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Processo nº 839/2015
(Autos de recurso contencioso)

Data: 11/Janeiro/2018

Assuntos: Concessão de Terras
      Despejo/desocupação
      Acto de execução – Recorribilidade
      Incompetência – Delegação de poderes

SUMÁRIO
Não obstante ser um acto de execução, não sendo, em princípio, contenciosamente recorrível, mas imputando-lhe ilegalidades próprias, como, por exemplo, vícios resultantes da falta de audiência de interessados e da incompetência para a sua prática, o acto passa a ser recorrível.
Tendo o Chefe do Executivo delegado no Secretário para os Transportes e Obras Públicas as competências executivas do primeiro em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, o segundo tem competência para a ordenar o despejo do terreno cuja concessão foi declarada caducada.

O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 839/2015
(Autos de recurso contencioso)

Data: 11/Janeiro/2018

Recorrente:
- Sociedade Fomento Predial Socipré, Limitada

Entidade recorrida:
- Secretário para os Transportes e Obras Públicas

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Sociedade Fomento Predial Socipré, Limitada, sociedade com sede em Macau, com sinais nos autos, inconformada com o despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas que lhe ordenou o despejo, na sequência do despacho do Chefe do Executivo de 15 de Maio de 2015 que havia declarado a caducidade da concessão do terreno identificado nos autos, interpôs o presente recurso contencioso de anulação, formulando na petição do recurso as seguintes conclusões:
“1. O Senhor Chefe do Executivo praticou, em 15 de Maio de 2015, acto administrativo que consiste na aposição da fórmula “Concordo” na primeira folha de um documento autónomo intitulado “Parecer”, com data de 14 de Maio de 2015, e assinado pelo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 14 de Maio de 2015.
2. Lendo esse Parecer, do respectivo texto infere-se, logicamente, em especial das palavras escritas a carregado (bold), que tal acto administrativo visa produzir os efeitos de declaração de caducidade da concessão do terreno identificado no mesmo Parecer, cuja concessionária é a ora Recorrente.
3. O acto praticado pelo Senhor Chefe do Executivo foi impugnado contenciosamente pela aqui recorrente nos autos de Recurso Contencioso de Anulação e de Declaração de Nulidade que correm os seus termos nesse Tribunal de Segunda Instância sob o Processo no. 671/2015.
4. Na verdade, tal acto administrativo não padece apenas de vícios que conduzem à sua anulação; o acto administrativo é nulo, por lhe faltarem os elementos essenciais.
5. Pelo que, nos termos do disposto no artigo 123º do CPA, não produz quaisquer efeitos, independentemente da declaração de nulidade.
6. A nulidade é de conhecimento oficioso e pode ser declarada por qualquer tribunal, nos termos do n.º 2 do artigo 123º do CPA.
7. A nulidade do acto administrativo praticado pelo Senhor Chefe do Executivo determina a nulidade do acto praticado pelo Senhor Secretário para as Obras Públicas e Transportes, que está para aquele numa relação de sequência.
8. Daí que se invoque, também aqui, a nulidade do acto administrativo praticado pelo Chefe do Executivo, por lhe faltarem os elementos essenciais.
9. O acto administrativo praticado pelo Senhor Secretário para as Obras Públicas e Transportes impõe ao Recorrente obrigações adicionais ao mencionado acto administrativo do Chefe do Executivo.
10. Incluindo a obrigação de suportar custos com o despejo não quantificados.
11. E o tratamento dos objectos, materiais e equipamentos abandonados no terreno de acordo com as disposições do artigo 210º da Lei de Terras.
12. Este acto administrativo amplia, desnecessariamente, a lesão dos direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente.
13. Portanto, o acto recorrido é recorrível.
14. Tanto mais que, salvo o devido respeito, o acto administrativo praticado pelo Senhor Secretário para as Obras Públicas e Transportes padece de vícios autónomos que seguidamente se expõem.
15. Desde logo, o Recorrido não cumpriu o dever de Audiência Prévia disposto nos artigos 93º e ss. do Código do Procedimento Administrativo.
16. A preterição da Audiência Prévia inquina o acto recorrido de anulabilidade.
17. Em segundo lugar, a competência para a decisão de ordenar o despejo é uma competência decisória principal que está legalmente reservada ao Chefe do Executivo.
18. O acto Recorrido foi praticado por órgão que não tem competência, sendo por isso, anulável.
19. Tanto mais que a Lei de Terras não habilita a delegação destas competências do Chefe do Executivo.
20. De resto não está publicado no Boletim Oficial qualquer acto do Chefe do Executivo que delegue as competências que lhe estão determinadas no âmbito da Lei de Terras e que especifique os poderes delegados, como seria exigível, para haver delegação de competências, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 39º do CPA.
21. E o acto administrativo impugnado nem contém a menção da qualidade de delegado, como seria exigível, se pudesse haver delegação de competências, nos termos do disposto no artigo 38º do CPA.
22. Como é sabido, na falta de lei de habilitação apenas se consideram delegados os poderes para a prática de actos de administração ordinária.
23. A emissão de uma ordem de despejo não é um acto de administração ordinária, conforme resulta do teor literal da norma constante do artigo 179º/1 da Lei de Terras.
24. Trata-se de uma competência decisória principal que está legalmente reservada ao Chefe do Executivo.
25. Por outro lado, o lote de terreno cuja concessão foi alvo do Despacho de caducidade que antecedeu o acto recorrido resultou de uma operação de desanexação do terreno único que constituía a “Baixa da Taipa” pertencentes à Fábrica de Vestuário Estilo, nos quais se incluíam os lotes denominados BT6, BT7, BT8, BT9, BT11 e BT12.
26. O Sr. Engenheiro Raimundo Arrais do Rosário elaborou por conta da anterior concessionária as memórias descritivas, os projectos de estruturas, água e de esgotos, bem como subscreveu o respectivo termo de responsabilidade do quarteirão denominado BT9.
27. Tendo permanecido como engenheiro responsável do quarteirão BT9 desde 1995.
28. A desanexação do terreno da Recorrida daquele lote 9 da Baixa da Taipa ocorreu no dia 17 de Dezembro de 1999, através do Despacho n.º 125/SATOP/99.
29. O Sr. Engenheiro Raimundo Arrais do Rosário teve intervenção de grande importância e responsabilidade no âmbito do processo de planeamento, elaboração de projectos de construção e atribuição da concessão do terreno cuja caducidade foi agora decretada… por falta de aproveitamento.
30. O Sr. Engenheiro Raimundo Arrais do Rosário foi o engenheiro responsável pelo projecto da obra até ao dia 14 de Janeiro de 2000.
31. O procedimento que conduziu à prática do acto recorrido esteve parado desde meados do ano 2011.
32. O Sr. Engenheiro Raimundo Arrais do Rosário foi nomeado Secretário para os Transportes e Obras Públicas, ou seja é o titular do órgão Recorrido, em 30 de Novembro de 2014 (cfr. Documento n.º [2014] 157 do Conselho de Estado).
33. O Sr. Secretário para os Transportes e Obras Públicas estava impedido no procedimento que culminou na prolação (pelo próprio) do acto recorrido, nos termos do disposto no artigo 46º/1-a) e d) do CPA.
34. O acto recorrido é anulável por força do artigo 53º do CPA.
35. O acto recorrido padece ainda de erro nos pressupostos.
36. Por um lado, não foi emitida pelo Chefe do Executivo nem publicada no Boletim Oficial uma declaração de caducidade nos termos do artigo 167º da Lei de Terras pelo que não se verifica, na realidade, a situação factual prevista na alínea 1) do artigo 179º desse diploma.
37. Por outro lado a notificação do acto recorrido refere-se a normas e consequências sancionatórias que não resultam do acto recorrido.
38. Com o objectivo de ameaçar a Recorrente com mal grave.
39. Fora dos pressupostos e limites estatuídos na norma constante do artigo 210º da Lei de Terras.
40. O acto recorrido é anulável por erro nos pressupostos.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. Doutamente hão-de suprir, deve o presente recurso contencioso ser julgado totalmente procedente, por provado e, em consequência, deve o acto recorrido ser declarado nulo ou anulado.”
*
Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, nela formulando as seguintes conclusões:
“1. O Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de “concordo” do STOP, de 17 de Agosto de 2015, exarado na proposta n.º 205/DSODEP/2015, de 18 de Agosto de 2015, que ao abrigo do disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 179º da Lei de Terras e nos artigos 55º e 56º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, ordenou à Recorrente a desocupação do terreno dos autos.
2. O acto recorrido não é contenciosamente impugnável por não produzir quaisquer efeitos na esfera jurídica da Recorrente e, como tal, não recorrível por falta de lesividade própria, não tendo, ao contrário do que alega a Recorrente, produzido qualquer efeito novo ou ampliado a lesão dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, visto ter-se limitado a ordenar, nos termos legais, a desocupação do terreno que se impõe por anteriormente ter sido declarada a caducidade do contrato de concessão.
3. Devendo, por isso, o tribunal rejeitar liminarmente o presente recurso contencioso (cfr. alínea c) do n.º 2 do artigo 46º do CPAC), absolvendo a entidade Recorrida da instância, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 230º do Código do Processo Civil (CPC), ex vi do artigo 1º do CPAC.
4. A assim não se entender, certo é que o acto recorrido não padece de qualquer invalidade geradora de nulidade ou anulabilidade.
5. Relativamente à audiência prévia, não é verdade que a mesma tenha sido preterida, pois a Recorrente foi notificada para tal em relação ao acto (que declarou a caducidade do contrato de concessão) efectivamente lesivo dos seus direitos e interesses.
6. Não se verifica a alegada incompetência do STOP para a prática do acto em crise, porquanto o mesmo foi praticado ao abrigo da delegação de competências do Chefe do Executivo efectuada através da Ordem Executiva n.º 113/2014 (cfr. n.º 1 da Ordem Executiva n.º 113/2014 em conjugação como o estipulado no artigo 6º do Regulamento Administração n.º 6/1999).
7. E, como se deixou demonstrado, também não existiu erro nos pressupostos de facto ou de direito.
8. Assim, não se verificam quaisquer dos vícios alegados pela Recorrente que possam fundamentar a declaração de nulidade ou a anulação do acto impugnado.
Nestes termos e nos melhores de direitos, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser liminarmente rejeitado, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 46º do CPAC, e a entidade Recorrida ser absolvida da instância, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 230º do Código do Processo Civil (CPC), ex vi do artigo 1º do CPAC, caso assim não se julgue, deve ser considerado improcedente, por não verificação de quaisquer dos alegados vícios, mantendo-se nos seus precisos termos a decisão recorrida.”
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Notificadas para querendo apresentarem alegações facultativas, ambas as partes reiteraram as suas posições anteriormente assumidas.
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Aberta vista inicial ao Digno Magistrado do Ministério Público, foi emitido o seguinte douto parecer:
“Na petição inicial, a recorrente arguiu:
- a nulidade do despacho recorrido no Processo n.º 671/2015 que corre termos no TSI;
- o vício de forma por falta de audiência prévia da recorrente;
- a incompetência do Exmo. Sr. STOP para ordenar o despejo por se pertencer ao Chefe do executivo a competência para tal efeito;
- o incumprimento do impedimento pelo Exmo. Sr. STOP;
- o erro nos pressupostos.
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Antes de mais, vale realçar, desde já, que o despacho ora em causa se destina a executar o despacho proferido pelo Exmo. Senhor Chefe do Executivo, que é objecto do recurso no Processo n.º 671/2015 do TSI. Daí decorre que o despacho do Exmo. Sr. STOP é acto de execução.
A ratio teleológica do despacho impugnado nestes autos implica que o mesmo é, por natureza das coisas, o acto consequente do despacho do Exmo. Sr. Chefe do Executivo – constituindo este o correlativo acto de pressuposto. O que torna iniludível que a procedência do recurso no Processo n.º 671/2015 conduz à invalidade do despacho recorrido aqui, por se padecer do erro nos pressupostos.
Sendo assim, vamos analisar apenas os vícios imputados ao próprio despacho em questão, tomando como ponto de partida a mera suposição da validade daquele despacho do Exmo. Sr. Chefe do Executivo, e que a procedência do recurso contencioso n.º 671/2015 traz inelutavelmente consigo o provimento do presente recurso.
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1. Em primeiro lugar, cabe-nos apontar que o referido despacho do Exmo. Sr. Chefe do Executivo, como acto exequendo, não enferma de nenhum vício conducente à nulidade, e a provarem, todas as ilegalidades assacados ao despacho exequendo – tanto no processo n.º 671/2015 como no presente – poderiam, quanto a mais, germinar a anulabilidade que não obsta à perfeição nem à produção de efeito jurídico (art. 117º, n.º 2, do CPA).
Em observância da delimitação sinteticamente consignada no n.º 2 do art. 30º do CPAC, e em homenagem com a jurisprudência fixada pelo Venerando TSI no aresto emanado no Processo n.º 707/2013, colhemos que os vícios assacados ao despacho exequendo não constituem causa de pedir do recurso em apreço, e vamos pô-los fora da consideração.
2. Repare-se que tendo sido notificada do despacho declarativo da caducidade por via do ofício n.º 177/DAT/2015, e até à data do despacho em causa, a recorrente nunca realizara a espontânea desocupação do terreno cuja concessão por arrendamento tinha sido declarada caduca. Nos termos da alínea 1) do n.º 1 do art. 179º da Lei n.º 10/2013, o despejo tem de ser considerada uma decorrência vinculada e normal.
Ora, a Proposta n.º 205/DSODEP/2015 demonstra que tal despacho foi proferido ao abrigo das disposições na alínea 1) do n.º 1 do art. 179º da Lei n.º 10/2013 bem como nos arts. 55º e 56º do D.L. n.º 79/85/M. (doc. de fls. 32 a 35 dos autos), sem se ter efectuado qualquer instrução prévia e, segundo nós parece, nem ser obrigatório efectuá-la.
À luz do preceito no n.º 1 do art. 93º do CPA e em harmonia com a jurisprudência praticamente unânime, no sentido de que não há lugar a audiência de interessados se não tiver havido instrução, temos por certo que não existe in casu a preterição indevida da audiência prévia.
3. É verdade que na Lei n.º 10/2013 não há norma de habilitação da delegação das competências consagradas nos arts. 179º e 208º deste diploma legal, no entanto, não é menos verdade que nenhuma norma determina ser indelegáveis estas competências legalmente do Chefe do Executivo.
No actual ordenamento jurídico de Macau, prevê o n.º 1 do art. 3º do D.L. n.º 85/84/M que o Chefe do Executivo pode delegar nos Secretários ou nos directores dos serviços dele directamente dependentes as suas competências executivas em relação a todos ou a alguns dos assuntos relativos aos serviços públicos. Isto constitui a norma de habilitação.
Por sua vez, o n.º 1 da Ordem Executiva n.º 113/2014 prescreve que no STOP são delegadas as competências executivas do Chefe do Executivo em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no art. 6º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, bem como aos relativos ao seu Gabinete.
Em face a este enquadro legal, inclinamos a entender que no STOP são delegadas, pelo Exmo. Senhor Chefe do Executivo, as competências previstas nos arts. 179º e 208º da Lei n.º 10/2013 para ordenar o despejo e a desocupação, pelo que não se verifica in casu a invocada incompetência do STOP para ordenar o despejo no despacho em exame.
4. Fundamentando a arguição da ofensa do princípio da imparcialdade, a recorrente alegou que o actual STOP tinha intervindo em estudos técnicos e participado em reuniões «em nome e representação da anterior concessionária do Lote», por ser o engenheiro responsável designado.
Antes de mais, impõe-se realçar que a nosso ver, tal como acontece com o desvio de poder, quem argua impedimento ou suspeição assume o ónus de prova da verificação dos correspondentes fundamentos – regra que pode ser extraída mediante interpretação teleológica do disposto dos n.º 2 do art. 47º e n.º 2 do art. 50º do CPA.
O teor dos arts. 76º a 93º da petição e os documentos juntos a autos pela recorrente evidenciam que a intervenção do actual STOP consiste em assumir a responsabilidade, na sua qualidade de engenheiro civil em regime privado, pelos projectos aí referidos que foram apresentados pela então concessionária «Fábrica de Artigos de Vestuários Estilo, Lda.», e tal intervenção cessou definitivamente a partir de 14/01/2000.
Repare-se que o Despacho n.º 125/SATOP/99 operou a revisão do contrato de concessão e a consequente transmissão dos direitos derivados desse contrato (doc. de fls. 51 a 60 dos autos), e os projectos entregues pela «Fábrica de Artigos de Vestuários Estilo, Limitada» nunca logram a efectiva execução, ficando abandonados e inutilizados voluntariamente.
Estas vicissitudes aconselham-nos a entender que a intervenção (do STOP antes de 14/01/2000) acima apontada não pode ser equacionada na previsão das alíneas a) e d) do n.º 1 do art. 46º do CPA, nem sequer tem a mínima virtude de constituir o fundamento legítimo do impedimento para ele subscrever o Parecer em 14/05/2015 (doc. de fls. 403 a 408 do dito P.A.).
Na nossa óptica, a recorrente nunca oferece prova convincente que demonstre o impedimento ou a suspeição, ou ponha em dúvida a rectidão e isenção do Exmo. Senhor STOP, e é sem dúvida que os seus pareceres não projectam efeito vinculativo às decisões do Chefe do Executivo no que respeite a declarar ou não a caducidade.
Ponderando tudo isto, temos por indiscutíveis a isenção, a lealdade e a fidelidade ao interesse públicos do Exmo. Senhor STOP bem como do Exmo. Senhor Chefe do Executivo, pelo que não se descortina in casu a violação do princípio da imparcialidade.
5. Ora, comparando a Proposta n.º 205/DSODEP/2015 com o ofício n.º 636/6321.03/DSODEP/2015 (docs. de fls. 32 a 35 e 36 a 37 dos autos), podemos já concluir que nestes autos, não existe indisputavelmente a discrepância ou deficiência arrogada pela recorrente na conclusão 37) da petição.
Com efeito, o que acontece na realidade é que as disposições legais no Despacho n.º 59/2015 do STOP e o ofício n.º 177/DAT/2015, servidos a respectivamente publicar no Boletim Oficial o despacho da declaração de caducidade do Exmo. Sr. Chefe do Executivo e notificá-lo à recorrente, são diferentes das aludidas pelo parecer n.º 30/2011 da Comissão de Terras que veio a ser absolvido, para efeitos de fundamentação, sucessivamente pelo parecer do Exmo. Sr. STOP e pelo despacho da declaração de caducidade do Exmo. Sr. Chefe do Executivo que o apôs nesse parecer.
Ora bem, a inexactidão e discrepância dos Despacho n.º 59/2015 do STOP e ofício n.º 177/DAT/2015, na nossa óptica, nunca podem projectar nenhum efeito invalidante ao despacho (do STOP) posto em crise nestes autos, sendo irrelevantes por serem estanques do despacho em escrutínio.
***
Por todo o exposto acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
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Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
A 15 de Dezembro de 2011, a Comissão de Terras deu o seguinte parecer: (fls. 333 a 337 dos autos)
“Proc. N.º 43/2010 – Proposta de declaração da caducidade da concessão provisória, por arrendamento, do terreno com a área de 3177m2, situado na ilha de Taipa, na Avenida Kwong Tung, na Baixa da Taipa, designado por lote BT8, a favor da Sociedade Fomento Predial Socipré, Limitada, pelo incumprimento do aproveitamento do terreno no prazo fixado. A concessão provisória é titulada pelo Despacho n.º 125/SATOP/99, cuja caducidade determina a reversão do terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, à posse da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
I
1. de acordo com o despacho do Chefe do Executivo, através da informação n.º 217/DSODEP/2010 da Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), foi aprovada a proposta de iniciar o procedimento de declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, a favor da concessionária Sociedade Fomento Predial Socipré, Limitada, do terreno com a área de 3177m2, situado na ilha da Taipa, designado por lote BT8, titulado pelo Despacho n.º 125/SATOP/99, por incumprimento das cláusulas quinta, sétima e oitava do contrato da concessão e decidido submeter o processo à Comissão de Terras, para análise e parecer.
2. Reunida em sessões de 19 de Janeiro e 24 de Fevereiro de 2011, a Comissão de Terras, pelo parecer n.º 30/2011, e em concordância com a proposta da entidade concedente, propôs a declaração de caducidade da concessão, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato e da alínea a) do n.º 1 do artigo 166º da Lei de Terras, ex vi do n.º 2 do mesmo artigo, ou a declaração de rescisão do contrato, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 da cláusula décima quarta do contrato e na alínea c) do n.º 1 do artigo 169º da referida Lei, e a consequente reversão do terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, à posse da RAEM, com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
3. Propôs ainda aquela Comissão que, nos termos dos artigos 93º e 94º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), a concessionária seja notificada para, no prazo de dez dias a contar da data da notificação, se pronunciar por escrito sobre o sentido provável da decisão.
4. Submetido o parecer da Comissão de Terras a homologação do Chefe do Executivo, decidiu esta entidade, por despacho de 24 de Março de 2011, que antes da tomada da decisão final neste procedimento de declaração de caducidade da concessão deveria ser realizada a audiência da concessionária e solicitado parecer ao Ministério Público.
5. Nos termos do disposto nos artigos 93º e 94º do CPA, a DSSOPT, através do ofício n.º 333/6321.02/DSODEP/2011, de 17 de Maio de 2011, submeteu o sentido provável da decisão (declaração de caducidade da concessão) a audiência prévia do interessado, tendo este disposto de um prazo de 10 dias a contar da data da notificação – 18 de Maio de 2011 – para se pronunciar por escrito.
II
6. A concessionária apresentou em 30 de Maio de 2011 a sua resposta escrita, as quais fazem parte integrante deste parecer e dão-se aqui como reproduzidas, para todos os efeitos legais.
7. Assim, recebida a resposta da concessionária, foi produzido pelo Departamento Jurídico da DSSOPT um relatório, datado de 24 de Agosto de 2011, que faz parte integrante do presente parecer e dá-se aqui como reproduzido, para todos os efeitos legais.
8. O referido relatório conclui propondo que seja mantido o sentido da decisão de declarar a caducidade da concessão, comunicada à concessionária através do ofício n.º 333/6321.02/DSODEP/2011, de 17 de Maio de 2011, tendo em conta que a concessionária, na sua resposta à audiência dos interessados, não logrou afastar a presunção de culpa que onera o seu comportamento faltoso, consubstanciado na inexecução da obra que constitui o aproveitamento do terreno denominado lote BT8, objecto da concessão.
9. Em cumprimento do despacho do director da DSSOPT, de 16 de Setembro de 2011, o referido relatório foi enviado ao DSODEP para tramitação subsequente.
10. O DSODEP elaborou a informação n.º 233/DSODEP/2011, de 2 de Setembro de 2011, na qual propõe superiormente autorização para o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, proposta esta que mereceu a concordância da subdirectora e do director da referida Direcção de Serviços.
11. Sobre esta informação o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu despacho em 6 de Outubro de 2011, ordenando o envio do Processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer.
III
Reunida em sessão de 15 de Dezembro de 2011, a Comissão de Terras, analisado o processo e tendo em consideração o teor do relatório sobre a audiência dos interessados, datado de 24 de Agosto de 2011, é de parecer que deve ser declarada a caducidade da concessão do terreno designado por lote BT8, com os fundamentos de facto e de direito constantes do sobredito relatório, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato e da alínea a) do n.º 1 do artigo 166º da Lei de Terras, ex vi do n.º 2 do mesmo artigo.
Contudo, esta Comissão entende que deve sublinhar que nos procedimentos sobre o incumprimento dos contratos de concessão dos terrenos com as áreas de 15823m2, 8124m2 e 13517m2, situados na ilha da Taipa, junto à Estrada Governador Albano de Oliveira, titulados pelos Despacho n.º 173/SATOP/97, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 10, II Série, de 11 de Março de 1998 e Despacho n.º 32/SATOP/98, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 17, II Série, de 29 de Abril de 1998, a decisão foi no sentido de não declarar a caducidade da concessão e, por conseguinte, de conceder um novo prazo para execução do respectivo aproveitamento, apesar de se considerar o não cumprimento do contrato imputável às concessionárias.”
No dia 15 de Maio de 2015, o Chefe do Executivo exarou o despacho “Concordo” sobre o seguinte parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 14 de Maio de 2015: (fls. 381 a 386 dos autos)
“Proc. N.º 43/2010 – Proposta de declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento, do terreno com a área de 3177m2, situado na ilha de Taipa, na Avenida Kwong Tung, na Baixa da Taipa, designado por lote BT8, a favor da Sociedade Fomento Predial Socipré, Limitada, pelo incumprimento do aproveitamento do terreno no prazo fixado. A concessão provisória é titulada pelo Despacho n.º 125/SATOP/99, cuja caducidade determina a reversão do terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, à posse da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
1. De acordo com o despacho do Chefe do Executivo, através da informação n.º 217/DSODEP/2010 da Direcção de serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), foi aprovada a proposta de iniciar o procedimento de declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, a favor da concessionária Sociedade Fomento Predial Socipré, Limitada, do terreno pelo Despacho n.º 125/SATOP/99, por incumprimento das cláusulas quinta, sétima e oitava do contrato da concessão e decidido submeter o processo à Comissão de Terras, para análise e parecer.
2. Reunida em sessões de 19 de Janeiro e 24 de Fevereiro de 2011, a Comissão de Terras, pelo parecer n.º 30/2011, e em concordância com a proposta da entidade concedente, propôs a declaração de caducidade da concessão, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 da cláusula décima terceira do contrato e da alínea a) do n.º 1 do artigo 166º da Lei de Terras, ex vi do n.º 2 do mesmo artigo, ou a declaração de rescisão do contrato, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 da cláusula décima quarta do contrato e na alínea c) do n.º 1 do artigo 169º da referida Lei, e a consequente reversão do terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, à posse da RAEM, com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
3. Propôs ainda aquela Comissão que, nos termos dos artigos 93º e 94º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), a concessionária seja notificada para, no prazo de dez dias a contar da data da notificação, se pronunciar por escrito sobre o sentido provável da decisão.
4. Submetido o parecer da Comissão de Terras a homologação do Chefe do Executivo, decidiu esta entidade, por despacho de 24 de Março de 2011, que antes da tomada da decisão final neste procedimento de declaração de caducidade da concessão deveria ser realizada a audiência da concessionária e solicitado parecer ao Ministério Público.
5. Nos termos do disposto nos artigos 93º e 94º do CPA, a DSSOPT, através do ofício n.º 333/6321.02/DSODEP/2011, de 17 de Maio de 2011, submeteu o sentido provável da decisão (declaração de caducidade da concessão) a audiência prévia do interessado, tendo este disposto de um prazo de 10 dias a contar da data da notificação – 18 de Maio de 2011 – para se pronunciar por escrito.
6. A concessionária apresentou em 30 de Maio de 2011 a sua resposta escrita.
7. Assim, recebida a resposta da concessionária, foi produzido pelo Departamento Jurídico da DSSOPT um relatório, datado de 24 de Agosto de 2011.
8. O referido relatório conclui propondo que seja mantido o sentido da decisão de declarar a caducidade da concessão, comunicada à concessionária através do ofício n.º 333/6321.02/DSSOPT/2011, de 17 de maio de 2011. Tendo em conta que a concessionária, na sua resposta à audiência dos interessados, não logrou afastar a presunção de culpa que onera o seu comportamento faltoso, consubstanciado na inexecução da obra que constitui o aproveitamento do terreno denominado lote BT8, objecto da concessão.
9. Em cumprimento do despacho do director da DSSOPT, o referido relatório foi enviado ao DSODEP para tramitação subsequente.
10. O DSODEP elaborou a informação n.º 233/DSODEP/2011, de 2 de Setembro de 2011, na qual propõe superiormente autorização para o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer, proposta esta que mereceu a concordância da subdirectora e do director da referida Direcção de Serviços.
11. Sobre esta informação o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu despacho em 6 de Outubro de 2011, ordenando o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer.
12. Reunida em sessão de 15 de Dezembro de 2011, a Comissão de Terras, analisado o processo e tendo em consideração o teor do relatório sobre a audiência dos interessados, datado de 24 de Agosto de 2011, é de parecer que deve ser declarada a caducidade da concessão do terreno designado por lote BT8.
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto pelas razões indicadas naquele, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno.”
Por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 15 de Maio de 2015, e publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 20, 2º Suplemento, de 20.5.2015, foi tornado público o acima despacho do Chefe do Executivo. (fls. 65 a 67 dos autos)
Foi elaborado a 13 de Agosto de 2015 pelo técnico dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes a seguinte proposta:
“Assunto: Sobre o despejo da concessionária do terreno cuja concessão foi declarada caduca, por despacho do Chefe do Executivo de 15 de Maio de 2015. (Proc n.º 6321.03)
Proposta n.º: 205/DSODEP/2015
Data: 13/08/2015
1. Por despacho do Chefe do Executivo de 15 de Maio de 2015, exarado sobre o parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 14 de Maio de 2015, que concordou com o proposto no processo n.º 43/2010 do Comissão de Terras, pelas razões nele indicadas, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 3177m2, situado na ilha da Taipa, na Avenida Kwong Tung, designado por lote «BT8», descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 23141 do livro B, ao abrigo da alínea a) do número um da cláusula décima terceira do contrato de concessão e nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 166º da Lei n.º 10/2013 «Lei de Terras».
2. A declaração de caducidade da concessão acima referida foi publicada, pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 59/2015, no 2º suplemento ao n.º 20 do Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, II Série, de 20 de Maio de 2015, e que foi notificada à concessionária, a sociedade «Sociedade Fomento Predial Socipré, Limitada» através do ofício n.º 177/DAT/2015 de 09 de Junho de 2015. (Anexo)
3. Enfrentando o seguimento da caducidade de concessão, deve se considerar o seguinte:
3.1 Nos termos do artigo 117º e do n.º 1 do artigo 136º do «Código do Procedimento Administrativo» (CPA) em vigor, o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado e é executório logo que eficaz, não obstando à perfeição do mesmo por qualquer motivo determinante de anulabilidade, salvo os actos previstos no artigo 137º do mesmo Código;
3.2 Por outro lado, ao abrigo das disposições do artigo 22º do «Código de Processo Administrativo Contencioso» em vigor, o recurso contencioso não tem efeito suspensivo da eficácia do acto recorrido;
3.3 Assim sendo, quer a concessionária em apreço interponha o recurso contencioso quer não, o acto administrativo feito pelo Chefe do Executivo pode ser executado.
3.4 Então, de acordo com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179º da Lei n.º 10/2013 «Lei de Terras e com o artigo 55º do Decreto-Lei 79/85/M2, o Chefe do Executivo pode ordenar no prazo determinado, o despejo da concessionária do terreno cuja concessão foi declarada caduca;
3.5 Além disso, quando a concessionária não abandone o terreno no prazo determinado, o referido despejo pode ser realizado pela DSSOPT segundo o artigo 56º do mesmo Decreto-Lei.
4. Em face do exposto, em conformidade com a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179º da Lei n.º 10/2013 «Lei de Terras» e com os artigos 55º e 56º do Decreto-Lei 79/85/M, submete-se a presente proposta à consideração de V. Exa, a fim de:
4.1 Ordenar, no prazo de 60 dias a contar da data da notificação, o despejo da concessionária, a sociedade «Sociedade Fomento Predial Socipré, Limitada», do terreno com a área de 3177m2, situado na ilha da Taipa, na Avenida Kwong Tung, designado por lote «BT8», descrito na CRP sob o n.º 23141 do livro B, cuja concessão foi declarada caduca por despacho do Chefe do Executivo de 15 de Maio de 2015;
Caso não se execute no prazo definido,
4.2 Autorizar o Departamento de Urbanização da DSSOPT a realizar o respectivo despejo de acordo com o artigo 56º do Decreto-Lei n.º 79/85/M.
À consideração superior.”
Submetida a proposta sucessivamente a vários órgãos superiores na hierarquia administrativa, foi proferido, a final, pelo Secretário para os Transportes e das Obras Públicas, a 17.8.2015, o seguinte despacho:
“Concordo.”
*
Questão prévia: da irrecorribilidade do acto
Defende a entidade recorrida que a produção de efeitos jurídicos externos na esfera jurídica da recorrente que ordenou a desocupação do terreno não teve lugar por via do acto recorrido, mas sim por efeito do acto anterior que declarou a caducidade do contrato de concessão, pelo que entende que a recorrente devia recorrer contenciosamente deste último acto praticado pelo Chefe do Executivo, pugnando pela rejeição liminar do presente recurso.
Consagra-se no artigo 30.º do CPAC que os actos de mera execução ou aplicação de actos administrativos são irrecorríveis, salvo os actos previstos no n.º 2 do artigo anterior e nos n.os 3 e 4 do artigo 138.º do Código do Procedimento Administrativo, bem como aqueles que não tenham sido legitimados por acto administrativo prévio nos termos do n.º1 do artigo 138.º do Código do Procedimento Administrativo.
Por sua vez, prevê-se no n.º 4 do artigo 138º do CPA que são também susceptíveis de recurso contencioso os actos ou operações de execução arguidos de ilegalidade, desde que esta não seja consequência da ilegalidade do acto exequendo.
No fundo, não obstante o acto recorrido ser um acto de execução, não sendo, em princípio, recorrível, mas imputando-lhe ilegalidades próprias, como acontece no vertente caso, por exemplo, vícios resultantes da falta de audiência de interessados e da incompetência para a sua prática, não deixa o acto de ser contenciosamente recorrível.
Posto isto, julga-se improcedente a excepção de irrecorribilidade do acto suscitada pela entidade recorrida.
*
Da invalidade do acto recorrido por falta de elementos essenciais
Entende a recorrente que o acto recorrido é nulo, na medida em que o é o acto administrativo praticado pelo Chefe do Executivo, assacando ao acto antecedente da declaração da caducidade praticado pelo Chefe do Executivo vício de falta de publicação no Boletim Oficial, por que apenas foi publicado o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 59/2015, e vício de falta de despacho formal e escrito do Chefe do Executivo onde declara a caducidade.
Face ao que ficou provado, dúvidas não restam de que o acto recorrido foi praticado na sequência de um acto administrativo praticado pelo Chefe do Executivo onde declarou a caducidade da concessão do terreno em causa.
De facto, o acto do Chefe do Executivo concordou com a proposta formulada pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas que, por sua vez, acolheu a opinião emitida pela Comissão de Terras.
Posteriormente, foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 20, 2º Suplemento, de 20.5.2015, o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 59/2015, em que foi tornado público o despacho do Chefe do Executivo de 15 de Maio de 2015, exarado sobre o parecer do STOP que concordou com o proposto no processo n.º 43/2010 da Comissão de Terras, pelas razões nela indicadas, quanto à declaração da caducidade da concessão do terreno identificado nos autos.
E não se deve esquecer que o n.º 1 do artigo 115.º do mesmo CPA permite que a fundamentação do acto poder consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações, propostas que constituem parte integrante do respectivo acto, como é o caso.
Nestes termos, tendo o Chefe do Executivo prolatado formalmente o despacho de declaração da caducidade da concessão do terreno, tendo o mesmo sido tornado público no Boletim Oficial, não se vislumbra, a nosso ver, a existência dos vícios imputados pela recorrente, improcedendo, em consequência, o recurso quanto a estar parte.
*
Do vício de forma por preterição da audiência prévia
A recorrente entende que o acto recorrido padece do vício de forma por preterição da audiência prévia, alegando não ter oportunidade para se pronunciar sobre o sentido provável da decisão que lhe ordenou o despejo.
Prevê o n.º 1 do artigo 93º do CPA que, salvo o disposto nos artigos 96º e 97º, uma vez concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
Ora bem, o que se pretende com a audiência dos interessados é assegurar o direito do contraditório dos interessados, evitando a chamada decisão-surpresa, e permitir os mesmos, no caso de se ter realizado alguma diligência instrutória, manifestarem os seus pontos de vista adquiridos no procedimento, visando, no fundo, dotar a Administração de elementos necessários para poder dar uma decisão acertada.
No caso vertente, de acordo com o disposto no artigo 179º da Lei de Terras, o despejo é uma consequência necessária decorrente da declaração da caducidade da concessão, isto é, uma vez declarada a caducidade da concessão, a recorrente sabe ou não pode deixar de saber que inelutavelmente irá haver lugar a despejo, pelo que o acto recorrido é um acto vinculado e não lhe constitui qualquer decisão-surpresa.
Por outro lado, mesmo que se entenda que a ordem de despejo foi dada na sequência de um procedimento autónomo, podemos verificar que neste procedimento administrativo não foi realizada qualquer diligência instrutória, daí que entendemos ser desnecessária a dita audiência prévia de interessados, por que nenhum elemento novo foi trazido ao procedimento em desabono à recorrente.
Desta forma, julga-se improcedente o vício invocado.
*
Do vício de incompetência
Defende a recorrente que a entidade recorrida é incompetente para praticar o acto recorrido, por falta de delegação de poderes.
Sobre a questão em apreço, foi já objecto de apreciação pelo TUI, no seu Acórdão de 7.6.2017, no Processo 10/2017, pelo que, por razões de celeridade e economia processuais, transcreve-se a seguir parte do referido aresto:
“…
A terceira questão suscitada pela recorrente é a seguinte:
O acto recorrido sofre de incompetência do Secretário para as Obras Públicas e Transportes, já que a competência está prevista no artigo 179.º, n.º 1, da Lei n.º 10/2013, competindo ao Chefe do Executivo.
Não teria o Secretário para as Obras Públicas e Transportes competência para praticar o acto?
Antes de mais, é exacto que a alínea 1) do n.º 1 do artigo 179.º da actual Lei de Terras comete ao Chefe do Executivo a competência para ordenar o despejo do concessionário quando tenha havido declaração de caducidade da concessão.
Porém, alega a entidade recorrida que o acto foi praticado ao abrigo de delegação de poderes, sendo a lei habilitante da delegação o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 85/84/M, de 11 de Agosto (e não o Decreto-Lei n.º 84/84/M, como se diz no acórdão recorrido) e constituindo o instrumento de delegação a Ordem Executiva n.º 113/2014, publicada no Boletim Oficial, I Série, de 20 de Dezembro de 2014.
O Decreto-Lei n.º 85/84/M estabeleceu as bases gerais da estrutura orgânica da Administração Pública de Macau.
Dispõe o seu artigo 3.º:
“Artigo 3.º
(Delegação de competência)
1. O Chefe do Executivo1 pode delegar no Comandante das Forças de Segurança e nos Secretários3, ou nos directores dos serviços dele directamente dependentes as suas competências executivas em relação a todos ou a alguns dos assuntos relativos aos serviços públicos.
2. A tutela das câmaras municipais4 rege-se pela legislação aplicável e pode ser delegada nos termos do n.º 1.
3. A delegação de competência prevista no n.º 1 envolve a decisão em matérias das atribuições próprias dos serviços públicos, bem como em matérias de gestão dos recursos humanos, financeiros e patrimoniais.
4. O Chefe do Executivo5 pode autorizar a subdelegação das competências delegadas no pessoal de direcção dos serviços.
5. As delegações e subdelegações de competência previstas neste artigo constarão de portarias e despachos, respectivamente, produzirão efeitos a contar da data da publicação no Boletim Oficial e cessarão por revogação expressa ou por exoneração da entidade delegante ou delegadas, mas manter-se-ão em vigor sempre que qualquer daquelas entidades for substituída nos termos legais.
6. A delegação e a subdelegação de competência podem conter directrizes vinculantes para a entidade delegada ou subdelegada e não privam a delegante ou subdelegante dos poderes de avocar processos e de definir orientações gerais”.
Nem o Decreto-Lei n.º 85/84/M foi globalmente revogado nem, em particular, o seu artigo 3.º foi revogado, expressa ou tacitamente, pelo que este preceito vigora na Ordem Jurídica.
Por sua vez, Ordem Executiva n.º 113/2014, estatui o seguinte:
“Usando da faculdade conferida pela alínea 4) do artigo 50.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 2/1999 e do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 85/84/M, de 11 de Agosto, o Chefe do Executivo manda publicar a presente ordem executiva:
1. São delegadas no Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Arrais do Rosário, as competências executivas do Chefe do Executivo em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, bem como aos relativos ao seu Gabinete.
2. São ainda delegadas no Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Arrais do Rosário, as competências executivas do Chefe do Executivo no âmbito dos assuntos relativos à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego.
3. As competências executivas ora delegadas abrangem, no âmbito dos procedimentos relativos à realização de obras ou à aquisição de bens e serviços e independentemente do montante em causa, a competência para:
1) Aprovar o caderno de encargos, o programa de concurso e outras peças procedimentais relevantes;
2) Designar os membros das comissões que conduzem os procedimentos de abertura e de apreciação de propostas;
3) Aprovar a minuta do contrato a celebrar e representar a Região Administrativa Especial de Macau na respectiva assinatura.
4. Exceptuam-se do disposto nos números anteriores as competências executivas do Chefe do Executivo que a lei qualifique como indelegáveis.
5. Em matéria de gestão dos recursos financeiros e patrimoniais, as competências executivas ora delegadas têm os seguintes limites:
1) Até ao valor estimado de trinta milhões de patacas, a competência para autorizar a abertura de concursos para a realização de obras ou a aquisição de bens e serviços;
2) Até ao montante de dezoito milhões de patacas, a competência para autorizar despesas com a realização de obras ou a aquisição de bens e serviços;
3) Até ao montante de nove milhões de patacas, a competência referida na alínea anterior quando tenha sido autorizada a dispensa de realização de concurso ou de celebração de contrato escrito.
6. O delegado pode subdelegar nos dirigentes dos Serviços, entidades e Gabinete referidos nos n.os 1 e 2 as competências que julgue adequadas ao seu bom funcionamento.
7. A presente ordem executiva produz efeitos desde 20 de Dezembro de 2014”.
Face ao n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 85/84/M, o Chefe do Executivo pode delegar nos Secretários as suas competências executivas em relação a todos ou a alguns dos assuntos relativos aos serviços públicos.
E o n.º 3 do mesmo artigo 3.º dispõe que a delegação de competência prevista no n.º 1 envolve a decisão em matérias das atribuições próprias dos serviços públicos. O que é o caso do despejo do concessionário, cuja concessão foi declarada caduca, que pertence às atribuições da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
Pela Ordem Executiva n.º 113/2014 o Chefe do Executivo delegou no Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Arrais do Rosário, as competências executivas do Chefe do Executivo em relação a todos os assuntos relativos às áreas de governação e aos serviços e entidades referidos no artigo 6.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, onde se encontra a área do ordenamento físico do território.
Estava, portanto, delegada no autor do acto recorrido a competência para a ordenar o despejo em questão.
É certo que o acto recorrido não invocou a delegação de poderes, ao abrigo da qual decidiu.
Mas tal irregularidade não torna o acto nulo ou anulável.
Por outro lado, é razoável o exercício delegado da competência para o despejo do concessionário na pessoa do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, visto que ela consiste num mero acto executivo de decisão anterior, isto é, decorre inelutavelmente da declaração da caducidade da concessão.
Improcede a questão suscitada.”
Estamos de acordo com a posição acabada de transcrever e que aqui fazemos nossa para todos os efeitos legais, improcedendo, assim, o vício invocado.
*
Do vício de violação do princípio da imparcialidade
Diz a recorrente que o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Sr. Raimundo Arrais do Rosário, deveria estar impedido no procedimento que culminou na prolação do acto recorrido, na medida em que ele, através de um contrato de mandato, não só representou a recorrente, bem como a sociedade que lhe antecedeu na titularidade da concessão original, e teve intervenção no âmbito do processo de planeamento, elaboração de projectos de construção e atribuição da concessão do terreno cuja caducidade foi decretada.
Sobre a questão em apreço, remete-se para o douto parecer do Ministério Público com o qual concordamos e que a seguir se transcreve:
“4. Fundamentando a arguição da ofensa do princípio da imparcialdade, a recorrente alegou que o actual STOP tinha intervindo em estudos técnicos e participado em reuniões «em nome e representação da anterior concessionária do Lote», por ser o engenheiro responsável designado.
Antes de mais, impõe-se realçar que a nosso ver, tal como acontece com o desvio de poder, quem argúi impedimento ou suspeição assume o ónus de prova da verificação dos correspondentes fundamentos – regra que pode ser extraída mediante interpretação teleológica do disposto do n.º 2 do art.º 47º e n.º 2 do art.º 50º do CPA.
O teor dos art.º 76º a 93º da petição e os documentos juntos a autos pela recorrente evidenciam que a intervenção do actual STOP consiste em assumir a responsabilidade, na sua qualidade de engenheiro civil em regime privado, pelos projectos aí referidos que foram apresentados pela então concessionária «Fábrica de Artigos de Vestuários Estilo, Lda.», e tal intervenção cessou definitivamente a partir de 14/01/2000.
Repare-se que o Despacho n.º 125/SATOP/99 operou a revisão do contrato de concessão e a consequente transmissão dos direitos derivados desse contrato (doc. de fls. 51 a 60 dos autos), e os projectos entregues pela «Fábrica de Artigos de Vestuários Estilo, Limitada» nunca logram a efectiva execução, ficando abandonados e inutilizados voluntariamente.
Estas vicissitudes aconselham-nos a entender que a intervenção (do STOP antes de 14/01/2000) acima apontada não pode ser equacionada na previsão das alíneas a) e d) do n.º 1 do art. 46º do CPA, nem sequer tem a mínima virtude de constituir o fundamento legítimo do impedimento para ele subscrever o Parecer em 14/05/2015 (doc. de fls. 403 a 408 do dito P.A.).
Na nossa óptica, a recorrente nunca oferece prova convincente que demonstre o impedimento ou a suspeição, ou ponha em dúvida a rectidão e isenção do Exmo. Senhor STOP, e é sem dúvida que os seus pareceres não projectam efeito vinculativo às decisões do Chefe do Executivo no que respeite a declarar ou não a caducidade.
Ponderando tudo isto, temos por indiscutíveis a isenção, a lealdade e a fidelidade ao interesse público do Exmo. Senhor STOP bem como do Exmo. Senhor Chefe do Executivo, pelo que não se descortina in casu a violação do princípio da imparcialidade.”
Desta sorte, julga-se improcedente o recurso quanto a esta parte.
*
Do erro nos pressupostos
A recorrente aponta ainda a invalidade da notificação, por erro nos pressupostos, na parte em que acrescenta ao texto do acto recorrido a referência a normas e consequências sancionatórias que nele não foram exaradas, nomeadamente o disposto no artigo 210.º da Lei de Terras.
Ora bem, a referência ao artigo 210.º da Lei de Terras mais não seja do que um lembrete, tendo por objectivo alertar a recorrente da eventual sujeição de consequências legais caso não seja cumprida voluntariamente a ordem de desocupação. Em boa verdade, não é obrigatória constar do acto de notificação essa mesma referência, por ser uma consequência necessária que decorre da lei.
Aliás, mesmo que se entenda não dever constar da carta de notificação a citação do tal preceito legal, também não podemos esquecer que apenas estamos aqui a apreciar a legalidade do acto recorrido que ordenou o despejo, e não a validade do próprio acto de notificação, o qual não fazia parte do acto administrativo sob escrutínio.
Sendo assim, improcede o vício invocado.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 10 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, 11 de Janeiro de 2018

  Relator
  Tong Hio Fong
  Primeiro Juiz-Adjunto
  Lai Kin Hong
  
   Segundo Juiz-Adjunto
   Mai Man Ieng Fong Man Chong



Recurso Contencioso 839/2015 Página 1