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Processo nº 903/2016
(Autos de recurso contencioso)

Data: 23/Novembro/2017

Assuntos: Interdição de entrada na RAEM
  Erro nos pressupostos de facto
  Fortes indícios da prática de crime
  Princípio da proporcionalidade
  Falta de fundamentação

SUMÁRIO
- O erro nos pressupostos de facto subjacentes à decisão releva no exercício de poderes discricionários, exigindo-se que os factos que sirvam de motivo de um acto administrativo devem ser verdadeiros, de modo que o órgão decisor possa actuar de forma livre e esclarecida, sem que a sua vontade seja viciada.
- Estatui a alínea 3) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/2003 que “pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes”.
- Se os elementos probatórios constantes do procedimento administrativo indiciam suficientemente que na data e hora indicadas nos autos, o recorrente e outros indivíduos envolveram-se em discussões, empurrões e agressões mútuas, não há erro nos pressupostos de facto.
- A Lei n.º 6/2004 visa assegurar a tranquilidade social e segurança pública da Região, impedindo a entrada e permanência de pessoas indesejáveis, por forma a proteger os interesses pessoais e patrimoniais tanto dos residentes como dos demais visitantes que cá permanecem, não se vislumbrando, por isso, que o sacrifício imposto ao recorrente (interditado de entrar na RAEM por um período de 3 anos) seja manifestamente desproporcional aos objectivos que a Administração pretendia atingir com a prática do acto impugnado.
- O acto recorrido não padece do vício de falta de fundamentação se qualquer destinatário comum (por referência à diligência normal do homem médio que tal deve ser aferido) fica a saber quais foram as razões de facto e de direito que conduziram à aplicação da medida de interdição de entrada ao recorrente.
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 903/2016
(Autos de recurso contencioso)

Data: 23/Novembro/2017

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Segurança

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, do sexo masculino, portador do Passaporte da República Popular da China, com sinais nos autos, inconformado com o despacho do Exm.º Secretário para a Segurança de 7 de Setembro de 2016, que determinou a interdição de entrada na RAEM do recorrente pelo período de 3 anos, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto administrativo, formulando as seguintes conclusões:
“1. O Despacho recorrido é ilegal, por erro nos pressupostos de facto, uma vez que foi proferido no pressuposto de que o Recorrente teria praticado os crimes de ofensa simples à integridade física e de dano.
2. O erro nos pressupostos de facto configura um vício de violação de lei e é causa de invalidade do acto administrativo, determinando, in casu, a anulabilidade do Despacho recorrido, nos termos do artigo 125º do CPA.
3. O Despacho recorrido é ainda ilegal – e, por essa via, anulável (cfr. artigo 125º do CPA) – por violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que, ao fixar um período de interdição de três anos, o Despacho recorrido é manifestamente desproporcional perante a situação fáctica dos autos e perante os objectivos que o mesmo visa alcançar.
4. O Recorrente considera que o Despacho recorrido enferma do vício de falta de fundamentação, na medida em que o mesmo não cumpre os requisitos de fundamentação previstos no artigo 115º do CPA.
5. Equivalendo legalmente a deficiência de fundamentação à sua falta, e constituindo a falta de fundamentação do acto motivo legalmente previsto para a sua anulação, poucas dúvidas poderão restar de que o Despacho recorrido padece de vício de falta de fundamentação, circunstância que o torna anulável nos termos do artigo 21º, n.º 1, alínea c) do CPAC.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e consequentemente, deverá o Despacho recorrido ser anulado, com as devidas consequências legais.”
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Regularmente citada, pela entidade recorrida foi apresentada a contestação constante de fls. 33 a 40, nela formulando as seguintes conclusões:
“1. O acto recorrido, ao contrário do que alega o Recorrente, não assentou no pressuposto de facto de que o mesmo cometeu crimes; assentou no pressuposto de facto da existência de fortes indícios de cometimento de crimes pelo Recorrente, que é uma coisa bem diferente.
2. O entendimento da entidade recorrida, no sentido de que existiram de fortes indícios de cometimento de crimes pelo Recorrente, que esteve na base da aplicação da medida securitária, foi secundado/corroborado, aliás, pela autoridade judiciária.
3. Saber se a imputação/responsabilização criminal virá, ou não, a ser concretizada, apurar-se-á em face da audiência de julgamento e de todos os aspectos penais legalmente relevantes, designadamente da eventual existência da causa de exclusão da ilicitude (legítima defesa); este, porém, é um aspecto que não releva, nesta fase, no procedimento administrativo securitário, nem é susceptível de afectar a validade do acto recorrido.
4. Não tem fundamento válido a alegação de que é clamorosamente desproporcional o prazo de 3 anos de interdição de entrada, que foi aplicado no caso concreto; na verdade, esse prazo está bem longe do limite máximo legal, que tem sido situado em 10 anos.
5. Não sendo possível estabelecer paralelismo ou comparação entre o período das penas de prisão e os prazos de interdição de entrada, porque se tratam de realidades intrinsecamente distintas, na sua natureza e finalidades.
6. Por último, no caso concreto sub judice, é patente que o Recorrente ficou a conhecer claramente todas as razões relevantes, factuais e jurídicas, que levaram à prolação do acto administrativo em causa e, aliás, ficou habilitado a desenvolver o argumentário que entendeu mais adequado à sua defesa, em sede judicial.
Termos em que,
e nos mais de Direito que esse Venerando Tribunal doutamente suprirá, por não existir qualquer vício que deva conduzir à anulação do acto recorrido, deve manter-se integralmente a decisão impugnada, negando-se provimento ao presente recurso,
assim se fazendo JUSTIÇA.”
*
No uso da faculdade concedida pelo artigo 68.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, o recorrente apresentou alegações facultativas, nelas formulando as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso visa a anulação do despacho proferido por Sua Excelência o Secretário para a Segurança, exarado na Comunicação n.º 3414/2016-Pº.229.01, através do qual foi imposta ao ora Recorrente a interdição de entrada na território da RAEM pelo período de três anos.
2. Resulta da factualidade contida nos autos que o Recorrente apenas reagiu a uma agressão (à actual e àquela que na iminência de acontecer), situação essa subsumível à previsão legal constante do artigo 30º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, o que afasta qualquer tipo de responsabilidade criminal que se pudesse pretender assacar ao ora Recorrente.
3. O despacho recorrido é ilegal, por erro nos pressupostos de facto, uma vez que foi proferido no pressuposto de que o Recorrente estaria fortemente indiciado na prática dos crimes de ofensa simples à integridade física e de dano, o que não resulta provado dos elementos dos autos, na medida em que a Entidade Recorrida não produziu qualquer prova durante a fase judicial do presente processo.
4. Sendo certo que, no âmbito de processos de cariz sancionatório, como é o caso dos presentes autos, o ónus da prova dos factos típicos da infracção imputada recai sobre as entidades acusadoras.
5. O erro nos pressupostos de facto configura um vício de violação de lei e é causa de invalidade do acto administrativo, determinando, in casu, a anulabilidade do Despacho recorrido, nos termos do artigo 124º do CPA.
6. O Despacho recorrido é ainda ilegal – e, por essa via, anulável (cf. artigo 125º do CPA) – por violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que, ao fixar um período de interdição de três anos, o Despacho recorrido é manifestamente desproporcional perante a situação fáctica dos autos e perante os objectivos que o mesmo visa alcançar.
7. O Recorrente considera que o Despacho recorrido enferma do vício de falta de fundamentação, na medida em que o mesmo não cumpre os requisitos de fundamentação previstos no artigo 115º do CPA.
8. Equivalendo legalmente a deficiência de fundamentação à sua falta, e constituindo a falta de fundamentação do acto motivo legalmente previsto para a sua anulação, poucas dúvidas poderão restar de que o Despacho recorrido padece de vício de falta de fundamentação, circunstância que o torna anulável nos termos do artigo 21º, n.º 1, alínea c) do CPAC.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, devendo ser anulado o Despacho recorrido, com todas as consequências legais.”
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Findo o prazo para alegações, o Ilustre Magistrado do Ministério Público deu o seguinte douto parecer:
“Na petição e nas suas alegações, o recorrente solicitou a anulação do despacho em escrutínio (vide fls. 51 a 52 do P.A.), assacando-lhe o erro nos pressupostos de facto, a violação do princípio da proporcionalidade, e ainda o vício de forma por falta de fundamentação.
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As imagens de fls. 4 a 6 do P.A. demonstram inegavelmente que a rixa entre o recorrente e a menina de nome B ficava antes da participação do indivíduo C na rixa, sendo todos identificados na Participação policial n.º 512P/2016/CPT (doc. de fls. 1 a 3 do P.A.). E tal rixa provocou reciprocamente lesões nessas três pessoas.
À luz da regra da experiência, parece-nos mais provável que foi o recorrente quem, durante a sobredita rixa, praticou a agressão em primeiro lugar. Daí decorre pois que o argumento do recorrente de ele ter exercido a legítima defesa se mostra infundado e ridiculoso.
De outro lado, não se descortina dúvida de se indiciar fortemente que o recorrente praticou um crime de ofensa simples da integridade física p.p. pelo n.º 1 do art. 137º do Código Penal, e nesta medida, a sua conduta integra-se na previsão da alínea 2) do n.º 2 do art. 4º da Lei n.º 4/2003.
Bem, as jurisprudências consolidadas dos Venerandos TUI e TSI vêm asseverando, de forma constante e assente, que o «perigo efectivo» no n.º 3 do art. 12º da Lei n.º 6/2004 é um conceito indeterminado de prognose, cuja interpretação só é judicialmente sindicável quando se eivar do erro grosseiro, total desrazoabilidade ou injustiça intolerável (vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º 673/2013, n.º 1043/2015, n.º 645/2015 e n.º 137/2016, do TUI no Processo n.º 28/2014).
Em esteira, e ressalvado respeito pela opinião diferente, inclinamos a entender que o despacho em causa não enferma do erro nos pressupostos de facto, afigurando-se-nos que esse despacho mostra cauteloso em preservar a ordem e segurança públicas da RAEM.
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Ora, convém acentuar que o Alto TUI asseverou incansavelmente que «Ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração; e o papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.» (Processos n.º 13/2012 e n.º 112/2014)
Em observância desta prudente orientação jurisprudencial, temos por certo que o período de três anos da interdição de entrada fixado no despacho recorrido não padece da total desrazoabilidade, nem infringe o princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do art. 5º do CPA.
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A jurisprudência autorizada alerta-nos (Acórdão do STA de 10/3/1999, no Processo n.º 44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
Importa ainda lembrar (aresto do TSI no Processo n.º 509/2009): Na fundamentação de direito dos actos administrativos não se torna necessária a referência expressa aos preceitos legais, bastando a indicação da doutrina legal ou dos princípios em que o acto se baseia e desde que ao destinatário do acto seja fácil intuir qual o regime concreto aplicável.
Não se deve olvidar que concordar é uma coisa, e compreender é outra, a discordância duma posição não se equivale à incompreensão ou à incompreensibilidade. Por isso, a não concordância do interessado com a posição da Administração não germina a falta de fundamentação.
Avaliando o acto recorrido em conformidade com as jurisprudências supra citadas, entendemos que não se verifica in casu a arrogada falta de fundamentação, pois o despacho ora impugnado em conjugação com o despacho do Comandante da PSP permitem suficientemente ao recorrente compreender o itinerário cognoscivo da entidade recorrida.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
Por despacho do Senhor Comandante da PSP, de 20.6.2016, foi aplicada ao recorrente a medida de interdição de entrada na RAEM pelo período de três anos. (fls. 30 do processo administrativo)
Inconformado, o recorrente interpôs recurso hierárquico junto do Exm.º Secretário para a Segurança. (fls. 37 a 45 do processo administrativo)
A 7.9.2016, o Exm.º Secretário para a Segurança deu o seguinte despacho: (fls. 51 e 52 do processo administrativo)
“DESPACHO
ASSUNTO: Recurso hierárquico – Aplicação de medida de interdição de entrada
RECORRENTE: A

Avaliando o processo instrutor anexo ao presente recurso hierárquico, verifico que se mostra suficientemente comprovado que, em 2016.04.16, em zona pública do Hotel D, no Cotai, em Macau, o Recorrente foi participante de uma situação de pancadaria, encontrando-se fortemente indiciado, por essa sua conduta, na prática dos crimes de dano e de ofensas corporais simples na pessoa de outro cidadão.
Em consequência, por despacho do Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, de 2016.06.20, foi-lhe aplicada a medida de interdição de entrada na RAEM, pelo período de 3 anos.
O Recorrente não contesta a existência dos fortes indícios dos crimes referidos, nem a base legal indicada no acto impugnado, mas alega que tal acto é ilegal porque não está verificado o requisito do perigo efectivo, por um lado, e porque o período de 3 anos é “clamorosamente desproporcional” aos factos em causa, por outro.
No entanto, reapreciando, não se vislumbra qualquer erro ou censurabilidade imputável ao acto recorrido, quanto à questão do perigo efectivo, o qual, como é sabido, consubstancia um conceito indeterminado puro, que admite uma margem de livre apreciação, assaz ampla. Com efeito, ao Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública era / é legítimo tirar a conclusão da existência de perigo efectivo para a segurança, ordem e tranquilidade públicas, consubstanciado na possibilidade de virem a ser praticados crimes, porque a legitimidade dessa conclusão está factualmente sustentada na existência de fortes indícios da prática dos crimes de dano e de ofensas corporais simples na pessoa de outro cidadão.
Quanto à alegada desproporcionalidade clamorosa do prazo de interdição de 3 anos, trata-se de argumento que também não colhe, porque:
- a circunstância de o Recorrente não ter antecedentes foi devidamente ponderada (se tivesse antecedentes, certamente que o período de interdição aplicado seria bem mais longo); e
- a entidade recorrida entendeu, e bem, que, na situação em apreço, em que está em causa uma medida securitária, de natureza não penal, o que é relevante é se o Recorrente foi autor (e foi) de uma conduta susceptível de indicar que o mesmo potencia em si perigo para a ordem e tranquilidade públicas; não é relevante saber se o mesmo foi apenas acusado criminalmente, mas ainda não condenado, por tal conduta.
Nestes termos, tudo ponderado, concluo que não são apresentadas pelo Recorrente, A, razões que aconselhem a opção de revogar o acto administrativo impugnado, pelo que decido confirmá-lo, negando provimento ao recurso hierárquico.”
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Analisemos agora os fundamentos do recurso.
Do alegado erro nos pressupostos de facto
O recorrente assaca ao despacho recorrido vício de erro nos pressupostos de facto, alegando sumariamente que, não obstante ter participado nos factos reportados nos autos, agiu em legítima defesa.
Em boa verdade, o erro nos pressupostos de facto subjacentes à decisão releva no exercício de poderes discricionários, exigindo-se que os factos que sirvam de motivo de um acto administrativo devem ser verdadeiros, de modo que o órgão decisor possa actuar de forma livre e esclarecida, sem que a sua vontade seja viciada.
No caso sub judice, cremos não ter razão o recorrente.
Foi constatada no despacho recorrido a existência de fortes indícios da prática pelo recorrente de um crime de ofensa simples à integridade física e um crime de dano.
Prevê a alínea 3) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/2003 que “pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes” – sublinhado nosso.
E são “fortes indícios” aqueles factos ou sinais, reportados a um crime, que correspondem a uma probabilidade elevada de ao sujeito vir a ser aplicada uma pena.
No caso em apreço, tendo em consideração os elementos probatórios constantes do procedimento administrativo, nomeadamente as próprias declarações dos vários intervenientes e as imagens captadas por câmaras de vídeo vigilância, indiciam-se suficientemente que na data e hora indicadas nos autos, o recorrente e outros indivíduos envolveram-se em discussões, empurrões e agressões mútuas, não se olvidando, pelo menos por ora, ter o recorrente agido em legítima defesa.
Posto isto, salvo o devido respeito por melhor opinião, por existir fortes indícios de que o recorrente tenha praticado os factos imputados, improcede, pois, o recurso quanto a esta parte.
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Da alegada violação do princípio da proporcionalidade
Dispõe o artigo 5º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar” – sublinhado nosso.
Em boa verdade, no que respeita à determinação do período da interdição de entrada na RAEM, dúvidas não restam de que está em causa poderes discricionários da Administração.
E a propósito da questão da intervenção dos tribunais na fiscalização da Administração em virtude da eventual violação do princípio da proporcionalidade, foi já objecto de várias decisões por parte dos tribunais superiores, e a título exemplificativo, cita-se o douto Acórdão do TUI, no Processo n.º 83/2012:
“Por outro lado, estamos perante o exercício do poder discricionário quando a Administração determina o prazo de interdição de entrada na RAEM segundo as normas legais.
E nos casos em que a Administração actua no âmbito do poder discricionário, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, como é o nosso caso, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
E só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável [art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC].
E a jurisprudência também entende assim, tendo este Tribunal de Última Instância decidido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.
Há que pôr em confronto, como já foi dito, os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto, para aferir da proporcionalidade, em sentido estrito, da medida concretamente aplicada. E só no caso de considerar inaceitável e intolerável o sacrifício é que se deve concluir pela violação do princípio da proporcionalidade.”
No caso vertente, dúvidas não restam de que a Lei n.º 6/2004 ao conferir à Administração o tal poder de autorizar ou recusar a entrada de não-residentes na RAEM visa assegurar a tranquilidade social e segurança pública da Região, impedindo a entrada e permanência de pessoas indesejáveis, por forma a proteger os interesses pessoais e patrimoniais tanto dos residentes como dos demais visitantes que cá permanecem.
Nestes termos, não se vislumbra que o sacrifício imposto ao recorrente (interditado de entrar na RAEM por um período de 3 anos) seja manifestamente desproporcional aos objectivos que a Administração pretendia atingir com a prática do acto impugnado.
Improcede, assim, o vício invocado.
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Da falta de fundamentação do acto administrativo
O recorrente vem ainda assacar ao despacho recorrido vício de forma por falta de fundamentação, alegando que o despacho recorrido não está fundamentado, na medida em que não se descortina qual será o perigo para a segurança e ordem pública da RAEM.
Estatui-se no artigo 114.º do Código do Procedimento Administrativo que os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
Preceitua-se ainda no n.º 1 do artigo 115.º do mesmo Código que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações, propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
A fundamentação visa assegurar a melhoria da qualidade e a legalidade dos actos administrativos, facilitar o recurso contencioso pelos eventuais lesados pelo acto administrativo, de modo a garantir o exercício efectivo do seu direito ao recurso contra actos lesivos, e tem ainda uma função persuasória e consensual, contribuindo para a uma maior transparência da actividade administrativa.1
In casu, salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos não se verificar o vício invocado.
Veja-se o que se disse no Acórdão deste TSI, de 11.10.2012, no Processo n.º 229/2012, relativamente a um caso semelhante:
“Ora, ainda que as expressões “perigo para a sociedade” e “facto de perigosidade” façam parte da fundamentação do acto sem grande desenvolvimento, pensamos que o contexto discursivo é bastante ou suficiente para que qualquer homem de meridiana capacidade de entendimento possa colher o verdadeiro sentido delas. Na verdade, não são afirmações soltas, isoladas ou desligadas do todo justificativo. São antes, digamos, ideias de reforço, que se suportam nos factos objectivos(…). Neste sentido, a sua existência no seio da fundamentação contextual mostra-se explicada e bem entendível, e assim mesmo a terão entendido os recorrentes, já que o recurso foi desenvolvido sem hiatos ou falhas que pudessem ser imputadas àquela alegada insuficiência.”
Uma vez constatada do despacho recorrido a existência de fortes indícios da prática pelo recorrente de um crime de ofensa simples à integridade física e um crime de dano, nada garante que o recorrente não irá cometer no futuro outros crimes, consubstanciando tal situação um perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
De facto, estando em causa conceitos indeterminados, é conferida pelo legislador uma margem de livre apreciação à Administração, ou seja, são-lhe conferidos poderes de interpretar aqueles conceitos não densificados com recurso a um juízo de prognose, face às especificidades de cada caso concreto, cuja disciplina escapa à fiscalização judicial.
Em boa verdade, qualquer destinatário comum (por referência à diligência normal do homem médio que tal deve ser aferido) fica a saber quais seriam as razões de facto e de direito que conduziram à aplicação daquela medida de interdição de entrada, não se olvidando, como se refere o Digno Magistrado do Ministério Público, qualquer tipo de incompreensão por parte do recorrente, ele apenas discordava da decisão.
Efectivamente, a discordância do interessado com a posição da Administração não acarreta a falta de fundamentação, pelo que verificado não está o vício invocado.
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Desta sorte, há-de confirmar o acto impugnado.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto recorrido impugnado.
Custas pelo recorrente, com 8 U.C. de taxa de justiça.
Registe e notifique.
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RAEM, 23 de Novembro de 2017
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Tong Hio Fong Mai Man Ieng
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Lai Kin Hong
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Fong Man Chong

1 Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, FM e SAFP, pág. 623 e 624
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Recurso Contencioso 903/2016 Página 20