打印全文
Processo nº 913/2017 Data: 23.11.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “gravações e fotografias ilícitas”.
Falta de fundamentação.
Presunção da inocência.
In dubio pro reo.



SUMÁRIO

1. A nova redacção do art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M. “reforçou” o dever de fundamentação, exigindo (agora) o “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”, suficiente (já) não sendo uma (mera) “enumeração dos elementos probatórios” a que se atendeu com a afirmação (conclusiva) de que se lhes deu crédito.
Evidente é assim que o Tribunal deve também “expor os motivos” que o levaram a atribuir relevo e crédito aos elementos probatórios de que se serviu para decidir a matéria de facto da forma que o fez.
Se é certo que com a nova redacção do art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M. se pretendeu acabar com a chamada “fundamentação tabelar”, igualmente certo é que com a mesma não se quis introduzir a exigência de uma fundamentação “exaustiva” relativamente a todos os pontos, pormenores ou circunstâncias da matéria de facto.
Não se pode esquecer que o comando em questão faz, (continua a fazer), referência a “uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa…”.
A “fundamentação do Tribunal” não é o segmento da sentença ou acórdão com o qual se tenta dar (ou se dá) resposta a toda e qualquer questão ou dúvida que os sujeitos processuais possam (ou venham a) ter, (esgotando-se, em absoluto, o tema e eventuais questões), destinando-se, antes, a expor e a permitir conhecer os “motivos que levaram o Tribunal a decidir (a matéria de facto) da forma como decidiu”, (acolhendo, ou não, uma ou mais versões apresentadas e discutidas em audiência de julgamento), devendo-se ter – sempre – em conta os “ingredientes do caso concreto”.

2. Se o Tribunal explicitou como chegou à conclusão que a arguida tinha agido “contra a vontade da ofendida”, invocando, precisamente, os documentos juntos aos autos, (em especial, as fotografias em questão), as declarações da própria arguida assim como o depoimento das 2 testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, como dizer-se que “Nunca sequer se indagou em sede de audiência de julgamento se, no momento da prática dos factos, a recorrente presumiu o consentimento ou se, na verdade, a ofendida tinha dado o seu consentimento, ainda que de forma tácita, não se opondo a gravação”?

3. E, então, se indagou, e decidiu sem ter tido dúvidas ou hesitações, evidente é que não incorreu em violação do “princípio da presunção da inocência” ou “in dubio pro reo”.

4. Aliás, para que o crime de “gravações e fotografias ilícitas” opere adequadamente, não se exige que a oposição de vontade seja expressa, pois para a conduta ser típica bastará que contrarie a vontade presumida do portador concreto do direito à imagem.

O relator,

______________________



Processo nº 913/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo, a final, a ser condenada como autora material da prática de 1 crime de “gravações e fotografias ilícitas”, p. e p. pelo art. 191°, n.° 2, al. a) do C.P.M., na pena de 90 dias de multa, e outro de “utilização de gravações e fotografias ilícitas”, p. e p. pelo art°s 191°, n.° 2, al. e b) do C.P.M., na pena de 90 dias de multa.

Em cúmulo jurídico, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de MOP$100,00, perfazendo a multa de MOP$15.000,00 ou 100 dias de prisão subsidiária; (cfr., fls. 105 a 109-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada, a arguida recorreu.

Motivou para concluir afirmando o que segue:

“1. Apesar de não ter sido prestada nenhuma declaração pela ofendida e, por isso, “não poder ser utilizada como base probatória para a convicção deste tribunal”, considera-se que, ainda assim, “é possível dar-se como provado que a recorrente gravou e divulgou os vídeos sem o consentimento da ofendida”;
2. O que, no entendimento da recorrente e com o devido respeito pelo entendimento contrário, é absolutamente incompreensível, dadas as afirmações contraditórias que fundam a convicção do tribunal;
3. Pelo que o mesmo, consequentemente, não faz um exame crítico relativamente às provas que serviram de base para formar a sua convicção;
4. No que à fundamentação diz respeito, o processo argumentativo utilizado pelo órgão decisor na construção do processo de justificação que a consubstancia, deve ser coerente entre si, não permitindo qualquer elemento contraditório;
5. A escolha do decisor não pode, portanto, ser arbitrária, obedecendo, necessariamente, a um processo racional, pelo que não é aceitável qualquer processo de decisão fundado exclusivamente em argumentos que se sustentem unicamente na autoridade de quem a profere;
6. Por isso, na fundamentação das decisões são imprescindíveis elementos retóricos e de persuasão. A exigência da fundamentação é justificada, porque é por intermédio dela que o decisor convence a sociedade e as partes, principalmente a que venha a ser condenada, da sua decisão;
7. Por outro lado, e a propósito também das lacunas verificadas na sentença do tribunal “a quo”, determina o artigo 29.° da Lei Básica que quando um Residente de Macau for acusado da prática de um crime, tem o direito de ser julgado no mais curto prazo possível pelo tribunal judicial, devendo presumir-se inocente até trânsito em julgado de sentença condenatória;
8. Ora, com todo o respeito pela posição contrária, isso não foi o que se passou no caso em apreço;
9. A recorrente foi condenada, independentemente de a ofendida ter ou não constituído mandatário (que não o fez), independentemente de poder prestar declarações em tribunal (que também não o fez), conhecendo-se apenas aquilo que relatou à PSP;
10. Quase chega a ser de presumir que, o facto de a recorrente ter confirmado que efectivamente gravou as imagens em causa, significa que está preenchido o tipo legal de crime e que, portanto, só pode vir aquela condenada;
11. Quando bem sabemos que o direito penal na RAEM não opera desta forma;
12. Para além disso, estamos perante um tipo legal que protege um direito livremente disponível, como se trata do direito à imagem;
13. Ou seja, ao qual a ofendida podia muito bem ter renunciado no momento da prática dos factos;
14. Contudo, de forma surpreendente e verdadeiramente incompreensível, o tribunal “a quo” opta por condenar a recorrente, sem nunca ouvir a ofendida ou compreender a sua vontade (excepção feita ao que a mesma disse na participação criminal);
15. Nunca sequer se indagou em sede de audiência de julgamento se, no momento da prática dos factos, a recorrente presumiu o consentimento ou se, na verdade, a ofendida tinha dado o seu consentimento, ainda que de forma tácita, não se opondo a gravação;
16. Abandonando o tribunal “a quo” o princípio da presunção de inocência;
17. Inquinando, por isso, a decisão, não fazendo cumprir a lei fundamental da RAEM;
18. Assim, como está patente na decisão recorrida, há dúvidas sobre a verificação de alguma da factualidade objecto dos autos e decidindo o tribunal a quo, ainda assim, desfavoravelmente à ora recorrente, poderá afirmar-se em abono da verdade que estamos perante uma clara violação do princípio basilar do Direito Penal do in dúbio pro reo;
19. Deste modo, a ausência de uma explicação da razão pela qual o tribunal decide de determinada maneira (falta de fundamentação), gera a nulidade da decisão, de acordo com o disposto no CPP;
20. Pelo que, pelo supra exposto e nos termos do artigo 360.° n.° 1, alínea a) do CPP, a sentença é nula pelo facto de não conter as menções referidas no n.° 2 do art.° 355.° CPP, nomeadamente, “fundamentação (…) tanto quanto possível completa (…), dos motivos de facto e de direito (…), com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”;
21. Ainda, sem prescindir, de acordo com o artigo 30.°, n.° 1, alínea d) do CP, é causa de exclusão de ilicitude o consentimento do titular do interesse jurídico lesado;
22. Já o art.° 38.°, n.° 2 do mesmo diploma legal determina que há consentimento presumido quando a situação em que o agente actua, permite razoavelmente supor que o titular do interesse juridicamente protegido teria eficazmente consentido no facto se conhecesse as circunstâncias em que este é praticado;
23. Considerada a matéria de facto, o consentimento terá sido presumido pela recorrente, sendo que este se deduz, geralmente, dos elementos materiais, conjugados ou não com as regras da experiência comum, onde a presunção natural tem especial relevância;
24. Reiterando o conteúdo e o alcance da norma prevista no 38.°, n.° 2 do CP, “há consentimento presumido quando a situação em que o agente actua permite razoavelmente supor que o titular do interesse juridicamente protegido teria eficazmente consentido no facto se conhecesse as circunstâncias em que este é praticado.”;
25. O consentimento releva, assim, ao nível da tipicidade, como causa de exclusão da mesma;
26. Afastada, portanto, a tipicidade da conduta do agente e uma vez que estamos perante um direito livremente disponível, como é o caso do direito à imagem, opera com aquela, necessariamente, a exclusão da ilicitude – art.° 30.°, n.° 1 CP;
27. A norma do art.° 15.° do CP dispõe que “o erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime, ou sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto, exclui o dolo”;
28. Ora, se houver o entendimento que
29. o agente agiu em erro relativamente ao consentimento – que, como foi supra-referido, é causa de exclusão de ilicitude – prevê a referida norma que se exclui o dolo;
30. Ao excluir o dolo, estamos naturalmente a excluir o elemento subjectivo do tipo legal de crime em causa, deixando a conduta da recorrente de se subsumir àquele tipo normativo;
` 31. O supra-referido é suficiente para conduzir ao resultado oposto àquele a que chegou o Digníssimo colectivo, isto é, não se encontram preenchidos os requisitos do tipo de ilícito que vem imputado à recorrente;
32. Assim, a decisão recorrida, violou, para além do mais, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 355.°, n.° 2 e 360.°, n.° 1, alínea a) do Código Processo Penal, bem como os artigos 15.°, 30.°, n.° 1, alínea d), 38.°, n.° 2 e 191.°, n.° 2 do Código Penal”; (cfr., fls. 116 a 134).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 136 a 138-v).

*

Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.116 a 134 dos autos, a recorrente assacou ao Acórdão recorrido a fundamentação e a consequente nulidade consagrada na alínea a) do n.°1 do art.360° ex vi n.°2 do art.355° do CPP, e a violação das disposições nos arts.15°, 30/1-d), 36° e 191°/2 do Código Penal.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.136 a 138v. dos autos), no sentido de não provimento do presente recurso. E, com efeito, não temos nada, de relevante, a acrescentar-lhes.
*
Repare-se que seguinte logo à enumeração dos factos provados e não provados, o Tribunal a quo apontou claramente «本法院依據卷宗所載的資料﹑書證﹑扣押物,嫌犯的聲明及證人的證言而形成心證». Além disso, o Tribunal a quo procedeu ainda, na terceira parte (三﹑判案理由), à explicação mais desenvolvida, dizendo «根據卷宗調查所得的證據,經作出綜合的分析後,考慮到嫌犯的聲明,結合證人的證言及卷宗的資料,嫌犯承認用手提電話拍攝了被害人護理皮膚的片段,並上傳至其公司XX的朋友圈,雖然嫌犯解釋其以為B已徵得被害人的同意,但事實上,嫌犯從沒有明確了解過被害人的意願,換言之,嫌犯從沒有取得被害人的明示同意,也沒有任何資料顯示被害人會同意嫌犯作出有關的拍攝及上傳片段的行為。»
Assevera reiteradamente a jurisprudência autorizada (vide. Acórdãos do TUI nos Processos n.°23/2002 e n.°23/2007): Não há norma processual que exige que o julgador exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico ou indique os meios de prova que se encontra na base da sua convicção de dar como provado ou não provado um determinado facto, nem a apreciação crítica das provas, sem prejuízo, naturalmente, de maior desenvolvimento quando o julgador entenda fazer.
Com efeito, «Em relação à parte da convicção do tribunal, obedece aos requisitos do art.°355.°, n.°2 do Código de Processo Penal a sentença que se limita a indicar as fontes das provas que serviram para fundamentar a convicção do julgador, sem necessidade de mencionar as razões que determinaram essa convicção ou o juízo crítico de tais provas, pois a lei não obriga a indicação desenvolvida dos meios de prova mas tão só a das fontes das provas.»
Analisando as fundamentações no aresto recorrido à luz das sobreditas orientações jurisprudenciais, temos por concludente que não há in casu a falta de fundamentação e, assim, inexiste a invocada nulidade consignada na alínea a) do n.°1 do art.360° ex vi n.°2 do art.355° do CPP.
*
A recorrente arrogou ainda o erro dotado da virtualidade de excluir a ilicitude da sua conduta de gravar e divulgar as imagens, alegando que ela pensava que a Sra. B que atendia a ofendida na devida altura obtivera o consentimento desta, e a gravação de imagem dos clientes era habitual e usual em estabelecimentos de beleza, por isso ela contava com o consentimento tácito da ofendida.
Contudo, não tem razão a recorrente. Pois, como prudentemente mencionou a ilustre colega na douta Resposta: «上訴人根本沒有明確取得被害人的同意而作出本案的行為。身為拍攝者,理應由其本人主動事先詢問被害人是否同意拍攝,而非“以為”B會詢問被害人是否同意。再者,本案中,上訴人亦沒有向B求證其是否已詢問被害人同意拍攝,甚至連B也不知道上訴人正在拍攝,本院認為上訴人至少在本案中存有或然故意。»
E, o que é mais censurável é a conduta (da recorrente) de que «至於將片段上載至XX朋友圈,上訴人在庭上表示,其已在當晚明確知悉被害人反對上訴人將片段上載至朋友圈,但上訴人並沒有即時刪除有關片段,甚至在被害人三番四次要求下,上訴人仍以忙碌及找不到片段為由,一直任由片段在XX的朋友圈內供其他顧客觀看。直至被害人報警,上訴人才刪除有關片段。由此可見,上訴人根本可以在被害人投訴的時候刪除片段,但上訴人一直沒有理會被害人的意願,違反被害人的意思上載至朋友圈直至被害人報警為止。»
Nestes termos, afigura-se-nos que mesmo existisse na realidade o erro invocado pela recorrente, este é grosseiro e indesculpável, daqui tal erro não tem, sem margem para dúvida, a virtude de excluir o dolo, e o Acórdão em causa não infringe as disposições nos arts.15°, 30°/1-d), 36° e 191°/2 do Código Penal.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 151 a 152-v).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 106 a 107, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a arguida recorrer do Acórdão que a condenou como autora material da prática de 1 crime de “gravações e fotografias ilícitas” e outro de “utilização de gravações e fotografias ilícitas”, p. e p. pelos art°s 191°, n.° 2, al. a) e b) do C.P.M., na pena única de 150 dias de multa, à taxa diária de MOP$100,00, perfazendo a multa de MOP$15.000,00 ou 100 dias de prisão subsidiária.

Considera que o Acórdão recorrido padece de vício de “falta de fundamentação”, “violação do princípio da presunção da inocência” e “in dubio pro reo”, considerando também que se incorreu em violação do estatuído nos art°s 15°, 30° e 38° do C.P.M.; (cfr., concl. 32ª).

Cremos que não se lhe pode reconhecer razão.

Vejamos.

–– Quanto à assacada “falta de fundamentação”, é óbvio que não existe.

Como já tivemos oportunidade de consignar:

“A nova redacção do art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M. “reforçou” o dever de fundamentação, exigindo (agora) o “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”, suficiente (já) não sendo uma (mera) “enumeração dos elementos probatórios” a que se atendeu com a afirmação (conclusiva) de que se lhes deu crédito.
Evidente é assim que o Tribunal deve também “expor os motivos” que o levaram a atribuir relevo e crédito aos elementos probatórios de que se serviu para decidir a matéria de facto da forma que o fez.
Se é certo que com a nova redacção do art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M. se pretendeu acabar com a chamada “fundamentação tabelar”, igualmente certo é que com a mesma não se quis introduzir a exigência de uma fundamentação “exaustiva” relativamente a todos os pontos, pormenores ou circunstâncias da matéria de facto.
Não se pode esquecer que o comando em questão faz, (continua a fazer), referência a “uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa…”.
A “fundamentação do Tribunal” não é o segmento da sentença ou acórdão com o qual se tenta dar (ou se dá) resposta a toda e qualquer questão ou dúvida que os sujeitos processuais possam (ou venham a) ter, (esgotando-se, em absoluto, o tema e eventuais questões), destinando-se, antes, a expor e a permitir conhecer os “motivos que levaram o Tribunal a decidir (a matéria de facto) da forma como decidiu”, (acolhendo, ou não, uma ou mais versões apresentadas e discutidas em audiência de julgamento), devendo-se ter – sempre – em conta os “ingredientes do caso concreto””; (cfr., o Ac. de 04.06.2015, Proc. n.° 361/2015, do mesmo relator deste).

Também o Vdo T.U.I. já considerou que “No que respeita à fundamentação da sentença, não é prático exigir uma apreciação e exame crítico exaustivo de todas as provas produzidas e examinadas em audiência de julgamento”; (cfr., o Ac. de 17.02.2016, Proc. n.° 58/2015).

E, como recentemente decidiu o T.R. de Coimbra de 27.09.2017, Proc. n.° 266/15, (in “www.dgsi.pt”), “Através da fundamentação da matéria de facto da sentença deverá ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal.
O exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo”.

Dito isto, e como se referiu, (e bem se nota no transcrito Parecer do Ilustre Procurador Adjunto), evidente é que fundamentado está o decidido, pois que o Tribunal a quo não deixou de explicitar o “porque” da sua decisão – em dar como provado que a arguida agiu com dolo e sem o consentimento da ofendida – bastando uma mera leitura ao Acórdão recorrido para assim se concluir.

Como também temos afirmado, é óbvio que se pode não concordar com a fundamentação pelo Tribunal exposta numa sua decisão, porém, tal não equivale a “falta de fundamentação”, (cfr., v.g., os Acs. de 13.12.2012, Proc. n.° 684/2012 e de 02.06.2016, Proc. n.° 1062/2015), havendo assim que se negar provimento ao recurso na parte em questão.

Avancemos.

–– Da alegada violação ao “princípio da presunção da inocência” e “in dubio pro reo”.

Vejamos.

Prescreve o art. 191° do C.P.M. que:

“1. Quem, sem consentimento,
a) gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas, ou
b) utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
2. Na mesma pena incorre quem, contra a vontade e fora dos casos permitidos pela lei:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos”.

No caso, (e em síntese), entendeu o Tribunal a quo que do julgamento efectuado resultou provado que a “arguida fotografou a ofendida contra a sua vontade”, tendo, também, “utilizado as imagens que captou” para efeitos de publicidade do seu estabelecimento.

Diz porém a recorrente que não se podia dar como provado que a arguida agiu “contra a vontade” da ofendida, já que “Nunca sequer se indagou em sede de audiência de julgamento se, no momento da prática dos factos, a recorrente presumiu o consentimento ou se, na verdade, a ofendida tinha dado o seu consentimento, ainda que de forma tácita, não se opondo a gravação”, assim concluindo haver “violação do princípio da presunção da inocência e in dubio pro reo”; (cfr., conclusões, 10ª, e 15ª a 18ª).

Sem prejuízo do muito respeito por melhor entendimento, (também aqui) não tem a recorrente razão, pois que o alegado não corresponde à verdade, só por lapso ou equívoco se podendo assim considerar.

Aliás, em sede de “fundamentação” da sua convicção e decisão, não deixou o Tribunal a quo de explicitar como chegou à conclusão que a arguida tinha agido “contra a vontade da ofendida”, invocando, precisamente, os documentos juntos aos autos, (em especial, as fotografias em questão), as declarações da própria arguida assim como o depoimento das 2 testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento; (cfr., acta de julgamento, a fls. 102 a 104, e pág. 6 e 7 do Acórdão recorrido).

Dizer-se assim que houve “violação do princípio da presunção da inocência” não se mostra pois adequado.

Com efeito, se o Tribunal explicita como chegou à dita conclusão, indicando as provas de que se serviu, como dizer-se que não “indagou se a recorrente presumiu a concordância da ofendida”?

Como é evidente, indagou.

O que sucedeu foi não se ter provado a alegada “presunção”.

Por sua vez, como dizer-se que ocorreu (também) violação do “princípio in dubio pro reo” se este “se identifica com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet” – impondo-se que “perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, que o Tribunal, decida pela sua absolvição”, cfr., v.g. os Acs. deste T.S.I. de 11.05.2017, Proc. n.° 344/2017, de 15.06.2017, Proc. n.° 462/2017 e de 13.07.2017, Proc. n.° 592/2017 – se, lido o Acórdão não se vislumbra que o Tribunal tenha tido quaisquer “dúvidas”, (ou hesitações), e que mesmo assim tenha decidido em prejuízo da ora recorrente?

Importa, aliás, ter em conta que como em relação ao crime aqui em questão recentemente decidiu a Rel. de Coimbra: “Para que o crime opere adequadamente, não se exige que a oposição de vontade seja expressa, pois para a conduta ser típica bastará que contrarie a vontade presumida do portador concreto do direito à imagem”; (cfr., o Ac. de 20.09.2017, Proc. n.° 2/16).

No caso, face à “natureza das imagens” – obtidas quando a ofendida se submetia a “tratamentos de estética” no estabelecimento da arguida, com (completa) exposição da sua cara, com posterior exposição para publicidade na internet – tendo a mesma denunciado tais factos logo após os mesmos serem do seu conhecimento, declarando pretender procedimento criminal, e inexistindo qualquer “justificação” (plausível) que se tenha vindo a provar, não só não se pode (ou deve) presumir a concordância ou consentimento da ofendida, sendo, antes, (natural e) mais adequado concluir-se que inversa seria a situação.

Dest’arte, e não nos parecendo que merecem acolhimento qualquer dos fundamentos pela arguida, ora recorrente, invocados no seu recurso trazido a este T.S.I., – o mesmo, sucedendo, por motivos óbvios, às situações referentes aos art°s 15°, 30° e 38° do C.P.M., (pois que a matéria de facto dada como provada não permite considerar as mesmas como verificadas) – resta pois decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela arguida ora recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 23 de Novembro de 2017
_________________________
José Maria Dias Azedo
_________________________
Chan Kuong Seng
_________________________
Tam Hio Wa

Proc. 913/2017 Pág. 26

Proc. 913/2017 Pág. 25