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Processo nº 886/2017(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. No âmbito dos presentes Autos de Recurso Penal proferiu o ora relator a seguinte “decisão sumária”:

“Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, vem recorrer da sentença prolatada pelo Mmo Juiz do T.J.B. que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “falsificação de documento”, p. e p. pelo art. 244°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano; (cfr., fls. 191 a 195-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, imputando à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a “renovação da prova” e a sua consequente absolvição; (cfr., fls. 210 a 233).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 236 a 239).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.210 a 233 dos autos, o 1° arguido imputou, à douta sentença em escrutínio (cfr. fls. 191 a 195 verso), o erro notório na apreciação de prova e a violação do preceituado no art.13° do CPM por não se comprovar o dolo, alegando a incredibilidade do depoimento prestado pelo 2° arguido e a contradição entre esse depoimento e a sua declaração.
Antes de mais, sufragamos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na douta Resposta (cfr. fls.236 a 239 dos autos), no sentido do não provimento dos recursos em apreço.
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No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, arestos do Venerando TUI nos Processos n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014):
O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
No vertente caso, o MM° Juiz a quo alertou deliberadamente e com toda a pertinência: «本案關鍵之處是為何第一嫌犯明明在2014年5月16日替第二嫌犯診病後,處方了四天的藥物,費用合共澳門幣300元,但沒有開出一張日期為2014年5月16日、金額為澳門幣300元的M7,却填寫了兩張各為澳門幣150元的M7,其中一張日期為當日,另一張日期却是兩天後的5月18日?»
A seguir, procedeu à seguinte prudente explicação: «按照第一嫌犯的解釋,是純粹按第二嫌犯的要求。這一點本庭認為合情合理。然而,對於該嫌犯辯稱不知第二嫌犯這樣是為了什麼。本庭則不能認同,理由眾所週知,在澳門職業稅M7格式的正本(俗稱面單)在私人醫療界一直作為收費證明,第一嫌犯作為一名有數十年經驗的執業醫生,即使不知道第二嫌犯的工作地點或僱主,但肯定不會不知悉同一天的收費分開開立在兩張M7的原因及用意。此外,第一嫌犯主張的M7正本的功能相當於“期票”也站不住腳。首先,在澳門的法律體系內根本沒有“期票”這個概念,即使有(純粹假設),也解釋不了為何不在5月16日直接了當開具一張金額為澳門幣300元、即時有法律效力的M7,而要大費周章地分開兩張,其中一張還要是在指定的日期後方有效力的呢?»
Sem embargo do respeito pela opinião diferente, entendemos que a fundamentação supra citada está em plena conformidade com as regras de experiência e a racionalidade humana, e os factos dados por provados pelo MM° Juiz a quo na douta sentença recorrida não enfermam, de todo em todo lado, do assacado erro notório na apreciação de prova.
Em relação à invocação da «incredibilidade do depoimento prestado pelo 2° arguido», perfilhamos a sensata jurisprudência que assevera (Acórdão do TUI no Processo n.°13/2001): O recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador.
Pois, «sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.» (vide. Acórdão do TSI no Processo n.°470/2010)
Em obediência às orientações jurisprudenciais acima aludidas, não podemos deixar de colher que são impertinentes e inócuos os argumentos do recorrente a pretexto do erro notório na apreciação de prova, sendo os quais vetados pelo princípio da livre apreciação de prova (art.114° do CPP).
Vale mencionar que nos termos e para os efeitos previstos no n.°1 do art.244° do CPM, não é imprescindível a intenção de obter benefícios ilegítimos para o próprio agente, basta a intenção de obtê-los para outras pessoas bem como a de causar prejuízos a outrem ou à RAEM. Daí flui que não pode deixar de improceder a arguição de o recorrente/1° arguido actuou sem dolo e com mera negligência.
(…)”; (cfr., fls. 247 a 248-v).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 191-v a 192-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “falsificação de documento”, p. e p. pelo art. 244°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano.

É de opinião que a decisão recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a “renovação da prova” e a sua absolvição.

Como se deixou adiantado, é evidente que não lhe assiste razão.

Vejamos.

De forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 23.03.2017, Proc. n.° 115/2017, de 08.06.2017, Proc. n.° 286/2017 e de 14.09.2017, Proc. n.° 729/2017).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.03.2017, Proc. n.° 114/2017, de 15.06.2017, Proc. n.° 249/2017 e de 21.09.2017, Proc. n.° 837/2017).

Também, sobre este tema, pronunciou-se, recentemente, a Relação de Coimbra, em termos que merecem a nossa concordância e que vale a pena aqui referir.

Com efeito, importa ter em conta que “Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum”; (cfr., o Ac. de 13.09.2017, Proc. n.° 390/14).

E dito isto, pouco há a acrescentar.

Com efeito, o recorrente limita-se a negar o que do julgamento resultou provado, insistindo na sua “versão dos factos” que não foi acolhida pelo Tribunal a quo, não se vislumbrando onde, como ou em que termos tenha havido desrespeito por qualquer regra sobre o valor das provas legais e tarifadas, regra de experiência e legis artis, bastando uma mera leitura à fundamentação na decisão recorrida exposta para se ver que o Tribunal decidiu com apoio na prova produzida em audiência de julgamento – nomeadamente, nas declarações do (2°) arguido B; cfr., fls. 192-v a 193-v – apresentando-se-nos a decisão recorrida clara e lógica, e não merecedora de nenhuma censura.

Na verdade, há que atentar que não é por não haver conformidade ou sintonia entre as declarações ou depoimentos prestados em audiência de julgamento que impedido está o Tribunal de decidir, dando credibilidade a 1 em detrimento de outro.

Como é evidente, tem é justificar a sua decisão.

E no caso, evidente se apresenta que observou o Tribunal tal dever de fundamentação expondo, como já se referiu, de forma clara, cabal e lógica o seu raciocínio e o porque da sua convicção, motivos não se vislumbrando para não se manter o decidido.

Daí, inexistindo o alegado “erro”, ou qualquer outro vício da decisão da matéria de facto, e, desta forma, definitivamente assente estando a dita decisão, onde se deu como provado o “dolo” dos arguidos, imperativa é a decisão que segue.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 250 a 255-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, veio o arguido reclamar do decidido, insistindo no entendimento que em sede do seu recurso tinha deixado exposto; (cfr., fls. 262 a 278).

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Em Resposta, diz o Ministério Público o que segue:

“1ª- Na Reclamação de fls.262 a 278 dos autos, o recorrente pediu que seria absolvido da Acusação, reproduzindo os fundamentos arrogados na Motivação do recurso (cfr. fls.210 a 233 dos autos) – consubstanciados em assacar o erro notório na apreciação de prova.
2ª- Na sentença recorrida, o MM° Juiz a quo procedeu à seguinte prudente explicação: «按照第一嫌犯的解釋,是純粹按第二嫌犯的要求。這一點本庭認為合情合理。然而,對於該嫌犯辯稱不知第二嫌犯這樣是為了什麼。本庭則不能認同,理由眾所週知,在澳門職業稅M7格式的正本(俗稱面單)在私人醫療界一直作為收費證明,第一嫌犯作為一名有數十年經驗的執業醫生,即使不知道第二嫌犯的工作地點或僱主,但肯定不會不知悉同一天的收費分開開立在兩張M7的原因及用意。此外,第一嫌犯主張的M7正本的功能相當於“期票”也站不住腳。首先,在澳門的法律體系內根本沒有“期票”這個概念,即使有(純粹假設),也解釋不了為何不在5月16日直接了當開具一張金額為澳門幣300元、即時有法律效力的M7,而要大費周章地分開兩張,其中一張還要是在指定的日期後方有效力的呢?»
3ª- Ressalvado respeito pela opinião diferente, entendemos que a fundamentação supra citada está em plena conformidade com as regras de experiência e a racionalidade humana, e os factos dados por provados pelo MM° Juiz a quo na douta sentença recorrida não enfermam, de todo em todo lado, do assacado erro notório na apreciação de prova.
4ª- Em relação à invocação da «incredibilidade do depoimento prestado pelo 2° arguido», perfilhamos a sensata jurisprudência que assevera (Acórdão do TUI no Processo n.°13/2001): O recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador.
5ª- Vale mencionar que nos termos e para os efeitos previstos no n.°1 do art.244° do CPM, não é imprescindível a intenção de obter benefícios ilegítimos para o próprio agente, basta a intenção de obtê-los para outras pessoas bem como a de causar prejuízos a outrem ou à RAEM.
Daí flui que não pode deixar de improceder a arguição de o recorrente/1° arguido actuou sem dolo e com mera negligência.
6ª- Sendo assim, sufragamos a seguinte conclusão extraída pelo MM° Relator da douta decisão reclamada: «Com efeito, o recorrente limita-se a negar o que do julgamento resultou provado, insistindo na sua “versão dos factos” que não foi acolhida pelo Tribunal a quo, não se vislumbrando onde, como e em que termos tenha havido desrespeito por qualquer regra sobre o valor das provas legais e tarifadas, regra de experiência e legis artis, bastando uma mera leitura à fundamentação na decisão recorrida exposta para se ver que o Tribunal decidiu com apoio na prova produzida em audiência de julgamento – nomeadamente na declarações do (2°) arguido B; cfr., fls.192-v a 195-v – apresentando-se-nos a decisão recorrida clara e lógica, e não merecedora de nenhuma censura.»
7ª- Tudo isto demonstra que a decisão reclamada não padece do erro notório na apreciação de prova”; (cfr., fls. 280 a 282-v)

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.
Fundamentação

2. No uso da faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vem o arguido reclamar da decisão sumária nos presente autos proferida.

Porém, em resultado de uma análise aos autos efectuada, mostra-se de concluir que evidente é que não se pode reconhecer mérito à sua pretensão, muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.

Com efeito, a decisão sumária agora reclamada apresenta-se clara e lógica na sua fundamentação – nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das questões colocadas – e acertada na solução, nada mais se mostrando de acrescentar.

Na verdade, e pelos motivos que se deixaram expostos, patente se mostra que justo e adequado foi o decidido no Acórdão do T.J.B. objecto do recurso pelo ora reclamante trazido a este T.S.I., o que, por sua vez, implica, a necessária e natural conclusão de que deve ser totalmente confirmado, o mesmo sucedendo com a decisão sumária que neste sentido decidiu.

Dest’arte, e constatando-se que o ora requerente limita-se a repisar o já alegado e adequadamente apreciado da decisão sumária agora em questão, inevitável é a improcedência da reclamação apresentada.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a reclamação apresentada.

Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 07 de Dezembro de 2017
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa

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