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Processo nº 845/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 14 de Dezembro de 2017

ASSUNTO:
- Nulidade da sentença
- Insuficiência da matéria de facto
- Impugnação da decisão da matéria de facto
- Princípio da livre apreciação da prova

SUMÁRIO:
- A insuficiência da matéria de facto não constitui nulidade da sentença, implicando simplesmente a ampliação de julgamento, e só existe quando as partes alegaram factos que o tribunal não investigou, o que não ocorre nos casos em que não se provaram os factos necessários.
- Segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.° do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
- A justificar tal princípio e aquilo que permite a existência do mesmo, temos que o Tribunal a quo beneficia não só do seu prudente juízo e experiência, como da mais-valia de um contacto directo com a prova, nomeadamente, a prova testemunhal, o qual se traduz no princípio da imediação e da oralidade.
- Só se altera a decisão da matéria do Tribunal a quo quando foram detectados erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório, no processo de formação da convicção do julgador.
O Relator
Ho Wai Neng






















Processo nº 845/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 14 de Dezembro de 2017
Recorrente: A (Ré)
Recorrido: B (representada pela sua curadora C) (Autor)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 27/02/2017, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré, A, a pagar ao Autor B (representada pela sua curadora C), a quantia de MOP$3.864.743,02, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar da data de sentença.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo a fls. 326 e segs. dos presentes autos, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ora Recorrente a pagar ao Recorrido B, representado pela sua curadora Ng, Iok Fan, a quantia de MOP$3.864.743,02, sendo MOP$546.756,50 a título de danos patrimoniais, MOP$2.500.000,00 a título de danos não patrimoniais e MOP$1.500.000,00 a título de danos por incapacidade de ganho, acrescidos de juros de mora a taxa legal a contar da data da sentença que fixa o quantum indemnizatório.
2. Mas a Recorrente não se conforma com a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos quesitos 2 e 3, bem como sobre os quesitos 37, 38 e 39 da Base Instrutória, porquanto da prova produzida em julgamento nunca poderiam os referidos quesitos terem tido a resposta que foi dada, pelo que a matéria fáctica foi, salvo o devido respeito, e que é muito, pelo Digno Tribunal a quo, incorrectamente julgada, bem como no plano do Direito aplicável ao caso concreto a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento estando em crer que a decisão assim proferida padece dos seguintes vícios: erro de julgamento da matéria de facto e na aplicação do Direito e nulidade nos termos do disposto no artigo 571°, nº 1, alínea d) do CPC.
3. Foi a seguinte a factualidade tida por assente e provada.
“Da Matéria de Facto Assente:
- 在事故當日,第二被告所駕駛之員工巴士已在本案所針對之第一被告購買了民事責任保險,其保單編號為XXXX,保單的最大賠償限額MOP$20,000,000.00。(alínea A) dos factos assentes)
Da Base Instrutória:
- 2012年7月11日下午約6時,第二被告正駕著監獄員工巴士MC-XX-XX沿氹仔蓮花海濱大馬路右邊行車道行駛,方向由西堤圓形地往奧林匹克游泳館圓形地。(resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- 此時,原告也駕著編號MI-XX-XX的重型電單車沿氹仔蓮花海濱大馬路行駛,方向由西堤圓形地往奧林匹克游泳館圓形地。(resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- 當駛近至近皇庭海景酒店行車通道出入口對出時,第二被告駕著的監獄員工巴士與原告駕駛的重型電單車發生碰撞。(resposta ao quesito 3º da base instrutória)
4. 上述碰撞導致原告身體受傷、昏迷不醒,並於意外後立即被送往仁伯爵醫院救治。(resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- 經醫院初步檢查,原告受傷狀況:一般情況差,精神混亂,右顳區頭皮血腫,右耳廓嚴重傷80%至耳垂,左耳廓挫裂傷1cm大小,右肩區擦傷5x5cm2,右鎖骨區1x1cm2,右膝3x3cm2,右踝區1x2cm2,右肘區3x5cm2,下頜骨折,活動及出血。(resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- 經進行緊急電腦斷層掃瞄顯示,原告右額顳頂硬膜下伴腦內血腫及腦挫裂傷、右顳硬膜外小血膜、蛛網膜下腔出血、氣顱、右側顳頂骨、蝶竇、左側篩竇、右側翼突、顴弓、下頜骨、左側乳突及右側鎖骨骨折、右肺葉挫傷等。(resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- 除上述損傷外,原告軀幹、四肢、面部、左耳等亦出現不同程度的軟組織挫傷等。(resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- 隨後,原告被施行緊急開顱術取左側顳、頂、額葉硬膜下血腫及腦脞裂傷清除術及去骨瓣減壓術。(resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- 此後,並由整型外科進行右耳撕裂縫合術。(resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- 術後原告一直處於昏迷狀態,其昏迷指數為10分。(resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- 其後,原告併發左額顳頂硬膜外膿腫,並於2012年10月12日進行硬膜外膿腫清除術。(resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- 原告於2012年11月13日經衛生局轉介予鏡湖醫院接受高壓氧倉、中醫針炙、床邊物理治療。(resposta ao quesito 12º da base instrutória)
5. 原告因無法進食,一直留置鼻胃管以提供營養,減少更換管路及長期放置鼻胃管造成之鼻腔損傷、出血、不適。(resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- 鏡湖醫院於2012年11月24日須為其進行胃造瘻管,以方便餵食並改善營養。(resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- 原告於鏡湖接受治療直至2013年2月28日,並於2013年2月28日再次轉入仁伯爵醫院接受藥物治療。(resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- 原告於2013年3月15日至2013年5月20日轉往工聯康復中心治療,其後回家休養。(resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- O autor continuou a ser transportado pelos seus familiares ao Centro Hospitalar Conde S. Januário e ao Hospital Kiang Wu para continuar a receber tratamento. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- 原告因交通意外做成左耳受傷,左耳廓疤疙瘩形成腫物(5x3cm),於2014年8月20日至29日於鏡湖醫院住院接受手術切除。(resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- O Autor foi submetido em Novembro de 2013 a uma cirurgia simples no Hospital Kiang Wu para substituir a sonda colocada por gastrostomia endoscópica percutânea. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- 由於原告長期卧床,容易因受感染而誘發肺炎。(resposta ao quesito 20º da base instrutória)
- Nos períodos compreendidos entre 21 a 26 de Janeiro de 2014, bem como, 16 e 25 de Março de 2015, o autor esteve internado no hospital para receber tratamento. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
6. 原告因是次交通意外,造成混合性失語、右側完全性偏癱,左下肢完全性癱瘓,已失去工作能力。(resposta ao quesito 22º da base instrutória)
- 原告駕駛的MI-XX-XX之重型摩托車之損毁如下:
1. 右前把手膠、右前指揮燈、把手前膠殼及死氣喉外殼毁爛;
2. 前輪冚、右前制動把手、右前倒後鏡、右前沙板、右前避震筒、右邊裙腳、右後車身及右腳踏花損;
3. 前儀錶格離位。(resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- 原告於2012年7月11日至2012年11月13日期間在仁伯爵醫院留院並接受手術治療之醫療費用為MOP$119,911.00。(resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- 原告於2012年11月13日至2013年2月28日期間在鏡湖醫院留院並接受手術治療之醫療費用為MOP$379,446.00。(resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- 原告於2013年2月28日至2013年3月15日期間再次轉入仁伯爵醫院留院並接受治療之醫療費用為MOP$5,196.00。(resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- Nos períodos compreendidos entre 21 e 26 de Janeiro de 2014, bem como, 16 e 25 de Março de 2015, o autor esteve internado no hospital para receber tratamento, sendo o valor da despesa médica de MOP$10.944,00 e MOP$4.712,00, respectivamente. (resposta ao quesito 27º da base instrutória)
- Em 18 de Dezembro de 2014, o Autor foi submetido a uma cirurgia simples no Hospital Kiang Wu, sendo o valor da despesa médica de MOP$3.225,00. (resposta ao quesito 28º da base instrutória)
- 原告出院後,按照醫囑,須一直接受持續、定期的治療及覆查,有關之醫療費用為MOP$60.00。(resposta ao quesito 29º da base instrutória)
- 原告初期到鏡湖醫院就診,須由十字車協助,十字車費用合共為MOP$890.00。(resposta ao quesito 30º da base instrutória)
7. O autor não consegue tratar das suas necessidades, nomeadamente urinar e defecar, razão por que, necessita, a longo prazo, de utilizar fraudas, sendo, até Abril de 2015, a respectiva despesa no valor de MOP$16.279,50. (resposta ao quesito 31º da base instrutória), dado não conseguir o autor alimentar-se e tendo sido, a longo prazo, alimentado através de sonda introduzida no estômago, carece de nutrientes, razão porque necessita de suplementos de proteínas para satisfazer as necessidades vitais, sendo, até Abril de 2015, a respectiva despesa no valor de MOP$5.803,00. (resposta ao quesito 32º da base instrutória)
- 交通意外以後,原告右邊肢體癱瘓、失語、陷入半昏迷,其身體不能活動,只能終日躺在床上,生活上所有事情包括進食、大小二便也無法自理,完全喪失自理能力,需要家人全日護理及照顧。(resposta ao quesito 33º da base instrutória)
- 原告也不認得家人,其家人無法和其交流,其也無法向家人表達。(resposta ao quesito 34º da base instrutória)
- 原告完全永久失去工作能力。(resposta ao quesito 35º da base instrutória)
- 交通意外的發生,令原告覺得無助、心靈痛苦。(resposta ao quesito 36º da base instrutória)”
8. Pela relevância que ocupa na leitura das seguintes alegações não pode deixar de se transcrever os fundamentos aduzidos pelo Douto Tribunal a quo na resposta a matéria de facto, o qual escreve que “Sobre a causa do embate, das testemunhas inquiridas sobre a matéria em causa nenhuma se apercebeu como é que ocorreu o embate entre o motociclo e o autocarro, a testemunha D apenas oculou a aproximação do motociclo junto do autocarro, mas não presenciou o embate entre o motociclo e o autocarro, menos a causa do mesmo. Assim, as provas produzidas são fracas e imprecisas no que diz respeito a causa do embate, o que não permitem afirmar que o embate foi provocado pela conduta negligente do motociclo nem do autocarro. Nestes termos, deram - se por provados os factos dos quesitos 1 a 3 e não provados os quesitos 38 e 39.”
9. Sendo que a própria sentença refere que «Conforme os factos assentes ficou provado que no dia 11 de Julho de 2012, pelas 18 horas, o 2° Réu conduzia o autocarro para transporte de trabalhadores do Estabelecimento prisional de Macau de matricula MC-XX-XX e circulava na Taipa na faixa de rodagem direita da Avenida Marginal Flor de Lotus, proveniente da Rotunda do Dique oeste em direcção a Rotunda da Piscina Olímpica. Enquanto o Autor conduzia o motociclo de matrícula MI XX XX circulava na mesma avenida proveniente da rotunda do Dique oeste e em direcção à rotunda da piscina olimpica. Ao aproximar se da entrada e saída do acesso de veículos da Pousada Marina Infante os dois veículos colidiram. Da factualidade provada resulta apenas que houve colisão entre os dois veículos intervenientes no acidente, mas não ficou provado por que a causa e que o originou, nem que fosse o veiculo conduzido pelo E que embateu no veiculo ou vice versa. Sem os factos circunstanciais do acidente não é possível imputar a causa do acidente a qualquer dos veículos, logo não e possível dizer se houve culpa nem do condutor do veículo MC-XX-XX nem do condutor MI-XX-XX.»
10. Ora, a Recorrente, com todo o respeito, discorda totalmente de tal conclusão do Douto Tribunal, pois o erro de julgamento resulta dos próprios elementos constantes dos autos, designadamente das declarações da testemunha acima mencionada pelo douto Tribunal na resposta à matéria de facto, ou seja, D, já que foi a testemunha que melhor descreveu toda a dinâmica do acidente e ainda dos documentos relativos a taxa de alcoolemia no sangue do Autor (fls 4 e 5) dos autos, os quais contradizem aquilo que o Digno Tribunal a quo entendeu dar como provado e não provado, sendo ainda contraditórios com o recurso às regras da experiência comum, como à frente se verá.
11. Nos presentes autos foi ouvida a testemunha D, que respondeu a perguntas sobre factos constantes nos quesitos 1 a 4 e cujo depoimento se encontra transcrito nas alegações e pode ser ouvido no CD ficheiro 19° desde o minuto 03:23 até 14:07 e ficheiro 20° desde o minuto 00:02 a 08:43 (TRANSCRIÇÃO - 17.1.12 CV3-15-0057-CAO#6) e do seu testemunho se retira que apesar de não ter visto o embate por não ter tido angulo de visão (Cfr. minuto 11:38 do ficheiro 19° do CD), viu claramente como se deu a aproximação da motorizada MI conduzida pelo recorrido ao autocarro Me, pois referiu a testemunha a perguntas da Digna Mandataria do Autor, que o autocarro circulava na faixa da direita e que viu perfeitamente a trajectória da motorizada a aproximar-se perigosamente do trajectória do autocarro (Cfr. Minuto 8:54 do ficheiro 19 no CD), e esta expressão é sintomática da percepção que a testemunha teve do perigo que representou a aproximação da motorizada ao autocarro, dando a ideia que o fez de forma temerária, tendo afirmado ainda que pensou que o motorista visse o autocarro e desviasse mas embateu (Cfr. Minuto 09:04 do ficheiro 19 CD) tendo-o repetido a instancias do Digno Tribunal (Cfr. minuto 8:11 a 8:32 ficheiro 20 do CD). Referindo ainda que a moto “estava a passar na segunda (faixa) vem gradualmente aproximando-se e eu pensei que ele visse o autocarro, mas entretanto há o embate.” (Cfr 19° ficheiro do CD minuto 10:44 a 11:14).
12. A testemunha apesar de não ter visto a fracção de segundos que representou o embate teve a percepção clara que foi a moto que embateu no autocarro e não o autocarro que embateu na moto tendo respondido mais á frente não só à questão colocada pela mandatária do autor (Cfr. ficheiro 19 CD 13:50) que a testemunha teve a percepção no momento do embate de que o autocarro seguia a fixa de rodagem normalmente, não flectiu para a segunda faixa, para a faixa do meio (Cfr. ficheiro 19, 14:04 a 14:07), como às questões colocadas pela mandatária da Ré. (Cfr ficheiro 20 no CD 03:09 a 4:55) e do próprio Tribunal (Cfr. ficheiro 20 no CD 07:49 a 08:43) tendo ainda dito a testemunha que o autocarro ia a seguir a rota da faixa do lado direito, extrema do lado direito e seguiu sempre essa rota, não se desviando e seguindo sempre a mesma direcção (Cfr. 19° ficheiro do CD, minuto 07:26 e 20° ficheiro do CD minuto 3:35).
13. E quando perguntado pela mandatária da Ré se foi a mota que embateu no autocarro e não o autocarro que embateu na moto (Cfr. 20° ficheiro do CD, minuto 04:44 a 04:55) a testemunha respondeu que essa conclusão teria que ser o Tribunal a tirar, mas quando a mandatária da Ré insistiu "mas é que é assim... " a testemunha interrompeu-a e completou o raciocínio feito afirmando ... "a lógica." querendo com isso dizer "é assim a lógica." (Cfr. 20° ficheiro do CD minuto 03:57 a 04:12) concluindo-se que a própria testemunha chegou á conclusão lógica de que dada a dinâmica do acidente foi a motorizada que embateu no autocarro e não o autocarro que embateu na motorizada, outra conclusão não poderia o Tribunal ter retirado senão que o acidente ocorreu porque a moto embateu no autocarro, dentro da faixa de rodagem onde seguia o autocarro, tendo por isso o Autor culpa na produção do mesmo sendo este é o raciocínio lógico não se podendo retirar outro.
14. Por isso, com todo o respeito, não pode aceitar-se que o Tribunal tenha alegado na sentença que não existem factos circunstanciais do acidente e que da factualidade provada resulte apenas que houve colisão entre os dois veículos intervenientes no acidente, não tendo ficado apurado o que é que o originou nem que fosse o autocarro que embateu no veiculo do Autor ou vice versa, considerando a Recorrente, sempre com todo o respeito, que andou mal o Tribunal a quo ao aplicar a responsabilidade pelo risco, isto porque é notório resultando da lógica e da experiencia comum que foi o Autor, ora Recorrido, quem deu causa ao acidente, teve culpa na produção do mesmo, sendo afastada automaticamente tal responsabilidade, neste sentido vai o Acórdão de 29/01/2014 do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal onde se lê: "O mero condutor do veículo, quando for simples condutor, sem haver culpa efectiva ou presumida, não é susceptível de ser responsabilizado pelo risco, nos termos do artigo 503º n° 1 do CC." (o qual corresponde ao n° 1 do artigo 496° do CC de Macau). pelo que deveria o Douto Tribunal a quo ter dado outra resposta aos quesitos 2 e 3 da Base Instrutória,
15. Isto é, o quesito 2 deveria ter tido a seguinte redacção: "Provado que naquele momento o Autor também estava a conduzir o motociclo MI-XX-XX pela Avenida Marginal Flor de Lótus da direcção da rotunda do Dique Oeste para a Rotunda da piscina Olímpica na faixa de rodagem do meio, pois a via no local apresenta 3 faixas de rodagem." Enquanto que o quesito 3 deveria ter tido a seguinte resposta: "Provado que perto da entrada e saída da via de circulação da Pousada Marina Infante Hotel o autocarro MC-XX-XX circulava na faixa de rodagem da direita e seguindo a mesma trajectória, e que o motociclo MI-XX-XX que seguia na faixa de rodagem do meio, aproximou-se gradualmente da faixa de rodagem da direita por onde o autocarro circulava e embateu no mesmo na parte da frente esquerda." considerando a Recorrente que tais respostas é que deveriam ter sido dadas pelo Tribunal pois os factos aí constantes resultam da discussão da causa e como tal são deveras relevantes para se determinar não só a forma como ocorreu o embate mas também para apurar a culpa na produção do acidente e devendo a ora Recorrente, ser absolvida do pedido e consequentemente do pagamento das indemnizações a que foi condenada.
16. E por seu lado, a Douta Sentença recorrida ao não dar a resposta aos quesitos 2 e 3 conforme acima indicado violou, salvo melhor entendimento, o n° 2 do artigo 5° do CPC, já que prescreve este artigo que: "O Juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes sem prejuízo do disposto nos artigos 434º e 568º e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e da discussão da causa." (Sublinhado nosso) e para Pais de Sousa e Cardona Ferreira, em Processo Civil, 1997, pag 31, "Os Factos instrumentais - isto é aqueles que clarificam ou esclarecem os essenciais que já constam da base Instrutória (in casu, os factos vertidos nos quesitos 1, 2 e 3) resultantes da instrução e da discussão da causa (in casu, prova testemunhal e resultado do seu depoimento) podem ser referidos na decisão sobre a matéria de facto sendo-lhe inaplicável a regra do n° 3 do artigo 264º do CPC (correspondente ao n03, do artigo 5° do CPC Macau) (Cfr. anotação nº 1 e 2 do artigo 664º do Código de Processo Civil Anotado, Abílio Neto, Edição de Setembro de 2004, pago 869) (N.B. Considerações que se encontram entre parênteses são nossas)
17. Considerando a ora Recorrente, sempre com todo o respeito, que a Douta sentença recorrida para além de enfermar de erro de julgamento da matéria de facto violou a aplicação do Direito e violou o disposto no n° 2 do artigo 5° do CPC, ao não considerar oficiosamente os factos instrumentais que resultaram da instrução e da discussão da causa, ou seja, o depoimento da testemunha Carlos Malva, sobre a forma como o acidente ocorreu, tendo sido ainda violado o disposto no artigo 496° do CC, pelo que após reapreciação da prova efectuada em juízo por parte desse Venerando Tribunal de Segunda Instancia deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o invocado vício de erro de julgamento devendo os quesitos 2 e 3 passar a ter a redacção acima sugerida e ser a Ré absolvida do pedido e do pagamento das indemnizações a que foi condenada.
18. Mas ainda que assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se concede, existirá aqui também nulidade da sentença por violação dos artigos 553°, n° 1 e 2 alínea f) e 571°, n° 1 alínea d) do CPC, pois tendo em conta a matéria que foi trazida a julgamento quanto ao modo como se produziu o acidente entende a Recorrente, sempre com todo o respeito, que face o depoimento das testemunhas deveria o Digno Tribunal a quo ter aditado à base instrutória dois novos quesitos, pois determinam os artigos 5° e 553°, n° 1 e 2 alínea f) do CPC que :"o Juiz que preside à audiência goza de todos os poderes necessários para (...) assegurar a justa decisão da causa." Bem como providenciar até ao encerramento da discussão pela ampliação da base Instrutória sendo que o n° 2 do artigo 5° dispõe que "O Juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 434º e 568º e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e da discussão da causa." (Sublinhado nosso).
19. Com interesse para esta causa está a opinião dos Mestres Pais de Sousa e Cardona Ferreira, em Processo Civil, 1997, pag. 31, quanto ao que resulta do artigo 264° do CPC (que equivale ao nosso artigo 5º do CPC de Macau, ou seja, ao principio do dispositivo): "Daqui resulta que à luz do princípio da boa decisão da causa, o Tribunal pode (leia-se: deve porque se o Tribunal pode utilizar-se de certos meios para bem julgar, não pode ignorá-los) basear-se em:
f) Factos alegados pelas partes;
g) Factos notórios;
h) Factos que o Tribunal tem conhecimento por virtude das suas funções;
i) Factos seguros de que o Autor e o Réu se serviram de processo para praticar um acto simulado ou para conseguir um fim proibidos por lei;
j) Factos instrumentais que resultam da instrução e discussão da causa. (Cfr. anotação n° 1 e 2 do artigo 664º do Código de Processo Civil Anotado, Abílio Neto, Edição de Setembro de 2004, pago 869) remetendo-se para os que já acima escrevemos sobre o que estes Mestres entendem por factos instrumentais
20. Mas mais se acrescente que no Acordão da Relação de Évora se determina que nos termos do artigo 650°, n° 2, alínea f) (o qual corresponde ao artigo 553º, n° 1 e 2 f) do CPC de Macau) o presidente do Tribunal Colectivo pode escolher o momento oportuno para formular quesitos novos, o que pode acontecer mesmo após a produção de prova (Ac.. RE, de 4/02/1982). (Cfr. anotação n° 6 ao artigo 650º do Código de Processo Civil Anotado, Abílio Neto, Edição de Setembro de 2004, pago 815) atribuindo a lei a possibilidade ao juiz de providenciar até ao encerramento da discussão pela ampliação da base instrutória, tendo em conta o princípio da boa decisão da causa.
21. Pelo que face a toda a prova produzida em julgamento deveria ter o Tribunal a quo ampliado a base instrutória e adicionado o quesito 3A e o quesito 3B com a seguinte redacção, respectivamente: Quesito 3A- No momento da colisão o veiculo seguro na Ré de matricula MC-XX-XX circulava na faixa de rodagem do direita seguindo a mesma trajectória ?
Quesito 3B - O Autor conduzia o seu motociclo MI-XX-XX na faixa do meio tendo-se aproximado gradualmente da faixa de rodagem da direita por onde circulava o veículo MC-XX-XX e acabando por embater neste? Uma vez que apenas durante a audiência de discussão e julgamento estes factos foram apurados e sendo de extrema relevância para assegurar a justa decisão da causa deveriam os mesmos ter sido adicionados à base instrutória, e desta forma teria o Digno Tribunal a quo dado cumprimento ao estipulado no n° 2 do artigo 5° e 553°, 1 e 2 alínea f) do CPC.
22. Pelo que entende a recorrente que pecou aqui o Digno Tribunal a quo por não ter assim procedido devendo, salvo Douta e melhor opinião, o Venerando Tribunal revogar a sentença proferida e ordenar que voltem os autos ao Tribunal de Primeira Instancia para que seja dado cumprimento ao estipulado no nº 2 do artigo 5° e 553°, 1 e 2 alínea f) do CPC e seguir os ulteriores termos, por estar a sentença ferida de nulidade nos termos do disposto no artigo 571°, n° 1 d) do CPC pois o Digno Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que deveriam ter sido apreciadas.
23. No entanto, e caso assim não seja entendido, parece existir também aqui nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 571º, n° 1 d) do CPC, uma vez que também não andou bem o Tribunal a quo quando deu como não provada a matéria constante nos quesitos 37, 38 e 39 da Base Instrutória e nem a sequer apreciou na sentença. Isto porque o Tribunal a quo fundamenta na resposta à matéria de facto que não deu como provado o facto do quesito 37 "por apesar de referencia da taxa de alcoolemia encontrada no Autor na participação elaborada pela PSP de fls 4 e 5, não foi encontrado nos autos qualquer relatório de exame cientifico que corrobora a realização do exame e do seu resultado, e sem essa prova, a mera menção da taxa é insuficiente para corroborar tal facto."
24. E ao não pronunciar-se na sentença sobre os quesitos 37, 38 e 39 da Base Instrutória, é também aqui a sentença nula uma vez que por força do artigo 571º n° 1, alínea d) o Tribunal absteve-se de se pronunciar sobre questões que deveria ter apreciado na sentença, nulidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais, devendo, salvo Douta e melhor opinião, o Venerando Tribunal revogar a sentença proferida e ordenar que voltem os autos ao Tribunal de Primeira Instancia para que seja dado cumprimento ao estipulado nas aludidas normas legais e seguir os ulteriores termos, a fim de o Digno Tribunal a quo se pronunciar sobre os quesitos 37, 38 e 39 da Base Instrutória.
25. Mas mesmo que assim não seja considerado o que só por mera cautela de patrocínio se admite, pensamos existir erro de julgamento da matéria de facto e erro na aplicação do direito relativamente aos quesitos 37°, 38° e 39°, isto porque a Recorrente não pode concordar com o fundamento apresentado pelo Tribunal a quo para não dar como provado o facto do quesito 37, pois sempre foi admitido pelos Tribunais de Macau que o auto da polícia e todos os elementos aí insertos fazem fé em juízo, primeiro porque são apurados por autoridade policial, e estamos a referirmo-nos não só à pesquisa de álcool, mas também quanto ao croqui (que implica a elaboração do desenho e medidas no local do acidente, estado do tempo, existência ou não de testemunhas, etc.) tendo sido assim em todos os processos judiciais que envolvam álcool dos condutores (a título de exemplo nos processos de acção de regresso por álcool, etc.) sendo que em audiência de discussão o polícia a instâncias da Digna Mandatária do Autor e da Mandatária da Ré confirmou que efectivamente a taxa de álcool de 0,15 g/litro no sangue do recorrido, que se encontra aposta na participação de acidente de viação foi obtida no hospital, (Cfr. Recorded on 12.Jan.2017 at 11.21.40 (2#9 – KW1W00711270 minutos 04:19 a 04:34 e 9:24).
26. O mesmo sucedendo com os factos vertidos nos quesitos 38 e 39, os quais foram dados como não provados pelo Digno Tribunal, pois à falta de outra causa para a produção do acidente, embora a Recorrente considere que existiu falta de destreza por parte do Recorrido na condução da sua motorizada, o facto de o Recorrido circular com uma taxa de alcoolemia de 0,15g/l no sangue, contribuiu para a ocorrência do mesmo, pois o Tribunal pode socorrer-se de presunções para estabelecer o nexo de causalidade, como aliás tal tem sido essa a orientação seguida pela Jurisprudência do STJ em Portugal, já que não é fácil a demonstração directa do nexo causal entre a condução sob influência do álcool e o resultado danoso provocado pelo acidente do condutor alcoolizado.
27. Ora, atendendo às regras de experiência comum é sabido que o álcool funciona como uma potente droga sedativa, actuando sobre o sistema nervoso central e que entre os sintomas de intoxicação alcoólica resultantes do efeito sobre o sistema nervoso central incluem-se a perda de equilíbrio, a descoordenação motora, a perda de acuidade visual, a instabilidade emocional, a perda da capacidade de avaliação e perda de tempo de reacção e as capacidades sensoriais, perceptivas e de coordenação motora ficam fortemente prejudicadas e o álcool até mesmo em pequenas quantidades prejudica a capacidade do condutor em vislumbrar situações perigosas e de tomar as decisões adequadas a evitá-las. As pessoas que se encontrem sob a sua influência estão mais propensas a sofrer acidentes que outras, pelo que face ao acima expandido, tendo em conta a forma como o acidente ocorreu tal como a testemunha Carlos Malva descreveu e cujo testemunho se encontra acima transcrito, afirmando que a moto se aproximou perigosamente do autocarro e que pensou que o motorista da moto abrandasse mas que acabou por embater, poderá presumir-se que efectivamente o álcool terá influído na produção do acidente, retirando concentração, reflexos e destreza ao Autor para este poder dominar a moto que conduzia e ainda para tomar atenção ao que se passava na estrada.
28. Mas mesmo que assim não seja considerado, os factos vertidos nos quesitos 38° e 39° encontram sustentação na prova produzida em audiência, designadamente no acima descrito testemunho da testemunha Carlos Manuela Lopes Malva - que aqui se dá como reproduzido - já que daí se extrai a falta de destreza, de reflexos e de atenção do Recorrido que levou à aproximação temerária do Recorrido ao autocarro, que seguia na sua faixa e na mesma direcção e, consequentemente, ao embate e consequente produção do acidente, pelo que salvo melhor e douta opinião, considera a Recorrente que também os factos constantes dos artigos 37°, 38° e 39° da base Instrutória deveriam ser dados como provados devendo deste modo a sentença ser substituída por outra que absolva a Recorrente do pedido e do pagamento das indemnizações a que foi condenada.
29. Mas ainda que improceda o recurso na parte respeitante à impugnação da decisão que dirimiu a matéria de facto, urge questionar se a repartição de responsabilidade e os quantitativos indemnizatórios foram correctamente atribuídos pelo Tribunal a quo existindo erro de julgamento quanto à repartição de responsabilidade e quanto aos quantitativos indemnizatórios fixados pelo Digno Tribunal a quo, sendo que quanto à repartição da responsabilidade, não concorda a Recorrente, sempre com todo o respeito, com a repartição que foi dada pelo Digno Tribunal a quo já que considerou este que seria adequada a repartição do risco de 15% para o motociclo MI-XX-XX e de 85% para o veículo pesado MC-XX-XX pois “... Considerando a potencia e a dimensão, peso e características estruturais dos dois veículos, o risco do veículo pesado como o MC-XX-XX tem maior probabilidade de provocar danos aos outros utentes como o Autor que conduzia um motociclo, naturalmente mais frágil para resistir ao embate de um automóvel.” Mas o Digno Tribunal não analisou com equidade os vários factos que foram determinados durante a audiência de discussão e que foram de extrema relevância para descrever de que forma o acidente ocorreu. Como referido acima, a testemunha Carlos Malva referiu com clareza e acuidade a forma como os factos ocorreram, sendo que foi a motorizada que de modo gradual se aproximou do autocarro (Cfr. ficheiro 19° do CD, minuto 10:44 a 11:14), o qual seguia na sua faixa de rodagem, mais à direita, sempre na mesma direcção sem inflectir para a segunda faixa (faixa do meio) (Cfr. Ficheiro 19 do CD, minuto 7:26 e ficheiro 20° do CD minuto 3:35, onde circulava a motorizada e referindo ainda, de forma espontânea, que viu a motorizada a aproximar-se perigosamente do autocarro (Cfr. ficheiro 19 do CD minuto 8:54), que pensou que o motorista da moto visse o autocarro e desviasse mas embateu (Cfr. Ficheiro 19 do CD, minuto 9:04), estando todo o depoimento no Ficheiro 19 do CD desde 03:23 a 14:07 e Ficheiro 20 no CD 00:02 até 08:43.
30. Mas mesmo que ainda se conceda - o que apenas se faz por mera hipótese académica - que a partir deste depoimento não é possível determinar a culpa do condutor da motorizada, ora Recorrido, sempre se diga que a partir da dinâmica do acidente aqui descrito se pode chegar a uma repartição de responsabilidade mais equitativa, e tal equidade é referenciada no Acordão do TUI proferido no processo n° 60/2012, no qual diz-se que: "Na determinação da contribuição do risco de cada um dos veículos para produção dos danos a regra que resulta da lei é no sentido de que a medida da contribuição de cada um dos veículos intervenientes deve ser encontrada em função da dinâmica do acidente, que se revela através dos factos provados nos autos. E só em caso de dúvida se deve aplicar o segmento normativo que a reparte igualmente. (...) e como é evidente, no apuramento dos concretos riscos de circulação pode e deve ter-se em conta tudo o que se tiver apurado sobre as concretas circunstâncias do acidente, mesmo que esses factos sejam insuficientes para fundar um juízo sobre a culpa dos respectivos condutores - mas podendo perfeitamente suceder que alguma ou algumas dessas circunstâncias concretas deva determinar um agravamento dos normais e típicos riscos de circulação de um dos veículos intervenientes."
31. Sendo que face ao expendido, e tendo em conta aquilo que foi apurado em discussão quanto à forma como ocorreu o acidente e sua dinâmica não podemos deixar de considerar que a existir repartição de responsabilidades esta deverá ser na proporção de 90% para o ora recorrido e 10% para o veículo seguro na ora Recorrente, padecendo a douta sentença recorrida nesta parte do vicio de erro de julgamento da matéria de facto e na aplicação do direito, tendo violado o disposto no artigo 499° do CPC, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que atribua uma repartição da responsabilidade pelo risco na proporção de 90% para o ora recorrido, condutor da motorizada MI-XX-XX e 10% para o veículo seguro na ora Recorrente, o veiculo pesado MC-XX-XX, ou se ainda existirem dúvidas, então no limite, deverá ser aplicada a repartição igualitária, ou seja 50% para cada um dos veículos intervenientes.
32. Mas mesmo que assim não se entenda, o que não se concede, entendeu o Digno Tribunal a quo que a titulo de danos não patrimoniais é equitativa e ajustada uma indemnização de MOP$2.500.000,00 a Recorrente apesar de lamentar profundamente a triste situação em que o Autor se encontra face ao desfecho do acidente dos autos, considera que o valor atribuído é, no entanto, desajustado e exagerado e nada conforme com os princípios equitativos que devem orientar a fixação destas compensações e tendo a referência de outros processos que foram julgados pelos Tribunais Superiores de Macau designadamente a decisão do processo n° 31/2012 proferida por este Venerando Tribunal no qual, só para referencia, o Autor tinha uma IPP de 72%, tendo ficado provado que as dores, emoções e transtornos da vítima foram fortes e de grande dimensão, este Venerando Tribunal atribuiu uma compensação por danos não patrimoniais de MOP$800.000,00 reconhecendo a Recorrente que desde a data do citado Acordão de 2012 passaram já alguns anos e tendo em conta os índices inflacionários, entende a Recorrente que será adequado e razoável atribuir ao Recorrido a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de MOP$900.000,00, pelo que a Douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 489°, n° 3 do Código Civil, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que atribua nesta parte ao ora Recorrido a título de danos não patrimoniais a quantia de MOP$900.000,00.
33. A ora Recorrente também não se conforma com o montante atribuído ao Recorrido a título de indemnização por Incapacidade Permanente Parcial pois os Tribunais Superiores em situações semelhantes à dos autos nas quais as vítimas de acidente ficam com uma incapacidade absoluta para o trabalho ou com IPP de 70% têm atribuído compensações em valor substancialmente inferiores, pois dando o exemplo do Acordão do Tribunal de Ultima Instancia no processo n° 20/2007, na qual o Autor ficou a padecer de uma IPP de 70%, e à data do acidente tinha 30 anos de idade, era funcionário público e era saudável, confirmou uma compensação por perda da capacidade de ganho no valor de MOP$850.000,00, ora no caso em apreço, é certo, que se está perante uma IPP de 100% mas os efeitos de uma IPP de 70% são na prática os mesmos que os de uma IPP de 100% já que em ambos os casos estão os mesmos incapazes para trabalhar.
34. No caso dos presentes autos, apesar de o Autor não ter alegado, a fls. 258 dos autos existe uma informação da DSF que informa que o Autor trabalha para a Policia Judiciária, e de onde se retira que aufere um salário médio mensal de MOP$10.548,00, sendo certo que, não veio o Autor aos autos pedir indemnização por perdas salariais aferindo-se que o Recorrido se encontra a receber o salário por inteiro e assim continuará. Parece-nos, salvo o devido respeito, que o Tribunal a quo não ponderou de forma adequada todos as situações acima descritas, para achar a indemnização mais equitativa e uma das fórmulas que poderá ser usada analogicamente para se achar esta indemnização de forma equitativa, na falta de outra, será a que é usada em acções de acidentes laborais e constante no artigo 47° do Decreto-Lei 40/95/M de 14 de Agosto
35. Sendo tal formula a seguinte: (MOP$10.458,00 x 96 meses de salário (valor estipulado por lei e que tem em consideração a idade da vítima à data do acidente) x 100% IPP = MOP$1,003,968.00), parecendo, por isso, mais justo, aplicar ao caso concreto tal fórmula, não podendo a IPP ser indemnizável em valor superior a MOP$1.000.004,00, motivo pelo qual também aqui falhou a Douta sentença recorrida tendo por isso violado o disposto na alínea a) do artigo 3° do CPC devendo a Douta sentença recorrida ser revogada e alterada por uma outra decisão que nesta caso arbitre ao ora Recorrido uma indemnização a título de IPP em valor não superior a MOP$1.000.004,00.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- 在事故當日,第二被告所駕駛之員工巴士已在本案所針對之第一被告購買了民事責任保險,其保單編號為XXXX,保單的最大賠償限額MOP$20,000,000.00。(alínea A) dos factos assentes)
- 2012年07月11日下午約6時,第二被告正駕著監獄員工巴士MC-XX-XX沿氹仔蓮花海濱大馬路右邊行車道行駛,方向由西堤圓形地往奧林匹克游泳館圓形地。(resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- 此時,原告也駕著編號MI-XX-XX的重型電單車沿氹仔蓮花海濱大馬路行駛,方向由西堤圓形地往奧林匹克游泳館。(resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- 當駛近至近皇庭海景酒店行車通道出入口對出時,第二被告駕著的監獄員工巴士與原告駕駛的重型電單車發生碰撞。(resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- 上述碰撞導致原告身體受傷、昏迷不醒,並於意外後立即被送往仁伯爵醫院救治。(resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- 經醫院初步檢查,原告受傷狀況:一般情況差,精神混亂,右顳區頭皮血腫,右耳廓嚴重傷80%至耳垂,左耳廓挫裂傷1cm大小,右肩區擦傷5x5cm2,右鎖骨區1x1cm2,右膝3x3cm2,右踝區1x2cm2,右肘區3x5cm2,下頜骨折,活動及出血。(resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- 經進行緊急電腦斷層掃瞄顯示,原告右額顳頂硬膜下伴腦內血腫及腦挫裂傷、右顳硬膜外小血腫、蛛網膜下腔出血、氣顱、右側顳頂骨、蝶竇、左側篩竇、右側翼突、顴弓、下頜骨、左側乳突及右側鎖骨骨折、右肺葉挫傷。(resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- 除上述損傷外,原告軀幹、四肢、面部、左耳等亦出現不同程度的軟組織挫傷等。(resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- 隨後,原告被施行緊急開顱術取左側顳、頂、額葉硬膜下血腫及腦脞裂傷清除術及去骨瓣減壓術。(resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- 此後,並由整型外科進行右耳撕裂縫合術。(resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- 術後原告一直處於昏迷狀態,其昏迷指數為10分。(resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- 其後,原告併發左額顳頂硬膜外膿腫,並於2012年10月12日進行硬膜外膿腫清除術。(resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- 原告於2012年11月13日經衛生局轉介予鏡湖醫院接受高壓氧倉、中醫針炙、床邊物理治療。(resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- 原告因無法進食,一直留置鼻胃管以提供營養,減少更換管路及長期放置鼻胃管造成之鼻腔損傷、出血、不適。(resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- 鏡湖醫院於2012年11月24日須為其進行胃造瘻管,以方便餵食並改善營養。(resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- 原告於鏡湖接受治療直至2013年02月28日,並於2013年02月28日再次轉入仁伯爵醫院接受藥物治療。(resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- 原告於2013年03月15日至2013年05月20日轉往工聯康復中心治療,其後回家休養。(resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- O autor continuou a ser transportado pelos seus familiares ao Centro Hospitalar Conde S. Januário e ao Hospital Kiang Wu para continuar a receber tratamento. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- 原告因交通意外做成左耳受傷,左耳廓疤疙瘩形成腫物 (5x3cm),於2014年08月20日至29日於鏡湖醫院住院接受手術切除。(resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- O Autor foi submetido em Novembro de 2013 a uma cirurgia simples no Hospital Kiang Wu para substituir a sonda colocada por gastrostomia endoscópica percutânea. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- 由於原告長期卧床,容易因受感染而誘發肺炎。(resposta ao quesito 20º da base instrutória)
- Nos períodos compreendidos entre 21 a 26 de Janeiro de 2014, bem como, 16 e 25 de Março de 2015, o autor esteve internado no hospital para receber tratamento. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
- 原告因是次交通意外,造成混合性失語、右側完全性偏癱,左下肢完全性癱瘓,已失去工作能力。(resposta ao quesito 22º da base instrutória)
- 原告駕駛的MI-XX-XX之重型摩托車之損毁如下:
1) 右前把手膠、右前指揮燈、把手前膠殼及死氣喉外殼毁爛;
2) 前輪冚、右前制動把手、右前倒後鏡、右前沙板、右前避震筒、右邊裙腳、右後車身及右腳踏花損;
3) 前儀錶板離位。(resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- 原告於2012年07月11日至2012年11月13日期間在仁伯爵醫院留院並接受手術治療之醫療費用為MOP$119,911.00。(resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- 原告於2012年11月13日至2013年02月28日期間在鏡湖醫院留院並接受治療之醫療費用為MOP$379,446.00。(resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- 原告於2013年02月28日至2013年03月15日期間再次轉入仁伯爵醫院留院並接受治療之醫療費用為MOP$5,196.00。(resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- Nos períodos compreendidos entre 21 e 26 de Janeiro de 2014, bem como, 16 e 25 de Março de 2015, o autor esteve internado no hospital para receber tratamento, sendo o valor da despesa médica de MOP$10.944,00 e MOP$4.712,00, respectivamente. (resposta ao quesito 27º da base instrutória)
- Em 18 de Dezembro de 2014, o Autor foi submetido a uma cirurgia simples no Hospital Kiang Wu, sendo o valor da despesa médica de MOP$3.225,00. (resposta ao quesito 28º da base instrutória)
- 原告出院後,按照醫囑,須一直接受持續、定期的治療及覆查,有關之醫療費用為MOP$60.00。(resposta ao quesito 29º da base instrutória)
- 原告初期到鏡湖醫院就診,須由十字車協助,十字車費用合共為MOP$890.00。(resposta ao quesito 30º da base instrutória)
- O autor não consegue tratar das suas necessidades, nomeadamente urinar e defecar, razão por que, necessita, a longo prazo, de utilizar fraudas, sendo, até Abril de 2015, a respectiva despesa no valor de MOP$16.279,50. (resposta ao quesito 31º da base instrutória)
- Dado não conseguir o autor alimentar-se e tendo sido, a longo prazo, alimentado através de sonda introduzida no estômago, carece de nutrientes, razão porque necessita de suplementos de proteínas para satisfazer as necessidades vitais, sendo, até Abril de 2015, a respectiva despesa no valor de MOP$5.803,00. (resposta ao quesito 32º da base instrutória)
- 交通意外以後,原告右邊肢體癱瘓、失語、陷入半昏迷,其身體不能活動,只能終日躺在床上,生活上所有事情包括進食、大小二便也無法自理,完全喪失自理能力,需要家人全日護理及照顧。(resposta ao quesito 33º da base instrutória)
- 原告也不認得家人,其家人無法和其交流,其也無法向家人表達。(resposta ao quesito 34º da base instrutória)
- 原告完全永久失去工作能力。(resposta ao quesito 35º da base instrutória)
- 交通意外的發生,令原告覺得無助、心靈痛苦。(resposta ao quesito 36º da base instrutória)
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III – Fundamentação
1. Da nulidade da sentença:
Entende a Ré é nula por duas razões:
1- por omissão da pronúncia nos termos da al. d) do nº 1 do artº 571º do CPC por não se ter pronunciado sobre os quesitos 37º a 39º da Base Instrutória; e
2- por incumprimento do artº 5º, nº 2 e artº 553º, nºs 1 e 2, al. f), todos do CPC, no sentido de não ter atendido os factos instrumentais que resultam da instrução e da discussão da causa.
Em relação à primeira nulidade imputada, adiantamos desde já que não lhe assiste mínima razão, uma vez que o Tribunal a quo deu resposta expressa aos quesitos em causa no sentido de “Não provado”.
Quanto à segunda nulidade invocada, a Ré defende que face ao depoimento da testemunha Ds, o Tribunal a quo deveria, em cumprimento do artº 5º, nº 2 e artº 553º, nºs 1 e 2, al. f), todos do CPC, ter aditado os seguintes quesitos para a Base Instrutória:
3A
   “No momento da colisão o veículo conduzido pelo 2º Réu circulava na faixa de rodagem da direita seguindo a mesma trajectória?”
3B
   “O Autor conduzia o seu motociclo na faixa do meio tendo-se aproximado gradualmente da faixa de rodagem da direita por onde circulava o veículo conduzido pelo 2º Réu e acabando por embater neste?”
Também não tem razão.
Antes de mais, cumpre-nos esclarecer que a invocada falta caso procedesse, não constitui nulidade da sentença, mas sim insuficiência da matéria de facto, que o implica a ampliação de julgamento.
O TUI, no acórdão de 19/2/2017, proferido no Proc. nº 56/2013, tem entendido que “A insuficiência da matéria de facto só existe quando as partes alegaram factos que o tribunal não investigou, o que não ocorre nos casos em que não se provaram os factos necessários”.
Por outro lado, analisado o depoimento transcrito da testemunha em causa, não resulta de forma inequívoca que “O Autor conduzia o seu motociclo na faixa do meio tendo-se aproximado gradualmente da faixa de rodagem da direita por onde circulava o veículo conduzido pelo 2º Réu e acabando por embater neste”, pois a testemunha declarou várias vezes que não tinha visto o embate, limitando-se a dizer que “Pensei que o motorista visse o autocarro e desviasse. Mas embateu”.
Assim sendo, como é que pode exigir o Tribunal a quo aditar os factos que resultam do pensamento da testemunha?
Face ao exposto, o recurso não deixará de se julgar improvido nesta parte.
2. Da impugnação da matéria de facto:
Na óptica da Ré, a resposta dos quesitos 2º, 3º, 37º, 38º e 39º da Base Instrutória deveriam ser diversa do decidido, a saber:

   “Nesse momento, o autor conduzia o motociclo de matrícula MI-XX-XX e circulava na Taipa, na Avenida Marginal Flor de Lótus, proveniente da Rotunda do Dique Oeste em direcção à Rotunda da piscina Olímpica?”
   “Provada que naquele momento o Autor também estava a conduzir o motociclo MI-XX-XX pela Avenida Marginal Flor de Lótus da direcção da rotunda do Dique Oeste para a Rotunda da piscina Olímpica na faixa de rodagem do meio, pois a via no local apresenta 3 faixas de rodagem.”

   “Ao aproximar da entrada e saída do acesso de veículos da Pousada “Marina-Infante”, o autocarro para transporte de trabalhadores do Estabelecimento Prisional de Macau, conduzido pelo 2º réu, e o motociclo, conduzido pelo autor, colidiram?”
   “Provado que perto da entrada e saída da via de circulação da Pousada Marina Infante Hotel o autocarro MC-XX-XX circulava na faixa de rodagem da direita e seguindo a mesma trajectória, e que o motociclo MI-XX-XX que seguia na faixa de rodagem do meio, aproximou-se gradualmente da faixa de rodagem da direita por onde o autocarro circulava e embateu no mesmo na parte da frente esquerda.”
37º
   “O Autor no momento do acidente circulava sob a influência de 0,15g/litro de álcool no sangue?”
   “Provado”
38º
   “Facto que ter contribuiu para a falta de reflexos, de concentração e de destreza do Autor para dominar o motociclo que conduzia?”
   “Provado”
39º
“E para tomar atenção o que se passava na estrada?”
   “Provado”
Vamos analisar se assiste razão à Ré.
Em relação aos quesitos 2º e 3º, a Ré fundamenta a sua pretensão com base no depoimento da testemunha Ds.
Como é sabido, segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.° do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
A justificar tal princípio e aquilo que permite a existência do mesmo, temos que o Tribunal a quo beneficia não só do seu prudente juízo e experiência, como da mais-valia de um contacto directo com a prova, nomeadamente, a prova testemunhal, o qual se traduz no princípio da imediação e da oralidade.
Sobre o princípio da imediação ensina o Ilustre Professor Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil, I, 175), que “é consequencial dos princípios da verdade material e da livre apreciação da prova, na medida em que uma e outra necessariamente requerem a imediação, ou seja, o contacto directo do tribunal com os intervenientes no processo, a fim de assegurar ao julgador de modo mais perfeito o juízo sobre a veracidade ou falsidade de uma alegação”.
Já Eurico Lopes Cardoso escreve que “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe.” (in BMJ n.º 80, a fIs. 220 e 221)
Por sua vez Alberto dos Reis dizia, que “Prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador seguindo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei. Daí até à afirmação de que o juiz pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas, vai uma distância infinita. (...) A interpretação correcta do texto é, portanto, esta: para resolver a questão posta em cada questão, para proferir decisão sobre cada facto, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, forma sua convicção como resultado de tal apreciação e exprime-a na resposta. Em face deste entendimento, é evidente que, se nenhuma prova se produziu sobre determinado facto, cumpre ao tribunal responder que não está provado, pouco importando que esse facto seja essencial para a procedência da acção” (in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora IV, pago 570-571.)
É assim que “(...) nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (art. 436º do CPC), do ónus da prova (art. 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (art. 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (art. 557º do CPC), da livre apreciação das provas (art. 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é "livre" até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito do arts. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo. Só assim se compreende a tarefa do julgador, que, se não pode soltar os demónios da prova livre na acepção estudada, também não pode hipotecar o santuário da sua consciência perante os dados que desfilam à sua frente. Trata-se de fazer um tratamento de dados segundo a sua experiência, o seu sentido de justiça, a sua sensatez, a sua ideia de lógica, etc. É por isso que dois cidadãos que vestem a beca, necessariamente diferentes no seu percurso de vida, perante o mesmo quadro de facto, podem alcançar diferentes convicções acerca do modo como se passaram as coisas. Não há muito afazer quanto a isso.” (Ac. do TSI de 20/09/2012, proferido no Processo n° 551/2012)
Deste modo, “A reapreciação da matéria de facto por parte desta Relação tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação” (Ac. do STJ de 21/01/2003, in www.dgsi.pt)
Com efeito, “não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.(...).” (Ac. do RL de 10/08/2009, in www.dgsi.pt.)
Ou seja,
Uma coisa é não agradar à Ré o resultado da avaliação que se faz da prova, o que parece ser o caso, e outra bem diferente é detectarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.
Em face da prova efectivamente produzida e atentas as regras e entendimento acima enunciados, não assiste razão à Ré ao colocar em causa a apreciação e julgamento da matéria de facto realizada pelo Tribunal a quo.
Quanto aos quesitos 37º a 38º, entende a Ré que o auto de participação da PSP faz fé em juízo, e, por outro lado, o polícia que elaborou o auto confirmou a veracidade do mesmo na audiência de julgamento, pelo que deveria considerar provado o quesito 37º, bem como os quesitos 38º e 39º, tendo em conta a elevada taxa de alcoolemia.
Analisada a fundamentação da convicção do Tribunal a quo, verifica-se que não foi dado como provado o quesito 37º por entender que não obstante existir referência da taxa de alcoolemia no auto de participação da PSP, “não foi encontrado nos autos relatório de exame científico que corrobora a realização e o seu resultado, sem essa prova, a mera menção da taxa de alcoolemia é insuficiente para comprovar da veracidade desse facto”.
Salvo o devido respeito, não achamos que a convicção da Tribunal a quo foi formada com violação das regras legais da valoração da prova e da experiência comum.
Repare-se, o Autor encontrava-se inconsciente logo após o acidente, situação essa que permanecia mesmo após a intervenção cirúrgica.
Segundo a experiência comum, o hospital após realizar o exame do sangue duma pessoa, apresenta sempre um relatório escrito.
Onde está este relatório?
Sem o respectivo relatório, como é que o Tribunal pode assegurar o resultado do exame do sangue é mesmo aquele que fica mencionado no auto de participação?
Perante estas dúvidas, entendemos que o Tribunal a quo andou bem em responder “não provado” ao quesito em causa.
Não provando o quesito 37º, os quesitos 38º e 39º nunca podem ser provados.
Improcede também o recurso nesta parte.
3. Da repartição da responsabilidade do risco:
O Tribunal a quo repartiu a responsabilidade do risco da colisão na proporção de 15% para o motociclo e 85% para o veículo pesado com o seguinte fundamento:
“Considerando a potência e a dimensão, peso e características estruturais dos dois veículos, o risco do veículo pesado como o MC-XX-XX tem maior probabilidade de provocar danos aos outros utentes como o Autor que conduzia um motociclo, naturalmente, mais frágil para resistir o embate dum automóvel”.
Trata-se dum entendimento correcto que aponta para a boa solução do caso e com o qual concordamos na sua íntegra, pelo que negamos, ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPC, provimento ao recurso nesta parte, remetendo para o fundamento acima transcrito.
4. Do quantum indemnizatório dos danos não patrimoniais:
Foi fixado o quantum indemnizatório dos danos não patrimoniais no valor de MOP$2.500.000,00.
Para a Ré, trata-se dum valor excessivo inaceitável.
Cremos que tenha alguma razão a Ré.
Face às lesões sofridas pelo Autor e ao seu estado físico e mental após os tratamentos médicos, achamos que o quantum indemnizatório dos danos não patrimoniais deve cifrar-se no montante de MOP$1.500.000,00 (um milhão e meio de patacas).
5. Do quantum indemnizatório da IPP:
O Autor sofre uma IPP de 100%, o que significa que já não pode trabalhar.
Era trabalhador da PJ, com rendimento anual de MOP$141.971,20 no ano de 2012 e tinha 54 anos de idade à data do acidente.
A idade máxima da Função Pública é de 65 anos, ou seja, se não tivesse ocorrido o acidente, o Autor poderia trabalhar na PJ por mais 11 anos.
Assim e mais atendendo aos valores habitualmente fixados na jurisprudência local nos casos semelhantes (cfr. Ac. do TUI de 25/04/2007, proferido no Proc. nº 20/2007), ao nível de vida actual e à infracção ocorrida ao longo dos anos, fixamos o quantum indemnizatório para a perda permanente da capacidade de trabalho do Autor no montante de MOP$1.200.000,00, e não MOP$1.500.000,00 tal como é fixado na sentença recorrida.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- conceder parcialmente provimento ao recurso interposto;
- revogar a sentença recorrida relativa às condenações das indemnizações dos danos não patrimoniais e da incapacidade permanente para o trabalho;
- condenar a Ré a pagar ao Autor o valor de MOP$1.275.000,00 ($1.500.000,00 * 85%), a título da indemnização de danos não patrimoniais e o montante de MOP$1.020.000,00 ($1.200.000,00*85%), a título de indemnização da incapacidade permanente para o trabalho, acrescidas de juros de mora a partir da data do presente aresto; e
- manter o demais decidido da sentença recorrida.
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Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção de decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 14 de Dezembro de 2017.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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845/2017