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Proc. nº 807/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 14 de Dezembro de 2017
Descritores:
- Habitação Económica
- Propriedade
- Compropriedade
- Divórcio
- Efeitos do divórcio
- Partilha

SUMÁRIO:

I – Terceiros, para efeitos do art. 1644º, nº3, do CC, são apenas ser as pessoas que de alguma maneira tenham estabelecido relações jurídicas de conteúdo patrimonial com um ou ambos os cônjuges e que por isso apresentam um interesse próprio sobre os bens comuns do casal, porque lhes interessa que eles se mantenham na comunhão a fim de garantir, por exemplo, a satisfação do seu crédito. Esta norma do nº3 visa pois defender o interesse desses terceiros em virtude de actos de algum dos cônjuges realizados com terceiros ou proteger a confiança das pessoas que tenham contratado com os cônjuges desconhecendo que estes se tinham divorciado.

II – O Instituto de habitação de Macau não é terceiro para este efeito.

III – É a titularidade do direito de propriedade ou a simples condição de promitente-comprador de prédio ou fracção autónoma regulamentarmente estabelecidos (art. 14º, nº3, al. 1), da Lei nº 10/2011) que o legislador elege como factor objectivo impeditivo de uma candidatura à atribuição de uma fracção habitacional em regime de habitação económica.

IV – A compropriedade não se inscreve na previsão do preceito.

V – Se no requerimento de candidatura à habitação económica a requerente incluiu no seu agregado familiar um progenitor que à data estava divorciado - sem que nessa altura tivesse já procedido à partilha de uma fracção habitacional comum com a ex-cônjuge - não pode vir a ser excluída do concurso pelo facto de os seus progenitores terem procedido à partilha posteriormente e dentro do período de cinco anos previsto no normativo aludido em I, principalmente se a casa foi atribuída ao outro.

Proc. nº 807/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, solteira, portadora do Bilhete de Identidade de Residente de Macau n.º XXX), residente na XXX, Macau, instaurou no Tribunal Administrativo (Proc. nº 1203/15-ADM) ----
Recurso Contencioso ----
Do despacho do Presidente do Instituto de Habitação, de 1/03/2015, que rejeitou o recurso hierárquico e manteve a exclusão da candidatura da recorrente à habitação económica decidida em 5/11/2014 pelo Chefe do Departamento de Habitação Pública do referido Instituto.
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Por sentença de 29/06/2016, foi o recurso contencioso julgado improcedente.
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Contra tal sentença vem agora interposto pela recorrente contenciosa o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“I. De facto, o Tribunal a quo deu como provados os factos só conforme as provas documentais constantes dos “autos e do apenso”, não proclamando o resultado obtido pelo meio de prova testemunhal,· pelo que, a sentença do Tribunal a quo enferma de vício de falta de decidir que devia decidir, devendo o tribunal superior julgar revogados tal sentença e os actos processuais subsequentes, ordenando proclamar quais os factos invocados pela recorrente que foram dados como provados e não provados, quais os meios de prova que foram utilizados e os fundamentos que formaram a sua convicção.
Caso o Tribunal de Segunda Instância assim não entenda,
II. Apreciando novamente a prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, os seguintes factos devem ser provados pelo tribunal superior:
- B e C não celebraram a escritura de convenção antenupcial de bem no interior da China.
- De facto, o estado civil de C no registo da referida fracção não corresponde à verdade, ninguém requereu solução da referida fracção no processo de divórcio e a recorrente apresentou a candidatura sem ponderar a referida questão, tudo isso foi causado pela fraca consciência da lei das partes.
- Até agora, B ainda tem entendido que a fracção em causa é o bem próprio de C, ele nunca teve a posse da fracção ou utilizou a fracção nem obteve benefício da fracção.
- O que também levou a que a recorrente nunca verificasse que isto podia causar qualquer impedimento.
- Un e Ip obtiveram a certidão de casamento em 24 de Outubro de 1985 e o primeiro lugar de residência comum após o casamento é Guangzhou.
III. Nestes termos e em conjugação com os factos acima referidos, no caso sub judice, a certidão de sentença de divórcio de B e C emitida pelo tribunal de Macau refere expressamente várias vezes que pelo menos os dois viviam conjuntamente em Macau em 1997 e os filhos deles nasceram respectivamente em 1984 e 1986 em Macau. Assim, sem dúvida, pelo menos, B e C conviviam em Macau aquando da aquisição da fracção. Caso se concorde com a jurisprudência mais recente acima referida, ao presente processo devem ser aplicadas as leis de Macau e assim o resultado obtido pela prova testemunhal é suficiente para o tribunal proferir outra decisão judicial.
IV. Conforme os pontos 9.º a 32.º das alegações:
O referido imóvel pertence unicamente a C e o registo predial é apenas uma presunção, a qual deve ser ilidida. A Lei da Habitação Económica visa apenas evitar que os residentes venham a requerer a habitação económica logo depois de terem vendido a sua propriedade para obtenção de lucros; o acto de partilha praticado por B e C tem efeitos retroactivos.
V. Pelos fundamentos acima referidos, o Tribunal de Segunda Instância deve revogar a sentença do Tribunal a quo e proferir uma decisão favorável à recorrente.”
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A entidade recorrida respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“1. Os argumentos da sentença recorrida são precisos, os seus fundamentos são claros e a aplicação da lei ao caso concreto é correcta, pelo que, não se verificou o vício de omissão de pronúncia invocado pela recorrente e os elementos constantes dos autos também demonstram que não há necessidade da nova apreciação das provas, devendo, assim, ser mantida a sentença do Tribunal a quo.
2. A recorrente invocou principalmente três fundamentos: (1) O Tribunal a quo incorreu em vício de omissão de decidir que devia decidir; (2) As provas produzidas na audiência de julgamento devem ser novamente apreciadas e deve-se provar que o imóvel com finalidade habitacional no mercado privado em causa pertence a C nos termos das leis aplicáveis de Macau; (3) O acto de partilha praticado por C e B tem efeitos retroactivos.
3. Em primeiro lugar, quanto às questões de que o imóvel em causa é o bem comum do pai da recorrente B e da mãe C ou é o bem próprio de C, e o acto de partilha do aludido imóvel feito em 18 de Dezembro de 2014 por B e C tem efeitos retroactivos, a sentença do Tribunal a quo já conheceu e analisou as aludidas duas questões e proferiu a sua decisão. Mesmo que o resultado de julgamento não seja favorável à recorrente, isto nunca se pode considerar como omissão de pronúncia.
4. Mais ainda, o dever de conhecer do tribunal reside em conhecer de questões concretas do processo, em vez de pronunciar-se sobre cada uma das provas, pelo que, o tribunal necessita apenas de conhecer dos factos relacionados com as questões envolvidas no processo. A questão envolvida no presente processo é a de reconhecimento da lei, e evidentemente, as provas documentais dos autos já são suficientes para conhecer dessa questão, pelo que, não existe o vício de omissão de pronúncia nem é necessário apreciar novamente as provas testemunhais.
5. Porém, a recorrente pediu nova apreciação das provas, citou o acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido em 28 de Maio de 2015 no Processo n.º 282/2015 e referiu que deve ser aplicada, nos termos do artigo 50.º do Código Civil, a lei da residência habitual deles (isto é, a de Macau) para servir de lei competente do presente processo. A recorrente mais referiu que o Código Civil de Macau em vigor naquela altura permitia qualquer um dos cônjuges adquirir imóvel com os seus bens próprios, razão pela qual entendeu que as provas testemunhais podem comprovar que o referido imóvel é o bem próprio de C, não devendo o mesmo ser considerado como bem comum dos cônjuges.
6. O alegante não concorda com o entendimento da recorrente supra mencionado, uma vez que a questão controvertida no acórdão do Tribunal de Segunda Instância diz respeito à validade da disposição dos bens comuns na constância do matrimónio por qualquer um dos cônjuges, questão essa é completamente diferente da questão da pertença do bem comum do presente processo. Assim sendo, a referida jurisprudência não é aplicável ao presente processo.
7. Ou, pelo menos, mesmo que se entenda que à questão da pertença do imóvel do presente processo deve ser aplicado o Código Civil de Macau em vigor naquela altura, ainda não se pode chegar à conclusão pretendida pela recorrente, pois o imóvel controvertido no presente processo não corresponde a qualquer uma das situações enumeradas no artigo 1722.º do Código Civil de Macau em vigor naquela altura.
8. Além disso, ao adquirir o referido imóvel, C não declarou na escritura da compra e venda que o referido imóvel foi adquirido com os seus bens próprios nem o seu cônjuge B esteve presente para dar o seu consentimento, pelo que, nos termos do artigo 387.º do vigente Código Civil de Macau, mesmo que na audiência de julgamento C e B referissem o decurso da aquisição do imóvel, ainda não se pode concluir, através do meio de prova testemunhal, que o referido imóvel é o bem próprio de C, pelo que, não é necessário apreciar novamente os depoimentos prestados pelas testemunhas.
9. De qualquer maneira, mesmo que o tribunal superior não assim entenda mas sim considere ser necessário apreciar novamente os depoimentos prestados pelas testemunhas, das páginas 9 e 10 do registo da audiência de julgamento apresentado pela recorrente resulta que C referiu que o dinheiro para adquirir o referido imóvel veio dos seus salários, e nos termos do artigo 1724.º do Código Civil em vigor naquela altura, o produto do trabalho de qualquer um dos cônjuges e os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio que não sejam exceptuados por lei são bens integrados na comunhão. Assim sendo, de facto, o referido iI11ÓVel não pertence ao bem próprio de C que se prevê nos dispostos legais acima referidos nem é o bem adquirido com os seus bens próprios, mas sim só pode ser provado como bem comum deles.
10. Razão pela qual, tanto segundo a lei do interior da China, como segundo a lei de Macau, não se pode concluir que o referido imóvel é o bem próprio de C.
11. Por outro lado, a recorrente também alegou que C já tem tido a posse do referido imóvel há quase 19 anos, pelo que, ela já adquiriu a fracção por usucapião, usucapião essa tem efeitos retroactivos que devem retroagir ao ano de 1996, contudo, obviamente, o que alegado pela recorrente não tem qualquer fundamento!
12. C não intentou para o tribunal qualquer acção para confirmar a usucapião nem há qualquer decisão judicial que confirmou o seu direito, para já não falar dos efeitos retroactivos. Além disso, C e B celebraram a escritura de partilha em 18 de Dezembro de 2014, no sentido de partilhar o referido imóvel, conforme a qual B cedeu a C toda a sua compropriedade sobre a referida fracção autónoma e recebeu a compensação pecuniária. Caso C tenha considerado que tal propriedade é da sua pertença e adquirisse-a originariamente por usucapião, a celebração da escritura de partilha e o pagamento da compensação pecuniária a B constituem actos contraditórios!
13. De qualquer maneira, mesmo que C tenha posse do referido imóvel, tal posse é apenas titulada. Nos termos do artigo 1184.º n.º 2 do Código Civil, a posse titulada é presumida como posse de má fé, e C não fez o registo da sua posse, pelo que, nos termos do artigo 1221.º do mesmo Código, a usucapião da sua posse só pode dar-se no termo de 20 anos. Assim sendo, antes de decorrer o tempo da eventual usucapião e antes de o tribunal proferir a decisão judicial, o referido imóvel ainda é o bem comum de B e C.
14. A recorrente também referiu que o artigo 14.º da Lei da Habitação Económica aprovada pela Lei n.º 10/2011, que prevê que os candidatos não podem ser, nos cinco anos anteriores à data da apresentação da candidatura, proprietários de fracção autónoma com finalidade habitacional na RAEM, visa evitar que os residentes tenham vendido a sua propriedade para obtenção de lucros, o que assim entendeu que isso não é o caso do presente processo.
15. Porém, é de notar que na escritura pública de partilha B declarou ter recebido a compensação pecuniária, o que demonstra que ele cedeu onerosamente a C o imóvel que originalmente lhe pertencia. Nos termos do artigo 388.º do Código Civil, é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias, pelo que, mesmo que B e C referissem na audiência de julgamento que não existe qualquer transacção pecuniária, os seus depoimentos também não podem ser admitidos.
16. Além disso, a recorrente também entendeu que os efeitos da escritura de partilha celebrada entre C e B em 18 de Dezembro de 2014 devem retroagir à data do divórcio, isto é, 28 de Abril de 1997, porém, tal entendimento também não tem qualquer fundamento, torcendo obviamente o sentido jurídico e a intenção legislativa do artigo 1644.º do Código Civil.
17. Os efeitos do divórcio previstos no disposto legal acima referido só cessam o estado do bem comum dos cônjuges, não conduzindo necessariamente à partilha do bem comum. O aludido disposto legal tem apenas o sentido de fixar uma “data de cessação” do bem comum dos cônjuges. A lei estipula que os efeitos se retrotraem à data da proposição do processo, isto visa evitar que o bem comum seja prejudicado pelos actos que o outro venha a praticar no processo de divórcio. Neste sentido, o Tribunal a quo também tem o mesmo entendimento na sua sentença.
18. Por fim, apesar de a recorrente e os seus pais terem alegado que a sua fraca consciência jurídica levou a que eles ignorassem a questão jurídica sobre a pertença do património comum, nos termos do artigo 5.º do Código Civil, “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”, pelo que, a decisão da Juíza do Tribunal Administrativo que negou provimento ao recurso contencioso da recorrente é completamente legítima, não existe o vício de omissão de pronúncia nem é necessário apreciar novamente as provas.
19. Caso o tribunal superior assim não entenda mas sim considere ser necessário apreciar novamente as provas testemunhais, isto, tal como já acima exposto, também não pode concluir o resultado pretendido pela recorrente para proferir uma decisão favorável à recorrente.
20. Pelos acima expostos, a entidade recorrida entende que os fundamentos de recurso invocados pela recorrente são totalmente improcedentes, devendo o recurso ser rejeitado.
Pelo acima exposto, dado que a sentença recorrida preenche completamente as disposições legais e não enferma dos vícios invocados pela recorrente nas alegações do recurso, o presente recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, de forma a fazer a Justiça!”
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O digno Magistrado do MP teve oportunidade de emitir o seguinte parecer:
«Impugna-se no presente recurso jurisdicional a sentença de 29 de Junho de 2016, do Tribunal Administrativo, que julgou improcedente o recurso contencioso interposto por A contra o acto de 11 de Março de 2015, do Presidente do Instituto da Habitação, através do qual, em via de recurso hierárquico, fora confirmada a exclusão da candidatura à aquisição de habitação económica, que aquela apresentara em 20 de Maio de 2013 sob o n.º 81201306350.
A recorrente começa por imputar a nulidade de omissão de pronúncia à sentença recorrida. Argumenta, para tanto, que a matéria factual que foi considerada provada foi-o apenas com base na prova documental, tendo o tribunal declinado atender à prova testemunhal produzida, com o que não conheceu dos factos que a recorrente fez sujeitar a prova testemunhal.
Nenhuma razão lhe assiste neste específico.
A omissão de pronúncia apenas ocorre quando o tribunal não se debruça sobre questões que devesse apreciar, como ressuma da norma do artigo 571.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil. Nas palavras de Alberto dos Reis, a pgs. 143 do Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra Editora, 1984, reimpressão, são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte.
Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. Ora, a verdadeira questão colocada ao tribunal foi a da (in)validade do acto administrativo impugnado, o acto de 11 de Março de 2015, do Presidente do Instituto da Habitação, perspectivada à luz dos vícios invocados. Esta questão foi objecto de inequívoca pronúncia por parte da sentença, que, para tanto, abordou e conheceu especificamente dos vícios ou segmentos em que a mesma vinha explicitada.
De resto, não se divisa, nem a recorrente demonstra, que a matéria seleccionada para servir de sustentáculo à decisão padeça de qualquer insuficiência ou tenha incorrido em qualquer vício repercutível na decisão, que observa, aliás, todas as exigências plasmadas no artigo 76.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, nomeadamente a de especificar os factos provados.
Improcede a invocada omissão de pronúncia.
Quanto ao mais, o problema de fundo que o recurso suscita é o de saber se o bem imóvel adquirido em 17 de Junho de 1996 por C, então ainda casada com B, era bem próprio daquela ou bem comum do casal e, nesta última hipótese, quando deixou esse bem de poder ser considerado integrante do património de B, circunstância relevante porquanto este último integra o agregado da recorrente no processo de candidatura à obtenção de habitação económica.
Diga-se, desde já, que estão em causa duas questões de direito, para cuja solução a matéria de facto seleccionada e a documentação disponível se apresentam suficientes, não havendo necessidade de aditar quaisquer outros factos, como pretende a recorrente.
Os referidos C e B casaram em 1985, na República Popular da China, donde eram cidadãos nacionais, sem que celebrassem convenção antenupcial. Nessa ocasião vigorava na República Popular da China a Lei de Casamento de 1980, aprovada em 10 de Setembro de 1980 pela Terceira Sessão da Quinta Legislatura da Assembleia Popular Nacional. Nos termos desta lei, e a menos que os nubentes tivessem convencionado algo em contrário, os bens adquiridos pelo casal na constância do matrimónio eram bens comuns - cf. artigo 13.º -, o que foi reafirmado, com o aperfeiçoamento e a pormenorização constantes dos artigos 17.º a 19.º, aquando das alterações de 2001, introduzidas pela Vigésima Primeira Sessão da Nona Legislatura da Assembleia Popular Nacional.
Em 2 de Março de 1998, em Macau, foi decretado o divórcio de C e B, tendo a respectiva sentença transitado em julgado em 12 de Março desse mesmo ano. Não foi invocado nem comprovado que a sentença de divórcio tenha sido objecto de registo. O bem imóvel adquirido em 1996 viria a ser partilhado em 18 de Dezembro de 2014, sendo atribuído a C, o que foi levado ao registo predial em 6 de Janeiro de 2015.
Por altura do casamento e aquando do divórcio estava em vigor, em Macau, o Código Civil português de 1966, com as alterações introduzidas pelo DL 496/77, de 25 de Novembro. Nos termos do artigo 53.º, n.º 1, deste Código, a substância e efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens, legal ou convencional, são definidos pela lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do casamento. E, de acordo com o artigo 1789.º do mesmo diploma, os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges. Todavia, os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiros a partir do registo da sentença.
Das normas acabadas de percorrer ressalta, por um lado, que o regime de bens a considerar, no caso, é o regime supletivo da lei chinesa, ou seja, o da comunhão de adquiridos, segundo o qual, como vimos, são considerados comuns todos os bens adquiridos pelo casal na constância do matrimónio. Logo, o bem imóvel adquirido em 1996, em plena vigência do matrimónio, não pode deixar de ser considerado comum, ainda que no acto apenas haja outorgado a mulher e se haja consignado que era solteira, e posto que as testemunhas ouvidas hajam aceite e frisado que o imóvel foi custeado pela mulher, através dos seus proventos do trabalho. Acrescente-se, a talho de foice, que a solução seria exactamente a mesma se o regime de bens a considerar fosse o da lei de Macau - cf. artigos 1717.º e 1721.º e seguintes do Código Civil português de 1966. Para além disso, resulta também daquelas normas que os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiros a partir do registo da sentença. Não tendo a sentença do divórcio sido registada, nem tendo o bem sido partilhado até à apresentação da candidatura da recorrente à aquisição de habitação económica, não podem os efeitos patrimoniais do divórcio ser opostos a terceiros. E terceiros são aqui, quer o Instituto da Habitação, quer os candidatos cujo posicionamento na lista de espera possa sair prejudicado pela admissão da candidatura da recorrente.
Sendo este, em traços gerais, o percurso seguido pela sentença recorrida, parece-nos óbvio o seu acerto, com uma correcta interpretação dos normativos pertinentes, nomeadamente o do artigo 14.º, n.º 3, alínea 1) - actual n.º 4, alínea 1) - da Lei 10/2011, mostrando-se igualmente improcedentes os argumentos da recorrente contra tal julgamento.
Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido de ser negado provimento ao recurso».
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
1- Em 20 de Maio de 2013, a recorrente apresentou ao Instituto de Habitação o boletim de candidatura para a habitação económica, cujo n.º é 81201306350, e os respectivos documentos, sendo os membros do agregado familiar a recorrente e o seu pai B (cfr. fls. 1 e seu verso a 3, 6 a 7 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
2- Em 28 de Julho de 2014, através do ofício n.º 1407280058/DHEA, o Instituto de Habitação notificou a recorrente para apresentar os documentos comprovativos indicados ao Instituto de Habitação na data e hora indicadas, para que o Instituto de Habitação confirmasse as informações constantes do boletim de candidatura por si apresentado (cfr. fls. 20 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
3- Em 29 de Agosto e 1 de Setembro de 2014, a recorrente apresentou ao Instituto de Habitação os documentos comprovativos acima indicados (cfr. fls. 21 a 22, 25, 26, 28 e seu verso a 38 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
4- Em 11 de Setembro de 2014, através do ofício n.º 1409110048/DHEA, o Instituto de Habitação notificou a recorrente para apresentar complementarmente o original e a fotocópia do bilhete de identidade da sua mãe e a certidão de sentença de divórcio dos seus pais (cfr. fls. 46 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
5- Em 12 e 17 de Setembro de 2014, a recorrente apresentou complementarmente os documentos indicados ao Instituto de Habitação (cfr. Fls. 49, 50 a 56 e seu verso do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
6- Em 6 de Outubro de 2014, o chefe do Departamento de Habitação Pública do Instituto de Habitação proferiu despacho que concordou com a Proposta n.º 1056/DHP/DHEA/2014, referindo que conforme a sentença de divórcio de B apresentada pela recorrente, B casou-se com C no interior da China em 14 de Outubro de 1985, pelo que, o regime matrimonial de bens dele é o da comunhão de bens, e em 3 de Junho de 1996, C adquiriu uma fracção autónoma com finalidade habitacional na RAEM, momento em que ainda estava na constância do matrimónio com B, razão pela qual B também tem o direito de propriedade sobre a referida fracção, e dado que a referida fracção não foi partilhada na sentença de divórcio e C ainda tem o direito de propriedade sobre a referida fracção autónoma, B ainda também tem o direito de propriedade sobre a mesma. Como membro do agregado familiar da recorrente B é o proprietário da fracção autónoma com finalidade habitacional na RAEM nos cinco anos anteriores à data da apresentação da candidatura, o que, nos termos do artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica aprovada pela Lei n.º 10/2011, não preenche o requisito para a aquisição da fracção e constitui a exclusão de adquirente seleccionado ao abrigo do artigo 28.º n.º 1 da mesma Lei, por isso, decidiu proceder à audiência escrita da recorrente (cfr. fls. 78 a 80 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
7- Em 15 de Outubro de 2014, através do ofício n.º 1409300158/DHEA, o Instituto de Habitação notificou a recorrente da aludida decisão, informando-a de que devia prestar esclarecimento escrito dos aludidos factos no prazo de 10 dias contados a partir da data da recepção da notificação, podendo, para tal, apresentar todas as provas testemunhais, materiais, documentais ou outras provas (cfr. Fls. 81 a 82 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
8- Em 27 de Outubro de 2014, a recorrente apresentou, mediante o seu mandatário judicial, as alegações escritas ao Instituto de Habitação, requerendo um prazo mínimo de 30 dias para apresentar os documentos necessários, no sentido de comprovar que as condições da recorrente e do seu agregado familiar preenchem as normas legais (cfr. fls. 83 a 84 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
9- Em 5 de Novembro de 2014, o chefe do Departamento de Habitação Pública do Instituto de Habitação proferiu despacho que concordou com a Proposta n.º 1168/DHP/DHEA/2014, referindo que a recorrente não apresentou qualquer documento comprovativo para comprovar que o membro do seu agregado familiar B não tem o direito de propriedade sobre a referida fracção autónoma com finalidade habitacional ou já foi resolvido o direito de propriedade sobre a referida fracção autónoma com finalidade habitacional nos cinco anos anteriores à data da apresentação do boletim de candidatura para a habitação económica n.º 81201306350 (20 de Maio de 2013), pelo que, B é efectivamente o proprietário da fracção autónoma com finalidade habitacional na RAEM nos cincos anos anteriores à data da apresentação da candidatura, o que, nos termos do artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica aprovada pela Lei n. º 10/2011, não preenche o requisito para a candidatura da aquisição da habitação económica, pelo que, nos termos do artigo 28.º alínea 1) da mesma Lei, decidiu excluir a recorrente da qualidade de adquirente seleccionado do boletim de candidatura para a habitação económica n.º 81201306350 (cfr. fls. 85 a 88 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
10- Em 11 de Novembro de 2014, através do ofício n.º 1411050009/DHEA, o Instituto de Habitação notificou a recorrente da aludida decisão, informando-a de que da aludida decisão cabia recurso hierárquico necessário para o Presidente do Instituto de Habitação no prazo de 30 dias contados a partir da data de recepção da notificação (cfr. fls. 89 a 90 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
11- Em 28 de Novembro de 2014, a recorrente apresentou, mediante o mandatário judicial, a reclamação para o chefe do Departamento de Habitação Pública do Instituto de Habitação, acompanhando a cópia da certidão de sentença de divórcio de B, e ao mesmo tempo pediu que fosse cancelada a decisão que excluiu a recorrente da qualidade de adquirente seleccionado do boletim de candidatura para a habitação económica ou lhe permitisse aplicar as diligências necessárias no prazo de 30 dias para que a recorrente preenchesse as disposições legais de adquirente seleccionado (cfr. fls. 91 e seu verso a 135 e seu verso do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
12- Em 9 de Janeiro de 2015, o chefe do Departamento de Habitação Pública do Instituto de Habitação proferiu despacho que concordou com a Proposta n.º 0003/DHP/DHEA/2015, referindo que não existem, nos documentos comprovativos apresentados pela recorrente em sede de reclamação, novos fundamentos que demonstram que o membro do seu agregado familiar B não tem o direito de propriedade sobre a referida fracção autónoma com finalidade habitacional ou já foi resolvido o direito de propriedade sobre a referida fracção autónoma com finalidade habitacional nos cinco anos anteriores à data da apresentação do boletim de candidatura para a habitação económica n.º 81201306350 (20 de Maio de 2013), o que, nos termos do artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica aprovada pela Lei n.º 10/2011, não preenche o requisito para a candidatura à aquisição da habitação económica, pelo que, ao abrigo do artigo 28.º alínea 1) da mesma Lei, decidiu manter a exclusão da recorrente da qualidade de adquirente seleccionado do boletim de candidatura para a habitação económica n.º 81201306350 (cfr. fls. 141 a 146 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
13- Em 14 de Janeiro de 2015, através do ofício n.º 1501050112/DHEA, o Instituto de Habitação notificou a recorrente da aludida decisão, informando-a de que podia apresentar o recurso hierárquico necessário para o Presidente do Instituto de Habitação no prazo de 19 dias contados a partir da data da recepção da notificação (cfr. fls. 147 a 148 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
14- Em 4 de Fevereiro de 2015, a recorrente apresentou, mediante o mandatário judicial, o recurso hierárquico necessário e os respectivos documentos à entidade recorrida (cfr. fls. 158 a 215 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
15- Em 11 de Março de 2015, a entidade recorrida proferiu despacho que concordou com a Proposta n.º 0070/DAJ/2015, referindo que o membro do agregado familiar da recorrente B e o ex cônjuge C casaram-se no interior da China em 24 de Outubro de 1985 e na constância do matrimónio, C adquiriu a fracção autónoma com finalidade habitacional na RAEM, fracção essa é o bem comum dos cônjuges nos termos do artigo 17.º da Lei de Casamento da RPC. Após o divórcio decretado pela sentença do Tribunal da RAEM transitada em julgada em 12 de Março de 1998, B e C não procederam à partilha da referida fracção autónoma e até 18 de Dezembro de 2014, os dois fizeram a partilha, passando C a possuir a referida fracção autónoma e o respectivo registo predial foi feito em 6 de Janeiro de 2015; nos termos do artigo 1644.º do Código Civil, os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiros a partir da data do registo, pelo que, B só deixou de possuir a referida fracção autónoma a partir da data do registo, isto é, 6 de Janeiro de 2015. A recorrente apresentou a candidatura para a habitação económica em 20 de Maio de 2013 mas B só deixou de possuir a fracção autónoma com finalidade habitacional a partir do dia 6 de Janeiro de 2015 mediante a partilha e o registo, o que não preenche o requisito previsto no artigo 14.º n.º 3 alínea 1) da Lei da Habitação Económica aprovada pela Lei n.º 10/2011, razão pela qual rejeitou o recurso hierárquico necessário interposto pela recorrente e manteve a decisão proferida pelo chefe do Departamento de Habitação Pública em 9 de Janeiro de 2015 na Proposta n.º 0003/DHP/DHEA/2015 que excluiu a recorrente da candidatura para a habitação económica (cfr. fls. 218 e seu verso a 222 do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
16- Em 20 de Março de 2015, através do ofício n.º 1503110023/DAJ, o Instituto de Habitação notificou a recorrente da decisão que rejeitou o recurso hierárquico necessário, mantendo a decisão proferida pelo chefe do Departamento de Habitação Pública em 9 de Janeiro de 2015 na Proposta n.º 0003/DHP/DHEA/2015 que excluiu a recorrente da candidatura para a habitação económica, informando-a de que podia interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo no prazo de 30 dias contados a partir da data de recepção da notificação (cfr. Fls. 230 e seu verso do apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
17- Em 21 de Abril de 2015, a recorrente interpôs o presente recurso contencioso para este Tribunal por via de fax.
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III – O Direito
1 – A questão central a resolver consiste em saber se a requerente, candidata a uma casa de habitação económica, tem ou não esse direito, em virtude de fazer parte do seu agregado familiar o seu pai, de nome B, alegadamente proprietário de fracção habitacional adquirida por C, ex-cônjuge daquele, mas de quem entretanto se divorciou.
A questão é pertinente porque:
- Quem adquiriu a fracção sita em Macau foi C:
- Essa aquisição teve lugar em 1996, quando C ainda era casada com B:
- O casamento entre estes C e B foi celebrado na RPC em 14/10/1985 sem convenção antenupcial.
- Os pais da recorrente divorciaram-se por sentença do TJB transitada em julgado em 12/03/1998 em processo instaurado no dia 28/04/1997.
- A fracção não foi objecto de partilha na sequência do divórcio e só foi partilhada em 18/12/2014 e levada ao registo em 6/01/2015.
A requerente acha que, face ao disposto no art. 1644º, nº1 e 3, do CC, os efeitos patrimoniais do divórcio retroagem ao dia 28/04/1997 (data da instauração do processo de divórcio). O que significa que não se verificava a situação da alínea 1), do nº3, do art. 14º da Lei nº 10/2001. Ou seja, defende que o seu familiar, seu pai, B, não era proprietário nos “cinco anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção”.
A sentença, porém, adoptou um entendimento contrário. Considerou que quando a requerente apresentou a sua candidatura (20/05/2013) o membro do agregado familiar, ou seja o pai B, ainda era proprietário de uma fracção habitacional.
Vejamos, então.
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2 – A recorrente começa por sustentar que a sentença devia proclamar quais os factos invocados pela recorrente dados por provados e não provados, dizendo quais os meios de prova utilizados e os fundamentos que formaram a sua convicção.
Não tem razão, pois o art. 76º do CPAC não obriga a essa tarefa, nem ela mesma resulta de quaisquer disposições do CPC reportadas à sentença. Esta é, de resto, a posição que o TUI tem vindo a tomar (Ac. do TUI, de 29/06/2009, Proc. nº 32/2008 e de 14/11/2012, Proc. nº 65/2012: No mesmo sentido, v.g., o Ac. do TSI, de 25/09/2014, Proc. nº 928/2012).
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3 – A recorrente transcreve depois o depoimento dos seus pais, B e C, com o propósito de demonstrar que a fracção que a mãe Ip adquirira em 3/06/1996 em Macau é bem próprio desta.
Ora bem. Sabe-se que ambos contraíram casamento entre si no dia 14/10/1985 na RPC.
Sabemos também que o casamento foi dissolvido em processo de divórcio entrado distribuído em 28/04/1997 no Tribunal de Competência Genérica e que a sentença de 2/03/1998 transitou em julgado em 12/02/1998.
Sabemos, por fim, que a mãe da recorrente adquiriu a fracção identificada nos autos, na Calçada do Monte, em Macau, em 3/06/1996, bem que, contudo, só foi partilhado em 18/12/2014 (fls. 303-307)
Ora bem.
Ao tempo do casamento dos pais da recorrente (1985), cidadãos chineses matrimoniados no interior da China, aplicava-se o art. 53º, nº1, do Código Civil de Macau, segundo o qual “A substância e efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens, legal ou convencional, são definidos pela lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do casamento”.
Isto significa que se aplica, quanto a esta matéria, o regime de bens da RPC ao tempo, segundo o qual os bens adquiridos na constância do casamento, desde que nada estipulado em contrário, ou convencionado que são próprios de algum deles, são bens comuns dos cônjuges.
Por isso, e porque não existe convenção sobre a titularidade dos bens adquiridos na constância do casamento, a fracção adquirida por C é bem comum dos cônjuges, mesmo que pago com dinheiro próprio dela.
A acção de divórcio só foi instaurada em 1997. É verdade que, de acordo com o art. 1789º, nº1, do CC, vigente à época, “os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges”. E, segundo o nº3, desse artigo, “Os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiros a partir da data do registo da sentença”.
É, de resto, este o sentido do actual art. 1644º, nº3, segundo o qual “Os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiros a partir da data do registo da sentença ou decisão”.
Parece evidente, antes de mais, que os terceiros ali referidos só podem ser as pessoas que de alguma maneira tenham estabelecido relações jurídicas de conteúdo patrimonial com um ou ambos os cônjuges (em direito comparado, ver o Ac. da RC, de 19/01/1988, CJ, 1988, I, pág. 62). Terceiros, para este efeito, são aqueles que, por essa razão, apresentam um interesse próprio sobre os bens comuns do casal, porque lhes interessa que eles se mantenham na comunhão a fim de garantir, por exemplo, a satisfação do seu crédito. Esta norma do nº3 visa pois defender o interesse desses terceiros em virtude actos de algum dos cônjuges “realizados com terceiros” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. IV, 2ª ed., pág. 561) ou “proteger a confiança de terceiros que tenham contratado com os cônjuges desconhecendo que estes se tinham divorciado” (Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, Vol. I, 2ª ed., pág.692).
Significa isto que o Instituto de Habitação não pode ser qualificado como terceiro para o efeito do artigo em apreço.
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4 – Por outro lado, não podemos esquecer que o disposto no art. 1º do art. 1644º, bem como do nº1, do art. 1789º do CC, não se aplica ao caso.
Ou seja, quando se diz que os efeitos do divórcio se produzem a partir do trânsito em julgado da sentença que decreta o divórcio, mas que, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, eles retroagem à data da propositura do processo ou da acção, não está a referir-se à cessação de qualquer situação de comunhão de bens.
Na verdade, o que aquele dispositivo legal pretende é “evitar que um dos cônjuges seja prejudicado pelos actos de insensatez, de prodigalidade ou de pura vingança, que o outro venha a praticar, desde a propositura da acção, sobre valores do património comum” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código cit., IV, pág. 561).
A retroactividade tem, portanto, esta finalidade. Consequentemente, e como é bom de ver, não interfere com uma qualquer situação de comunhão que não seja ofendida por nenhum dos cônjuges durante esse período de tempo. Portanto, se os cônjuges têm um bem que é comum, a comunhão perdurará até que ela efectivamente cesse. Enquanto o bem não for partilhado, o bem continuará a ser comum, como é óbvio.
Sendo assim, o que temos que concluir é que o bem foi comum até à data em que foi partilhado, ou seja, até 18/12/2014.
E como o pedido de atribuição de habitação económica foi apresentado em 20/05/2013, é fácil de concluir que nesse momento o membro do agregado familiar da requerente (o seu pai) era titular de um bem comum, sujeito a um regime especial, distinto da compropriedade, a designada propriedade colectiva, também chamada propriedade de mão comum, em que o direito à meação, de que cada um dos cônjuges é titular, em caso de divórcio, só se torna exequível depois de finda a sociedade conjugal (Ac. do STJ, de 6/11/2012, Proc. nº 786/07).
Dito de outra maneira, quando o pedido foi apresentado ao Instituto de Habitação, o pai da requerente era titular de um direito que, embora geneticamente distinto do de compropriedade, nos termos do art. 1300º do CC actual e 1404º do CC de 1966, se equivale ao de compropriedade.
Mas, pelo facto de ser “comproprietário” dentro do período de cinco anos anteriores à data da apresentação da candidatura e até à data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção poderemos nós dizer que esta situação cabe no âmbito do referido art. 14º, nº3, al. 1), da Lei nº 10/2011?
Este tribunal já lidou com casos destes por diversas ocasiões.
Já disse, por exemplo, que “1. Até à partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota. 2. Um interessado em candidatar-se à habitação económica, no âmbito do regime da Lei n.º 10/2011, não pode ser excluído, por se considerar proprietário ou comproprietário de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade habitacional se durante esse período adquiriu a qualidade de herdeiro de uma herança, por morte do pai, onde se integrava o direito a metade de uma fracção, sem que, na partilha efectuada, lhe tenha sido adjudicado tal bem.” (Ac. do TSI, de 9/07/2015, Proc. nº 823/2014).
Também afirmou que “um interessado em candidatar-se à habitação económica, no âmbito do regime da Lei nº 10/2011, não pode ser excluído, por se considerar proprietário ou comproprietário de fracção autónoma com finalidade habitacional, se durante esse período adquiriu a qualidade de herdeiro de uma herança, por morte do pai, onde se integrava o direito a 1/5 de uma fracção, sem que, na partilha efectuada, lhe tenha sido adjudicado tal bem” (Ac. do TSI, de 10/12/2015, Proc. nº 771/2014).
Igualmente asseverou que “Para efeito do disposto no art. 14º, nº2, al.1), da Lei nº 10/2011, não pode ser excluído da aquisição de habitação económica o cônjuge requerente de um herdeiro que, antes da celebração da escritura de aquisição, era simplesmente titular de 1/6 de uma fracção habitacional por morte de sua mãe, e cujo quinhão, após a partilha, alienou a outro co-herdeiro” (Ac. do TSI, de 18/02/2016, Proc. nº 679/2015).
Bem certo que estas transcrições descrevem situações particulares de herdeiros a uma quota-parte da herança. Mas, no fundo, e para aquilo que ora interessa, a solução não pode deixar de ser a mesma.
Com efeito, e como se disse no referido aresto deste tribunal de 18/02/2016, Proc. nº 679/2015: “não é à toa que o legislador… empregou o termo “proprietário” e não “comproprietário”.
É que ser titular exclusivo do direito de propriedade sobre uma fracção habitacional significa, desde logo, que tem ao seu dispor casa própria que pode ocupar para sua habitação e respectivo agregado, sem necessidade de “usurpar”, digamos, uma outra vocacionada a quem não tem nenhuma e a quem não possui recursos económicos para procurar no mercado uma casa que satisfaça as suas necessidades.
Já ser comproprietário de uma casa não significa que tenha a mesma possibilidade de ir viver nela, pelas mais variadíssimas razões, incluindo o facto de, por exemplo, estar a ser habitada pelo outro co-titular do direito. Em nossa opinião, faria sentido um melhoramento da legislação de forma a excluir expressamente as situações de compropriedade ou, então, explicitar os casos em que a compropriedade não poderia ser obstáculo à candidatura.
A situação é, aliás, semelhante à do arrendamento de habitação social, nos termos do art. 4º, al. 2), do RA nº 25/2009.
E por isso dizia este TSI que «A simples titularidade do direito de propriedade ou a simples condição de promitente-comprador de prédio ou fracção autónoma ou a propriedade ou concessão de terreno do domínio privado da RAEM nos moldes regulamentarmente estabelecidos (nº4, alíneas 1 e 2)) é eleita pelo articulista como factor objectivo impeditivo da própria candidatura, quiçá por ter admitido que nessas circunstâncias acresceria uma hipótese que fortalecia, precisamente, o elemento subjectivo contido na parte final do nº4.» (Ac. TSI, de 22/11/2012, Proc. nº 626/2012).
Portanto, se tiver propriedade sobre a coisa, isso será bastante para ficar desprotegido pela norma. «Na verdade, o “legislador” fixou o requisito objectivo da titularidade do direito de propriedade sobre a coisa. Isto é, condicionou a solução à situação jurídica e não à situação de facto» (cit. aresto).”
Ora, como é sabido, os regimes da propriedade e da compropriedade são diferentes. E quando o legislador utilizou o termo proprietário (também o de promitente-comprador) temos que presumir que o fez em plena consciência, que conhecia a diferença entre os institutos e que exprimiu convenientemente o seu pensamento. Deste modo, podemos concluir que a intenção plasmada na previsão normativa é a de evitar que o proprietário pleno e único de uma casa possa beneficiar da atribuição de outra, no regime de “habitação económica”, que, pela génese da sua criação, deve ser atribuída a quem não tem nenhuma. Daí que se o proprietário pode habitar a sua, não é legítimo que venha a ocupar outra em regime público de habitação económica. Esse é o espírito solidário e social do direito previsto na lei.
Portanto, a situação de compropriedade não nos parece de todo diferente daquela a que nos referimos mais acima e de cujos arestos parcialmente demos conta.
Na verdade, se o direito do “comproprietário” desta coisa comum se presume quantitativamente em metade, nos termos do art. 1299º, do CC, que certeza poderia o pai da recorrente ter de poder ir habitar aquela fracção? Podemos nós dizer que este comproprietário tinha inteira disponibilidade sobre o bem?
É ou não verdade que o outro “comproprietário” podia não dar autorização a tal?
E que garantia alguém pode oferecer de que este “comproprietário” tinha dinheiro suficiente para adquirir a outra metade, pondo assim termo à comunhão, para desse modo poder fruir da totalidade do seu direito como melhor lhe aprouvesse?
Já que se adivinham as respostas a estas questões, resta apenas acrescentar que a partilha daquela fracção teve lugar em 18/12/2014, mas nem sequer ela coube ao pai da recorrente.
Sendo assim, estamos convencidos de que o Instituto de Habitação interpretou mal o referido art. 14º, nº3, al. 1), da Lei de Habitação Económica nº 10/2011, incorrendo em vício de violação de lei.
A sentença, decidindo em sentido diferente do por nós proposto, e dando por boa a decisão administrativa impugnada, não pode por isso manter-se.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, julgando procedente o recurso contencioso e anulando o acto impugnado.
Sem custas.
T.S.I., 14 de Dezembro de 2017
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

Mai Man Ieng




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