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Proc. nº 20/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 01 de Fevereiro de 2018
Descritores:
- Suspensão de eficácia
- Suspensão provisória
- Competência jurisdicional
- Assembleia Legislativa
- Suspensão de mandato de deputado
- Actos suspensíveis
- Actos políticos

SUMÁRIO:

I - À luz do art. 36º, al. 10), da LBOJ, o TSI só é competente para conhecer dos pedidos de suspensão de eficácia relativamente a actos para os quais igualmente disponha de competência para o conhecimento do recurso contencioso.

II - O TSI não dispõe de competência legal para julgar os actos do Plenário da Assembleia legislativa, pois em lado nenhum do art. 36º da LBOJ ela lhe é conferida. No que àquele órgão legislativo respeita, apenas ao TSI é cometida competência para as decisões do respectivo Presidente (nº8, al. (1) e Mesa (nº8, al. (3)).

III - A deliberação do Plenário da Assembleia Legislativa que, nos termos do art. 27º, nºs 1 e 2, do Regime da Legislatura e do Estatuto dos Deputados à Assembleia Legislativa (Lei nº 3/2000), suspende o mandato de um deputado não é acto administrativo, nem acto materialmente administrativo para efeito de suspensibilidade da respectiva eficácia, mas sim acto político.

IV - Se essa deliberação não tem tal natureza, também a não têm necessariamente os actos anteriores da Mesa e do Presidente da Assembleia, que daquela são meros actos preparatórios.

V - Não dispondo o tribunal de competência para a apreciação desta matéria, impõe-se a absolvição dos requeridos da instância, em virtude de não estar previsto indeferimento liminar neste meio processual.

Proc. nº 20/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – RELATÓRIO
SOU KA HOU, solteiro, maior, natural de Macau, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM nº XXXXXXX(X), emitido aos 05-12-2013, Deputado à Assembleia Legislativa, residente na RAEM, no Edifício ......, nº ..., Rua ......, Macau, RAEM, ------
Requereu a suspensão de eficácia -----
Da deliberação do Plenário da Assembleia Legislativa da RAEM que suspendeu o seu mandato de deputado, bem como de outras decisões preparatórias oriundas do Presidente e da Mesa da Assembleia Legislativa, assim discriminadas:
a) Da Deliberação do Plenário da AL nº 21/2017/Plenário, de 04/12/2017, que determinou a suspensão do mandato de Deputado do Requerente, publicada no Boletim Oficial da RAEM nº 49, de 05/12/2017 (tomada sem que, designadamente, lhe tenha sido assegurado e tendo-lhe sido negado direito de audiência e de defesa, direito de usar da palavra autonomamente em Plenário e direito de voto, sem que o Plenário tenha deliberado que o mesmo se encontrava em conflito de interesses, e sem ter sido facultado a Plenário a possibilidade de limitar o período de suspensão do mandado de Deputado do Requerente) (doc. 12);
Bem como,
b) Da Deliberação da Mesa da AL nº 35/2017, de 22/11/2017, que determinou estar o Deputado Requerente em conflito de interesses, com a consequente perda do direito de uso autónomo da palavra durante o debate e exercício do direito de voto do Deputado (doc. 8);
c) Da Decisão do Presidente da AL de 30/11/2017 de convocação do Plenário da AL, sem que tivesse sido proferido parecer (no sentido material e legal do termo) da Comissão de Regimento e Mandatos (doc. 10);
d) Da Decisão do Presidente da AL de 04/12/2017 de não conceder direito de defesa ao Deputado Requerente (acto oral);
e) Da Decisão do Presidente da AL de 04/12/2017 determinando estar o Plenário da AL impossibilitado de limitar temporalmente o período de suspensão do mandato de Deputado do Requerente (acto oral).
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Pela Mesa da Assembleia foi proferida decisão escrita, segundo a qual o acatamento da suspensão provisória a que alude o art. 126º do CPAC traria grave prejuízo ao interesse público (fl. 141-148).
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Notificado desta decisão, o requerente da providência apresentou um articulado de resposta (fls. 384-397), cujos termos aqui damos por reproduzidos para todos os efeitos.
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Foi, entretanto, apresentada contestação pela Assembleia Legislativa, pugnando pelo indeferimento da pretensão, considerando, essencialmente, que os actos suspendendos têm natureza política.
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O digno Magistrado do MP, sobre o pedido de suspensão pronunciou-se do modo que parcialmente a seguir se transcreve:
“(…) Debrucemo-nos então sobre a suspensão de eficácia.
Foi suscitada na contestação a questão prévia da irrecorribilidade dos actos suspendendos.
Nas providências de suspensão de eficácia, a questão da irrecorribilidade dos actos encontra geralmente o seu enquadramento na matéria alusiva à ilegalidade do recurso, prevista no pressuposto da alínea c) do artigo 121.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso, sendo tratada a par dos demais requisitos de mérito previstos no referido artigo 121.º.
No caso vertente, a forma como vem equacionada a questão da irrecorribilidade catapulta-a para o âmbito da matéria de excepção, a apreciar previamente ao conhecimento dos elementos de fundo.
É o que passamos a fazer.
Sustenta-se, na contestação, que os actos suspendendos não são actos administrativos em sentido material, mas sim actos de natureza política, emanados da Assembleia Legislativa, órgão com funções de natureza política e legislativa, e portanto insusceptíveis de serem contenciosamente escrutinados.
Vejamos.
Dos vários actos trazidos a escrutínio, só a deliberação n.º 21/2017, de 4 de Dezembro de 2017, do Plenário da Assembleia Legislativa, que determinou a suspensão do mandato do deputado Sou Ka Hou, se prefigura como acto de carácter decisório, produtor do efeito jurídico da perda de imunidade parlamentar.
Todos os demais são actos de trâmite, instrumentais ou preparatórios daquela resolução, para cuja produção concorrem e à qual se subordinam, carecendo de autonomia e efeitos lesivos próprios, pelo que não podem ser destacáveis para fins de impugnação autónoma.
O que importa então é caracterizar aquela resolução/deliberação de 4 de Dezembro de 2017, na tentativa de dilucidar se estamos, ou não, perante acto administrativo. É que, só ante uma hipótese afirmativa se poderá equacionar a suspensão da sua eficácia, pois é sabido que a providência de que o requerente lançou mão só pode ser concedida em vista da paralisação dos efeitos de actos administrativos - cf. artigos 120.º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Está em causa uma resolução adoptada em matéria relativa a imunidade parlamentar, com tratamento nos artigos 79.º e seguintes da Lei Básica e 15.º e seguintes do Estatuto dos Deputados aprovado pela Lei 3/2000.
Pois bem, trata-se de uma resolução/deliberação que não se insere no domínio da função legislativa nem substancia um acto normativo, o que exclui, à partida, a hipótese de poder configurar acto administrativo (acto materialmente administrativo) acobertado em diploma legal. É, por outro lado, uma resolução que não produz, nem visa produzir, efeitos jurídicos externos, ao nível da relação com os particulares/administrados, mas que apenas projecta os seus efeitos internamente, na relação orgânica ou interorgânica, pelo que, também deste prisma, não configura qualquer acto administrativo. É, enfim, uma deliberação que, embora edite um acto produtor de efeitos numa situação concreta e individualizada, não se enquadra na função administrativa da Assembleia Legislativa.
Por outro lado, dado que respeita a matéria de imunidade parlamentar, a resolução reveste um indisfarçável carácter político, tal como vem sustentado na contestação.
A imunidade parlamentar é geralmente entendida como a prerrogativa que proporciona aos deputados o exercício das suas funções em amplas condições de independência e liberdade, com resguardo de qualquer interferência de outros poderes. Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, Volume II, 4.ª Edição Revista, a páginas 272 e seguintes, …o conceito de imunidade tem um sentido amplo e um sentido restrito. Em sentido amplo, abrange a inviolabilidade, a irresponsabilidade e a imunidade em sentido restrito. Neste último sentido, a imunidade significa o estatuto de liberdade do deputado perante quaisquer medidas de perseguição estatal… susceptíveis de perturbar o exercício livre do mandato e dos direitos a ele inerentes. Em matéria de prisão e de procedimento criminal, segundo os mesmos autores, o fundamento da imunidade reside essencialmente em duas razões: defender o deputado contra qualquer perseguição ou intimidação das autoridades, garantindo assim a sua liberdade física, moral e política; impedir que outros órgãos do Estado possam influir sobre a composição da AR, [AL em Macau] através da prisão de deputados.
Destas considerações resulta que a imunidade radica na importância social e política da função dos deputados e no interesse público da sua liberdade de acção, em vista da consecução dos objectivos prosseguidos, ao serviço do interesse geral da colectividade. Ou seja, ela, imunidade, é uma criação de génese eminentemente política, porquanto radica no interesse geral da colectividade, cuja definição se enquadra, segundo entendimento mais ou menos consensual, na função política do Estado.
E sendo assim, como cremos, é esse mesmo interesse da colectividade, cuja interpretação neste campo está cometida à Assembleia Legislativa, que pode justificar a retirada da imunidade, a coberto de um acto concreto e individualizado que suspende o mandato, autorizando a sujeição imediata do deputado a procedimento criminal. São, no fundo, idênticas razões de preservação do interesse geral, neste caso associado ao funcionamento e imagem da Assembleia Legislativa, cuja interpretação cabe livremente aos deputados, em decorrência da lei Básica e do Estatuto dos Deputados, que estão na base da perda da imunidade parlamentar.
Daí que a retirada da imunidade, traduzida na suspensão do mandato decretada pela Deliberação n.º 21/2017, do Plenário da Assembleia Legislativa, de 4 de Dezembro de 2017, integre um acto de natureza política, praticado no exercício da função política de que, a par da função legislativa, a Assembleia Legislativa também está investida.
Num caso em tudo idêntico, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de Portugal, através do seu Parecer n.º 16/2009, aliás citado na contestação, asseverou que reveste a natureza de acto político a deliberação da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira que aprecia o pedido de autorização para um deputado regional ser ouvido como arguido.
Concluindo, é de arredar a hipótese de o acto suspendendo configurar um acto administrativo, com as características e efeitos que a doutrina assinala ao conceito e que encontram eco na definição prevista no artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo, estando-se, ao invés, perante acto proferido no exercício da função política.
Sendo assim, como se afigura, porque não está em causa um acto administrativo, torna-se manifestamente inviável a suspensão da sua eficácia, nos moldes admitidos pelos artigos 120.º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso. E porque se está em face de um acto praticado no exercício da função política, a sua impugnação está expressamente subtraída à jurisdição administrativa, como resulta do artigo 19.º, alínea 1), da Lei de Bases da Organização Judiciária.
Em qualquer dos casos, a providência está votada à rejeição, indo nesse sentido o meu parecer.
Dada a preconizada rejeição, e porquanto o acto trazido a escrutínio não configura um acto administrativo e é insusceptível de produzir efeitos em tal veste, fica prejudicada a pronúncia sobre a resolução fundamentada emitida ao abrigo do artigo 126.º, n.º 2, do Código de Processo Administrativo Contencioso.”
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Cumpre decidir.
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II – QUESTÃO PRÉVIA
1 - Decorrido o prazo para que o requerente, ao abrigo do art. 453º do CPC, pudesse responder e tomar posição sobre os documentos juntos pela AL com a contestação apresentada, veio o requerente pedir:
a) Que o tribunal, em virtude de o mandatário do deputado ter estado ausente de Macau, considere que o prazo para a resposta tenha início hoje, dia 29 de Janeiro, e não na data da efectiva entrega no seu escritório;
b) Que, tendo tomado conhecimento a partir do art. 198º da contestação que o tribunal apenas tinha mandado citar a AL na pessoa do seu Presidente e que não tinha ordenado a citação dos outros dois órgãos (Mesa e Plenário), se proceda agora à citação desses dois órgãos.
Apreciando.
Quanto ao primeiro pedido, não o podemos satisfazer. Com efeito, a circunstância de o mandatário ter estado ausente de Macau não significa que a notificação não possa ser considerada na data em que o seu recebimento teve efectivamente lugar. O facto de ter estado no exterior de Macau não pode funcionar como impedimento atendível. É, aliás, o próprio requerente que acaba por implicitamente reconhecê-lo, ao pedir que o tribunal faça uso da “discricionariedade que a lei lhe confere”. Tendo a remessa sido feita para o escritório do digno advogado mandatário, os efeitos da notificação produzem-se tal como manda o art. 201º, nº2 e 3, do CPC.
Quanto ao segundo, cumpre-nos dizer o seguinte:
A citação foi feita no Presidente da Assembleia Legislativa, mesmo na qualidade de representante de todos os órgãos em causa, porque assim mesmo o requerente pretendeu fosse feito no requerimento avulso apresentado no tribunal no mesmo dia da entrada da petição inicial (cfr. fls. 122). A Secção fez, portanto, aquilo que na sua interpretação, e bem, decorria do texto do referido requerimento avulso. Ou seja, os termos da carta de citação de fls. 124 reflectem essa intenção do requerente, que até o tribunal tomou como forma de cooperar e de acelerar o andamento do processo, visto que até a Mesa é representada pelo Presidente da Assembleia.
O requerente, aliás, só agora vem equacionar esta falta de citação, porque o Presidente da Assembleia Legislativa, expressamente a suscitou nos arts. 198º e 199º do articulado de contestação (cfr. fls. 193).
Sem embargo, diremos o seguinte.
Como é sabido, esta espécie processual não tem despacho liminar. Daí que a Secção proceda imediatamente à citação, mal recebe a petição da suspensão (art. 125º, nº3, do CPAC), a não ser que se lhe depare alguma dúvida concernente a alguma irregularidade que a leve a colocá-la directamente ao juiz ou relator. Não foi o caso.
Feita a citação e apresentada a contestação, e excluindo a situação prevista nos arts. 126º e 127º, os autos são apresentados com vista aberta ao Ministério Público para parecer. Lavrado este, só então o processo estará pronto para decisão.
É nessa fase de decisão que o juiz/relator se pronuncia sobre os pressupostos processuais e sobre alguma irregularidade que pudesse ter sido cometida anteriormente. Isto, repetimos, porque ele não teve chance de o fazer anteriormente.
Ora bem. Se neste momento o tribunal pode concluir que o processo não tem qualquer virtualidade de prosseguir com êxito em face da procedência de uma qualquer excepção dilatória, parece que nunca seria útil, nem sensato, nem razoável e lógico, que o tribunal agora mandasse proceder à citação dos órgãos eventualmente não citados. Isto é, não faz qualquer sentido mandar proceder à citação dos requeridos eventualmente não citados, para mais tarde se ter que concluir aquilo que já podemos concluir neste momento: que essa citação é despicienda, por não necessária, em face da falta de algum pressuposto processual.
É o que se verifica aqui, precisamente. Mesmo que se considere que aqueles dois órgãos não foram citados, não vale a pena ordenar a sua citação, face à decisão que adiante se tomará em sede de apreciação dos pressupostos processuais.
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2 - Face ao que se acaba de concluir, deixa de fazer qualquer sentido a peça de resposta à contestação apresentada no dia 31 do corrente mês (peça, aliás, não prevista processualmente), em que o recorrente suscita várias questões e se pronuncia sobre o direito de contraditório, sobre a recorribilidade dos actos, etc.
Na verdade, esta peça só seria admissível se este TSI tivesse acolhido a pretensão do requerente, no sentido de lhe ser reconhecido o direito a uma extensão do prazo para a pretendida resposta. Como já concluímos que tal não era possível, deixa de ser útil e viável a sua junção.
Por estas razões, determinamos o seu desentranhamento.
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III - OS FACTOS
Intróito
Em geral, a matéria fáctica a considerar nas decisões judiciais vem ordenada num capítulo que sucede aos “pressupostos processuais”. Por razões que se compreenderão, porém, aqui iremos primeiramente alinhar os factos, para só depois, e com base neles, partirmos para a análise dos pressupostos.
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Os factos a considerar são, pois, os seguintes:
1 - O requerente, SOU KA HOU, mais conhecido por Sulu Sou, é deputado da AL, tendo sido eleito por sufrágio directo para cumprir o seu mandato na presente Legislatura (VI), por eleição realizada em 17 de Setembro de 2017. É ainda membro da 3ª Comissão Permanente e da Comissão de Acompanhamento para os Assuntos da Administração Pública da AL, tal como é do conhecimento público e está divulgado no site oficial da AL.
2 - O requerente é co-arguido em processo-crime por alegada prática de crime de desobediência a ordem policial de dispersão de manifestação (doc. 1 junto com a p.i.).
3 - O Tribunal Judicial de Base competente para o julgamento do processo criminal informou a AL, por Ofício datado de 07/11/2017, da pendência do processo crime a fim de a AL decidir no sentido do levantamento de imunidade com suspensão do mandato ou não.

4 - Por Despacho nº 15/NV/2017, de 13/11/2017, o Presidente da AL solicitou à Comissão de Regimento e Mandatos (“Comissão”) emissão de Parecer, nos termos dos arts. 9º/d), 26º/a) e 88º/1 do Regimento da Assembleia Legislativa da RAEM, aprovado pela Resolução nº 1/1999 (“Regimento”), e 27º/2 do Estatuto dos Deputados (doc. 2 junto com a p.i.).
5 - No mesmo dia 13/11/2017, o Presidente da AL enviou o Ofício com a Ref. 93/J2/VI/GPAL/2017 ao Tribunal Judicial de Base, onde informou que teria de solicitar Parecer à Comissão e dar conhecimento do Parecer aos Deputados com um prazo de 5 dias (doc. 3 junto com a p.i.).
6 - No dia 16/11/2017, o Deputado Requerente fez um pedido (i) solicitando esclarecimento sobre o âmbito de aplicação dos arts. 27º e 30º do Estatuto dos Deputados e (ii) requerendo entrega de todos os documentos passados da AL relativos a processos de suspensão (doc. 4 junto com a p.i.).
7 - No mesmo dia 16/11/2017, o Deputado Requerente apresentou um pedido de clarificação e informação (doc. 5 junto com a p.i.).
8 - No dia 20/11/2017, o Deputado Requerente apresentou um pedido solicitando, designadamente, (i) que a emissão do Parecer da Comissão fosse adiada a fim de lhe permitir fazer uso do direito de participação e audiência, (ii) que lhe fosse concedido o prazo de 10 dias para apresentação de defesa nos termos dos arts. 93º e ss. do CPA, (iii) que considerações por si feitas deveriam constar do Parecer da Comissão a fim de permitir uma decisão informada dos Deputados em Plenário, e (iv) insistindo para que lhe fossem entregues documentos relativos a outros processos de suspensão do mandato (doc. 6 junto com a p.i.).
9 - A Comissão, que reunira duas vezes, elaborou um documento que denominou “Parecer”, datado de 20/11/2017, identificado oficialmente como “Parecer nº 1/VI/2017”, o qual foi enviado ao Presidente da AL (doc. 7 junto com a p.i.).
10 - Na sequência do aludido “Parecer”, a Mesa da AL aprovou a Deliberação nº 35/2017, de 22/11/2017 na qual determinou, designadamente, que o Deputado Requerente estava em situação de conflito de interesses, ficando por esta via proibido de participar na discussão e votação (doc. 8 junto com a p.i.).
11 - A deliberação referida no ponto anterior apresenta o seguinte teor:
“Deliberação da Mesa nº 35/2017
Nos termos do artº 26º, al. b) do Regimento da Assembleia Legislativa e do artº 27º, nº 2 “Da Legislatura e do Estatuto dos Deputados à Assembleia Legislativa”, a Comissão de Regimento e Mandatos concluiu o parecer sobre a notificação feita em 7 de Novembro de 2017 pelo Tribunal Judicial de Base, respeitante ao procedimento penal movido na RAEM contra um deputado à Assembleia Legislativa e já apresentou-o ao Presidente da Assembleia Legislativa.
De acordo com o artº 27º, nº 2 do Estatuto dos Deputados, compete ao Plenário, ouvida a Comissão de Regimento e Mandatos, decidir a suspensão do mandato do deputado em causa.
No Regimento da AL não foram estipuladas sistematicamente as normas que regem o procedimento de votação em reunião plenária sobre a suspensão de mandato de deputados, mas dispõe o artº 18º, al. b) do Regimento da Assembleia Legislativa que compete à Mesa decidir todas as questões de interpretação e de integração de casos omissos do Regimento. Assim, a Mesa delibera o seguinte: Aprova-se o procedimento aplicável à votação sobre a suspensão ou não de mandato de deputado nos termos do artº 27º do Estatuto dos Deputados. O procedimento consta-se do anexo desta deliberação, que faz parte integral da mesma.
Aos 22 de Novembro de 2017”
12 - Em 29/11/2017, o Presidente da AL respondeu aos requerimentos do Deputado Requerente, onde, designadamente: (i) alegou que o mesmo beneficiou do direito de defesa, (ii) juntou os documentos que o Requerente havia solicitado 13 e 9 dias antes e (iii) informou que não seria oportuno adiar a emissão do Parecer da Comissão (doc. 9 junto com a p.i.).
13 - O Presidente da AL, por carta de 30/11/2017, convocou reunião do Plenário para o dia 04/12/2017 sobre o assunto relativo à suspensão do mandato de Deputado do Requerente, nos termos do art. 10º/a do Regimento (doc. 10 junto com a p.i.).
14 - A reunião do Plenário teve lugar no dia 04/12/2017, em sessão pública transmitida pela televisão e pela internet, nos termos dos arts. 10º/i), 92º e 94º/1 do Regimento.
15 - Durante a reunião plenária o Presidente da AL (nesta qualidade ou na qualidade de Presidente da Mesa da AL), manteve a posição de que o Deputado Requerente estava em conflito de interesses, tendo o mesmo sido impedido de tomar autonomamente a palavra no debate, bem como de exercer o direito de voto, ficando-lhe somente possibilitada actividade dependente e subordinada consubstanciada no “direito de assistir [à reunião plenária]” e no “direito de prestar as informações e os esclarecimentos que sejam solicitados” (art. 34º/3 do Estatuto dos Deputados).
16 - Durante a reunião plenária foi suscitada a questão de o Deputado Requerente ter ou não direito de audiência e/ou de defesa, direito que lhe foi negado pelo Presidente da AL (nesta qualidade ou na qualidade de Presidente da Mesa da AL).

17 - Durante a reunião plenária foi suscitada a questão da eventual limitação do período de suspensão do mandato do Deputado Requerente, tendo sido determinado pelo Presidente da AL (nesta qualidade ou na qualidade de Presidente da Mesa da AL) que o período de suspensão não podia ser limitado pelos Deputados (pelo Plenário da AL), questão que, por esse motivo, não foi sujeita a deliberação do Plenário da AL.
18 - Ainda no dia 04/12/2017, no final da reunião plenária, foi deliberada, por escrutínio secreto, a suspensão do Mandato do Deputado Requerente (art. 45º do Estatuto dos Deputados), Deliberação que foi publicada no Boletim Oficial da RAEM no dia seguinte como Deliberação nº 21/2017/Plenário, onde também consta ter sido deliberado pelo Plenário a sua entrada em vigor imediatamente (doc. fls. 118 dos autos).
19 - No dia 05/12/2017, o Requerente solicitou ao Presidente da AL que publicasse no Diário da Assembleia Legislativa o texto por si entregue no dia 04/12/2017, bem como no processo de suspensão (doc. 13 dos autos, traduzido a fls. 57-58 do apenso “traduções”).
20 - No dia 07/12/2017, o Presidente da AL respondeu que não o publicaria no Diário da Assembleia uma vez que não foi discutido na reunião plenária (doc. 14 junto com a p.i.).
21 – Apresentada a petição de suspensão de eficácia nos presentes autos, foi a Assembleia Legislativa citada para contestar, tendo no dia 11 de Janeiro de 2018 a Mesa da Assembleia tomado a seguinte deliberação:

“DELIBERAÇÃO N.º 2/2018/MESA
A Mesa da Assembleia Legislativa, no uso da competência prevista na alínea f) do artigo 17.º do Regimento da Assembleia Legislativa, reconhece que, para efeitos do pedido de suspensão de eficácia apresentado pelo deputado Sou Ka Hou, autos de suspensão de eficácia n.º 20/2018, que visa a suspensão de eficácia das decisões do Presidente, da Deliberação da Mesa e Deliberações do Plenário da Assembleia Legislativa, num total de cinco decisões, se verifica a existência de grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução do acto, para efeitos e nos termos do artigo 126.º, n.º 2 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), com os seguintes fundamentos:
1. O Deputado Sou Ka Hou foi acusado de um crime de desobediência qualificada tendo a Assembleia Legislativa sido notificada pelo Tribunal relativamente à suspensão do seu mandato para efeitos de prosseguimento do respectivo processo penal, conforme resulta da documentação constante dos autos.
2. A Assembleia Legislativa procedeu em conformidade com o regime estabelecido no Estatuto dos Deputados relativamente a esta matéria, tendo o Plenário deliberado, em 4 de Dezembro de 2017, por 28 votos a favor e quatro votos contra, suspender o referido mandato. Da deliberação foi feita a devida publicidade através da respectiva publicação no Boletim Oficial da RAEM, no dia 5 do mesmo mês de Dezembro de 2017, n.º 49 -I Série - Suplemento.
3. A razão subjacente à suspensão do mandato é permitir que o processo penal siga os seus termos, respondendo o Deputado pelo crime de que é acusado, com celeridade e transparência. Subjacente à suspensão do mandato está a mensagem ao público que os Deputados, pelo facto de o serem, não estão de fora da alçada da justiça e podem responder pelos crimes de que são acusados ainda enquanto mantêm esse estatuto.
4. Ora, tendo a Assembleia Legislativa tomado esta decisão, de permitir que o Deputado seja julgado no decurso do seu mandato, pôr-se-ia gravemente em causa a confiança da população nas instituições, e concretamente na Assembleia Legislativa, se pouco mais de um mês após a decisão de suspensão do mandato, a Assembleia Legislativa, sem razões aparentes, concretas, fundamentadas e provadas, viesse agora proceder à suspensão da eficácia da suspensão do mandato do Deputado. Tal decisão, constituiria um grave prejuízo na imagem da Assembleia Legislativa uma vez que poderia transparecer a ideia de que a decisão tomada no dia 4 de Dezembro de 2017 não tinha sido devidamente ponderada, o que não corresponde à verdade.
5. Acresce ainda, que julga a Assembleia Legislativa que é do interesse público que o processo penal em que o Deputado está envolvido seja rapidamente resolvido, uma vez que só assim a Assembleia Legislativa voltará a ter condições de estabilidade e tranquilidade para prosseguir com as suas funções.
6. Está, portanto, em causa, uma necessidade de estabilidade nas decisões tomadas do ponto de vista político pela Assembleia Legislativa, e o próprio funcionamento regular deste órgão legislativo, que não devem ser questionadas junto dos tribunais, por tal implicar dificuldades evidentes na gestão dos trabalhos e na manutenção dos efeitos dos actos praticados pela Assembleia Legislativa.
7. Ao se reverter a decisão tomada em sede parlamentar própria existe um prejuízo grave e notório decorrente de se suspender provisoriamente uma decisão do Plenário relativa à suspensão do mandato de um deputado, por tal implicar uma destabilização das opções políticas tomadas pela Assembleia Legislativa.
8. Os actos praticados pela Assembleia Legislativa, que não sejam materialmente administrativos, mas assumam uma dimensão política ou legislativa, não podem ser susceptíveis de recurso contencioso, ou susceptíveis de serem suspensos, por tal implicar um prejuízo grave e notório para a independência da Assembleia Legislativa e para o exercício independente e autónomo da função legislativa, consagrados na Lei Básica.
9. O exercício independente da função legislativa obriga, entre outras coisas, a que os tribunais não se intrometam na esfera do poder legislativo, não se devendo pronunciar sobre aspectos que caibam na esfera própria do poder legislativo.
10. É por isso que os actos praticados no exercício da função política ou legislativa são excluídos do âmbito do contencioso administrativo nos termos e para efeitos do artigo 19.º, alíneas 1) e 2) da Lei de Bases da Organização Judiciária.
11. Implica grave prejuízo para o interesse público a não imediata execução do acto, o qual consiste no afectar do exercício, nos termos da lei, da função legislativa e das outras funções políticas da Assembleia Legislativa pelos tribunais em decorrência da suspensão provisória visada.
12. Pelo que, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 126.º do CPAC, e salvaguardando que em causa não está um acto administrativo mas um acto político não sindicável pelo Tribunal, a deliberação de suspensão do mandato continua a ser executada, de acordo com a Deliberação do Plenário n.º 21/2017, publicada no Boletim Oficial n.º 49 - I Série - Suplemento.
Assembleia Legislativa, aos 11 de Janeiro de 2018.”
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IV - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
A - Da suspensão de eficácia
Da competência do TSI
1 - Da deliberação do Plenário da Assembleia Legislativa
Importa saber, antes de tudo, se este tribunal é competente, pois o conhecimento deste pressuposto precede o de qualquer outra matéria, face ao disposto no art. 3º, fine, do CPAC.
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Dispõe o art. 36º, al. 10), da LBOJ que o TSI dispõe de competência para julgar os pedidos de suspensão de eficácia dos actos administrativos e das normas de cujo recurso contencioso e impugnação, respectivamente, conheça.
Ou seja, à luz daquela norma, o TSI só é competente para conhecer dos pedidos de suspensão de eficácia relativamente a actos para os quais igualmente disponha de competência para o conhecimento do recurso contencioso.
Contudo, este tribunal não dispõe de competência legal para julgar os actos do Plenário da Assembleia legislativa, pois em lado nenhum do art. 36º da LBOJ ela nos é conferida. No que àquele órgão legislativo respeita, apenas ao TSI foi atribuída competência para as decisões do respectivo Presidente (nº8, al. (1) e Mesa (nº8, al. (3)).
Assim, a deliberação do Plenário não é sindicável pelo TSI. Então, em qual tribunal será?
A resposta é: em tribunal nenhum. O sistema jurídico de Macau, de iure constituto, não prevê a sindicabilidade das deliberações do Plenário junto dos tribunais ordinários, pois em lado nenhum da LBOJ está contemplada essa possibilidade.
*
1.1 - (Cont.).
E aquela impossibilidade, em nossa opinião, desde logo resulta da circunstância de o próprio legislador não ter contemplado hipótese alguma de o Plenário da AL praticar actos administrativos ou em matéria administrativa.
E esta deliberação em apreço, realmente, não é acto administrativo stricto sensu, nem acto em matéria administrativa.
Expliquemos sucintamente esta ideia.
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1.2 - Não é acto administrativo, visto que não foi proveniente de nenhum órgão da Administração e no exercício de uma função administrativa ou no quadro de uma actuação da administração pública em sentido material. Foi, em vez disso, praticado por um órgão eminentemente legislativo com um enquadramento político, claramente.
Também não é acto administrativo de acordo com o pressuposto que lhe confere a parte final do art. 110º, do CPA.
Efectivamente, esta suspensão de mandato, a se, não visou produzir efeitos na esfera jurídica individual do requerente. Por si mesma, a deliberação não lhe é lesiva, no sentido de uma afectação da esfera do seu conjunto de direitos e deveres, enquanto cidadão e administrado.
A suspensão declarada do mandato do deputadonão passa de um hiato no munus do deputado e não apresenta nenhuma vertente punitiva ou sancionatória. Ela pretendeu somente conferir uma espécie de moratória à condição de deputado, portanto temporária, e com um fim que, se nos é permitido dizê-lo, acaba por ser útil e relevante tanto à causa pública, ao ter por missão a defesa da imagem de um órgão de soberania, como à causa privada da própria esfera política do deputado, que assim passa a ver assegurada a possibilidade de se defender e provar rapidamente a sua inocência e retomar, quanto antes, a integralidade dos poderes para que foi eleito.
Aliás, nem sequer a própria condição de deputado ele perdeu com esta deliberação, do mesmo modo que a sua situação remuneratória ficou inteiramente intocada.
Portanto, a deliberação não visou a produção de efeitos na situação individual e concreta do cidadão administrado.
Insistimos:
- Não quis o “acto” em apreço resolver de forma definitiva a situação do requerente;
- A deliberação vertente não representa qualquer decisão em sentido estrito;
- A deliberação não se assume como uma estatuição autoritária, nem tem a marca de qualquer determinação sobre uma certa situação jurídico-administrativa1.
Em vez disso, limitou-se unicamente a suspender o exercício do mandato que recebeu dos seus eleitores, sem interferir tampouco com a condição definitiva de deputado, que não perdeu.
Mas, se, enfim, quisermos entrever alguma lesão no meio disto tudo, isto é, se a suspensão do exercício do deputado puder ter alguma conotação de lesividade, ela quando muito só pode carregar sobre os ombros do deputado, sobre o legislador, logo, sobre o político, e somente na parte em que assim ele se vê a braços com a impossibilidade temporária de corresponder no foro político/legislativo (AL) às aspirações de quem o elegeu pelo sufrágio directo. E sendo assim, repetimos, essa eventual lesão não recai sobre a esfera individual do cidadão e do administrado, a qual, como bem se sabe, está a montante da qualidade de deputado e dela é, aliás, independente.
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1.3 - Talqualmente não se trata de um acto oriundo de um órgão em matéria administrativa. Na verdade, a Assembleia reunida em Plenário nem sequer tem competência para matéria administrativa, ao contrário do que é reconhecido à Mesa e ao próprio Presidente. A matéria em causa não é, de facto, de natureza administrativa2. E, portanto, quando o Plenário assim deliberou não o fez no exercício de um poder administrativo (de que não dispõe) ou no desempenho de actividade administrativa, que lhe não é reconhecida, mas sim no exercício de um poder público-político. Sem dúvida, quanto a isso.
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1.4 - Aliás, a AL faz parte integrante da “estrutura política” da RAEM, conforme no-lo indica o Capítulo IV, art. 45º e sgs. da Lei Básica.
Decorre, desde logo, daí a essencial natureza política deste órgão legislativo (art. 67º), sem prejuízo, como é evidente, de outra específica que possa ser reconhecida expressamente em outro diferente plano, como é aquele que vem reconhecido relativamente à matéria compreendida no âmbito dos “órgãos de administração” da AL, como sucede com as decisões específicas do “Presidente”, da “Mesa” e do “Conselho Administrativo” (cfr. art. 8º da Lei Orgânica da Assembleia Legislativa da RAEM, aprovada pela Lei nº 11/2000). Nesse domínio, os referidos órgãos, em especial os dois primeiros, já podem plenamente actuar e decidir em matéria administrativa (cfr. tb. arts. 9º-12º do Regimento da Assembleia, aprovado pela Resolução nº 1/1999, republicado pela Resolução nº 2/2017, quanto ao Presidente; 16º-18º do Regimento e 9º da Lei Orgânica citada, quanto à Mesa), cujos actos, então, já são judicialmente sindicáveis.
Fora desse enquadramento, o edifício jurídico-normativo da RAEM parece ter sido arquitectado para fazer escapar do controlo dos tribunais a actividade do Plenário da Assembleia Legislativa, naquilo que ela tem de geneticamente político, pois nem sequer o TUI dispõe de competência para tal (cfr. art. 44º da LBOJ).
Em suma, a matéria em apreço está subtraída ao poder de sindicância dos tribunais. Efectivamente, e tal como resulta do art. 19º, nº1), 1ª parte da LBOJ, um dos limites negativos da jurisdição é precisamente a matéria concernente aos actos praticados no exercício da função política.
Tenha-se, por outro lado, em conta que a imunidade de que os deputados podem gozar, e que leva a Assembleia a defender cada um dos seus membros, evitando que sejam julgados pelos seus actos, é já uma prerrogativa de cariz político. Isto é, quando a Assembleia assim actua, fá-lo para proteger a instituição no seu todo, para a cobrir da dignidade e prestígio que merece, também para permitir que ela leve a cabo, sem constrangimentos do exterior, a sua acção. Ora, se isto acontece quando o Plenário da Assembleia ampara um “seu”deputado, não concedendo a suspensão do respectivo mandato, igual natureza política tem a deliberação do mesmo Plenário quando o liberta para ser julgado no foro próprio por algum ilícito de que esteja acusado. A natureza da acção é exactamente a mesma. Significa que o que a Assembleia fez, através do Plenário, foi um exercício de uma pura acção política3.
Política, sim, e não apenas do ponto de vista subjectivo, já que o acto em causa é oriundo de um órgão supremo do Estado que está dedicado à função legislativa, mas ainda do ponto de vista objectivo, pois que a deliberação em causa acaba por ter por objectivo ínsito ou implícito4 a realização dos fins últimos da comunidade5, do interesse geral da colectividade6, pois a maioria dos deputados, quando assim agiu, tê-lo-á feito em representação directa ou indirecta dos eleitores, ou como representantes do Governo que os tiver nomeado. Ou seja, é político o móbil 7, é político o ambiente em que foi produzida e são políticas a matéria e natureza envolvidas.
Assim se compreende que a possibilidade de escrutínio com vista à análise da sua legalidade não esteja contemplada, isto é, não esteja sob a alçada competencional do exercício jurisdicional dos tribunais de Macau8.
Por conseguinte, o TSI não pode sindicar a validade da deliberação do Plenário da AL que suspende o deputado ora requerente, nem no âmbito do recurso contencioso, nem consequentemente para decretar a suspensão da sua eficácia no quadro da presente providência.
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2 - Dos demais actos suspendendos
2.1 - Como já visto, o acto principal de que se pedia a suspensão de eficácia era aquele que declarou a suspensão do mandato do requerente (se o Plenário tivesse deliberado não suspender o deputado, seguramente não estaríamos neste momento a ajuizar sobre se o procedimento que antecedeu essa deliberação incorreu ou não em algum atropelo formal).
Sendo assim, se todos os restantes actos imputados aos restantes órgãos da AL, “Presidente” e “Mesa”, estão inseridos num mesmo “procedimento” tendente à decisão sobre se deveria ou não suspender o mandato do requerente, todos eles se apresentam com o mesmo carácter não administrativo. Isto é, se o Plenário praticou um acto político no termo de um procedimento decisório desencadeado tendente a esse fim político, então os actos de trâmite que o precederam, porque dele são preparatórios, recebem exactamente a mesma natureza política. Vale dizer, não são actos administrativos, nem praticados em matéria administrativa.
Enquanto tal, padecem da mesma impossibilidade para serem sindicados jurisdicionalmente em qualquer das suas vertentes, anulatória, preventiva ou conservatória.
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B – Do incidente de suspensão provisória
A Mesa da Assembleia9, após a citação, proferiu uma decisão fundamentada10, em cujos pontos 1 a 7 e 11-12 11 justificou o motivo para não acatar a suspensão provisória da suspensão de eficácia deliberação do Plenário acima referida, em conformidade com o disposto no art. 126º do CPAC, com o fundamento alegado da existência de grave prejuízo para o interesse público caso não fosse dada execução imediata à suspensão do mandato do deputado ora requerente.
No exercício do direito do contraditório, o requerente tomou posição sobre essa deliberação, em termos que aqui damos por reproduzidos.
Ora bem. O facto de esta resolução ter sido efectivamente praticada, não altera a natureza do objecto sobre que incide, nem modifica a competência do tribunal. Na verdade, se em abstracto uma decisão fundamentada como a prevista no art. 126º do CPAC só se compreende e aceita perante actos administrativos, ou em matéria administrativa, que a Administração queira pôr em execução por causa do grave prejuízo para o interesse público que derivaria da suspensão provisória imposta pelo preceito citado, então em concreto no caso vertente ela não se justificaria de todo, por o acto suspendendo dispor unicamente de natureza política.
A verdade é esta: o incidente em apreço, como não pode deixar de ser, está intimamente conexionado com o processo da providência no qual se insere e, por conseguinte, indiscutivelmente dependente das características próprias do objecto da suspensão de eficácia peticionada. De tal modo é assim, que a sorte do incidente está agora irremediavelmente traçada. Quer isto dizer que, se não é possível apreciar o pedido de suspensão de eficácia pelas razões já aduzidas, por identidade de causas impossível se torna, igualmente, a apreciação do incidente, pois também ele em abstracto assenta num pressuposto imposto por lei, que é o da existência de uma providência que tenha por objecto um acto administrativo ou materialmente administrativo, realidade ou circunstância que aqui não se verifica.
Isto significa, em suma, que a análise jurisdicional da referida decisão fundamentada está prejudicada pela solução acima dada ao pedido principal de suspensão formulado na providência.
E por ser assim, ao mesmo tempo fica justificada deste modo a desnecessidade de atender ao pedido do requerente na resposta de fls. 384 e sgs., tanto para o pretendido efeito de notificação com vista à sugerida “ratificação” dos actos dos requeridos pelo Plenário da Assembleia, como para efeito de notificação do requerente com vista a pronúncia sobre a natureza política dos actos. Aliás, em relação a esta segunda questão, não se vê necessidade de nova notificação para pronúncia do requerente sobre a matéria, não só por se tratar de um processo urgente, mas também por ele mesmo, afinal de contas, já se ter pronunciado sobre o assunto na dita peça processual de resposta.
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3 - Epílogo
Geralmente, a incompetência leva a que o tribunal remeta oficiosamente o processo ao tribunal competente (cfr. 33º, nº1, do CPC, “ex vi” art. 1º do CPAC).
Mas, como vimos, os tribunais de Macau não dispõem de competência para julgar este caso, quer na sua vertente suspensiva, quer na anulatória.
Sendo assim, restaria uma das duas soluções previstas no nº2 do art. 33º citado.
Acontece que, face ao disposto no art. 125º, nº3, do CPAC, este processo não prevê despacho liminar, em virtude de a citação ser feita oficiosamente pela secretaria, tendo em conta o carácter urgente do meio processual. Portanto, o indeferimento liminar não é aqui processualmente possível.
Resta a absolvição da instância de todos os requeridos (arts. 33º, nº2, 2ª parte, 230º, nº1, al. a) e 413º, al. a), do CPC).
***
Decidindo
Face aos termos expostos, acordam em absolver da instância os requeridos.
Custas pelo requerente, com taxa de justiça em 4 UC (art. 89º, nº 1, do RCT).
T.S.I., 01 de Fevereiro de 2018

Relator
José Cândido de Pinho

Primeiro Juiz-Adjunto
Tong Hio Fong

Segundo Juiz-Adjunto
Lai Kin Hong

Mai Man Ieng



1 Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, pág. 221.
2 Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, III, D. Quixote, pág. 72-74.
3 No direito comparado, por exemplo, em Portugal a Procuradoria Geral da República já se pronunciou no sentido de que a deliberação da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da madeira, que aprecia o pedido de autorização para um deputado regional ser ouvido como arguido reveste a natureza de acto político (Parecer P000162009, in http://www.ministeriopublico.pt/iframe/pareceres-do-conselho-consultivo-da-pgr ).
4 Não estamos a dizer se bem ou mal concretizado
5Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Teses, Almedina, págs. 67-69 e 282-282
6 Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, I, Almedina, pág. 8-10
7 José António Garcia-Trevijano Fos, Los Actos Administrativos, Civitas, 2ª ed., pág.45.
8 Noutras latitudes as coisas não se passam exactamente assim, como em Portugal, por exemplo, em que a perda de um mandato de um deputado declarada pela Mesa da Assembleia da República (art. 3º, nº3, do Regimento da AR) é sindicável em recurso para o Plenário (nº5) e de cuja deliberação deste cabe recurso para o Tribunal Constitucional (nº8, cit. art.). Aqui nada está previsto em termos semelhantes.
9 Não interessa aqui averiguar se o fez com legitimidade para tal, ou se quem a podia tomar haveria de ser o autor da deliberação que suspendeu o mandato do deputado, ou seja, o Plenário da AL.
10 Ver facto II - 21 supra.
11 Nos pontos 8 a 10 excedeu o âmbito e os limites materiais da resolução fundamentada a que se refere o art. 126º, do CPAC, razão por que os consideramos extravagantes e despiciendos.
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20/2018 5