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Processo n.º 576/2017
(Recurso de decisão jurisdicional)

Relator: Fong Man Chong
Data: 18 de Janeiro de 2018


Assuntos:
- Vigência do Código das Execuções Fiscais (CEF) na RAEM
- Prazo de prescrição do CEF e prazo de prescrição do Código Civil de Macau

SUMÁRIO:
I – As normas do Código das Execuções Fiscais (CEF), aprovado pelo Decreto nº 3XXX8, de 12 de Dezembro de 1950, podem continuar, transitoriamente, a vigorar no ordenamento jurídico da RAEM, por força do disposto no artigo 4º/1-8) da Lei de Reunificação, aprovada pela Lei nº 1/1999, de 20 de Dezembro, desde que não sejam incompatíveis com os seguintes princípios:
- Princípio da não ofensa à soberania da RPC;
- Princípio da não violação da Lei Básica da RAEM;
- Princípio da não violação das normas legais produzidas pelos órgãos competentes próprios de Macau.
II – Importa distinguir entre o conceito da vigência de um diploma legal e o da aplicação de normas constantes desse mesmo diploma. A aplicabilidade de uma norma depende da verificação dos pressupostos que a própria norma fixa. A aplicação de normas de um determinado diploma legal pressupõe a vigência deste último.
III - O artigo 302º do CC de Macau estipula que o prazo ordinário da prescrição é 15 anos, enquanto o artigo 251º do CEF determina que, salvas as prescrições especiais de curto prazo, é de 20 anos o prazo de prescrição por dívida de contribuições e rendimentos devidos à Fazenda Pública. Em matéria de execução fiscal por dívida de imposto profissional, deve aplicar-se a regra do CEF, por este ser um diploma de carácter especial e um prazo de 20 anos não colide, em princípio, com os princípios acima citados.


     O Relator,

________________
     Fong Man Chong







Processo n.º 576/2017
(Recurso da decisão jurisdicional)

Data : 18/Janeiro/2018

Recorrente : A

Recorrida : 財政局 (Direcção dos Serviços de Finanças)

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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I - RELATÓRIO
    A, identificado nos autos, executado dos autos de Execução Fiscal n.º R/2000-05-900057 e apensos, por dívidas de Imposto Profissional Grupo 2 dos anos de 1998 a 2000 (doravante "IP") no valor de MOP86,027.00, a que acresce selo de verba nos termos do artigo 33.º da Tabela Geral do Imposto do Selo, juros de mora à taxa de 1% ao mês, 3% de dívidas, selos diversos e receitas do cofre, veio, em 07/11/2016, nos termos dos artigos 164º, 165º e 169º do Código das Execuções Fiscais (CEF), aprovado pelo Decreto n.º 3XXX8, de 12 de Dezembro de 1950, deduzir oposição à execução por simples requerimento junto do Tribunal Administrativo, tendo invocado os fundamentos constante de fls. 11 a 19 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais.
    Em conclusões, o Oponente, ora Recorrente, defende que, contando a partir de 28/8/2000, 16/08/2000 e 31/08/2001, para efeitos de prescrição, o prazo de 15 anos já terminou em 28/8/2015, 16/08/2016 e 31/08/2016, respectivamente, por força do disposto no artigo 302º do CC de Macau.
    Subsidiariamente, o Oponente defende ainda o seguinte:
    Ainda que se considerasse aplicável o prazo prescricional de 20 anos do CEF à contribuição referente à liquidação do IP, já então o prazo de prescrição aplicável aos restantes valores constantes das certidões de relaxe:
     - (1) selo de verba, 3% de dívidas, selos diversos e receitas do cofre) sempre seria aquele de 15 anos definido no artigo 302° Código Civil; e
     - (2) em relação aos juros de mora, o prazo de 5 anos definido no artigo 303°, alínea c) Código Civil (pois quer este, quer aqueles outros não têm a natureza de dívida tributária de imposto profissional, mas antes de obrigação acessória da obrigação de imposto ou sanção pela falta de pagamento pontual.
    
    Nestes termos, o Recorrente/Oponente conclui que a execução fiscal sustentada em dívida prescrita é ilegal e como tal devem ser julgadas extintas as dívidas fiscais.
* * *
    Em 20/02/2017 (fls.54 a 61) foi proferida a douta sentença pela juíza do Tribunal Administrativo, pela qual foi julgada PARCIALMENTE procedente a oposição, decidindo-se nos seguintes termos:
     “o Tribunal julga procedente parcialmente a presente oposição à execução fiscal do executado por simples requerimento por se verificar nos autos a falta da exigibilidade do pagamento dos juros de mora vencidos no período de 5 anos antes do pagamento integral da dívida principal, e a consequente inexequibilidade da respectiva importância.”
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    Contra esta sentença o Recorrente/Oponente veio, em 04/05/2017, interpor o presente recurso jurisdicional, com os fundamentos constantes de fls.75 a 80 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais.
    Em sede das CONCLUSÕES, O Recorrente/Oponente defende :
    1. A prescrição da dívida reporta-se à quantia exequenda em si,
    2. O prazo de prescrição é de 15 anos,
    3. O prazo de 20 anos do Código de Execuções Fiscais foi revogado e substituído pelo prazo ordinário da prescrição previsto no artº 302º do Código Civil de Macau,
    4. Esse prazo começa a correr desde a autuação do processo executivo.
    5. As dívidas decorrentes do imposto profissional para os anos 1998, 1999 e 2000 encontram-se prescritas, por passagem do prazo de 15 anos.
    6. As dívidas dos 3% de dívidas e das receitas do cofre não são também exigíveis por prescrição das quantias exequendas.
    7. A prescrição das quantias mencionadas implica a inexigibilidade dos juros de mora.
    8. A sentença recorrida violou as normas jurídicas constantes dos artigos 4º/1-8) da Lei da Reunificação aprovada pela Lei n.º 1/1999, 302º do Código Civil , 251º do Código das Execuções Fiscais, artigo 30º do Decreto-Lei n.º 30/99/M, artigo 30º da Lei de Bases da Organização Judiciária.
Pede que seja revogada a sentença e que sejas declaradas prescritas as dívidas fiscais reclamadas nos autos acima referidas.
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    A Entidade Recorrida, Direcção dos Serviços de Finanças, representada pelo seu Director, veio, em 06/06/2017, apresentar as suas contra-alegações de recurso, com os seguintes fundamentos constantes de fls.85 a 91, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais.
    Concluindo, a Recorrida defende o improvimento do presente recurso nos seguintes termos:
1 - Nos presentes autos vem o Executado alegar que o Código das Execuções Fiscais encontra-se revogado pelo n.° 4 do artigo 4. ° da Lei n. ° 1/1999 motivo pelo qual o prazo de prescrição de 20 anos não se lhe aplica mas antes o prazo ordinário de 15 anos previsto no artigo 302.°do Código Civil encontrando-se, consequentemente, prescritas as dívidas exequendas.
2 - O recurso às normas do processo executivo regulado no Código de Processo Civil mostra-se inadequado, uma vez que se trata de um processo previsto para decorrer exclusivamente perante um órgão jurisdicional, quando o processo de execução fiscal, correndo os seus termos na Repartição das Execuções Fiscais, supõe uma fase administrativa autónoma integrada por actos instrumentais.
3 - Dispôs o legislador, na alínea 8) do n.° 1 do art. 4° da Lei n.° 1/1999 que "as normas legais que contenham remissões para a legislação portuguesa, desde que não ponham em causa a soberania da República Popular da China e não violem o disposto na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, podem transitoriamente, antes da sua alteração pela Região Administrativa Especial de Macau, continuar a ser aplicadas na Região Administrativa Especial de Macau" - ponderando e acautelando situações como a presente, ao estabelecer expressamente a possibilidade de todas as normas legais emanadas de órgãos legislativos portugueses, para as quais o ordenamento jurídico desta Região Administrativa Especial remete, serem transitoriamente mantidas em vigor na RAEM, desde que não contendam com o exercício da soberania sobre Macau por parte da República Popular da China e não infrinjam a Lei Básica.
4 - Fazendo apelo à referida disposição normativa, entendemos que o CEF se encontra transitoriamente em vigor no ordenamento jurídico da RAEM, por força da remissão do art.142.°, n.°s 1 e 2 do CPA (resulta daqui que a execução de actos administrativos para pagamento de quantia certa é efectuada num serviço administrativo e mediante o processo de execução fiscal) e do art.29.o do DL n.° 30/99/M, de 7 de Maio ("À Repartição das Execuções Fiscais, compete a prática de todos os actos de execução fiscal que nào sejam da competência do tribunal, previstos no Código das Execuções Fiscais, aprovado pelo Decreto n.° 3XXX8, 12.12.1950"), ainda que com as necessárias adaptações e modificações.
5 - Somos, pois, de entender que as execuções fiscais devem respeitar e observar a disciplina normativa vertida no CEF - por força da al. 8) do n.° 1 do art.4° da Lei de Reunificação - ainda que com as necessárias adaptações.
6 - Pelo que, como se mantém a aplicação transitória do CEF, que é uma lei especial, enquanto não vier legislação que aprove um novo Código de Processo Tributário ou altere a situação existente, é o próprio CEF que proporciona solução à questão da prescrição por dívida à Fazenda Pública.
7 - Preceitua o art. 251.° do CEF que o prazo de prescrição por dívida de contribuições e mais rendimentos à Fazenda Pública é de 20 anos, começando o prazo a correr desde a autuação do processo executivo.
8 - No caso em apreço, os processos executivos n.° R/2000-05-900057, n.°R2001-05-000112 e R/2002-05-000071 foram autuados em 5 de Janeiro de 2001, 9 de Fevereiro de 2001, 1 de Fevereiro de 2002 e o executado efectivamente citado em 25 de Outubro de 2016, pelo que, aplicando o regime previsto no CEF, as dívidas exequendas só prescrevem em 5 de Janeiro de 2021, 9 de Fevereiro de 2021 e 1 de Fevereiro de 2022 respectivamente.
     Pede que seja confirmada a sentença.
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    O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o seguinte douto parecer (fls. 100 a 101) :
    A, executado nos processos de execução fiscal n.ºs R/2000-05-900057 e apensos, que correm termos pela Repartição das Execuções Fiscais, deduziu oposição a tais execuções, vindo esta a ser julgada parcialmente procedente por sentença de 20 de Fevereiro de 2017, do Tribunal Administrativo.
    Recorre agora de tal sentença, equacionando a questão de saber se as regras da prescrição previstas no Código das Execuções Fiscais aprovado pelo Decreto n.º 3XXX8, de 12 de Dezembro de 1950, do Ministério das Colónias, se encontram em vigor, como foi considerado na sentença recorrida, ou se, contrariamente, e como ele sustenta, foram revogadas e substituídas pelo instituto da prescrição com assento no Código Civil aprovado pelo DL n.º 39/99/M, cujo artigo 3.°, n.º 3, alínea f), revoga todas as disposições legais que contrariem o disposto no novo Código.
    Não creio que assista razão ao recorrente.
    O argumento da existência de um instituto da prescrição no Código Civil de 1999 é irrelevante. Já anteriormente existia idêntico instituto no Código Civil português até então vigente em Macau e, apesar disso, não se questionava a utilidade e a necessidade de coexistência de um instituto em matéria de prescrição no domínio do direito tributário. O carácter público do direito tributário justifica a existência de um regime diverso daquele que foi gizado para disciplinar as relações jusprivatísticas. Sendo diverso o campo de aplicação das normas de prescrição do Código Civil e das normas de prescrição do direito tributário, toma-se claro que não se verifica a incompatibilidade pressuposta no artigo 3.º, n.º 3, alínea f), do DL n.º 39/99/M, que poderia justificar a revogação. De resto, como lei geral que é, não pode o Código Civil revogar a lei especial constituída pelo Código das Execuções Fiscais, a menos que essa tivesse sido a vontade inequívoca do legislador - artigo 6.º, n.º 3, do Código Civil -, intenção que não decorre do Código Civil e do diploma que o aprovou.
    E também não se vislumbra que a aplicação do Código das Execuções Fiscais aprovado pelo Decreto n.º 3XXX8 e, em particular, do regime de prescrição nele previsto, possa conflituar com a Lei de Reunificação.
    Como a Exm.ª colega explicou com clareza, no seu douto parecer de fls. 51 e seguintes, é a própria Lei de Reunificação que, através do seu artigo 4.º, n.º 1, alínea 8), e mediante remissão das normas que cita, salvaguarda a possibilidade de aplicação transitória do Código das Execuções Fiscais. Dessa aplicação não resulta posta em causa a soberania da República Popular da China nem resulta violada disposição da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, não sendo perceptível o argumentário do recorrente no sentido de explicar de que forma a sentença recorrida incorreu em violação da norma do artigo 4.º, n.º 1, alínea 8), da lei de Reunificação.
    Improcedem os fundamentos da alegação do recorrente e nenhum reparo merece a decisão recorrida, que deve ser integralmente mantida, pelo que será de negar provimento ao recurso.
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    Foram colhidos os vistos legais.
    Cumpre decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS
Como o presente recurso jurisdicional tem por objecto a sentença do Tribunal Administrativo, importa alinhar, antes de mais, os factos que o Tribunal “a quo” considera provados (por confissão das partes e dos documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo apenso), que são os seguintes:
1.º - Em 16/08/2000, foi emitida pela entidade exequente a notificação da fixação de rendimento para efeitos do imposto profissional referente ao ano de 1999 (cfr. fls. 25 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcritos).
2.º - Em 28/08/2000, foi o executado notificado sobre o pagamento da quantia de MOP22.708,00, resultante da diferença da liquidação do imposto profissional para o ano de 1998 (cfr. fls. 24 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcritos).
3.º - Em 08/09/2000, foi o executado notificado sobre o pagamento da quantia de MOP34.610,00, resultante da liquidação do imposto profissional para o ano de 1999 (cfr. fls. 26 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcritos).
4.º - Em 06/11/2000, foi emitida pela Recebedoria da Repartição da D.S.F. a certidão de relaxe n.º 2000-05-900057, na quantia de MOP22.708,00, relativa à dívida proveniente do Imposto Profissional do Grupo 2 do executado para o ano de 1998 e os autos de execução foram autuados em 05/01/2001 (cfr. fls. 1 a 2 do processo n.º R/2000-05-900057, cujo teor aqui se dá por integralmente transcritos).
5.º - Em 04/01/2001, foi emitida pela Recebedoria da Repartição da D.S.F. a certidão de relaxe n.º 2001-05-000112, na quantia de MOP34.610,00, relativa à dívida proveniente do Imposto Profissional do Grupo 2 do executado para o ano de 1999 e os autos de execução foram autuados em 09/02/2001 (cfr. fls. 1 a 2 do processo n.º R/2001-05-000112, cujo teor aqui se dá por integralmente transcritos).
6.º - Em 31/08/2001, foi emitida pela entidade exequente a notificação da fixação de rendimento para efeitos do imposto profissional referente ao ano de 2000 (cfr. fls. 27 dos autos, cujo teor aqui se dão por integralmente transcritos).
7.º - Em 10/09/2001, foi o executado notificado sobre o pagamento da quantia de MOP28.709,00, resultante da liquidação do imposto profissional para o ano de 2000 (cfr. fls. 28 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcritos).
8.º - Em 03/01/2002, foi emitida pela Recebedoria da Repartição da D.S.F. a certidão de relaxe n.º 2002-05-000071, na quantia de MOP28.709,00, relativa à dívida proveniente do Imposto Profissional do Grupo 2 do executado para o ano de 2000 e os autos foram autuados em 01/02/2002 (cfr. fls. 1 a 2 do processo n.º R/2002-05-000071, cujo teor aqui se dá por integralmente transcritos).
9.º - Em 25/10/2016, foi o executado citado para pagar a quantia no valor de MOP86.027,00, a que acresce selo de verba, juros de mora à taxa de 1% por mês, 3% de dívidas e receitas do cofre, quantia que se reporta aos autos de processo n.º R/2000-05-900057 e apensos (cfr. fls. 17 do processo n.º R/2000-05-900057).
10.º - Em 04/11/2016, o executado apresentou, via, telecópia, o requerimento de oposição à execução junto do Tribunal Administrativo (cfr. fls. 2 dos autos).
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IV - FUNDAMENTOS
    A resolução do presente recurso passa pela análise e resolução das seguintes questões :
1) – O Código das Execuções Fiscais (CEF), de 12 de Dezembro de 1950, aprovado pelo Decreto n.º 3XXX8, publicado em 6 de Janeiro de 1951, continua em vigor ou não após o estabelecimento da RAEM?
2) – Se a resposta dada à questão acima suscitada for positiva, o instituto de prescrição das dívidas fiscais é o constante do CEF? Ou será o constante do CC de Macau? Ou seja, tal prazo é de 20 anos (CEF)? Ou 15 anos (CC de Macau)?
3) - As dívidas dos 3% de dívidas e das receitas do cofre não são também exigíveis por prescrição das quantias exequendas.
Vamos ver a primeira questão.
A este propósito, Importa realçar as seguintes ideias:
1) - Ora, o CEF é um diploma produzido em 1950, depois estendida às províncias ultramarinas de Portugal de então, portanto, tendo mais de 60 anos de “história”, que hoje obviamente já revelou as suas notas lacunosas em vários aspectos.
2) – Depois de a soberania sobre Macau voltar a ser exercida pela República Popular da China e com o estabelecimento da RAEM, mesmo até hoje, 2018, ainda não se produziu nenhum diploma legal que estatui um regime jurídico específico da execução fiscal, matéria regulada no CEF.
3) – Para quem defende a ideia de que, na RAEM, continua a vigorar o CEF, invoca normalmente os seguintes argumentos:
a) – A Lei de Reunificação autoriza a possibilidade de invocar as normas constantes de legislação portuguesa anteriormente vigentes em Macau. Pois, o artigo 4º/1-8) da Lei de Reunificação, aprovada pela Lei n.º 1/1999, de 20 de Dezembro, estipula “As normas legais que contenham remissões para legislação portuguesa, desde que não ponham em causa a soberania da República Popular da China e não violem o disposto na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, podem, transitoriamente, antes da sua alteração pela Região Administrativa Especial de Macau, continuar a ser aplicadas na Região Administrativa Especial de Macau.”
b) – A própria legislação de Macau, produzida pelos órgãos competentes de Macau de então, que faz remissões para normas da legislação portuguesa, cuja vigência foi extensiva a Macau em conformidade com os procedimentos legalmente exigidos, o que significa uma “recepção” sui generis dessas mesmas normas portuguesa, por esta via é possível invocar tais normas enquanto elas não sejam incompatíveis com ao artigo 4º da Lei de Reunificação acima citado. Assim, o artigo 29º do Decreto-Lei n.º 30/99/M, de 5 de Julho, reza:
    “À Repartição das Execuções Fiscais compete a prática de todos os actos de execução fiscal, que não sejam da competência do tribunal, previstos no Código das Execuções Fiscais, aprovado pelo Decreto n.º 3XXX8, de 12 de Dezembro de 1950.”
c) - Por força das disposições acima transcritas, tendo em conta que o CEF é um diploma essencialmente adjectivo, em princípio, as soluções nele consagradas não põem em causa a soberania da República Popular da China, nem violam o disposto na Lei Básica da RAEM, admite-se que o CEF pode, transitoriamente, continuar a ser vigorar na RAEM.
Este entendimento vem acolhido na jurisprudência1 da TSI.
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    4) – Porém, não faltam vozes que dizem o contrário, entendendo que o CEF não pode continuar a vigorar após a criação da RAEM, por ser incompatível com o estatuto jurídico-político da RAEM, para além de colidir com vários diplomas vigentes em Macau. A título exemplificativo:
- Como se aplica o artigo 269º do CEF? Ele permite a comparticipação nas receitas fiscais por percentagem por parte de funcionários da execução fiscal, incluindo juízes?
- As multas fixadas pelo CEF, na maioria das situações caricatas, ex. artigo 321º do CEF, como se cumpre? $200, que moeda se refere hoje em dia?
5) - Para quem entende que o CEF deixa de continuar a vigorar em Macau invoca normalmente os seguintes argumentos:
a) - Por se tratar de um diploma disciplinador da execução fiscal, matéria situada no domínio de soberania, em princípio, não se deve aceitar normas jurídicas produzidas por uma entidade estrangeira, salvo tal decorre de convenções internacionais ou acordos bilaterais.
b) - É um diploma produzido para as províncias ultramarinas de Portugal de então, o que é incompatível com o estatuto político-jurídico actual da RAEM.
c) – É um diploma que disciplina o exercício do poder coercivo por parte de autoridade tributária em matéria de execução fiscal, o que marca o carácter publicístico do diploma e o exercício da soberania fiscal, matéria esta que deve ser “reservada” para os órgãos competentes de cada um dos ordenamentos jurídicos.
d) – É um diploma lacunoso, no sentido de as soluções nele consagradas não terem, senão em seu todo, pelo menos na sua maioria, virtualidade de serem aplicadas, por estarem manifestamente desactualizadas.
    Quid Juris?
Ora, parece ser do entendimento maioritário deste TSI que as normas jurídicas constantes do CEF continuam a vigorar na RAEM, mas se tais normas podem ser aplicadas a casos concretos ou não já dependem a sua conformidade com os critérios fixados pela citada Lei de Reunificação, ou seja, tais normas estão sujeitas à “filtração” operada com o recurso aos seguintes princípios:
- Princípio da não ofensa à soberania da RPC;
- Princípio da não violação da Lei Básica da RAEM;
- Princípio da não violação das normas legais produzidas pelos órgãos competentes próprios de Macau.
Nestes termos, admite-se que as normas do CEF podem continuar a vigorar na RAEM, TRANSITORIAMENTE, desde que não sejam incompatíveis com os princípios acima citados.
Obviamente aqui é pertinente fazer distinção entre dois conceitos: vigência de um diploma e aplicação de preceitos dele. Quem interpreta uma norma, interpreta todo o sistema, quem aplica norma, aplica todo o sistema. Dogma jurídico comummente aceite.
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    Passemos a ver a 2ª questão.
    Em matéria de prescrição, o CEF fixa um prazo de 20 anos, enquanto o CC de Macau, no seu artigo 302º, estatui um prazo de 15 anos.
Qual é que se aplica ao caso dos autos?
Prevê no artigo 251º do CEF:
“Salvas as prescrições especiais de curto prazo, é de vinte anos, sem distinção de boa ou má fé, a prescrição por dívida de contribuições e mais rendimentos à Fazenda Nacional, exceptuado o imposto sobre as sucessões e doações e sisa, em que o prazo será de trinta anos, começando o prazo a correr desde a autuação do processo executivo.
§ 1.º Esta prescrição interrompe-se se o devedor empregar no processo executivo qualquer meio que o juiz declare, por despacho, impertinente ou dilatório.
§ 2.º Correndo o processo à revelia até terminar o prazo da prescrição, poderá esta ser julgada oficiosamente a favor do devedor.
§ 3.º Embora não haja processos instaurados, o competente juízo fiscal conhecerá ca officio da prescrição relativamente a todas as contribuições vencidas nos anos após os quais hajam decorrido trinta anos.”
Nos autos, não se encontram dados susceptíveis de conduzir à interrupção ou suspensão do referido prazo de prescrição, mas fica provado que, por dívidas de Imposto Profissional Grupo 2 dos anos de 1998 a 2000, os três processos de execução foram autuado em 05/01/2001, 09/02/2001 e 01/02/2002, respectivamente, e o executado foi efectivamente citado em 25/10/2016.
Pelo que, é improcedente o argumento da prescrição das dívidas exequendas provenientes do Imposto Profissional Grupo II referente aos anos de 1998, 1999 e 2000, por o prazo de 20 anos, cuja contagem se iniciou à data da autuação dos autos de execução, ainda estar a decorrer e não se esgotou em data e que o executado foi citado.
Quanto à questão da aplicação do regime geral da prescrição previsto no artigo 302º do CC, por os autos terem sido autuados depois da entrada em vigor do mesmo Código, anota-se que o prazo ordinário da prescrição previsto no art.º 309.º do Código Civil Português, aprovado pelo DL nº 47344, de 25 de Novembro de 1966 (e tornado extensivo a Macau pela Portaria n.º 22869, de 4 de Setembro de 1967), vigente no território de Macau antes de 1 de Outubro de 1999, é igual ao previsto no artigo 251º do CEF, sendo ambos de 20 anos.
Desse modo, em face do encurtamento do prazo da prescrição para 15 anos introduzido pelo artigo 302º do CC vigente, parece-se que o prazo ordinário previsto no artigo 251º do CEF é menos favorável para o executado. Porém, é de salientar que, quer no art.º 302º do CC, quer no artigo 309º do Código Civil Português anteriormente vigente, o prazo da prescrição previsto é do regime geral, não podemos comparar com o regime especial da prescrição estipulado no CEF, isso significa que a revisão da lei geral não afecta ou revoga2 a lei especial.
Ora, como está em causa um prazo, matéria que, em princípio, não ofende a soberania da República Popular da China nem viola algum preceito da Lei Básica, e como tal o instituto de prescrição do CEF pode, transitoriamente, continuar a vigorar e pode ser invocado no processo de execução fiscal, enquanto norma constante de um diploma de carácter especial.
Pelo que, faltam razões fundadas para o executado pretender a aplicação do prazo ordinário da prescrição de 15 anos, previsto no artigo 302º do Código Civil vigente.
Nesta conformidade, improcede-se o argumento da oposição do executado relativa à prescrição das dívidas exequendas decorrentes da liquidação do imposto profissional para os anos de 1998, 1999 e 2000.
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Quanto aos juros e ao selo de verba, escreve-se na sentença recorrida:
“O executado invoca ainda o argumento da prescrição de outras verbas constantes das certidões de relaxe, designadamente, o selo de verba, os 3% de dívidas e receitas do cofre, e os juros de mora, cujo prazo sendo de 15 anos e 5 anos, respectivamente, por força dos artigos 302º e 303º, alínea c) do CC.
Do selo de verba
Segundo o art.º 33.º da Tabela anexado ao《Regulamento do Imposto do Selo》, aprovado pela Lei n.º 17/88/M, de 27 de Junho, o referido selo é tributado sobre os processos forenses judiciais, fiscais e administrativos, por cada folha de processo.
Rezam os artigos 41.º a 43.º do《Regulamento do Imposto do Selo》:
“Artigo 41.º
A importância do imposto, que for devida nos termos do artigo 33 da Tabela, é contada e entra em regra de custas, salvo quando se trate de pessoas ou entidades a quem seja por lei concedida isenção do imposto do selo ou que beneficiem de isenção de custas, designadamente por efeito da concessão de assistência judiciária.
Artigo 42.º
1. O selo dos processos é pago depois de recebidas em juízo as importâncias das custas segundo o termo lavrado no processo.
2. Quando as custas dos processos sejam recebidas em prestações, o imposto do selo devido é liquidado na sua totalidade com a primeira prestação, e entregue na recebedoria nos termos preceituados neste artigo.
3. Mantém-se a forma prescrita no Código das Execuções Fiscais para o pagamento do selo dos respectivos processos, procedendo-se de forma idêntica à prevista no número anterior quando se cobre somente parte da dívida exequenda.
4. O selo referido no n.º 1 deste artigo é entregue, até ao dia 10 de cada mês, em relação à cobrança efectuada no mês anterior, por meio de guia.
Artigo 43.º
Nas contas dos processos, o secretário judicial liquida sempre a importância do selo a pagar por meio de verba, incluindo o das guias com que o imposto tem de ser arrecadado.”
In casu, o executado foi citado para liquidar as dívidas exequendas bem como o selo devidamente calculado no âmbito dos autos de execução em causa, por força das disposições acima citadas, cuja cobrança se segue os termos devidamente previstos nos art.º 263.º e seguintes do C.E.F., neles se referem:
“Art. 263.º Enquanto não estiver paga a importância da dívida exequenda não poderá ser efectuado o pagamento de quaisquer importâncias de custas liquidadas na execução, quer no juízo fiscal, quer no tribunal da comarca, excepto as das arrematações e almoedas.
Art. 287.º Os selos dos processos de execução fiscal serão pagos a final, excepto se por conta da dívida exequenda forem cobradas quaisquer importâncias, porque neste caso serão pagos nos termos do artigo 214.º
§ único. O disposto neste artigo não abrange os selos de quaisquer documentos que forem apresentados para serem juntos aos processos, nem os selos e o papel dos termos de fiança e precatórios para levantamento de depósitos que hajam de restituir-se, os quais serão fornecidos pelas partes.”
Pelo que, não se assiste razão ao executado para invocar a prescrição do selo de verba cobrado como custas dos presentes autos de execução e deve improceder o presente argumento de oposição.
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Dos 3% de dívidas e das receitas do cofre
Relativa aos 3% de dívidas e receitas do cofre, regulam-se nos artigos 23.º e 307.º do C.E.F. o seguinte:
“Art. 23.º São receitas do cofre dos juízos:
1.º Uma taxa fixa a cobrar em cada processo, conforme o seu valor, e que será:
Até 499$99 .................... 5$00
De 500$ a 999$99 .......... 10$00
De 1.000$ a 1.999$99.... 15$00
De 2.000$ a 5.000$ ...... 20$00
De valor superior ........... 30$00

2.º Uma percentagem de 1 por cento sobre a quantia exequenda;
3.º As importâncias a que se referem os artigos 253.º, 289.º e 313.º e seu § 2.º
Art. 307.º Com a importância dos impostos e mais rendimentos devidos ao Estado será cobrada uma taxa, de 3 por cento, sobre o valor do respectivo conhecimento, se a cobrança se fizer depois de encerrado o prazo para pagamento à boca do cofre.”
E estipula o art.º 49.º do《Regulamento do Imposto Profissional, aprovada pela Lei n.º 2/78/M, de 25 de Fevereiro, que:
  “Artigo 49.º
(Cobrança coerciva)
Decorridos sessenta dias sobre o termo do prazo da cobrança à boca do cofre, sem que o contribuinte tenha efectuado o pagamento do imposto liquidado, dos juros de mora e 3% de dívidas, proceder-se-á ao relaxe, sem prejuízo do disposto no artigo 64.º ”
Conforme as normas citadas, não se deixa dúvida quanto à aplicação do prazo de prescrição previsto no art.º 251.º do C.E.F., sendo estas importâncias determinadas segundo as regras de taxa previamente definidas e cobradas ao favor da Fazenda Pública, à emissão da relaxe para cobrança coerciva e à autuação dos respectivos autos de execução. Pelos mesmos fundamentos que supra se desenvolve para sustentar a não aplicação da prescrição prevista no art.º 302.º do C.C., decide-se improceder o presente argumento da oposição.
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Dos juros de mora
Reza o art.º 252.º do C.E.F. o seguinte:
“Art. 252.º Prescrevem pelo lapso de cinco anos:
1.º Os foros devidos por concessões de terrenos do Estado;
2.º As rendas de prédios rústicos e urbanos devidas ao Estado;
3.º As rendas devidas pelo aluguer de quaisquer bens móveis do Estado;
4.º Os juros de mora;
5.º A taxa militar.
O prazo para a prescrição regulada neste artigo contar-se-á nos termos do artigo anterior, salvo quanto aos juros, em que o respectivo prazo será contado a partir da data em que se vencerem.”
Pela mesma razão atrás referida, mantém-se o entendimento da aplicação desta disposição da lei especial do prazo de 5 anos, em vez do regime geral consagrado no art.º 303.º, alínea c) do C.C., em conjugação com o art.º 3.º do Decreto Provincial n.º 33/74, de 28 de Dezembro, nele se diz:
“Art. 3.º - 1. Os juros de mora devidos nos termos dos códigos e regulamentos tributários em vigor serão calculados à taxa de 1 por cento ao mês.
2. Os juros vencem-se no dia 1 de cada mês, contando-se por inteiro o mês em que se efectuar a cobrança.
3. Não são exigíveis juros de mora vencidos há mais de 5 anos, nem juros de juros, mesmo vencidos.
4. Na liquidação dos juros de mora, a respectiva quantia será arredondada para a dezena de avos imediatamente superior.”
No caso vertente, o executado foi notificado sobre o pagamento resultante da liquidação do imposto profissional referente aos anos de 1998, 1999 e 2000 em 28/08/2000, 08/09/2000 e 10/09/2001, respectivamente.
Preceituam os art.ºs 45.º e 49.º do《Regulamento do Imposto Profissional》:
“Artigo 45.º
(Cobrança virtual)
1. Nos casos previstos nos artigos 39.º e 40.º, o contribuinte é notificado através de aviso sob registo postal para, no prazo de quinze dias, pagar o imposto ou satisfazer a diferença.
… … …
Artigo 49.º
(Cobrança coerciva)
Decorridos sessenta dias sobre o termo do prazo da cobrança à boca do cofre, sem que o contribuinte tenha efectuado o pagamento do imposto liquidado, dos juros de mora e 3% de dívidas, proceder-se-á ao relaxe, sem prejuízo do disposto no artigo 64.º ”
Daí, findo o prazo do pagamento voluntário da dívida principal, começam a vencer-se os juros de mora e continuam a vencer-se, o que não exclui a possibilidade de que uns juros de mora prescrevam pelo decurso do referido prazo de cinco anos e se tornem inexequíveis. Desde já, o executado ainda tem de assumir os juros de mora vencidos no período de 5 anos antes do pagamento integral da dívida principal, nos termos dos artigos 252.º, n.º 4 do C.E.F. e 3.º, n.º 3 do Decreto Provincial n.º 33/74, de 28 de Dezembro.
Pelos expostos, procede-se o presente argumento de oposição da falta de exigibilidade dos juros de mora vencidos no período de 5 anos antes do pagamento integral da dívida principal pela verificada prescrição.

* * *
    Pelo exposto, acompanhamos de perto estes argumentos expendidos na decisão proferida pelo Tribunal a quo, ao disposto no artigo 631º/5 do CPC, ex vi do artigo 7º do diploma preambular do CEF, consequentemente é de manter a decisão recorrida.
    Tudo visto, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão recorrida do Tribunal Administrativo.
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    Custas pelo recorrente, que se fixa em 8 UCs.
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    Notifique e Registe.
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RAEM, 18 de Janeiro de 2018.
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Fong Man Chong Joaquim Teixeira de Sousa
_________________________ (Fui presente)
Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho

1 Cfr. acórdãos do Tribunal de Segunda Instância dos processos n.º 1153/A, 01/02/2001, e n.º 94/2003, de 04/12/2003.

2 Nos termos do no. 3 do art. 6.º do Código Civil, “A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.”
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2017-576-oposição-execução-fiscal-prescrição 27