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Proc. nº 416/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 7 de Dezembro de 2017
Descritores:
- Recurso jurisdicional
- Delimitação objectiva do recurso
- Conceitos jurídicos indeterminados
- Auto-vinculação

SUMÁRIO:

I - O recurso jurisdicional apresenta-se como uma forma de impugnação judicial dirigida contra uma sentença, contra a qual a parte inconformada arremete vícios e violações próprios. Significa isto que o TSI, em recurso para si interposto de decisão da primeira instância, está condicionado na sua actuação pela delimitação objectiva contida na respectiva alegação, nos termos do art. 589º do CPC.

II - Também não pode o recorrente jurisdicional invocar pela primeira vez nas alegações de recurso um vício que não fazia parte do acervo dos vícios que constituíram a causa de pedir da impugnação contenciosa na 1ª instância, a não ser que se trate de vício que seja de conhecimento oficioso.


III - O art. 6º, nº2, al. e), do DL nº 84/90/M ao exigir como habilitação exigida para o exercício de “mestre de medicina tradicional chinesa” a obtenção de “formação idónea”, está a introduzir na lei um conceito indeterminado.

IV - Não está a Administração impedida de criar “directivas” ou “critérios de auto-vinculação” que a ajudem a interpretar e a densificar este conceito na sua aplicação aos casos concretos futuros.

V - Mas, tal como os pode criar, também os pode fundamentadamente derrogar ou substituir por outros, desde que o aconselhem razões de interesse público.

Proc. nº 416/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, com os demais sinais dos autos, recorreu para o Tribunal Administrativo (Proc. nº 1154/14-ADM) da decisão de 27/10/2014 tomada pelo Director dos Serviços de Saúde, que indeferiu o recurso hierárquico necessário e manteve o indeferimento decidido em 30/07/2014 pelo Subdirector Substituto dos Cuidados de Saúde Generalizados do seu pedido de licenciamento para o exercício da actividade privada de mestre de medicina tradicional chinesa.
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Foi proferida sentença, que julgou improcedente o recurso contencioso.
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Contra tal sentença recorreu o interessado A, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“(1) Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do Tribunal Administrativo de Macau que julgou improcedente o recurso contencioso interposto do despacho do Senhor Director substituto da Direcção dos Serviços de Saúde que indeferiu o pedido de licenciamento para o exercício da profissão privada de mestre de medicina tradicional chinesa.
(2) Entende o recorrente que a sentença recorrida ao concordar com os termos do despacho contenciosamente impugnado, chamou a si os vícios que eivavam o despacho recorrido, nomeadamente o vício de violação de lei, dos princípios de boa fé e de colaboração entre a Administração e os particulares, consagrados nos artigos 8º e 9º do Código do Procedimento Administrativo em vigor, doravante abreviado por CPA, daí, a existência do vício de violação de lei, quer no despacho inicialmente impugnado, quer na sentença recorrida que ignorou tal vício.
(3) Respigam-se os seguintes factos relevantes:
- O recorrente decidiu enredar-se pelo ingresso na profissão privada de mestre de medicina tradicional chinesa, carecedora de licenciamento administrativo;
- Tem em vista a concretização desse objectivo, o recorrente no ano de 2009 dirigiu-se ao competente serviço da Direcção dos Serviços de Saúde (DSS) para apurar dos requisitos necessários para o licenciamento e ingresso nessa profissão em regime individual. Aí, foi informado pela DSS, inter alia, que para o efeito teria que ter como habilitação académica um curso do tipo e duração em conformidade com o critério delineado no documento cuja cópia lhe foi facultada - vidé o Documento Nº 1 junto.
- Portanto, Administração prestou-lhe uma informação escrita.
- Na posse dessa informação, convicto que a mesma correspondia à verdade dos factos e que a informação que assim lhe foi prestada estava imbuída de boa fé, o recorrente inscreveu-se num curso universitário de medicina tradicional chinesa que satisfazia o critério e ministrado pela Universidade de XX, no interior da RPC.
- O curso universitário tem uma duração de 5 anos lectivos.
- Em 3/1/2014 a DSS decide alterar os requisitos de ingresso da profissão a que o recorrente pretendia candidatar-se, introduzindo alteração ao requisito de habilitação académica exigida - vidé o Documento nº 2 junto.
- Ou seja, numa altura em que O recorrente estava prestes a terminar o seu curso universitário escolhido em conformidade com o critério fornecido pela DSS e constante do documento 1.
- No entanto, dessa nova alteração de requisito de ingressão na profissão pretendida decidida em 3/1/2014 foi apenas fixado o texto do documento 2 no tabuleiro de “Avisas” existente nas instalações da DSS, numa tentativa de publicidade deveras restritiva.
- O recorrente, não obstante ter sido formalmente informado pela Administração no ano de 2009 da versão inicial dos critérios e requisitos exigidos para o desempenho daquela profissão e constante do documento 1, não foi contactado nem informado dessa nova alteração fundamental de requisito nem do novo teor do documento 2.
- O recorrente permaneceu desconhecido dessa alteração durante todo o tempo em que frequentou e concluiu o curso universitário em causa.
- Quando foi requerer junto da DSS o seu licenciamento para exercício daquela profissão, viu a mesma indeferida com fundamento na desadequação do curso universitário frequentado em face da nova exigência em vigor desde 3/1/2014.
(4) No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública deve agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé, e, deve ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial, da confiança suscitada na contraparte pela sua actuação em causa.
(5) Antes de iniciar a frequência do curso, o recorrente apurou junto da DSS os critérios e requisitos necessários para o licenciamento e ingresso na profissão de mestre de medicina tradicional chinesa, tendo a DSS prestado informação escrita nos precisos termos do Documento N.º 1 junto. O recorrente escolheu e iniciou a frequência do curso universitário que preenchia o critério e os requisitos exigidos.
(6) Durante a frequência do curso, a DSS decide em 3/1/2014 alterar o critério e elenco dos requisitos de ingresso nessa profissão, apenas se limitando a anunciar essa alteração através de fixação de uma folha no tabuleiro de avisos existente no serviço, num gesto de tentativa de publicidade altamente restritiva.
(7) A DSS não contactou nem informou o recorrente - que era parte interessada e detentora de informação anteriormente prestada - dessa alteração fundamental, e essa alteração a meio curso afectava-o gravemente no seu interesse já que essa alteração consistia em denegar relevância do tipo de curso universitário anteriormente aceite para o ingresso na profissão de mestre de medicina tradicional chinesa.
(8) A informação escrita contida no documento n.º 1 que lhe transmitido pela DSS ao recorrente criou no espírito do recorrente a convicção assentada de que o tipo de curso escolhido era o correcto e adequado para o seu ingresso na profissão pretendida.
(9) Entretanto, a DSS fez alteração e nada disse ao recorrente.
(10) Não é lícito afirmar nem concluir de forma simplista que a escolha e frequência de determinado curso universitário pelas bandas do recorrente foi tão só e apenas uma escolha pessoal, nada tendo a ver com a DSS.
(11) A escolha desse curso não foi aleatória. O curso escolhido precisamente por que foi informado por escrito pela DSS que esse tipo de Curso satisfazia o requisito exigido para o licenciamento e ingresso na profissão.
(12) Ao agir dessa forma, a DSS não agiu norteado de boa fé. A actuação da DSS desrespeitou o princípio de boa fé, agindo em momento posterior de forma diametralmente oposta à convicção para cuja sedimentação contribuiu decididamente através da informação inicial que prestara ao recorrente pelo documento 1.
(13) Razão pela qual a sentença recorrida, nessa parte, violou a lei, o princípio da boa fé que deve nortear a actividade administrativa, consagrado no artigo 8º do CPA.
(14) Com fundamento nos factos acima elencados, entende o recorrente que a actuação da DSS acima transcrita violou, ainda, e concomitantemente, o princípio da colaboração entre a Administração e os particulares, consagrado no artigo 9º do CPA, e, por maioria de razão, a sentença recorrida, ao dar cobertura ao despacho contenciosamente impugnado, nessa parte, fez tábua rasa do mesmo princípio de colaboração constante do artigo 9º do citado CPA.
(15) Ora, tendo o recorrente sido primeiramente informado por escrito em 2009 dos critérios e requisitos exigidos para o licenciamento e ingresso na profissão em causa, e, logo, actuado nessa conformidade, não pode o recorrente, a posteriori, vir ser penalizado e considerado um estranho, alheio ou desconhecido em face da alteração de critério e requisitos exigidos que anteriormente lhe foram transmitidos por escrito.
(16) O mesmo é dizer que à entidade administrativa cabia o dever de colaborar com o recorrente informando-o dessa mesma alteração que o afectava.
(17) No mínimo, se estivesse imbuído do espírito de boa fé e de colaboração com os particulares interessados, devia a DSS ter informado, ou tentado informar, pessoalmente, o recorrente dessa alteração fundamental do requisito de habilitações exigido para o licenciamento e ingresso na profissão.
(18) Entende o recorrente que perante o seu envolvimento já iniciado num momento temporal anterior ele estava colocado numa posição merecedora de maior protecção ou melhor tutela por nele ter assumido um “interesse pessoal, genuíno e merecedor de tutela”, em contraposição com terceiros estranhos.
(19) Agindo diversamente, não acautelando a posição do recorrente em face da informação anteriormente colhida através do documento 1 e posteriormente alterada, a entidade recorrida violou o princípio de colaboração consagrado no artigo 9º do CPA. E, pelos mesmos motivos, a sentença recorrida que manteve o despacho contenciosamente impugnado, desferiu o mesmo golpe ao citado princípio de colaboração.
(20) Existe o erro do “juízo profissional” da Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento de Habilitações de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa no reconhecimento de Habilitações de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa.
(21) Tendo o recorrente apresentado em 8/5/2014 um pedido do licenciamento para o exercício da profissão de mestre de medicina tradicional chinesa, a apreciação deste pedido é regulada pelo artigo 6.º, n.º 2, al. e) e pelo artigo 7.º, al. b) do Decreto-Lei n.º 84/90/M e o pedido tem de obter declaração escrita de reconhecimento emitida pela Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento de Habilitações de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa.
(22) Em 3/7/2014, reuniu-se a Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa dos Serviços de Saúde, emitindo um parecer de que “o Diploma do Curso de Licenciatura de Especialização em Medicina Tradicional Chinesa (5 anos de ensino à distância) ministrado pela Universidade de XX que o recorrente possui não preenche os requisitos dos Critérios Básicos de Apreciação de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa, razão pela qual não lhe pode ser reconhecida essa qualificação de mestre de medicina tradicional chinesa”.
(23) Em 9/7/2014, a Unidade Técnica de Licenciamento das Actividades e Profissões Privadas de Prestação de Cuidados de Saúde dos Serviços de Saúde, concordou com o mesmo parecer e elaborando o respectivo relatório;
(24) Em 30/7/2014, o Senhor Subdirector Substituto, no uso da faculdade delegada pelo Senhor Director, exarou o despacho de concordância e a aceitação do relatório supracitado, decidiu que o recorrente não preenche os requisitos dos Critérios Básicos de Apreciação de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa e indeferindo o seu pedido.
(25) Na medida em que o Decreto-Lei n.º 84/90/M de 31 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 20/98/M de 18 de Maio não decretou os critérios concretos sobre o reconhecimento da habilitação de mestre de medicina tradicional chinesa, a Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa procedeu em 3/1/2014 à nova alteração dos Critérios Básicos de reconhecimento da habilitação de mestre de medicina tradicional chinesa que passou a ter a redacção seguinte: “Para ser reconhecida a posse de habilitação para o exercício da profissão de mestre de medicina tradicional chinesa, o requerente tem de possuir o diploma do curso de medicina tradicional chinesa emitido por um dos estabelecimentos da República Popular da China que se encontrarem oficialmente reconhecidos pelo respectivo governo (a tempo inteiro/curso diurno com duração igualou superior aos três anos).”
(26) Em 3/7/2014, a Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa emitiu um parecer sobre o pedido apresentado pelo requerente no sentido de não lhe poder ser reconhecida a qualificação de mestre de medicina tradicional chinesa devido ao não preenchimento dos requisitos actualizados dos Critérios Básicos de Apreciação de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa.
(27) Se a Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa continuasse a adoptar os Critérios Básicos vigentes no ano de 2009, altura em que o recorrente começou a frequentar o curso na Universidade de XX, a habilitação académica que o recorrente veio possuir satisfazia o artigo 2.º dos requisitos dos mesmos Critérios Básicos e devendo ser reconhecida;
(28) Razão pela qual basta verificar se fosse ilegal a alteração introduzida pela Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa em 3/1/2014 nos Critérios Básicos anteriormente vigentes para saber a importância da afectação directa no resultado de apreciação do pedido.
(29) Ora, deixamos analisar os fundamentos da alteração introduzida pela Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa em 3/1/2014: De acordo com a fls. 14 da sentença recorrida: “Dos materiais constantes dos autos resulta que a entidade recorrida exarou em 21 de Janeiro de 2014 um despacho no relatório n.º 003/PP/UTLAP/2014...”
(30) Simplesmente dizendo, são muito simples os fundamentos que a Comissão aproveitou para a alteração dos Critérios Básicos em 3/1/2014: o Curso de Licenciatura de Especialização em Medicina Tradicional Chinesa ministrado pela Universidade de XX em regime de 5 anos que o requerente possui é considerado como “habilitações académicas do ensino de medicina para adultos”; ao abrigo do disposto nas “Normas de Inscrição no Exame Nacional de Qualificação de Médico (edição 2006)”, a “habilitação académica do ensino de medicina para adultos” não pode ser reconhecida como fundamento para a inscrição no Exame Nacional de Qualificação de Médico; sendo assim, como o país não reconheceu a habilitação académica do recorrente para a inscrição no Exame Nacional de Qualificação de Médico, é natural que Macau também não reconheceu a habilitação académica do recorrente para a inscrição no Exame Nacional de Qualificação de Médico de medicina tradicional chinesa!
(31) A Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento de Habilitações de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa entendeu erradamente os fundamentos da alteração!
(32) Pois, nos termos do disposto no artigo 1.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 84/90/M de 31 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 20/98/M de 18 de Maio, além da existência do reconhecimento de “mestre de medicina tradicional chinesa”, há ainda o reconhecimento de “médico de medicina tradicional chinesa”! A qualificação das profissões em causa é feita através dos critérios básicos diferentes;
(33) No Interior da China existe apenas o reconhecimento de “mestre” e “mestre auxiliar” nos termos das “Normas de Inscrição no Exame Nacional de Qualificação de Médico (edição 2006)” e da Lei sobre a Prática Médica da República Popular da China (Law of the People's Republic of China on Medical Practitioners) aplicável, por outras palavras, não existe efectivamente no Interior da China o “mestre de medicina tradicional chinesa” designado em Macau.
(34) Porém, a Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento de Habilitações de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa comparou directamente a qualificação de “Mestre de Medicina Tradicional Chinesa” de duas localidades, aplicando directamente as exigências da qualificação de “Mestre de Medicina Tradicional Chinesa” do Interior da China às de Macau, não ponderando que as exigências do exercício da actividade de “médico de medicina tradicional chinesa” em Macau são iguais às do exercício da actividade de “mestre de medicina tradicional chinesa” do Interior da China.
(35) Ou mais precisamente, revogou-se no Interior da China o regime das exigências do exercício da actividade de “mestre adjunto” que é quase idêntico ao regime das exigências do exercício da actividade de “mestre de medicina tradicional chinesa” em Macau antes de 2006, ou melhor dizendo, antes da promulgação das “Normas de Inscrição no Exame Nacional de Qualificação de Médico (edição 2006)” no Interior da China, existe na China uma classificação da qualificação profissional de médico semelhante à de Macau, tendo naquela altura a categoria de “mestre de medicina tradicional chinesa” (sendo as exigências do exercício da actividade efectivamente equivalentes à categoria de “médico de medicina tradicional chinesa” em Macau) e a categoria de “mestre adjunto de medicina tradicional chinesa” (sendo as exigências do exercício da actividade efectivamente equivalentes à categoria de “mestre de medicina tradicional chinesa” em Macau);
(36) A Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa interpretou erradamente o parecer emitido pelo Gabinete de Hong Kong, Macau e Taiwan da Administração Estatal de Medicina Tradicional Chinesa da República Popular da China, pois entendeu sob o seu prisma jurídico: na realidade, “as habilitações académicas do ensino superior de medicina para adultos não podem ser constituídas como fundamento para a inscrição no exame de qualificação de “mestre de medicina tradicional chinesa”;
(37) O ponto mais importante é que embora sejam obviamente iguais as designações de “mestre de medicina tradicional chinesa” de duas localidades, as exigências para o exercício da actividade são completamente diferentes, pois nos termos do decreto-lei de Macau que regulamenta esta matéria, é óbvio que em Macau o âmbito do exercício da actividade de “mestre de medicina tradicional chinesa” é muito mais limitado em relação ao de “médico de medicina tradicional chinesa” , sendo também baixa a sua exigência da qualificação.
(38) Razão pela qual não se deve recorrer à condição da inscrição no exame de “mestre de medicina tradicional chinesa” do Interior da China (cujas exigências para o exercício da actividade são efectivamente idênticas às de “médico de medicina tradicional chinesa” de Macau) para servir de condição da inscrição no exame de “mestre de medicina tradicional chinesa” de Macau (cujas exigências para o exercício da actividade são efectivamente idênticas às de “mestre adjunto de medicina tradicional chinesa” do Interior da China).
(39) Se se actuasse de acordo com o raciocínio lógico da alteração dos Critérios Básicos introduzida pela Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa, o reconhecimento da habilitação de mestre de medicina tradicional chinesa teria de preencher pelo menos a condição para a inscrição no Exame Nacional de Qualificação de Médico reconhecida oficialmente pela República Popular da China;
(40) De facto, a Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa procedeu em 3/1/2014 à nova alteração dos Critérios Básicos de reconhecimento da habilitação de mestre de medicina tradicional chinesa, não preenche de modo algum a condição para a inscrição no Exame Nacional de Qualificação de Médico reconhecida oficialmente pela República Popular da China!!
(41) Nestes termos, os fundamentos dos Critérios Básicos constantes do parecer emitido pela Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa no sentido do indeferimento do pedido padecem de erro notório na qualificação dos factos e produzindo a consequente ilegalidade; e posteriormente, uma vez que a Unidade Técnica de Licenciamento das Actividades e Profissões Privadas de Prestação de Cuidados de Saúde dos Serviços de Saúde concordou com o mesmo parecer e elaborou o respectivo relatório, mantendo a situação do supracitado erro notório na qualificação dos factos e produzindo a mesma ilegalidade; o Senhor Director dos Serviços de Saúde [actuado pelo Senhor Subdirector Substituto (Choi Peng Cheong, Chefe do Departamento dos Assuntos Farmacêuticos)] por sua vez exarou o despacho de concordância e a aceitação do relatório elaborado pela mesma Unidade Técnica de Licenciamento, mantendo igualmente o supracitado vício de erro notório na qualificação dos factos e produzindo a mesma ilegalidade. Na medida em que a sentença recorrida não declarou ilegal o vício em causa, padecendo do mesmo vício.
Nestes termos, nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V Excia., deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, por provado, e em consequência, revogado “in totum” a sentença recorrida, bem como o acto administrativo contenciosamente impugnado”.
*
A entidade recorrida respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“1. O Recorrente apenas transporta para a sentença recorrida os vícios que impugnou ao acto recorrido, não invocando as razões da discórdia em relação àquela sentença.
2. O Requerente nas suas alegações de recurso nem sequer se dá ao trabalho de identificar as situações em que a sentença do Tribunal “a quo” enferma de algum vício em concreto, apenas usa os vícios que imputou ao acto recorrido, vertidos na sua petição inicial, repetindo-os, e usando-os para fundamentar o presente recurso.
3. O Recorrente deve dizer em que é que a sentença recorrida falhou, quais as normas e princípios violados, quais as regras jurídicas desrespeitadas.
4. A Entidade Recorrida facultou ao Recorrente uma cópia do documento com os critérios e requisitos necessários para o licenciamento e ingresso na profissão de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa.
5. Esse documento faz parte de uma informação que é facultada aos particulares que tenham interesse nessa matéria ou que queiram prestar, posteriormente, essa informação a terceiros.
6. A Entidade Recorrida não sabe, nem tem como saber, se um particular que se dirige ao balcão de utentes dos Serviços de Saúde e solicita informações sobre os critérios de apreciação para Mestre de Medicina Tradicional Chinesa pretende obter essa informação para si próprio ou para terceiros.
7. Quando os pedidos de informação são feitos oralmente à Entidade Recorrida, esta não fica com qualquer registo de contacto dos particulares, nem sequer o nome.
8. A Entidade Recorrida não tem o dever em continuar a informar os particulares que requeiram qualquer tipo de informação das vicissitudes ou alterações que venham a ocorrer posteriormente ao momento em que a informação foi facultada. Trata-se de um ónus que não cabe à Administração.
9. O facto da Entidade Recorrida fornecer informação fidedigna e actual referente ao critérios de apreciação da actividade privada de prestação de cuidados de saúde na RAEM, não faz surgir na esfera jurídica desta qualquer obrigação jurídica em informar possíveis interessados caso esses critérios de apreciação tenham entretanto sido revistos e alterados.
10. Ao contrário do que o Recorrente alega nos pontos 20 e 21 sobre esta matéria, a sentença do douto Tribunal “a quo” decidiu, e bem, que “claramente não são procedentes.” (tradução informal). (sublinhado nosso).
11. A cópia do documento que foi solicitado pelo Recorrente não deu origem a um procedimento administrativo, não respeitando o disposto no artigo 76.º do CPA.
12. Não existindo um procedimento administrativo, somente um acto de denegação da informação pretendida pelo Recorrente poderia ser lesiva de um direito fundamental e, portanto, ser impugnada em processo autónomo.
13. Ainda que a solicitação de tal documento tivesse dado lugar a um procedimento administrativo, o que apenas por mera hipótese académica se admite, o acto da entrega da informação ao Recorrente teria extinto imediatamente o referido procedimento.
14. Uma vez que em sede de contestação já se fez referência dos fundamentos que levaram à mudança dos critérios de apreciação dos Mestres de Medicina Tradicional Chinesa não pode a Entidade Recorrida deixar de destacar que tendo em vista a necessidade de existência de critérios justos, imparciais e uniformes para a apreciação de todos os pedidos de licenciamento para o exercício da profissão de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa, a citada Comissão procedeu à elaboração dos critérios básicos de reconhecimento da habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa.
15. E na sequência dos desenvolvimentos verificados na área da saúde, tais critérios têm vindo a ser revistos e alterados, uma vez que se toma necessário que os mesmos sejam adequados às necessidades da população e eficazes na protecção da saúde de todos os cidadãos.
16. A Entidade Recorrida não aceita as asserções que o Recorrente alega, tais como “tal postura ainda se pode apelidar de actuação em boa fé?”, pois o princípio da boa fé não deve ser usado para fundamentar o presente recurso quando nada aponta para a sua violação.
17. A boa fé revela-se com a proibição de comportamentos contraditórios ou com a imposição de obrigações de cooperar e de ser diligente.
18. A Entidade Recorrida não sonegou ao Recorrente qualquer informação relativa ao pedido por ele solicitado, nem lhe deu orientações em sentido contrário.
19. Não houve por parte da Entidade Recorrida qualquer intenção de prejudicar alguém ou de extrair qualquer vantagem, tendo sido transmitido ao Recorrente a informação correcta e legalmente vigente na altura em que foi solicitada, pelo que não pode ser assacada à Entidade Recorrida qualquer responsabilidade relativamente às opções do Recorrente.
20. A Entidade Recorrida não violou o princípio da boa fé que o Recorrente tanto alega. Tanto assim é que a sentença recorrida apreciou a alegada violação do princípio da boa fé por parte da Entidade Recorrida e julgou, e bem, tal vício improcedente.
21. A suposta violação do princípio da colaboração entre a administração e os particulares não foi invocada em sede de recurso contencioso, conforme o exige a alínea d) do n.º 1 do artigo 42.º do CPAC, razão pela qual a mesma não foi apreciada e julgada pelo douto Tribunal “a quo”.
22. Não tendo o Recorrente invocado na petição de recurso que o acto recorrido violou o princípio da colaboração entre a administração e os particulares, não pode agora em sede de recurso jurisdicional solicitar ao douto Tribunal “ad quem” a apreciação de tal vício.
23. No entanto, sempre se dirá o seguinte: o facto da Entidade Recorrida ter informado o Recorrente dos critérios de apreciação para o licenciamento de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa não cria automaticamente na esfera do Recorrente qualquer direito adquirido e protegido ou qualquer obrigação na esfera jurídica da Entidade Recorrida.
24. Este é um dos argumentos da sentença do Tribunal “a quo” - “não se pode considerar que o Recorrente já possui o direito adquirido de reconhecimento da qualificação profissional, o qual deve ser protegido por direitos” (tradução informal).
25. Quando o Recorrente alega que a Entidade Recorrida em nada colaborou com o mesmo, porquanto não informou o Recorrente da alteração dos critérios de apreciação, tal afirmação é desprovida de qualquer sentido, porquanto a alteração dos mesmos foram afixados no quadro de aviso dos Serviços de Saúde para os interessados terem conhecimento.
26. No que concerne ao alegado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, o Recorrente não expõe com um mínimo de clareza as razões de facto e de direito que teriam induzido a Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa a analisar erradamente os pressupostos da sua deliberação, acolhida pelo acto recorrido, nem da sentença do Tribunal “a quo” que o manteve.
27. O Recorrente nada mais faz do que relatar um conjunto de situações e mencionar algumas normas legais, referindo ainda que a Entidade Recorrida decidiu indeferir o seu pedido, sem aduzir uma única razão que prove que houve erro na análise dos pressupostos, quer de facto quer de direito.
28. O Recorrente continua a defender persistentemente que o facto de a Entidade Recorrida lhe ter facultado cópia dos Critérios de apreciação - Mestres de Medicina Tradicional Chinesa de 2009, obrigaria a Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa a apreciar o seu pedido de licenciamento para o exercício desta profissão, apresentado em 2014, de acordo com os critérios de 2009, como se tais critérios fossem imutáveis. Nada mais errado.
29. A Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa, ao abrigo da deliberação de 3 de Janeiro de 2014, reviu os critérios básicos de reconhecimento da habilitação de Mestre Tradicional Tradicional Chinesa, tendo os mesmos merecido despacho de concordância do Exmo. Senhor Director dos Serviços de Saúde em 27 de Janeiro de 2014.
30. A revisão dos critérios efectuada em 2014 como reconheceu, e bem, a douta sentença recorrida foi efectuada respeitando todas as normas jurídicas do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 20/98/M, de 18 de Maio), que regula o licenciamento para o exercício da actividade privada de prestação de cuidados de saúde nomeadamente, os seus artigos 6.º e 7.º.
31. A Entidade Recorrida fez essa revisão tendo em conta que a prestação de cuidados de saúde (nos quais se inclui a actividade de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa) regulados pelo diploma supra citado é uma actividade de interesse público que faz parte integrante do sistema de saúde da RAEM, como refere expressamente o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M e com o objectivo de prosseguir cabalmente a salvaguarda da saúde dos residentes da RAEM, como é sua obrigação.
32. A Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa, aquando da análise do pedido daquele, não cometeu qualquer erro de intepretação dos factos nem do direito, agindo assim de acordo com os critérios básicos de reconhecimento da habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa aprovados em 3 de Janeiro de 2014 e do Decreto-Lei n.º 84/90/M.
33. A deliberação de não reconhecimento da habilitação do Recorrente como formação idónea para o exercício da profissão de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa da referida Comissão foi unânime e não foi tomada com base em pressupostos errados (nem de facto nem de direito), não violando qualquer princípio legal, o mesmo devendo dizer-se da decisão da Entidade Recorrida e, consequentemente, da douta sentença recorrida.
34. O que está em causa nestes autos é tão só a questão de saber se o curso de que o Recorrente é titular pode ser considerado formação idónea para o exercício da profissão de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa na RAEM, para o que teria que preencher os critérios estabelecidos pela Comissão de Apreciação, o que não é o caso, como já se provou à saciedade em sede de contestação e o douto Tribunal “a quo” reconheceu.
35. Tal como se sucedeu com a alegada violação do principio da Colaboração entre a Administração e os Particulares, a matéria constante dos pontos 69 a 78 das alegações de recurso do Recorrente não foi invocada em sede de recurso contencioso conforme o exige a alínea d) do n.º 1 do artigo 42.º do CPAC, razão pela qual esta matéria não foi apreciada e julgada pelo douto tribunal “a quo”.
36. Não tendo o Recorrente invocado na petição de recurso que o acto recorrido incorre em erro nos pressupostos de facto e de direito, não pode agora em sede de recurso jurisdicional solicitar ao douto tribunal “ad quem” a apreciação de tal vício.
37. No entanto, caso o douto Tribunal assim não entenda, importa esclarecer o seguinte:
38. De acordo com os artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 84/90/M, de 31 de Dezembro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 20/98/M, de 18 de Maio), verifica-se que o curso de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa obtidos fora de Macau, como é o caso em apreço, só é considerado habilitação para o exercício da respectiva profissão se obedecer aos requisitos cumulativos ai previstos. Requisitos esses que o Recorrente não preenche.
39. A Entidade Recorrida não pode deixar de demonstrar alguma surpresa com as alegações do Recorrente relativamente aos ordenamentos jurídicos da República Popular da China e da RAEM.
40. A RAEM faz parte da República Popular da China mas tem um elevado grau de autonomia em relação a esta, gozando de poderes executivos, legislativos e judiciais independentes, como referem expressamente os artigos 2.º e 12.º da Lei Básica.
41. A fim de saber se as habilitações do Recorrente são as necessárias e suficientes para exercer a profissão de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa na RAEM, têm que ser aplicadas as disposições legais e normativas vigentes em Macau, com exclusão de quaisquer outras, tal como fez a Entidade Recorrida.
42. Tendo em conta o exposto, a Entidade Recorrida entende que nem a decisão recorrida nem a sentença do Tribunal “a quo” enfermam dos vícios de violação de lei, nem de quaisquer outros vícios, muito menos violam os princípios gerais de direito, nomeadamente o princípio da boa fé e da colaboração.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL, MANTENDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.”
*
O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer na sua vista final:
«A, identificado nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação, para o Tribunal Administrativo, do acto do Director dos Serviços de Saúde, que lhe indeferiu o recurso hierárquico necessário dirigido contra a decisão que lhe recusara o pedido de licenciamento para o exercício da actividade privada de mestre de medicina tradicional chinesa, vindo o recurso contencioso a ser julgado improcedente por sentença de 29 de Fevereiro de 2016.
Recorre agora de tal sentença, conforme minuta de fls. 142 e seguintes, criticando-a com referência aos vícios imputáveis ao acto administrativo, que considera terem sido objecto de incorrecto julgamento.
Estamos no âmbito de um recurso jurisdicional.
Conforme resulta, entre outros, dos artigos 148.º do Código de Processo Administrativo Contencioso e 581.º do Código de Processo Civil, os recursos jurisdicionais têm por objecto as decisões judiciais e visam a sua impugnação, com vista a serem alteradas ou anuladas.
Dito isto, não pode deixar de se reconhecer razão à autoridade recorrida, quando se insurge contra a invocação, apenas em sede de recurso jurisdicional, dos vícios de violação do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares e de erro nos pressupostos de facto e de direito. Estes vícios não foram suscitados no recurso contencioso, nem eram de conhecimento oficioso, pelo que não foram, nem tinham que ser, objecto de escrutínio na sentença recorrida, não cabendo, pois, no âmbito deste recurso jurisdicional.
Improcedem, assim, os supostos erros de julgamento de tais vícios.
Quanto ao mais, deve dizer-se que, percorrida a douta sentença impugnada, não lhe detectamos os restantes erros de julgamento em que se estriba a alegação de recurso.
Tal como o recurso contencioso foi enquadrado, o cerne das questões aí suscitadas resumia-se a saber se a Administração pode ou não, adentro de um mesmo quadro legal, alterar critérios a que se haja autovinculado para exercer um determinado poder discricionário, e se a alteração é oponível a quem, tendo tomado conhecimento dos critérios anteriores, haja laborado na expectativa de que eles não viessem a ser alterados e vê indeferida, por via dessa alteração, uma pretensão formulada alguns anos depois.
Não divisamos qualquer razão substancial - e também o recorrente não a identifica - que possa impedir a Administração de rever critérios, que ela própria fixara, para exercitar um determinado poder discricionário. Sobretudo se, como sucede no caso, esse poder envolve a apreciação de saberes e técnicas que vão evoluindo e conhecendo aperfeiçoamentos com o passar dos anos, como concretamente sucede no campo da medicina. Ponto é que a Administração o faça de forma objectiva e transparente, motivada pela prossecução do interesse público, como resulta demonstrado ter sucedido no caso em apreço.
Assim, aprovado em Janeiro de 2014 um determinado critério para valer, de futuro, na apreciação da idoneidade para exercício da actividade privada de mestre de medicina tradicional chinesa, não pode a Administração deixar de se reger por esse critério, a que se autovinculou, na apreciação de um caso que lhe foi submetido em Maio seguinte. Mesmo que anteriormente, cerca de 5 anos antes, tivesse dado a conhecer ao agora interessado os critérios então vigentes, que eram diferentes dos actuais. As pretensões dos administrados têm que ser apreciadas à luz do bloco de legalidade vigente no momento da prática dos inerentes actos administrativos, de acordo com o sentido atribuído em direito administrativo ao princípio tempus regit actum.
Sendo indiferente, para a decisão, que o recorrente haja projectado um determinado futuro profissional e adquirido certas competências para o efeito, baseado na expectativa que interiorizara a partir da informação que obtivera, da Administração, sobre os critérios de avaliação da idoneidade para licenciamento da actividade projectada, entretanto alterados. A eventual relevância jurídica da informação que esteve na base daquela expectativa não tem apetência para provocar qualquer efeito invalidante no acto administrativo sujeito a escrutínio, pois este tem que obedecer ao bloco de legalidade agora em vigor, do qual já não fazem parte os critérios constantes daquela informação.
Acrescente-se que a informação a que o recorrente diz ter acedido não lhe foi prestada no âmbito de qualquer procedimento pendente, nomeadamente do procedimento em que foi proferido o acto objecto do recurso contencioso, nem visava a satisfação de requisitos exigidos no seio de um procedimento pendente em que ele fosse parte.
Improcedem os fundamentos do recurso jurisdicional, bem tendo andado a sentença recorrida ao manter na ordem jurídica o acto impugnado, termos em que deve ser recusado provimento ao recurso jurisdicional.»
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença impugnada deu por assente a seguinte factualidade:
“1 - Em 27 de Janeiro de 2014, a entidade recorrida exarou um despacho em que concordou com o teor constante do relatório n.º 003/PP/UTLAP/2014, decidiu de acordo com o discutido em sessão ordinária datada de 3 de Janeiro de 2014 pela Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa, introduzir nos “Critérios Básicos de Apreciação de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa” as seguintes alterações: “Para ser reconhecida a posse de habilitação para o exercício da profissão de mestre de medicina tradicional chinesa, o requerente tem de possuir o diploma do curso de medicina tradicional chinesa emitido por um dos estabelecimentos da República Popular da China que se encontrarem oficialmente reconhecidos pelo respectivo governo (a tempo inteiro/curso diurno com duração igualou superior aos três anos)”, tendo sido fixados os Critérios Básicos actualizados no quadro de avisos para o conhecimento dos requerentes (cfr. fls. 86 dos autos e fls. 33 a 34v do Processo Administrativo em anexo aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
2- Em 7 de Maio de 2014, o recorrente contencioso apresentou aos Serviços de Saúde o pedido de licenciamento para o exercício da actividade privada de mestre de medicina tradicional chinesa e juntando os documentos para tal efeito (cfr. fls. 2 a 16 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
3 - Em 3 de Julho de 2014, reuniu-se a Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa dos Serviços de Saúde, emitindo um parecer de que o Diploma do Curso de Licenciatura de Especialização em Medicina Tradicional Chinesa (5 anos de ensino à distância) ministrado pela Universidade de XX que o recorrente possui não preenche os requisitos dos Critérios Básicos de Apreciação de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa, razão pela qual não lhe pode ser reconhecida essa qualificação de mestre de medicina tradicional chinesa (cfr. fls. 18 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
4 - Em 9 de Julho de 2014, reuniu-se a Comissão Técnica de Licenciamento de Actividades Privadas dos Serviços de Saúde, concordando com o parecer emitido pela Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa donde consta a sugestão de não autorização da qualificação de mestre de medicina tradicional chinesa do recorrente (cfr. fls. 19 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
5 - Em 30 de Julho de 2014, o Subdirector Substituto dos Cuidados de Saúde Generalizados concordou com o relatório n.º 279/R/UTLAP/2014 elaborado pelo pessoal da Unidade Técnica de Licenciamento das Actividades e Profissões Privadas de Prestação de Cuidados de Saúde onde indica que tanto o parecer emitido pela Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa como o emitido pela Comissão Técnica de Licenciamento de Actividades Privadas, ambos entendem que o Curso de Licenciatura de Especialização em Medicina Tradicional Chinesa (5 anos de ensino à distância) ministrado pela Universidade de XX que o recorrente possui não preenche os requisitos dos Critérios Básicos de Apreciação de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa, bem como o documento comprovativo das suas habilitações académicas não satisfaz os requisitos estipulados no artigo 6.º, n.º 2, al. e) do Decreto-Lei n.º 84/90/M de 31 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 20/98/M de 18 de Maio, decidindo a não autorização da emissão do licenciamento de mestre de medicina tradicional chinesa ao recorrente contencioso (cfr. fls. 20 a 22 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
6 - Em 12 de Agosto de 2014, o Senhor Subdirector Substituto dos Serviços de Saúde notificou ao recorrente a decisão então tomada através do Oficio n.º 1918/OF/UTLAP/2014, e indicando na notificação que da decisão acima referida cabe recurso hierárquico necessário para a entidade recorrida dentro do prazo indicado (cfr. fls. 19 a 26 dos autos e fls. 27 do Processo Administrativo em anexo aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
7 - Em 10 de Setembro de 2014, da decisão veio o recorrente interpor recurso hierárquico necessário para a entidade recorrida (cfr. fls. 35 a 36 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
8 - Em 27 de Outubro de 2014, a entidade recorrida exarou um despacho onde concordou com o teor constante do parecer n.º 147/GJ/2014, indicando que o recorrente não satisfaz os requisitos estipulados no artigo 6.º, n.º 2, al. e) e n.ºs 3 e 4 do Decreto-Lei n.º 84/90/M, pelo que homologou nos termos do artigo 161.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo o acto de indeferimento do pedido de licenciamento para o exercício da profissão de mestre de medicina tradicional chinesa praticado pelo Senhor Subdirector Substituto dos Cuidados de Saúde Generalizados em 30 de Julho de 2014 (cfr. fls. 42 a 55 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
9 - Em 13 de Novembro de 2014, os Serviços de Saúde notificaram ao recorrente a decisão tomada através do Oficio n.º 2826/OF/UTLAP/2014, e indicando na notificação que da decisão acima referida cabe recurso contencioso para o Tribunal Administrativo no prazo legal (cfr. fls. 27 a 3 O dos autos e fls. 61 do Processo Administrativo em anexo aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
10 - Em 16 de Dezembro de 2014, da decisão veio o recorrente interpor recurso contencioso para este Tribunal”.
***
III – O Direito
1 – Introdução
A situação do recorrente era a seguinte:
Queria ser mestre de medicina tradicional chinesa. Dirigiu-se ao serviço competente da Direcção dos Serviços de Saúde (DSS), que lhe satisfez o pedido de informação sobre o que era necessário para alcançar esse desiderato.
Foi, então, informado nos termos do documento de fls. 164, que estabelecia os critérios básicos para a apreciação de reconhecimento da habilitação de mestre de medicina tradicional chinesa.
Tais critérios eram os seguintes:
“Critérios Básicos para a Apreciação de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa
O requerente tem de reunir um dos critérios para ser reconhecida a posse de habilitação para o exercício da profissão de mestre de medicina tradicional chinesa.
Primeiro. O diploma de curso de medicina tradicional chinesa emitido por um dos estabelecimentos da República Popular da China que se encontrarem oficialmente reconhecidos pelo respectivo governo (curso diurno com duração igual ou superior aos três anos);
Segundo. O diploma de curso de medicina tradicional chinesa emitido por um dos estabelecimentos da República Popular da China que se encontrarem oficialmente reconhecidos pelo respectivo governo (curso leccionado por correspondência em regime de cinco anos);
Terceiro. Habilitação académica equivalente ao mestre adjunto do Interior da China, que é oficialmente reconhecida pela Administração Estatal de Medicina e Farmácia Tradicionais Chinesas (RPC), e reunindo, em simultâneo, uma das condições abaixo indicadas:
a. Certidão de reconhecimento de habilitação académica do ensino básico correspondente a 11.° ano de escolaridade, emitida pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude.
b. Certidão comprovativa de experiência equivalente ou superior a 10 anos da dedicação às actividades no sector da medicina tradicional chinesa, emitida por estabelecimento ou instituição sanitária em que o requerente trabalha e, simultaneamente reconhecida por duas associações representativas de mestres de medicina tradicional chinesa cujos representantes são membros da Comissão de Apreciação dos Processos de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa.
c. Diploma do curso de medicina tradicional chinesa emitido por um dos estabelecimentos da República Popular da China que se encontrarem oficialmente reconhecidos pelo respectivo governo (igualou superior a um ano)”.
Com essa informação, aventurou-se na obtenção de uma formação destinada ao efeito, na Universidade de XX, na RPC, através de um curso de 5 anos à distância.
No dia 3/01/2014 a DSS, porém, alterou os critérios básicos para a apreciação de reconhecimento da habilitação de mestre de medicina tradicional chinesa (doc. 2: fls. 165).
Os critérios passaram a ser (fls. 165):
“Critérios Básicos para a Apreciação de Reconhecimento da Habilitação de Mestre de Medicina Tradicional Chinesa:
Para ser reconhecida a posse de habilitação para o exercício da profissão de mestre de medicina tradicional chinesa, o requerente tem de possuir o diploma do curso de medicina tradicional chinesa emitido por um dos estabelecimentos da República Popular da China que se encontrarem oficialmente reconhecidos pelo respectivo governo (a tempo inteiro I/curso diurno/ com duração igual ou superior aos três anos).”
Esta alteração de critérios não foi pessoalmente comunicada ao recorrente.
Quando ele se apresentou à D.S.S., já titular daquela formação obtida na Universidade de XX, e com um pedido de licenciamento para o exercício da actividade privada de mestre de medicina tradicional chinesa, foi-lhe a pretensão negada por não reunir os requisitos dos critérios básicos atrás mencionados e por o documento comprovativo das suas habilitações não satisfazer os requisitos estipulados no art. 6º, nº2, al. e), do DL nº 84/80/M, de 31/12, alterado pelo DL nº 20/98/M, de 18/05.
Após recurso hierárquico, o Director dos Serviços de Saúde decidiu manter a decisão impugnada da autoria do Subdirector Substituto dos Cuidados de Saúde Generalizados, com fundamento na falta dos requisitos no art. 6º, nº2, al. e) e nºs 3 e 4, do DL nº 84/80/M, de 31/12.
Face a isto, recorreu para o Tribunal Administrativo, imputando ao acto os vícios de:
- Violação dos princípios da legalidade, justiça e da boa fé, bem como da protecção dos direitos e interesses dos residentes; manifesta desrazoabilidade do exercício dos poderes discricionários;
- Violação de lei: art. 129º da Lei Básica e arts. 5º, nº1, 6º, nºs 2 e 3 do DL nº 84/90/M;
- Usurpação de poder (art. 122º, nº2, al. a), do CPA).
A sentença julgou improcedente o recurso contencioso.
*
2 – O recurso jurisdicional
2.1 - Questão prévia
Nos fundamentos do recurso jurisdicional, o recorrente mantém, na essência, os vícios que imputou inicialmente ao acto. Ou seja, como se estivesse a desferir ataques ao acto, imputa à sentença os mesmos defeitos e pecados de que aquele pretensamente padece. Além disso, ainda lhes acrescentou o vício de violação do princípio da colaboração previsto no art. 9º do CPA.
Relativamente a este último, não o conheceremos, pois, não se fundando ele no conhecimento superveniente de alguma factualidade que o recorrente desconhece no início, a sua introdução contenciosa nesta fase dos autos mostra-se extemporânea e não admissível, até pelo facto de o recurso jurisdicional ter um objecto próprio, que é a sentença (art. 68º, nº3, do CPAC; tb. art. art.589º do CPC). De resto, o seu conhecimento pela primeira vez no tribunal de recurso só seria possível se ele fosse de conhecimento oficioso (v.g., perante um caso de nulidade do acto), o que não é o caso.
Quanto aos restantes, em boa verdade a reiteração dos vícios não parece ser a melhor forma de atacar a sentença do TA, uma vez que o recurso jurisdicional tem um objecto, como se disse (a sentença da 1ª instância), que é diferente do do recurso contencioso (o acto administrativo). Dito de outra maneira, uma coisa é o objecto do recurso contencioso, com os seus defeitos e vícios invalidantes analisados na sentença final, outra é o objecto do recurso jurisdicional (a tal sentença) à qual se imputam vícios próprios ou erros de julgamento.
Em todo o caso, cremos que o recorrente não se limitou a invocar os vícios iniciais imputados ao acto, mas antes lhe desferiu expressas investidas, ainda que transpondo para ela as mesmas maleitas de que aquele alegadamente padecia (ver, por exemplo, o teor das conclusões 2ª ou 14ª).
Repetimos: embora esta forma de alegar em recurso jurisdicional não seja um modelo impugnativo modelar e perfeito, pensamos que satisfaz minimamente os requisitos da fundamentação do art. 589º, nº3, do CPC.
*
2.2 - Da bondade jurídica da sentença
O diploma aplicável ao caso é o DL nº 84/90/M, vocacionado para regular o licenciamento para o exercício da actividade privada de prestação de cuidados de saúde em Macau, o qual, abrangendo os médicos e outros profissionais, também se destina aos mestres de medicina tradicional chinesa (art.1º, nº2, al. a)).
Ora, o exercício das profissões e actividades referidas no artigo 2º só é permitido após licenciamento (art. 4º, nº1), o qual “tem por finalidade verificar se estão preenchidos os requisitos legalmente exigidos para o exercício da profissão ou da actividade” (art. 4º, nº2).
Entre os requisitos para o licenciamento inscreve-se a posse de capacidade profissional (art. 5º, nº1, al. a)).
Capacidade profissional que, consoante a profissão ou actividade, vai variando. Assim é que para se ser médico é exigível um “curso superior” (art. 6º, nº2, als. a) a c)), ao passo que para o odontologista, terapeuta, massagista e acupunturista, por exemplo, já é necessário simplesmente a posse de um “curso que confira diploma para o exercício da respectiva profissão” (art. 6º, nº2, al. d)) e para o mestre de medicina tradicional chinesa é suficiente uma “formação idónea para o exercício da profissão” que seja “reconhecida por uma comissão constituída nos termos do nº 7” (art. 6º, nº2, al. e)).
Esta comissão é criada “para apreciar os processos de licenciamento da habilitação referida na alínea e) do nº2” e “funcionará no âmbito dos Serviços de Saúde de Macau” (art. 6º, nº7)).
Pois bem. Esta comissão, no processo de reconhecimento da “habilitação referida”, o que fará? Analisará os elementos constantes do procedimento concreto alusivo ao requerente interessado e, no final, emitirá uma “declaração escrita de reconhecimento” que servirá de “prova da habilitação” (art. 7º, al. b)).
Como se vê, a formação idónea aludida na alínea e) do art. 6º não exige a posse de um “curso superior”. E, assim sendo, as exigências respeitantes aos “cursos referidos no número anterior” (nº3, do art. 6º1) não são aplicáveis à apreciação da capacidade profissional do mestre de medicina tradicional chinesa.
O que importa ao reconhecimento dessa capacidade profissional, com vista ao reconhecimento da habilitação (formação idónea), é que os elementos instrutórios (documentais, sejam eles quais forem) sejam aptos a revelarem-na, segundo o juízo da comissão que fará a apreciação do processo de reconhecimento (“comissão técnica”: cfr. art. 26º, nº1, e 4, al. b) e 39º, do DL nº 81/99/M: reestrutura a orgânica dos SSM).
Mas, a Administração nos critérios que estabeleceu impôs, entre outras exigências para o efeito, a posse de um “diploma de curso de medicina tradicional chinesa emitido por um dos estabelecimentos da República Popular da China que se encontrarem oficialmente reconhecidos pelo respectivo governo (curso leccionado por correspondência em regime de cinco anos)”.
O recorrente satisfazia estes critérios quando se decidiu obter este curso. Mas, antes de terminá-lo, e sem que o soubesse, estes critérios foram alterados e passou a ser apenas um o aplicável (ver acima). Isto é, o critério que anteriormente lhe possibilitava o reconhecimento, foi abandonado e dos anteriores apenas se manteve um: aquele que obriga a “diploma do curso de medicina tradicional chinesa emitido por um dos estabelecimentos da República Popular da China que se encontrarem oficialmente reconhecidos pelo respectivo governo (a tempo inteiro I/curso diurno/ com duração igual ou superior aos três anos).”.
Ora, este critério deixou o recorrente sem a protecção com que antes contava, uma vez que o seu curso foi de cinco anos, mas tirado à distância, por correspondência, enquanto agora se exige um curso presencial, diurno e a tempo inteiro, com duração igual ou superior a três anos.
Podia esta alteração ser feita? Já responderemos a esta questão.
*
2.3 - (Cont.)
Antes de se responder, porém, haverá que atentar na alínea e), do nº2, do art. 6º acima referido.
Pois bem, quando a norma alude a “formação idónea”, não está o legislador a criar um espaço de discricionariedade em favor da Administração. Trata-se, ao contrário, de um conceito jurídico vago ou indeterminado. Quando a Administração tem que aplicar este conceito está obrigada a interpretá-lo devidamente em função dos factos verdadeiros. E nessa perspectiva, uma vez que o caso em apreço não revela uma situação em que à entidade competente caiba fazer um juízo de prognose sobre situações futuras (como acontece, por exemplo, com os casos de “perigo para a ordem pública”), a aplicação correcta do conceito insere-se no domínio da actividade administrativa de carácter vinculado e impõe à Administração a adequada interpretação do conceito (neste sentido, v.g., Acórdãos do TUI, de 3/05/2000, Proc. nº 9/2000 e do TSI, de 18/10/2012, Proc. nº 127/2012 e de 18/07/2013, Proc. nº 801/2012). E sendo vinculada a actuação a sua sindicância é possível.
Mas, a Administração pode criar critérios que a ajudem a efectuar a correcta densificação do conceito. Pode, e deve, sempre que a situação for de tal ordem vaga que, sem essa actividade densificativa, subsistam dificuldades de materialização do conceito e de interpretação. Portanto, a criação de critérios de auto-vinculação serve para ajudar a interpretar adequadamente cada caso em função da situação concreta. Ou, noutra perspectiva, são úteis para especificar e operacionalizar certos aspectos da lei em ordem a ampliar a sua eficácia: aquilo a que se pode chamar auto vinculação unilateral abstracta (Paulo Modesto, Autovinculação da Administração Pública, em Revista Electrónica de Direito de Estado, in http://www.direitodoestado.com/revista/rede-24-outubro-2010-paulo-modesto.pdf.
Bem certo que a auto-vinculação é mais própria de directivas e critérios para observação no exercício de poderes discricionários. Nenhum obstáculo racional existe, porém, a que se criem mecanismos idênticos com vista à boa densificação e à interpretação de conceitos indeterminados puros (João Tiago Silveira, no estudo Directivas de auto-vinculação em poderes discricionários, disponível na web, in http://www.mlgts.pt/xms/files/Publicacoes/Artigos/2012/Directivas_Auto-Vinculacao_Poderes_Discricionarios.pdf.
Aliás, e tendo em conta que o preenchimento daquele conceito jurídico indeterminado constitui actividade vinculada, mais nos parece aconselhável que a Administração se sirva de meios próprios auto-vinculativos de forma a eliminar a margem de indefinição que pode em certos casos andar associada à tarefa de interpretação do conceito.
Assim fez a Administração no caso em apreço.
Acontece que, tendo o recorrente observado as condições determinadas nos critérios iniciais para o preenchimento do conceito de “formação idónea”, ao completar à distância um curso de 5 anos, vieram eles a ser alterados unilateralmente. E agora passou a vigorar apenas um critério: para ser apto a demonstrar a “formação idónea”, o curso tem quer ser diurno, o que implica que seja acompanhado presencialmente pelo aluno, e com a duração de pelo menos três anos.
E foi por o recorrente não possuir estes novos requisitos que o seu pedido foi indeferido.
*
2.4 - (Cont.)
Esta alteração de critérios, como é evidente, terá trazido prejuízos ao recorrente, porque conformou a sua actuação com a informação que antes lhe fora dada, o mesmo é dizer, porque foi adquirir um curso que lhe dava acesso à prática de medicina tradicional chinesa, que depois lhe não serviu para préstimo algum. Isto é, deixou de estar sob a protecção dos critérios anteriores e passou a ficar na mira de um novo, que lhe retirou a posse do requisito necessário à obtenção da actividade de mestre de medicina tradicional chinesa. Poderá ela ser considerada ilegal?
Ora bem. Parece-nos que, quanto a esta questão, não pode a solução ser diferente da que costuma ser apontada para a alteração das regras e directivas de auto-vinculação em matéria de exercício de poderes discricionários.
E assim, também neste plano, é de considerar que a alteração de critérios de densificação dos conceitos indeterminados, desde que fundamentada e abrigada em razões de interesse público, como aqui aconteceu (facto 1) não deve ser ilegal2. Dir-se-ia que, em razão do interesse público e das circunstâncias sociais de cada momento, a Administração não pode ficar refém da directiva ou dos critérios que ela mesma tenha definido anteriormente, podendo derrogá-las (neste sentido, também, Tiago Silveira, ob. cit., VI, 2, B)). E a derrogação (alteração) dos critérios anteriores e a fixação do único critério aplicável ocorreu em Janeiro de 2014, antes mesmo do recorrente formular o seu pedido (Maio de 2014) que viria a ser indeferido.
Por outro lado, a Administração não tinha que comunicar a alteração dos critérios ao recorrente. Neste plano, a Administração, pelo facto de ter dado uma informação anterior não fica obrigada a oficiosamente comunicar ao interessado a alteração substantiva ocorrida através de nova informação. O dever de informar é casuístico e sempre em presença de um pedido formulado com essa finalidade.
Neste mesmo sentido, já este tribunal teve oportunidade de se manifestar, em situações em tudo semelhantes a esta, por duas vezes: Acs. do TSI, de 18/05/2017, Proc. nº 417/2017 e de 8/06/2017, Proc. nº 415/2017.
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3 – Dos vícios
3.1 - Da violação dos princípios da legalidade, justiça e da boa fé, bem como da protecção dos direitos e interesses dos residentes; manifesta desrazoabilidade do exercício dos poderes discricionários.
Face ao que se acaba de concluir, não são convocáveis nesta situação os entraves que costumam estar associados à alteração da vinculação precedente no quadro da actividade administrativa discricionária para efeito da constatação da violação dos apontados princípios.
Razão pela qual os vícios imputados pelo recorrente ao acto e referentes à violação destes e dos restantes princípios gerais da actividade administrativa teriam que ser considerados improcedentes, como foram na sentença impugnada.
Quanto a este aspecto, a sentença não merece censura.
*
3.2 - Do alegado erro sobre os pressupostos e erro de direito: arts. 5º, nº1, 6º, nºs 2 e 3 do DL nº 84/90/M.
Defendia o recorrente que com esta decisão administrativa a entidade recorrida violava as citadas disposições legais.
Quanto às disposições dos arts. 5º, nº1, 6º, nºs 2 e 3 do DL nº 84/90/M, já lhes dedicámos o necessário e suficiente estudo no ponto 2.2 supra.
De acordo com o que ali foi dito, concluímos que nenhuma delas se pode dar por violada. E, por isso, o recurso jurisdicional não pode proceder nesta parte.
Quanto ao erro invocado sobre os pressupostos (cremos que se refere aos pressupostos de facto), também não tem razão.
Com efeito, a situação do recorrente era a de um grau de ensino à distância (por correspondência) alcançado em cinco anos. Não há qualquer dúvida acerca deste facto. Isto é, o acto não falhou nos pressupostos de facto.
Ora, uma vez que o novo critério aplicável exigia um curso de pelo menos três anos mas acompanhado presencialmente pelo aluno. E como o acto se rege pelo direito existente à data da sua prolação (“tempus regit actum”), então a solução veiculada está em conformidade com ele.
*
4 – Nota final
No recurso contencioso, o recorrente tinha apelado ainda aos arts. 129º da Lei Básica e invocado o vício de usurpação de poder (art. 122º, nº2, al. a), do CPA).
Como se sabe, o recurso jurisdicional apresenta-se como uma forma de impugnação judicial dirigida contra uma sentença, à qual a parte inconformada arremete vícios e violações próprios. Significa isto que o TSI, em recurso para si interposto de decisão da primeira instância, está condicionado na sua actuação pela delimitação objectiva contida na respectiva alegação, nos termos do art. 589º do CPC.
Ora, uma vez lavrada a sentença recorrida, o recorrente não dedicou à matéria citada uma única linha no presente recurso jurisdicional.
Por esta razão, não a apreciaremos.
***

IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 8 UC.
T.S.I., 7 de Dezembro de 2017
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José Cândido de Pinho Mai Man Ieng
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong

1 O seu teor “Os cursos referidos no número anterior somente são considerados habilitação para o exercício da respectiva profissão se tiverem sido feitos em estabelecimentos de ensino de Macau ou de Portugal, legalmente autorizados a ministrá-los e forem oficialmente reconhecidos como válidos para o exercício da profissão ou, tratando-se de cursos obtidos fora de Macau ou de Portugal, tiverem sido feitos em estabelecimentos de ensino reconhecidos como idóneos para os ministrar por uma organização internacional e garantirem uma formação equivalente à dos cursos feitos em Macau ou Portugal.”
2 Sobre a alteração dos critérios no âmbito dos poderes discricionários, ver, v.g., Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., pág. 100.
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416/2016 44