada em sede de audiência de discussão e julgamento, é do humilde entendimento do Recorrente que, tal argumento, salvo devido respeito, também não deverá colher pelas razões e fundamentos que passarão a explicar:
51. Na fundamentação aduzida no acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância entendeu esse douto Tribunal que: “ (...) Quanto aos factos imputados ao 3º Arguido, nos termos dos provas obtidas neste processo, nomeadamente os declarações dos 1º e 2º Arguidos, as informações de comunicação nos telemóveis dos 2º e 3º Arguidos, a declaração dos inspectores da Polícia Judiciária, de acordo com a regra de experiência, este Tribunal Colectivo entende que ficam provados os factos imputados ao 3º Arguido.”
52. Sendo certo que no que respeita à prova obtida por via das declarações dos coarguidos refere-se o douto acordão ao facto de “(…) O 1º Arguido alterou a sua declaração anterior na audiência de julgamento, dizendo que não tinha dito à Polícia e ao juiz do JIC que o 3º Arguido no aeroporto lhe disse que era a pessoa que recebe as mercadorias; de acordo com a regra de experiência, a declaração do Arguido no início é mais acreditável;” – tradução livre e destacado nosso.
53. Ora, em sede de recurso interposto para o Venerando Tribunal recorrido, alegou o Recorrente que tal declaração anterior por parte do 1º Arguido nunca poderia fundamentar a decisão que fora proferida em Primeira Instância, porquanto, a mesma tratar-se-ia de prova proibida cuja valoração estaria vedada por parte daquele Tribunal, em virtude de não terem sido cumpridos os requisitos formais previstos nos artigos 338.º n.º 2, ex. vide art.º 337.º n.º 8, ambos do Código de Processo Penal.
54. Ao que a decisão ora recorrida se pronuncia decidindo não se tratar de prova proibida, porquanto, não tendo o Recorrente invocado em audiência de discussão e julgamento a referida nulidade, a mesma ter-se-ia por sanada,
55. E como tal, legitimada estava a invocação de tal fundamento na decisão de Primeira Instância.
56. Acontece que, tendo somente tido o Recorrente conhecimento do referido fundamento em sede de decisão final proferida em Primeira Instância, não se vislumbra em que termos deveria ou, sequer poderia, a referida nulidade ter sido arguida em sede de audiência de discussão e julgamento!
57. Não obstante de na audiência de discussão e julgamento nunca se ter referido que se estaria a proceder à leitura das declarações anteriores do 1º Arguido, a permissão e justificação legal da leitura de tais declarações, também não ficou a constar da acta.
58. Daí que, somente em sede de recurso da decisão de Primeira Instância e depois de confirmado o teor da acta da audiência de discussão e julgamento estava o Recorrente em condições de exercer o contraditório e arguir a nulidade em causa.
59. Porque nada tendo sido dito em audiência de discussão e julgamento acerca da referida leitura das declarações anteriores do lº Arguido, não poderia o Recorrente adivinhar que um dos fundamentos da sua condenação em decisão de Primeira Instância seria justamente as declarações anteriormente prestadas pelo lº Arguido, que, no entendimento daquela decisão, seriam alegadamente mais credíveis.
60. Donde que, salvo o devido respeito que nos merece, não se percebe em que termos deveria a nulidade arguida na decisão recorrida ter sido invocada em sede de discussão e julgamento sob pena ter-se a mesma por sanada, por extemporaneidade no momento da sua arguição, ao ser invocada em sede de recurso, conforme se alega na decisão proferida pelo Venerando Tribunal recorrido.
61. É que, ao assim ser, ao Recorrente escapa o acesso ao direito ao contraditório que legalmente lhe deveria ter sido assegurado, o que, salvo devido respeito, não se pode conceber. Pelo menos é o que resulta das anotações feitas ao art.º 360.º do Código de Processo Penal em – Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau, Manuel Leal – Henriques, Juiz Conselheiro Jubilado do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal e Formador do Centro de Formação Jurídica e Judiciária – Vol. II, pag. 836 e 837.
62. Por todo o exposto, justificada parece estar a posição do Recorrente ao não concordar com a decisão recorrida e a consequência legal que terá sido por ela determinada ao concluir pela sanação da nulidade invocada pelo Recorrente.
63. Consequentemente, não poderia a decisão recorrida ter dado por sanada a nulidade que fora invocada em sede recurso interposto pelo Recorrente sob pena de violação do Princípio do Contraditório cujas normas vertidas nos artigos 338.º n.º 2, ex. vide art.º 337.º n.º 8 nos termos conjugados do art.º 360.º, todos do Código de Processo Penal.
64. De todo modo, mesmo que sanada estivesse tal nulidade, o facto nela contido, por si só e desassociado de qualquer outro elemento probatório nunca seria suficiente para ser entendido como elemento integrador do crime de tráfico de ilícito de estupefacientes e por isso suscetível de, sozinho, sustentar a decisão condenatória que foi proferida contra o 3º Arguido C.
65. O que, necessariamente, continuaria a inquinar a decisão recorrida, desta feita, por manifesta insuficiência da matéria de facto provada prevista na alínea a) do art.º 400.º do CPPM em virtude da matéria de facto provada se apresentar insuficiente para a decisão de direito adequada.
66. Pois, com todo o respeito o Venerando Tribunal recorrido não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo e em cumprimento do princípio da legalidade.
67. Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a medida da pena concreta aplicada ao 3º Arguido C é manifestamente excessiva e desproporcional à intervenção meramente simbólica (e sem qualquer relevo prático para o cometimento do crime de tráfico de estupefacientes) na (alegada) prática dos factos a que aludem os presentes autos.
68. Porquanto, como bem aduz o Prof. Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.
69. O Código Penal de Macau, no seu art.º 40.º, n.º 2, condensa a teoria da «moldura da prevenção» criada por Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, o legislador que criou o Código Penal de Macau, referindo este Mestre que a «moldura da prevenção» condensa os princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso), resumindo assim a teoria penal defendida: 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma «moldura de prevenção geral de integração», cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; 4) Dentro desta «moldura de prevenção geral de integração» a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
70. Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida de necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida.
71. Assim, está bem de ver que o modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico – penal da Região Administrativa Especial de Macau comete à culpa a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena (art.º 40.º, n.º 2, do Código Penal de Macau) mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva.
72. Em face das considerações que antecedem, a aplicação, em concreto, da pena de 12 anos de prisão ao arguido C deveria ter sido precedida de uma ponderação de ambas as necessidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial positiva e, principalmente, do grau de participação (meramente simbólico e inexistente) do arguido na alegada prática dos factos ilícitos-típicos respeitantes aos presentes autos (Na doutrina portuguesa, Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 155 e ss).
73. O que significa que, atento o grau de participação do arguido (inexistente ou meramente simbólico), a conduta deste não se revestiu de qualquer relevo para a prática do tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes, pelo que a douta decisão recorrida, partindo da «moldura da prevenção» prevista no art.º 40.º, n.º 2, do Código Penal de Macau (e não a «teoria da margem da liberdade» de inspiração alemã como afirma a douta decisão recorrida a fls. 15), deveria ter ponderado essas circunstâncias atenuantes e aplicar, caso entenda que este praticou um crime (o que não se concede), uma pena ao arguido C mais consentânea com o grau de participação (reduzido ou nulo) na prática dos factos.
74. Por todo o exposto, seja em virtude das nulidades que supra se deixaram invocadas, designadamente, emergentes da omissão de pronuncia (art.º 360.º, n.º 2, alínea c), do CPPM, com referência ao art.º 355.º, n.º 2, do CPPM) e/ou violação do princípio da legalidade penal (art.º 1.º, n.º 1 e 3, do CPPM) e que lhe era constitucionalmente imposto (art.º 29.º, n.º 1, da Lei Básica de Macau),
75. Seja em virtude das também invocadas insuficiências para a decisão da matéria de facto provada prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 400.º do CPPM, deverá a decisão de que ora se recorre ser revogada por uma outra a proferir por esse Venerando Tribunal de Última Instância, a qual, venha declarar a absolvição do 3º Arguido pela prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º da Lei 17/2009.
76. Na eventualidade desse Venerando Tribunal de Ultima Instância se considerar impossibilitado de o poder fazer, deverão os presentes autos baixar ao Tribunal de Segunda Instância para que seja a decisão reformulada, e desta feita seja o 3º Arguido absolvido do crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º da Lei 17/2009.
77. Tudo isto, à semelhança daquilo que já fora decidido pelo Venerando Tribunal de Última Instância no âmbito do processo n.º 11/2001, de 30 de Julho de 2001 e n.º 7/2002 de 30 de Maio “(...) detectado pelo Tribunal de Última Instância o vício do art.º 400.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, não deve reenviar logo o processo para novo julgamento na primeira instância, mas remetê-lo ao Tribunal de Segunda Instância, para que este decida se pode sanar o vício ou se tem de reenviá-lo para novo julgamento”.
78. Pois, tendo sido requerido pelo Recorrente em sede de recurso interposto para o Tribunal de Segunda Instância que se procedesse à renovação da prova nos termos previstos no art.º 415.º do CPPM, estamos em crer que tal vício poderá ser suprido pelo Venerando Tribunal recorrido, recorrendo à análise dos documentos constantes dos autos a fls. 125 e 145v dos autos; imagens da vídeo vigilância do Hotel do dia 29/02/2016 entre as 07:56:12 e as 07:57:57 da manhã, cujas fotografias do referido visionamento constam de fls. 58v e 59 dos autos; Registos telefónicos constantes de fls. 502 a 505v; CD dos registos das chamadas telefónicas realizadas do telemóvel do 2º Arguido constante do CD 306/DIP/2016 – entre as 21:22 até às 22:58 do dia 29 de Fevereiro de 2016; sem que necessário seja reenviar os presentes autos ao Tribunal de Primeira Instância.

Respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência de todos os recursos.
Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição já assumida nas respostas às motivações do recurso.
Foram corridos vistos.

2. Factos
Nos autos foram apurados os seguintes factos:
- Os 4 suspeitos “D”, “E”, “F” e “G” são membros dum grupo internacional que se dedica ao tráfico transfronteiriço de drogas que, servindo Macau de um entreposto, transportam drogas duns países do Sudeste da Ásia ou do Médio Oriente para Hong Kong ou para o Interior da China.
- No 1º semestre de 2016, para obter interesse pecuniário, o 1º arguido A comprometeu-se perante o suspeito “E” a levar drogas do exterior para Macau e entregá-las ao indivíduo indicado pelo suspeito “E”.
- No 1º semestre de 2016, para obter interesse pecuniário, os 2º e 3º arguidos B e C comprometeram-se perante o suspeito “F” a receber drogas do indivíduo indicado por este, e transportá-las para Hong Kong.
- Em 21 de Fevereiro de 2016, conforme a ordem do suspeito “E”, o 1º arguido foi de avião da Malásia para Dubai (vide a fls. 184 dos autos).
- Em 29 de Fevereiro de 2016, de manhã, o 1º arguido recebeu de um indivíduo de identidade desconhecida indicado pelo suspeito “E” dois sacos plásticos de cor vermelha, branca e azul, com letras imprimidas “DUBAI DUTY FREE”, nos quais havia uns objectos de cor branca leitosa, empacotados em forma de ovo de ganso, e recebeu uma quantia no valor de USD$700,00, da qual um montante de USD$300,00 consistiu no 1º pagamento da remuneração do 1º arguido pelo tráfico de drogas e o restante montante de USD$400,00 era para entregar ao indivíduo que receberia as drogas em Macau como despesas para actividade de tráfico de drogas. O suspeito “E” disse ainda ao 1º arguido que este receberia uma outra remuneração no valor de USD$2.500,00 logo que ele conseguisse transportar as drogas para Macau e entregá-las ao indivíduo indicado.
- Em 29 de Fevereiro de 2016, à tarde, o 1º arguido levou os dois sacos referidos que continham os objectos de cor branca leitosa e viajou de avião de Dubai para Banguecoque (vide a fls. 185 dos autos). Em seguida, o 1º arguido levou os dois sacos referidos que continham os objectos de cor branca leitosa e viajou de avião de Banguecoque para Macau.
- Em 29 de Fevereiro de 2016, à noite, conforme a ordem do suspeito “F”, os 2º e 3º arguidos entraram do Interior da China em Macau (vide as fls. 125 e 145v. dos autos), com o fim de receber as drogas do indivíduo indicado pelo referido grupo de tráfico de drogas e de as transportar para Hong Kong.
- Em 29 de Fevereiro de 2016, pelas 21H04, os 2º e 3º arguidos chegaram ao [Hotel], tendo o 2º arguido feito o check-in com os seus dados de identidade no quarto n.º 607 (vide a fls. 86 dos autos), em que ficavam também hospedados os 2º e 3º arguidos.
- Em 1 de Março de 2016, pelas 5H19, conforme a ordem do suspeito “F”, os 2º e 3º arguidos saíram do quarto n.º 607 do [Hotel] (vide a fls. 57 dos autos) e foram ter com o indivíduo indicado pelo referido grupo de tráfico de drogas no Aeroporto Internacional de Macau para receber as drogas dele. Na altura, o suspeito “F” contou aos 2º e 3º arguidos as características da aparência do 1º arguido e o número de voo que este tomou.
- Em 1 de Março de 2016, pelas 6H07, os 2º e 3º arguidos chegaram ao Aeroporto Internacional de Macau, vagando no salão de imigração e esperando o indivíduo que o referido grupo de tráfico de drogas indicou para levar drogas para Macau.
- Em 1 de Março de 2016, pelas 6H28, o 1º arguido conseguiu entrar em Macau depois de fazer os trâmites de imigração, na altura, o 1º arguido ainda levava os dois sacos plásticos de cor vermelha, branca e azul, com letras imprimidas “DUBAI DUTY FREE”, nos quais se encontravam aqueles objectos de cor branca leitosa.
- A seguir, os 2º e 3º arguidos viram o 1º arguido no salão de imigração, confirmaram de acordo com as informações oferecidas pelo suspeito “F” que o 1º arguido era exactamente a pessoa que o referido grupo de tráfico de drogas ordenou para levar drogas para Macau, assim, o 3º arguido foi dizer ao 1º arguido que era a pessoa que o referido grupo de tráfico de drogas ordenou para receber as drogas em Macau e estava disposto a receber as drogas, quando o 2º arguido vigiava e tomava conta à distância (vide o auto de visionamento de videogravação constante das fls. 196 a 201 dos autos).
- Todavia, na altura o 1º arguido não conseguiu entrar em contacto por telefone com o suspeito “E”, assim, não podia confirmar a identidade do 3º arguido, pelo que não entregou ao 3º arguido os dois sacos plásticos de cor vermelha, branca e azul, com letras imprimidas “DUBAI DUTY FREE”, nos quais se encontravam os objectos de cor branca leitosa. Por conseguinte, conforme a prévia ordem do suspeito “E”, o 1º arguido foi ao [Hotel].
- Não tendo recebido as drogas do 1º arguido, os 2º e 3º arguidos ligaram imediatamente para o suspeito “F” para informar o sucedido. O suspeito “F” ordenou ao 2º arguido que telefonasse ao outro suspeito “G” para pedir nova instrução. Durante a conversa com o 2º arguido, o suspeito “G” ordenou-lhe voltar imediatamente ao [Hotel] para esperar o 1º arguido e disse que o 1º arguido iria dar-lhes as drogas no [Hotel].
- Deste modo, os 2º e 3º arguidos voltaram imediatamente ao [Hotel], em 1 de Março de 2016, pelas 6H54, chegaram ao salão do Hotel para esperar o 1º arguido.
- Em 1 de Março de 2016, pelas 7H38, o 1º arguido chegou ao [Hotel], tendo feito o check-in com os seus dados de identidade no quarto n.º 612 (vide a fls. 177 dos autos), na altura, o 1º arguido viu que os 2º e 3º arguidos estavam no salão do Hotel.
- E depois, o 1º arguido levou para o quarto n.º 612 os dois sacos plásticos de cor vermelha, branca e azul, com letras imprimidas “DUBAI DUTY FREE”, nos quais se encontravam os objectos de cor branca leitosa; os 2º e 3º arguidos voltaram ao quarto n.º 607.
- No quarto n.º 612, o 1º arguido conseguiu contactar por telefone o suspeito “E”, que lhe contou que os 2º e 3º arguidos eram as pessoas que o referido grupo de tráfico de drogas indicou para receber as drogas em Macau, e mandou o 1º arguido dirigir-se imediatamente ao salão do Hotel para lhes entregar os dois sacos plásticos de cor vermelha, branca e azul, com letras imprimidas “DUBAI DUTY FREE”, nos quais se encontravam os objectos de cor branca leitosa.
- Ao mesmo tempo, o suspeito “G” telefonou ao 2º arguido e ordenou-lhe dirigir-se imediatamente ao salão do Hotel para receber do 1º arguido os referidos dois sacos plásticos de cor vermelha, branca e azul, com letras imprimidas “DUBAI DUTY FREE”, nos quais se encontravam os objectos de cor branca leitosa.
- Em 1 de Março de 2016, pelas 7H57, os 1º e 2º arguidos encontraram-se no salão do Hotel, tendo o 1º arguido entregue ao 2º arguido os dois sacos plásticos de cor vermelha, branca e azul, com letras imprimidas “DUBAI DUTY FREE”, nos quais se encontravam os objectos de cor branca leitosa, e uma quantia de USD$400,00 como despesas para actividade de tráfico de drogas. A seguir, o 2º arguido levou imediatamente os objectos ao quarto n.º 607 (vide o auto de visionamento de videogravação constante das fls. 56 a 59 dos autos).
- Em seguida, o 3º arguido saiu e comprou uma mala de viagem de cor cinzenta com o referido dinheiro para actividade de tráfico de drogas. Por conseguinte, no quarto n.º 607 os 2º e 3º arguidos empacotaram de novo com diferentes sacos plásticos os objectos de cor branca leitosa contidos nos dois sacos recebidos do 1º arguido e colocaram-nos na mala de viagem recém-comprada, com o objectivo de os transportar para Hong Kong.
- De facto, a PJ já tinha recebido a informação e sabia que 3 arguidos, sob a ordem dum grupo de tráfico de drogas, iriam exercer actividade de tráfico de drogas em Macau, pelo que, desde que os 3 arguidos entraram em Macau, começou a vigiá-los.
- Em 1 de Março de 2016, pelas 10H30, quando os 2º e 3º arguidos saíram do [Hotel], os agentes da PJ seguiram-nos, depois de constatar os agentes da PJ os 2º e 3º arguidos fugiram separadamente, assim sendo, os agentes da PJ perseguiram-nos e conseguiram interceptá-los.
- Em seguida, os agentes da PJ interceptaram também o 1º arguido nas proximidades do [Hotel].
- Os agentes da PJ levaram os 2º e 3º arguidos para o [Hotel] e efectuaram uma busca ao quarto n.º 607 em que eles ficavam hospedados, tendo encontrado no armário situado perto da porta os seguintes objectos (vide o auto de busca e de apreensão constante de fls. 71 dos autos):
* Uma pequena mala de viagem de cor cinzenta, em que havia uma bolsa de ombro de cor castanha (marca: “TOP POWER”) e uma mini balança electrónica de cor prateada;
- Na referida bolsa de ombro de cor castanha havia um grande saco plástico de cor vermelha, branca e azul, com letras imprimidas “DUBAI DUTY FREE”, o qual continha 74 objectos em forma de ovo de ganso, empacotados com papel plástico transparente, com peso bruto de 1528,12g;
- No referido grande saco plástico de cor vermelha, branca e azul, com letras imprimidas “DUBAI DUTY FREE”, havia 4 sacos plásticos que continham objectos em forma de ovo de ganso, empacotados com papel plástico transparente, os detalhes vide o seguinte:
1. Um saco plástico de cor rosa, com letras imprimidas “Fu Loi Sao Son”, que continha 74 objectos em forma de ovo de ganso, empacotados com papel plástico transparente, com peso bruto de 1401,83g;
2. Um saco plástico de cor branca, com letras imprimidas “Sang Fa Seng”, que continha 67 objectos em forma de ovo de ganso, empacotados com papel plástico transparente, com peso bruto de 1037,34g;
3. Um saco plástico de cor rosa, com letras imprimidas “Fu Loi Sao Son”, que continha 82 objectos em forma de ovo de ganso, empacotados com papel plástico transparente, com peso bruto de 1791g;
4. Um saco plástico de cor branca, que continha 12 objectos em forma de ovo de ganso, empacotados com papel plástico transparente, com peso bruto de 247,4g;
- Após exame laboratorial, foi confirmado que os 74 objectos em forma de ovo de ganso, de cor branca leitosa, empacotados com papel plástico transparente, contidos no referido grande saco plástico de cor vermelha, branca e azul, com letras imprimidas “DUBAI DUTY FREE”, continham “Cocaína” controlada na Tabela I – B da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 1322,00g, e após análise quantitativa, verificou-se que a proporção de “Cocaína” era de 70,6%, com peso líquido de 933g; os 74 objectos em forma de ovo de ganso, de cor branca leitosa, empacotados com papel plástico transparente, contidos no referido saco plástico de cor rosa, com letras imprimidas “Fu Loi Sao Son”, continham “Cocaína” controlada na Tabela I – B da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 1248,53g, e após análise quantitativa, verificou-se substâncias de “Cocaína” de 72,2%, no peso líquido de 901g; os 67 objectos em forma de ovo de ganso, de cor branca leitosa, empacotados com papel plástico transparente, contidos no referido saco plástico de cor branca, com letras imprimidas “Sang Fa Seng”, continham “Cocaína” controlada na Tabela I – B da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 997,54g, e após análise quantitativa, verificou-se substâncias de “Cocaína” de 72,2%, no peso líquido de 720g; os 82 objectos em forma de ovo de ganso, de cor branca leitosa, empacotados com papel plástico transparente, contidos no referido saco plástico de cor rosa, com letras imprimidas “Fu Loi Sao Son”, continham “Cocaína” controlada na Tabela I – B da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 1636,14g, e após análise quantitativa, verificou-se substâncias de “Cocaína” de 72,1%, no peso líquido de 1180g; os 12 objectos em forma de ovo de ganso, de cor branca leitosa, empacotados com papel plástico transparente, contidos no referido saco plástico de cor branca, continham “Cocaína” controlada na Tabela I – B da Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 219,93g, e após análise quantitativa, verificou-se substâncias de “Cocaína” de 72,0%, no peso líquido de 158g (vide o relatório de exame constante das fls. 350 a 357 e 393 a 399 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
- A referida mala de viagem de cor cinzenta e a bolsa de ombro foram instrumentos que os 2º e 3º arguidos utilizaram para transportar drogas; a referida mini balança electrónica foi instrumento que 2º e 3º arguidos utilizavam para empacotar drogas.
- Na PJ, os agentes efectuaram uma revista ao 1º arguido, tendo encontrado na sua posse os seguintes objectos (vide o auto de apreensão constante da fls. 175 dos autos:
* Um cartão-chave do quarto n.º 612 do [Hotel];
* Uma folha de registo de hóspedes do [Hotel] (quarto n.º 612, do dia 1 de Março ao dia 2 de Março);
* 6 recibos de hospedagem no [Hotel(1)] de Dubai;
* 8 bilhetes de embarque de avião em nome de A;
* 5 registo das informações de voo em nome de A;
* Um telemóvel;
* Numerário no valor de MOP$600,00.
- O referido telemóvel foi instrumento de comunicação que o 1º arguido utilizava para exercer actividade de tráfico de drogas; o referido valor em numerário foi dinheiro obtido pelo 1º arguido através de tráfico de drogas.
- Na PJ, os agentes efectuaram uma revista ao 2º arguido, tendo encontrado na posse dele os seguintes objectos (vide o auto de apreensão constante da fls. 77 dos autos):
* Numerário no valor de USD$6.300,00;
* Numerário no valor de HKD$500,00;
* Uma folha de registo de hóspedes do [Hotel], do que consta o nome do 2º arguido e o n.º 607 do quarto;
* Um cartão-chave do quarto n.º 607 do [Hotel];
* 7 bilhetes de avisão electrónicos dos quais consta o nome do 2º arguido;
* 9 bilhetes de embarque de avião dos quais consta o nome do 2º arguido;
* Um recibo de hospedagem no “[Hotel(2)]” da Malásia do qual consta o nome do 2º arguido;
* Um recibo de West Union do qual consta “recebido por B”;
* Um livro de contas de cor azul e branca, ao qual se junta 4 papéis de conta;
* Um livro de contas de cor verde;
* 3 telemóveis;
- Os referidos valores em numerário foram dinheiro obtido pelo 2º arguido através de tráfico de drogas e dinheiro para despesas de actividade de tráfico de drogas; dos referidos dois livros de conta constam as despesas e rendimentos na actividade de tráfico de drogas pelo 2º arguido, bem como as informações das drogas recebidas; os referidos 3 telemóveis foram instrumento de comunicação que o 2º arguido utilizava na actividade de tráfico de drogas.
- Na PJ, os agentes efectuaram uma revista ao 3º arguido, tendo encontrado na sua posse os seguintes objectos (vide o auto de apreensão constante da fls. 138 dos autos):
* Numerário no valor de USD$1.345,00;
* Um bilhete de barco de Macau para Hong Kong no dia 1 de Março;
* 3 telemóveis;
- Os referidos valores em numerário foram dinheiro obtido pelo 3º arguido através de tráfico de drogas e dinheiro para despesas de actividade de tráfico de drogas; os referidos 3 telemóveis foram instrumento de comunicação que o 3º arguido utilizava na actividade de tráfico de drogas.
- Os 3 arguidos sabiam bem a natureza e as características das drogas referidas.
- Os 3 arguidos agiram livre, voluntaria e conscientemente ao praticar dolosamente a conduta referida.
- Sob a instrução do grupo de tráfico de drogas, sabendo que era proibido, o 1º arguido transportou do exterior para Macau as drogas controladas pela lei e entregou-as aos indivíduos indicados pelo grupo de tráfico de drogas, com o fim de facilitar a outrem transitar por Macau as drogas para o exterior.
- Sob a instrução do grupo de tráfico de drogas, sabendo que era proibido, os 2º e 3º arguidos receberam do indivíduo indicado pelo grupo de tráfico de drogas as drogas controladas pela lei e pretenderam transportá-las para o exterior.
- Os 3 arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida pela lei.
- Conforme o CRC, os 3 arguidos são primários.
- O 1º arguido declarou que, é vendedor de automóvel, auferindo mensalmente uma quantia de MYR$18.000.000,00, tem a seu cargo a mãe, um irmão mais novo e uma irmã mais nova, tem como habilitação académica o 1º ano da escola secundária.
- O 2º arguido declarou que, é comerciante, auferindo mensalmente uma quantia de USD$1.000,00, tem a seu cargo o pai, a mulher e dois filhos, tem como habilitação académica o ensino superior.
- O 3º arguido declarou que, é comerciante, auferindo mensalmente uma quantia de USD$4.000,00 a USD$6.000,00, tem a seu cargo os pais, um filho, uma filha, uma irmã mais nova e dois irmãos mais novos, tem como habilitação académica o ensino secundário.

3. Direito
3.1. Recurso do 1.º arguido A
Este recorrente coloca a única questão que se prende com a medida concreta da pena, alegando que a pena aplicada de 9 anos e 6 meses de prisão é inadequada e desproporcional.
Ora, nos termos do art.º 40.º n.º 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.º 2 do artigo.
No caso em apreciação, o crime pelo qual foi condenado o recorrente é punível com a pena de 3 a 15 anos de prisão.
A culpa, enquanto pressuposto da pena, tem de determinar-se, naturalmente, através de circunstâncias apuradas no caso concreto.
Ora decorre da factualidade assente que o recorrente não é residente de Macau e, para obter interesse pecuniário, agiu sob instrução do grupo internacional de tráfico de drogas transfronteiriço, tendo transportando droga do exterior para Macau, a fim de entregar a indivíduos indicados pelo mesmo grupo de tráfico de drogas, que iriam transitar a droga para fora de Macau.
Após exame laboratorial e análise quantitativa, verifica-se que a droga apreendida nos autos contém “Cocaína”, cujo peso líquido se totaliza em 3892g (933g+901g+720g+1180g+158g).
O circunstancialismo apurado nos autos revela sem dúvida que é muito intenso o dolo do recorrente e são muito graves os factos ilícitos.
E não resultam dos autos outras circunstâncias que militem a favor do recorrente, para além da confissão e de ser delinquente primário, que não são bastantes para a redução da pena pretendida pelo recorrente.
No que tange às finalidades da pena, são prementes as exigências de prevenção geral, face à realidade social de Macau, em que se tem detectado problemas graves relacionados com o tráfico e consumo de estupefacientes, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que põe em risco a saúde pública e a paz social.
Ponderado todo o circunstancialismo do caso concreto, nomeadamente as circunstâncias referidas no art.º 65.º do Código Penal, não se nos afigura excessiva a pena de 9 anos e 6 meses de prisão aplicada ao recorrente, que foi encontrada dentro da moldura penal fixada para o crime em causa e em função da culpa do recorrente.
Tal como tem entendido este Tribunal, “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”1, pelo que se não se estiver perante essas situações, como é no caso vertente, o Tribunal de Última Instância não deve intervir na fixação da dosimetria concreta da pena.
Improcede o recurso interposto pelo 1.º arguido.

3.2. Recurso do arguido 2.º B
Foram suscitadas duas questões: a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia e a medida concreta da pena aplicada.
Alega o recorrente que o Tribunal de Segunda Instância não se pronunciou sobre a questão de atenuação especial de pena ou dispensa de pena por si colocada, pelo que é nulo o acórdão recorrido nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil.
Ora, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
No recurso interposto para o TSI, o recorrente questiona a pena de 12 anos de prisão fixada pelo Tribunal Judicial de Base, pretendendo a atenuação especial de pena, ou até a dispensa de pena, ao abrigo do disposto no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009 invocando a sua apresentação voluntária à Polícia Judiciária e a colaboração activa na fase de inquérito, e, se assim não for entendido, a redução da pena aplicada.
E decorre do acórdão recorrido que, efectivamente, o TSI não se pronunciou sobre a questão de atenuação especial de pena, indo directamente à apreciação da segunda questão que se prende com a medida concreta da pena.
Não obstante o seu relacionamento com a medida concreta da pena, servindo até como fundamento para o pedido de redução da pena, certo é que a questão de atenuação especial da pena ganha sem dúvida certa autonomia, que merece, a nosso ver, um tratamento próprio, devendo o tribunal emitir uma pronúncia em especial.
De facto, nos termos do art.º 67.º do Código Penal, a atenuação especial da pena implica a redução dos limites máximos e mínimos da pena aplicável, caso em que o tribunal deve determinar a medida concreta da pena dentro da nova moldura penal.
Termos em que se nos afigura verificada a omissão de pronúncia invocada pelo recorrente, que conduz à nulidade do acórdão recorrido, na parte respeitante.
Daí que se determina a baixa dos presentes autos ao TSI, a fim de se pronunciar sobre a questão suscitada pelo recorrente e, eventualmente, aplicar a nova pena.
Fica prejudicado o conhecimento da segunda questão tocante à medida concreta da pena.

3.3. Recurso do 3.º arguido C
Foram imputados ao acórdão ora recorrido os vícios de erro de direito, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e ainda a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, previstos no n.º 1, n.º 2 alínea a) e n.º 3 do art.º 400.º do CPP.
É de notar que, em sede do recurso interposto para o Tribunal de Segunda Instância, o recorrente invocou o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a violação do princípio in dubio pro reo e a nulidade de leitura das declarações anteriormente prestadas pelo 1.º arguido, pedindo também a redução da pena, questões estas que foram todas apreciadas pelo TSI.
São, portanto, novas as outras questões ora suscitadas, tais como a nulidade por “omissão de pronúncio (art.º 360.º, n.º 2, do CPMM, com referência ao art.º 355.º, n.º 2, do CPPM)”, a violação do princípio da unidade, da identidade, da indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal, a violação do «mandado de esgotante apreciação do ilícito», a violação do princípio da vinculação temática do tribunal, a inconstitucionalidade material por violação do princípio da legalidade, a incorrecta aplicação da «teoria do domínio da organização» de inspiração alemã, etc..
Tratando-se das questões que não foram colocadas no recurso interposto para o TSI, razão porque não constituíram objectos da apreciação deste tribunal, são portanto questões novas, pelo que não é de conhecer tais questões.
Como é sabido, o recurso para o Tribunal de Última Instância tem como objecto o acórdão de segunda instância e não para apreciar questão que nunca foi alegada, a não ser de conhecimento oficioso.

3.3.1. Nulidade de leitura das declarações
Vamos começar por esta questão, que se prende com a prova.
Arguiu o recorrente a nulidade em causa, invocando a falta de menção em acta da permissão e justificação legal da leitura das anteriores declarações do 1.º arguido.
Ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 338.º do CPP, é permitida a leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido perante o juiz ou o Ministério Público, se houver contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência.
E nos termos do n.º 2 deste artigo, conjugado com o disposto no n.º 8 do art.º 337.º do CPP, “a permissão de uma leitura e a sua justificação legal ficam a constar da acta, sob pena de nulidade”.
No caso vertente, não se vê na acta de audiência de fls. 624 a 626 dos autos qualquer referência à leitura das declarações anteriormente prestadas pelo 1.º arguido, muito menos a menção à permissão e justificação legal dassa leitura.
O que se constata na fundamentação do acórdão de 1.ª instância feito pelo TJB é o seguinte:
- O Tribunal perguntou ao 1.º arguido porquê tinha dito à Polícia Judiciária e depois confirmado perante o Juiz de Instrução Criminal que no aeroporto o ora recorrente lhe disse ser a pessoa indicada para receber as mercadorias; respondeu o 1.º arguido que não tinha dito tais palavras.
- Em audiência de julgamento o 1.º arguido alterou as suas declarações anteriores, negando que tenha dito à Polícia Judiciária e depois confirmado perante o Juiz de Instrução Criminal que no aeroporto o ora recorrente lhe disse ser a pessoa indicada para receber as mercadorias.
- Segundo as regras de experiência, o tribunal considerou mais acreditáveis as declarações inicialmente prestadas pelo 1.º arguido.
Daí que permite concluir que no julgamento foram efectivamente lidas, ou pelo menos reveladas, as declarações do 1.º arguido, na parte ora em causa, ou seja, o 1.º arguido declarou à PJ e depois confirmou perante o juiz que no aeroporto o ora recorrente lhe disse ser a pessoa indicada para receber as mercadorias.
Como não consta da acta de audiência a permissão de leitura das declarações nem a sua justificação legal, verifica-se, de facto, a nulidade invocada pelo recorrente.
O Tribunal recorrido considera sanada tal nulidade, porque não foi tempestivamente arguida.
Sustenta o contrário o recorrente, alegando que só em sede de decisão final proferida pelo TJB teve conhecimento de que as declarações em causa serviram como fundamento para a decisão, não se vislumbrando em que termos deveria ou, sequer poderia, a referida nulidade ter sido arguida em sede de audiência de discussão e julgamento, tal como entende o tribunal recorrido.
Afigura-se-nos acolhível a tese do Tribunal recorrido.
Na verdade, não está em causa uma nulidade insanável, pelo que há de ser arguida no tempo legal.
Quanto à nulidade invocada pelo recorrente, dependente de arguição, aplica-se o disposto na al. a) do n.º 3 do art.º 107.º do CPP, segundo a qual, tratando-se da nulidade de acto a que o interessado assista, a nulidade deve ser arguida “antes que o acto esteja terminado”.
Com efeito, foram lidas em audiência de julgamento as declarações anteriormente prestadas pelo 1.º arguido, e estando todos os arguido (incluindo o ora recorrente) presentes e assistidos pelos seus Defensores, ninguém impugnou a leitura das declarações, muito menos arguiram nessa ocasião a nulidade em questão, pelo que se deve concluir que ficou sanada a nulidade invocada.
Daí que nada impede que o tribunal faça a devida valoração das declarações lidas para fundamentar a sua convicção e decisão.
Da previsão legal para arguir nulidade resulta que, em mente do legislador, a arguição de nulidade não depende de a respectiva prova servir como fundamento para a decisão, sendo certo que, desde que seja produzida em audiência de julgamento, a prova poderá ser valorada pelo tribunal, devendo o interessado fazer impugnação em tempo legal, a não ser nulidade insanável.
Improcede a argumentação do recorrente.

3.3.2. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
Como se sabe, este Tribunal de Última Instância tem entendido que, para que se verifique o vício em causa, “é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada”.2
E não se verifica o vício de insuficiência da matéria de facto quando os invocados factos a provar não constam da acusação ou de pronúncia, se a tiver havido, nem foram alegados pela defesa nem decorreram da discussão da causa.
Tendo em consideração a vinculação temática do tribunal de julgamento relativamente aos factos da acusação – ou da pronúncia, quando a haja – da contestação e da acção conexa, “só poderá haver insuficiência da matéria de facto se a lacuna no apuramento dos factos se referir a uma dos constantes das mencionadas peças processuais”.3
E por Acórdão de 24 de Novembro de 2010, proferido no Processo n.º 52/2010, o Tribunal de Última Instância reafirmou a posição no sentido de ocorrer o vício “quando a matéria de facto provada, se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos arts. 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.”
Portanto, “não se verifica o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada relativamente a factos não constantes da acusação ou da pronúncia, nem suscitados pela defesa, e de que não resultou fundada suspeita da sua verificação do decurso da audiência, nos termos do disposto nos arts. 339.º e 340.º do Código de Processo Penal”.
No presente caso, resulta dos autos o recorrente foi acusado pelo Ministério Público pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009.
Apresentou o recorrente a contestação, limitando-se, no entanto, a oferecer o merecimento dos autos, e arrolou todas as testemunhas constantes na acusação pública, enquanto os 1.º e 2.º arguidos não contestaram (fls. 597 e 598 dos autos).
Fica assim delimitado, em princípio, o objecto de julgamento do processo.
E o Tribunal Colectivo do TJB emitiu devidamente pronúncia sobre toda a meteria objecto do processo, dando como provados todos os factos imputados aos arguidos, e fez consignar no seu acórdão que não houve factos com pertinência para a decisão por provar.
Por outro lado, o tribunal fundamentou a sua convicção, ao comando do disposto no n.º 2 do art.º 355.º do CPP, expondo os motivos fácticos da sua decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.
Para além das declarações prestadas pelos arguidos, a convicção do tribunal sobre a intervenção do ora recorrente baseou-se também nas informações de comunicação contidas nos telemóveis do 2.º arguido e do recorrente, no depoimento dos agentes policiais, etc., provas estas que foram todas apreciadas conjuntamente, com prudência e objectividade.
Decorre da factualidade assente que estão preenchidos todos os elementos constitutivos do crime pelo qual foi condenado o recorrente.
Na tese do recorrente, não resultou da decisão proferida pelo TJB nem tão pouco do acórdão ora recorrido quais os elementos do tipo legal do crime de tráfico de estupefacientes é que se deram por verificados. O que não corresponde à verdade.
Tanto o Tribunal de 1.ª instância como o Tribunal de Segunda Instância consideram provados que o recorrente teve intervenção no tráfico de estupefaciente, na medida em que,sob a instrução do grupo de tráfico de drogas e agindo conjuntamente com o 2.º arguido, entrou em Macau e recebeu do 1.º arguido as drogas, a fim de transportá-las para fora de Macau.
Com a conduta praticada pelo recorrente, concretizada no “recebimento” das drogas com vista ao transporte para Hong Kong, está preenchido um dos elementos objectivos do crime de tráfico de estupefacientes, cuja falta foi por si invocada.
E o recorrente agiu livre, voluntaria e conscientemente, praticando dolosamente o crime em causa.
É de concluir pela não verificação do vício suscitado pelo recorrente.

3.3.3. Medida concreta da pena
Desde logo, dão-se como reproduzidas as considerações por nós expostas na parte respeitante ao recurso do 1.º arguido A.
Acrescentando, é de salientar a intensidade do dolo do recorrente, a gravidade dos factos ilícitos, a quantidade muito elevada das drogas apreendidas nos autos bem como as necessidades de prevenção criminal.
Em audiência de julgamento, manteve silêncio o recorrente.
Pretende o recorrente a redução da pena, invocando a seu favor o grau de sua participação, alegadamente inexistente ou meramente simbólico.
Ora, a participação do recorrente revela-se na matéria de facto provada, demonstrativa da sua actuação conjunta com o 2.º arguido, sob a instrução do grupo internacional de tráfico de drogas.
Tudo ponderado, não se vê como é excessivamente desadequada e desproporcional a pena aplicada, pelo que é de manter a pena de 12 anos de prisão.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em julgar improcedentes os recursos interpostos pelos 1.º e 3.º arguidos e conceder provimento ao recurso interposto pelo 2.º arguido, determinando a baixa dos presentes autos ao Tribunal de Segunda Instância, a fim de se pronunciar sobre a questão de atenuação especial da pena ou dispensa de pena suscitada por este arguido e, eventualmente, aplicar a nova pena.
Custas pelos 1.º e 3.º arguidos, com a taxa de justiça fixada em 3 UC e 6 UC, respectivamente.

Macau, 29 de Novembro de 2017

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


1 Acórdãos do TUI, de 23 de Janeiro de 2008, 19 de Setembro de 2008, 29 de Abril de 2009 e 28 de Setembro de 2011, nos Processos nºs 57/2007, 29/2008, 11/2009 e 35/2011, respectivamente.
2 Ac.s do TUI, de 22-11-2000, Proc. n.º 17/2000, de 7-2-2001, Proc. n.º 14/2000, de 16-3-2001, Proc. n.º 16/2000 e de 20-3-2002, Proc. n.º 3/2002.
3 Ac. do TUI, de 20-3-2002, Proc. n.º 3/2002.
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55
Processo n.º 40/2017