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Processo n.º 1015/2017 Data do acórdão: 2017-12-14 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– auxílio à imigração clandestina
– número de crimes
– art.º 2.º da Lei n.º 6/2004
– art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004
S U M Á R I O
  Da leitura dos art.os 2.º e 14.º, n.o 1, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, não resulta que na valoração de interesses feita pelo Legislador na criação do tipo legal de crime de auxílio (à imigração clandestina), seja indiferente o número de imigrantes clandestinos “auxiliados” pelo agente do crime. Pelo contrário, obtendo cada um dos imigrantes clandestinos assim “auxiliados” o benefício de concorrer para a entrada, de modo clandestino, na RAEM, é de entender que, em prol do fim inegável de combate contra a imigração clandestina, são tantos crimes de auxílio quantos os imigrantes clandestinos “auxiliados” pelo agente.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 1015/2017
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido em 8 de Setembro de 2017 a fls. 132 a 138 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-17-0090-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de cinco crimes consumados de auxílio, p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de três anos de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando a esse Tribunal excesso na medida das suas penas, a fim de rogar, em face de todas as circunstâncias já apuradas em seu favor nos autos a relevar em sede dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o do Código Penal (CP), pena de prisão inferior a dois anos e seis meses para cada um dos seus crimes de auxílio, e pena de prisão única inferior a três anos, com também almejada suspensão da execução da nova pena única nos termos do art.o 48.o do CP (cfr. com mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 149 a 154 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Mimistério Público no sentido de improcedência do recurso (cfr. a resposta de fls. 156 a 158v).
Subidos os autos, emitiu o Digno Representante do Ministério Público parecer (a fls. 209 a 210), pugnando pela convolação oficiosa da qualificação jurídico-penal dos factos provados para o sentido de haver tão-só um crime (e não cinco crimes) de auxílio, com consequente nova medida da pena.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o Tribunal sentenciador a quo deu inclusivamente por provado o seguinte, com pertinência à solução do presente recurso:
– em 21 de Janeiro de 2017, cinco residentes do Interior da China não possuidores de qualquer documento habilitador da permanência em Macau subiram, em Zhuhai, para uma sampana a ser conduzida e depois efectivamente conduzida pelo arguido, com destino a Macau;
– sampana essa com o arguido e esses mesmos cinco indivíduos que acabou por ser interceptada pelo pessoal alfandegário de Macau em local costeiro perto da estação de autocarro da Barra de Macau;
– o arguido não tem antecedente criminal em Macau, e declarou ser agricultor, com dois a três mil renminbis de rendimento mensal, com a 2.a classe do ensino primário como nível de instrução, e com os pais e dois menores a seu cargo.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, é de conhecer primeiro, oficiosamente, da questão da qualificação jurídico-penal dos factos suscitada no douto parecer do Ministério Público.
Isto é, cabe ver a questão de quantos os crimes praticados pelo recorrente.
A Lei n.º 6/2004 diz, no seu art.º 2.º, que:
– <<1. São consideradas em situação de imigração ilegal as pessoas que se encontrem na Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM, não estando autorizadas a nela permanecer ou residir, e que tenham entrado em qualquer das seguintes circunstâncias:
1) Fora dos postos de migração;
2) Sob falsa identidade ou mediante o uso de documentos de identificação ou de viagem falsos;
3) Durante o período de interdição de entrada.
  2. Consideram-se ainda em situação de imigração ilegal as pessoas que permaneçam para além dos prazos de permanência autorizada, e aquelas a quem tenha sido revogada a autorização de permanência, quando não abandonem a RAEM no prazo fixado.>>
E o art.º 14.º, n.º 1, da mesma Lei dispõe que <>.
Da leitura destes dois preceitos legais, não resulta que na valoração de interesses então feita pelo Legislador na criação do tipo legal de crime de auxílio (à imigração clandestina), seja indiferente o número de imigrantes clandestinos “auxiliados” pelo agente do crime de auxílio. Pelo contrário, obtendo cada um dos imigrantes clandestinos assim “auxiliados” o benefício de concorrer para a entrada, de modo clandestino, na RAEM, é de entender que, em prol do fim inegável de combate contra a imigração clandestina, são tantos crimes de auxílio quantos os imigrantes clandestinos “auxiliados” pelo agente. Foram cinco os imigrantes clandestinos transportados pelo recorrente, pelo que são, correspondentemente, cinco crimes de auxílio. Fica assim mantida a qualificação jurídico-penal dos factos decidida no aresto recorrido.
Há que decidir agora da questão de alegado exagero das penas levantada pelo recorrente.
Pois bem, realiza o presente Tribunal ad quem que ponderadas todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal a quo e descritas como provadas no texto da decisão recorrida, e à luz dos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, e 71.º, n.os 1 e 2, do CP, não se vislumbra qualquer injustiça notória nas penas parcelares e única de prisão achadas pelo Tribunal recorrido, pelo que é de respeitar esse juízo de valor ora sob impugnação pelo recorrente.
Assim sendo, já é a priori inviável a pretendida suspensão da execução da pena única de quatro anos e seis meses de prisão do recorrente (art.º 48.º, n.º 1, do CP).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça, e duas mil patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
A presente decisão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, 14 de Dezembro de 2017.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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