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Processo nº 1024/2017(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. No âmbito dos presentes Autos de Recurso Penal proferiu o ora relator a seguinte “decisão sumária”:

“Relatório

1. Em audiência colectiva no T.J.B. respondeu A, (2°) arguido com os restantes sinais dos autos, vindo a ser condenado:
- como co-autor material de 1 crime de “contrafacção de moeda”, (“actos preparatórios”), p. e p. pelo art. 252°, n.° 1, 257°, n.° 1, al. b) e 261° do C.P.M., na pena de 9 meses de prisão;
- como co-autor material de 2 crimes de “passagem de moeda falsa”, p. e p. pelo art. 255°, n.° 1, al. a) e 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão cada; e,
- como autor material de 1 outro crime de “passagem de moeda falsa”, p. e p. pelo art. 255°, n.° 1, al. a) e 257°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão; (cfr., fls. 955 a 970 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu.

Motivou para concluir afirmando o que segue:

“A) Dão-se como provados factos errados e trocados quanto à identidade, circunstâncias e modo de vida do recorrente, o que determinou, obviamente, que perante a confusão das condições da vida do 2° arguido com as do 1°, e/ou, de outros arguidos, se não tenha operado, devendo, uma prognose real e correcta à personalidade do recorrente.
B) Sendo Licenciado, tendo emprego onde aufere mensalmente um bom salário, sendo casado e tendo uma filha, a prognose ao seu caracter teria, e tem, que ser favorável.
C) O art° 355 prevê os requisitos das Sentenças/Acórdãos, devendo as indicações tendentes à identificação dos arguidos e das suas circunstâncias estar correcta, e não está, pelo que deverá o Acórdão ser corrigido em conformidade com as declarações do recorrente, bem como a prova plena efectuada relativamente às suas condições pessoais, designadamente, habilitações, salário, modo de vida e agregado familiar – arts. 361°, 355°, n° 1 alíneas a) e 2 e 360°. – sendo certo que por se terem dado como provados factos falsos relativamente a esta identidade e condições pessoais, atentos os factos dados como provados, o Acórdão é nulo.
D) Sem conceder, por mero amor ao raciocínio e cautela de patrocínio, concluí-se, ainda, que não puderam ser efectivamente observadas as normas do art. 64°, 65° n° 2 alíneas d) e f), e n° 2 do Código Penal de Macau, nem verdadeiramente atendida, considerada e aplicada a norma do art. 40°, uma vez que o recorrente estava integrado e caso possa voltar ao seu País, continuará, como sempre, a estar integrado, atenta a sua Profissão, a sua Experiência na mesma e a grande necessidade de profissionais do ramo no seu País e é primário.
E) Se eventualmente o recorrente tivesse cometido qualquer dos crimes porque ora foi condenado, merecia sempre, no mínimo, a aplicação· do art. 48° do Código Penal e a consequente suspensão de qualquer pena efectiva até três anos que lhe fosse aplicada.
F) O art. 1° do Código Penal de Macau prevê que só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao moento da sua prática, sem que seja possível recorrer a analogia para qualificar qualquer facto como crime.
G) As provas devem ser valoradas da forma prevista no art. 336° do Código de Processo Penal, e de acordo com o art. 114° do C.P.P., a livre convicção constitui uma forma não totalmente vinculada de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, desde que consista numa conclusão lógica e razoável de um bonus pater familias.
H) No crime de passagem de moeda falsa (in casu cartão de crédito falso), arts. 255° e art. 257° do Código Penal, não basta achar que a moeda, ou cartão de crédito ou débito é falso; há que apurar efectivamente e através de perícia da sua falsidade, único modo de ter essa certeza, o que não aconteceu nestes Autos, fosse em sede de Investigação, fosse em sede de produção de Prova em Audiência de Discussão e Julgamento.
I) Para se integrar tal ilícito é indispensável, por constituir elemento do tipo, que o cartão de crédito/débito seja falso, facto que não foi nunca verificado.
J) Pelo exposto, sem dúvidas que a inexistir qualquer comprovação que se “passou ou pôs em circulação qualquer cartão de crédito/débito falsos”, não está preenchido o tipo e o recorrente não pode ser punido, pois na ausência de elemento essencial do tipo, não se pode punir o recorrente.
K) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada só ocorrerá quando, da factualidade vertida na dita decisão, se colher faltarem elementos que, podendo e devendo serem indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de não condenação. Questão esta que se aparta ligeiramente da questão relativamente às provas que deviam ser carreadas e não o foram para demonstração dos factos alegados. – Acórdão desse Venerando Tribunal de 23/02/2006, Autos n° 290/2005.
L) Está este vício previsto no art. 400°, n° 2 alínea a) do C.P.P. e é patente no Douto Acórdão recorrido e permite, ao abrigo do n° 1 do art. 415° do mesmo Código, a renovação da prova.
M) Para além de não constar na “Formação da Convicção do Tribunal” donde é que o Tribunal retira existirem “Cartões Falsos” – “Cartões Brancos” –, por inexistência de perícia ou outra prova testemunhal que assim o afirme, não se entende como se conclui pela existência de “Cartões Falsos”, pois não há qualquer matéria fáctica eprobatória que aponte no sentido da Decisão.
N) Veja-se o conteúdo integral dos Autos, a Ausência de Confirmação ou Queixa por qualquer Banco Local ou Internacional de que aqueles cartões objecto dos autos são falso, os depoimentos de todas as sete testemunhas, já supra transcritos, a inexistência de queixas e de prejuízos. Nada!!!
O) O Douto Tribunal ad quo não pode olhar para os alegados “Cartões” e achar que o aspecto não é o melhor e, por isso, entender que é regra da experiência ou razoável que sejam falsos.
P) Não foi nunca produzida tal prova, inexiste essa prova e nada permite afirmar que os arguidos, por vontade mútua e em conjugação de esforços, dolosamente, utilizaram nas ATM de Macau cartões brancos com informações de cartões alheios.
Q) O Douto Tribunal não pode concluir sem provas, nem fazer a afirmação de que os cartões usados nas ATM tinham transcritas informações de cartões alheios; é impossível.
R) Existe, efectivamente e seguramente, Erro Notório na Apreciação da Prova, o que determina a imediata absolvição do arguido, através da renovação da prova – art. 400°, n° 2 alínea c) e 415°, n° 1 do C.P.P., nos termos expostos nesta motivação e que aqui se reproduzem para todos os efeitos legais.
S) O vício elencado na alínea b) do n° 2 do art. 400° do Código de Processo Penal (doravante C.P.P.), consiste na verificação, evidente, de incompatibilidade entre os factos dados como provados, bem como entre os factos dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto e é ele o da Contradição Insanável da Fundamentação;
T) Pelos que expusémos e reiteramos, não temos dúvidas em afirmar que tal vício é à saciedade evidente e patente, devendo determinar a absolvição de todos os crimes porque o recorrente foi condenado, com recurso, que se requer, à renovação da prova nos termos do n° 1 do art. 415°, todos do C.P.P..
U) Finalizamos pugnando e exortando esse Douto Tribunal a absolver imediatamente o recorrente”; (cfr., fls. 983 a 1055).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 1070 a 1079-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.983 a 1056 dos autos, o recorrente que é o 2° arguido assacou, ao Acórdão em crise, sucessivamente a nulidade por se verificar erro na identificação e valoração dos dados respeitantes à sua personalidade e às suas condições da vida (habilitação académica, profissão, agregado familiar, emprego, rendimento, modo de vida, etc.), a errada desaplicação do art.48° do Código Penal e todos os vícios consagrados no n.°2 do art.400° do CPP.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.1070 a 1079v.), no sentido do não provimento do presente recurso.
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No aresto em escrutínio, o douto Tribunal a quo apontou com toda a clareza e a perfeita consciência: de um lado, «第一嫌犯B聲稱任職酒店經理,每月賺取約美元17,000元,須供養父母及四名孩子,具大學畢業學歷。» e de outro, «第二嫌犯A聲稱任職兼職健身教練,每月收入不穩定,須供養太太及一名未成年女兒,具運動學高等學歷。» O que evidencia seguramente que o Tribunal a quo não confundiu as situações pessoais do 1° arguido com as do recorrente/2° arguido.
Por outra banda, impõe-se salientar que não se descortinam, nestes autos, qualquer «prova plena efectuada relativamente às suas condições pessoais, designadamente, habilitações, salário, modo de vida e agregado familiar», sendo a única prova traduzida na sua declaração. Igualmente não se divisa nenhum erro na valoração pelo Tribunal a quo das condições pessoais declaradas pelo próprio recorrente na audiência. Daqui decorre a flagrante falsidade da pretensão no art.13° da Motivação, bem como a fatal descabimento do argumento delineado no art.13° da mesma.
Ora, os factos provados demonstram, sem margem para dúvida, que o recorrente cometeu crimes transfronteiriços na co-autoria material e com dolo directo, negou a prática dos factos imputados a si, intencionalmente pôs em perigo o mercado e a economia da RAEM, e provocou prejuízo a outrem. Tudo isto conduz, suficiente e necessariamente, a previsão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão frustrará as finalidades da punição, por isso não se preenche in casu o pressuposto substancial da suspensão da execução prescrito no n.°1 do art.48° do CPM.
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O recorrente/2° arguido esgrimiu em existir in casu a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, reiterando que o Tribunal a quo não realizou perícia ou outras diligências necessárias para demonstrar a falsidade dos cartões de crédito/débito em causa nos autos, daí se flui que se verifica a ausência do elemento essencial do tipo do crime da cuja prática ele foi condenado como co-autor material.
Proclama a jurisprudência autorizada (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TUI no processo n.°12/2014): «Para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.»
Isto é, «Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos artigos 339.° e 340.° do Código de Processo Penal.» (Acórdão do TUI no Processo n.°9/2015)
Em esteira, colhemos sossegadamente que o aresto impugnado pelo recorrente não padece da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Pois, é prudente e exacta a observação de que «本院認為,對於假卡的認定,原審合議庭是在分析本案書證及人證的基礎上得出的結論。值得一提的是,在聽證過程中,來自本澳多間銀行的多名職員出庭作證時指出了發現本案嫌犯使用白於的經過及該等“白卡”依彼等專業看法即為假卡。»
A reflecção do Acórdão em crise leva-nos a acompanhar a seguinte douta conclusão do lustre colega: «經分析被上訴之判決,我們可以清楚地看到,原審合議庭完全是在控訴書所界定的事實範圍內進行事實認定的。從被上訴之判決所列明的已獲證明及未獲證明的事實看,本院認為,其中並不存在未查明的某些“具體事實”,而無這些事實便無法得出上訴人有罪的結論。因此,建基於被上訴之判決所認定和未認定的控訴書中所載之事實,按照常理及一般經驗,原審合議庭作出有罪判決,乃自由心證的結果,而非遺漏了對必不可少的事實的審查。»
*
O recorrente arrogou que no caso sub judice, nenhum documento e nenhuma testemunha podia mostrar seguramente a falsidade dos cartões de crédito/débito apreendidos nestes autos, e ele estava fora de Macau no período de 26 a 29 de Maio de 2014. Daí assacou contradição insanável da fundamentação e o erro notório na apreciação da prova.
No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é consolidada no actual ordenamento jurídico de Macau a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, arestos do Venerando TUI nos Processos n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014): O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
De outro lado, não se pode olvidar que o recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador (Ac. do TUI no Proc. n.°13/2001). Pois, «sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.» (Acórdão no Processo n.°470/2010)
À luz destas orientações jurisprudenciais, acolhemos a conclusão do ilustre colega fundada na sua perspicaz observação que rezou: «經分析被上訴之判決認定未認定的事實,我們未發現被上訴之判決認定的事實之間以及認定的事實與未認定的事實之間存在互不相容的情況。經仔細審視被上訴之判決的內容後,我們認為,被上訴之判決認定的上述事實之間及與未認定的事實之間並不存在不相容的地方,且根據已認定的事實也能夠合理地得出被上訴之判決所認定的結論,而這一結論是在對庭審中出示的證據進行了逐一審查分析之後得出的,且獲認定的事實是有經過庭審辯論的相關證據予以佐證的。就證據審查及認定而言,我們也看不出其違反了自由心證原則和經驗法則。»
Assevera reiteradamente o Venerando TUI (vide. a título exemplificativo, o aresto nos Processo n.°52/2010): A contradição insanável da fundamentação é um vício intrínseco da decisão, que consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A existência de um dos vícios mencionados no n.°2 do artigo 400.° do Código de Processo Penal só conduz ao reenvio do processo para novo julgamento se o mesmo for relevante em termos de não ser possível decidir a causa.
No vertente caso, em relação à arguição da contradição insanável da fundamentação, sufragamos, mais uma vez, a acertada conclusão tirada pelo ilustre colega após a sua minuciosa análise dos documentos, «然而,僅僅是聽證中質證過的卷宗第248頁、第252頁、第253頁、第259頁、第263頁、第272頁、第285-287頁等書證便可使上訴人的上述辯解不攻自破。»
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 1095 a 1097-v).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 959 a 961-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática dos crimes atrás referidos, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos de prisão.

Em sede do seu recurso, e como resulta das conclusões produzidas a final da motivação apresentada, (e atrás transcritas), coloca o arguido e importa decidir as questões seguintes:
- “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”;
- “contradição insanável da fundamentação”;
- “erro notório na apreciação da prova”;
- nulidade; e,
- pena.

Como se deixou adiantando, manifesta é a improcedência do presente recurso.

–– Vejamos, começando pelos (3) vícios relativos à “decisão da matéria de facto”.

Pois bem, tem este T.S.I. entendido que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 30.03.2017, Proc. n.° 169/2017, de 13.07.2017, Proc. n.° 494/2017 e de 12.10.2017, Proc. n.° 814/2017, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).

Como decidiu o T.R. de Coimbra:

“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).

Quanto ao vício de “contradição insanável da fundamentação”, tem-se considerado ser aquele que apenas ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 27.04.2017, Proc. n.° 275/2017, de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017 e de 28.09.2017, Proc. n.° 787/2017).

Em síntese, quando analisada a decisão recorrida se verifique que a mesma contém posições antagónicas, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.

Por sua vez, o “erro notório na apreciação da prova” apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 23.03.2017, Proc. n.° 115/2017, de 08.06.2017, Proc. n.° 286/2017 e de 14.09.2017, Proc. n.° 729/2017).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.03.2017, Proc. n.° 114/2017, de 15.06.2017, Proc. n.° 249/2017 e de 21.09.2017, Proc. n.° 837/2017).

Dito isto, e como se deixou adiantado, evidente se nos apresenta que o Acórdão recorrido não padece dos imputados vícios.

Em relação à assacada “insuficiência”, é manifesto que a mesma não existe, pois que o Colectivo a quo “investigou” e “emitiu (expressa) pronúncia” sobre “toda a matéria objecto do processo”, elencando a que resultou “provada” e “não provada”, e fundamentando, em nossa opinião, adequadamente, a sua decisão.

Quanto à imputada “contradição insanável”, também inexiste, pois que não se vislumbra “onde”, “como” ou “em que termos” terá o Colectivo a quo incorrido em qualquer “incompatibilidade”, muito menos “insanável”.

Aliás, a decisão proferida apresenta-se-nos clara e harmoniosa, bastando uma leitura ao seu teor para assim se concluir.

Por fim, em relação ao “erro notório”, a mesma é a solução, já que a decisão proferida não viola nenhuma “regra sobre o valor das provas tarifadas”, “regra de experiência” ou “legis artis”.

Pelo contrário, apresenta-se-nos – perfeitamente – compatível com a prova produzida em audiência e existente nos autos, e com as referidas “regras de experiência”, como bem vem explicitado em sede de fundamentação; (cfr., fls. 962 a 963-v).

É verdade que o recorrente – nega os factos, dizendo que desconhecia a “natureza dos cartões” apreendidos, e que apenas estava a ajudar amigos a fazer levantamentos em caixas automáticas A.T.M..

Porém, com todo o respeito por outro entendimento (e reconhecendo-se-lhe todo o direito de declarar o que bem entendesse, e até mesmo de mentir), não basta “negar” ou “declarar nada saber”.

Os autos contém gravações dos “(exactos) momentos” em que os arguidos desenvolveram as suas condutas junto das referidas máquinas, registando, (com rigor), o “estabelecimento bancário” a que pertenciam, “local” e “data” das mesmas.

Em audiência de julgamento foram ouvidos representantes e funcionários dos ditos estabelecimentos que relataram o sucedido nas respectivas máquinas A.T.M., sendo que se apresentam coincidentes os “momentos” em que foram utilizadas pelos arguidos, e onde, em algumas, foram mesmo retidos (e apreendidos) os cartões utilizados.

E, para além disso, e das declarações dos profissionais da Polícia Judiciária que efectuaram a investigação do sucedido – após denúncias feitas por estabelecimentos bancários – relatando as diligências efectuadas, importa ter em conta que no quarto dos arguidos foram apreendidos “138 cartões magnéticos com as características de cartões de crédito”, 16 deles contendo dados (informações) de “cartões de crédito”.

E, perante isto, cremos que inegável é que a decisão proferida se apresenta em total consonância com as “regras de experiência” e com bastante suporte nas provas existentes nos autos e produzidas em audiência, mais não se mostrando de dizer sobre a questão.

Continuemos.

–– Quanto nulidade do Acórdão recorrido em consequência da “confusão das condições de vida do 2° arguido”, ora recorrente, evidente é que a mesma não existe, bastando uma leitura à pág. 14 do aresto em questão, e que se apresenta em conformidade com os elementos constantes dos autos, nomeadamente, os de fls. 376 e 504.

–– Por fim, quanto às penas.

Também aqui, evidente é que nenhuma censura merece o decidido.

Como temos vindo a afirmar, com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, devendo-se confirmar a pena aplicada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais legalmente atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 11.05.2017, Proc. n.° 344/2017, de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017 e de 26.10.2017, Proc. n.° 829/2017).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como recentemente se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato da pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

No caso, o ora recorrente agiu com “dolo directo e muito intenso”, cometendo os crimes na qualidade de “visitante”, notando-se que são crimes em relação aos quais se tem registado um considerável (e preocupante) aumento, muito fortes sendo as necessidades de prevenção criminal.

Assim, afastada estando a aplicação de uma outra pena que não “privativa da liberdade”, verificando-se que as penas parcelares e únicas ainda assim se situam próximas dos seus mínimos legais, e respeitados estando os critérios dos art°s 40°, 64°, 65°, 71° e 48° do C.P.M., à vista está a solução.

Na verdade, ponderou – e bem – o Tribunal a quo todas as circunstâncias relevantes para a fixação das penas, sendo que estar até se nos apresentam (algo) benevolentes, evidente sendo assim a improcedência do recurso.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 8 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 1099 a 1112-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Notificado do assim decidido, veio o arguido apresentar expediente com o teor seguinte:

“A, arguido recorrente nos autos acima e à margem cotados e neles melhor identificado, notificado da Douta Decisão Sumária que lhe rejeita o Recurso interposto, vem, ao abrigo do disposto nos arts. 410°, n°s 1 e 2, 361°, n° 1 alínea b), arts. 355° e 356°, todos do C*odigo de Processo Penal de Macau, requerer a correcção da Decisão proferida, o que faz nos termos e fundamentos que se seguem:
1. Ressalvado o respeito devido, que é muito, o recorrente não tem capacidade para entender os fundamentos, ainda que mínimos, da rejeição do seu Recurso.
2. Sempre se dirá que a a Justiça tem sempre que nortear a actuação dos seus operadores, e se não compadece com leituras diferentes das possíveis, como sejam os próprios autos, a prova produzida, e um balizamento mínimo das convicções do Julgador,
3. tendo em conta a razoabilidade, a experiência, a prova produzida, sem embargo da sua livre convicção.
4. Com tais afirmações, não se pretende nem criticar, nem discordar, como parece ter sido entendido por V.Exa, Venerando Juiz, em sede de Motiuvação de Recurso, mas sim, e agora, entender aspectos da fundamentação, ou ausência dela, sumária da Decisão de Rejeição do Recurso.
5. Atentos os elementos constantes dos autos, o recorrente fez juntar Pública Forma do seu Certificado de Habilitações, devidamente traduzido e certificado, todos os documentos relativos ao seu Salário e Pagamento de Impostos, i.e. um documento particular e outro Federal, do Serviço Fiscal da Rússia, ambos devidamente traduzidos e certificados, a sua Certidão de Casamento, e a Certidão de Nascimento da sua filha menor, com a Apostilha da Convenção de Haia – cfr. requerimento de 09 de Maio de 2017.
6. Posteriormente, o arguido recorrente declarou qual a sua profissão e habilitações, bem como as suas condições de vida.
7. Atento o exposto e os elementos constantes dos Autos, não se entende a afirmação constante da Decisão “Por outra banda, impõe-se salientar que não se descortinam, nestes autos, qualquer “prova plena efectada relativamente às suas condições pessoais, designadamente, habilitações, salário, modo de vida e agregado familiar”, sendo a única prova produzida na sua declaração.
8. Mas mais, não percebe como é que V. Exa, Venerando Juiz Relator, se permite concluir que a pretensão do recorrente, vertida no art. 13° da motivação de recurso padece de patente falsidade, não lhe sendo dado a entender, nem existir qualquer fundamentação sumária, apenas essa agressiva e desrespeitosa afirmação, de que a sua pretensão é falsa – talvez se não esteja a entender muito bem o contéudo da afirmação, ou se estejam a referir outros autos, por lapso – cfr. requerimento de 09/05/2017 junto aos autos.
9. Parece-nos, de facto, mais do que descabido, injusto, que os documentos em causa, sendo apenas um deles particular, da empresa onde trabalhava até ser preso, não sejam vistos e se esteja a tratar da situação como se fossem inexistentes.
10. Ora, não podemos estar a tratar da mesma situação, a não ser que, efectivamente, a Decisão, por qualquer erro manifesto de informática ou similar, tenha reproduzido qualquer outra situação que não a dos autos.
11. Donde, deve a Decisão ser corrigida nesta parte, em conformidade com os elementos efectivos dos Autos, o que se requer.
12. Ainda, se há prova cabal e clara, como aliás ficou expresso no Douto Acórdão recorrido, é a total ausencia de qualquer prejuízo conhecido para quem quer que fosse nestes Autos,
13. não obstante, V.Ex° afirma “… pôs em perigo o mercado e economia da RAEM, e provocou prejuízo a outrem.”.
14. Não conseguimos entender a afirmação, e deverá, uma vez mais, ou considerar-se infundada a afirmação, por demonstração do oposto, ou corrigida a Decisão, porque errada e referente a uma outra qualquer situação que não a dos Autos.
15. Inexistiu, e inexiste nos autos, qualquer testemunha, perito ou cartão e equipamento, perícia ou elementos que permitam concluir pela falsidade do que quer que seja.
16. O homem m+edio não tem capacidade ou aptidão técnica para declarar ou convencer-se que um cartão magnético; branco, corresponde a um cartão de crédito falso.
17. Nenhuma testemunha, relatório ou perito o afirmou.
18. Não está em causa, nem nunca se põe em causa a livre convicção do Tribunal, o mesmo se não dizendo em relação à total ausência de elementos que permitam, através da livre convicção e da sua análise crítica, que o Julgador se convença de A ou de B, de acordo com as normais regras de experiência.
19. Nos autos não há um único elemento probatório que se possa imputar ao arguido recorrente no sentido de se poder concluir que cometeu o tipo de crime porque veio condenado.
20. Mas há um elemnto essencial que é referido na fundamentação da Vossa Douta Decisão que é falso: “E, para além disso, e das declarações dos profissionais da Polícia Judiciária que efectuaram a investigação do sucedido – após denúncias feitas por estabelecimentos bancários – relatando as diligências efectuadas, importa ter em conta que no quarto dos arguidos foram apreendidos “138 cartões magnáticos com as características de cartões de crédito, 16 deles contendo dados (informações) de “cartões de crédito”.
21. Não foi apreendido no quarto de ninguém o que quer que seja.
22. Os Autos de Apreensão constam de fls. 339, 349, 654: foi apreendido “no corpo” do arguido B, todo o constante dos Autos, i.e., os cartões referidos e, ainda, dois computadores e um aparelho relativo à leitura ou criação de cartões magnéticos/ transferência de dados.
23. Confirnou-se que o arguido B poderia, caso quisesse, fabricar cartões magnéticos com dados contidos no seu computador relativos a outras pessoas; uma coisa é aptidão para o fazer, outra diversa é o tê-lo feito.
24. Nada foi apreendido em quarto nenhum, muito menos ao arguido Recorrente, sendo certo que todos os seus pertences sempre ficaram consigo e estão guardados no Estabelecimento Prisional.
25. Muito mais haveria e há apontar à Decisão tomada, todavia o que ora se pretende é que sejam efectuadas estas correcções geradoras de nulidade da Decisão tida, por se referirem a elementos que não se relacionam ou reportam aos presentes Autos.
26. Relembra-se a V.Exa que o Digno Magistrado do Ministério Público pediu ao Douto Colectivo, por ausência de prova contra o Recorrente, que fosse ele ABSOLVIDO, donde essa posição se não limita ao entendimento da Defesa e do Recorrente.
Por todo o exposto, situações de não fundamentação da Decisão, ainda que sumária fosse, mas efectivamente que se não reportam à realidade e contêm afirmações erradas e sem apoio nos Autos, pelo menos nestes, deve a mesma ser corrigida, com todas as legais consequência, quiçaz, depois de atenta e apurada reverificação, a aceitação do Recurso interposto.
JUSTIÇA!
Junta: duplicados legais.
A Advogada,
(…)”; (cfr., fls. 1124 a 1128).

*

Em sede de vista, assim opinou o Exmo. Representante do Ministério Público:

“O magistrado do M.°P.° junto desse Venerando Tribunal vem, relativamente ao Requerimento de Correcção, aduzido pelo recorrente A, da douta decisão sumária (cfr. fls.1099 a 1112v. dos autos), apresentar a sua RESPOSTA nos termos e com os fundamentos seguintes:
No Requerimento de Correcção de fls.1124 a 1128 destes autos, tal recorrente pediu a correcção da douta decisão sumária que se traduz em rejeitar o recurso por si interposto através da Motivação de fls.983 a 1056 dos autos, citando as disposições nos n.°1 e n.°2 do art.410°, na alínea b) do n.°1 do art.361°, bem como nos arts.355° e 356°, sendo todos do CPP, e arrogando conclusivamente que se verificam in casu «situações de não fundamentação da Decisão, ainda que sumária fosse, mas efectivamente que se não reportam à realidade e contêm afirmações erradas e sem apoio nos Autos, pelo menos nestes».
Ora, das delimitações contempladas no n.°1 do art.361° do CPP podemos extrair que não são susceptíveis de correcção nem as insuficiências ou omissões determinantes da nulidade nos termos do preceituado na a) do n.°1 do art.360° do CPP, nem erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação importe modificação essencial da decisão judicial.
Pois, «Não se pode pedir a correcção de uma sentença com fundamento de que nela não foi feita a exposição, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, visto que a inobservância desses requisitos da sentença exigidos pelo art.355°, n.°2, do CPP, constitui sempre uma causa de nulidade da sentença nos termos do art.°361.°, al. a), do CPP, e como tal, insusceptível de correcção pelo tribunal que a tenha proferido, ao abrigo do art.°361.°, n.°1, al. a), do CPP.» (Acórdão do TSI no Processo n.°46/2000, na obra «Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância da RAEM, 2000, II Tomo», pp.417 a 424)
E vale pena ainda recordar que a brilhante jurisprudência assevera peremptoriamente (Acórdão do TSI no Processo n.°142/2005): O erro, lapso susceptível de ser objecto de rectificação (oficiosa) do tribunal é aquele que respeita à expressão material da vontade do julgador e não os erros que possam ter influído na formação daquela vontade.
Para os devidos efeitos, cabe-nos apontar que de acordo com o princípio da coerência da ordem jurídica, a alínea b) do n.°1 do art.361° do CPP deve ser interpretada em harmonia com a regra geral que rege o nosso ordenamento jurídico, segundo a qual a correcção ou rectificação tem de ficar circunscrita a erros materiais e sensíveis, não podendo recair em erros que tenham viciado a vontade, consoante cada caso concreto, do julgador ou da Administração decisora (vide. arts.570°, n.°1, do CPC e 135°, n.°2, do CPA).
Ressalvado respeito pela opinião diferente, a nossa análise do dito Requerimento da Correcção aconselha-nos a concluir que em bom rigor, o que o recorrente invocou no fundo não prende com qualquer erro material ou com a sua incompreensão por obscuridade ou ambiguidade, mas com a sua discordância da valoração das provas realizada pelo MM° Relator.
Resumindo, colhemos que o recorrente não demonstra a existência de qualquer erro material na douta Decisão Sumária em causa, mostra a compreensão do raciocínio do MM° Relator, manifestou só e apenas a sua veemente discordância da valoração das provas operada pelo MM° Relator, sobretudo das provas por si oferecidas ao Tribunal da 1ª instância.
Nesta linha de reflecção, não podemos deixar de entender que o presente Requerimento da Correcção é incuravelmente inepto e também infundado, portanto, tem de cair em vão.
(…)”; (cfr., fls. 1130 a 1131-v)

*

Por despacho do ora relator, foram os presentes autos inscritos em tabela para decisão em conferência; (cfr., fls. 1134).

*

Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Importa emitir pronúncia sobre a “pretensão” pelo arguido/ recorrente apresentada em relação à “decisão sumária” proferida e com a qual se rejeitou o recurso que interpôs do Acórdão do T.J.B..

E, desde já, cabe dizer que incorre o recorrente em patente equívoco quando, logo no intróito do seu expediente (que se deixou transcrito) requer a “correcção da decisão proferida”.

Com efeito, e como bem nota o Ilustre Procurador Adjunto, não se verifica nenhuma das situações previstas nas alíneas a) e b) do art. 361° do C.P.P.M. para que se pudesse acolher o assim pretendido.

Todavia, não obstante ter – erradamente – apelidado o pedido apresentado como de “correcção da decisão proferida”, e alcançando-se que com o mesmo se pretende a sua “alteração/inversão”, (note-se que, a final, invocando-se o Ministério Público, até se sugere uma “absolvição”; cfr., ponto 26), afigura-se-nos, em prol do princípio da economia e celeridade processual que sem mais demoras e outras formalidades se deve considerar tratar-se de uma “reclamação” ao abrigo do art. 407°, n.° 8 do C.P.P.M..

Dito isto, vejamos.

Pois bem, percorrendo o expediente apresentado, e expurgando-o de “considerações irrelevantes”, (como, v.g., as tecidas em relação à “capacidade para entender” e “intenção” do recorrente; cfr., ponto 1 e 4), mostra-se de se começar por consignar que em manifesto equívoco volta o mesmo recorrente a incorrer quando no “ponto 7°” do seu expediente alega que: “Atento o exposto e os elementos constantes dos Autos, não se entende a afirmação constante da Decisão “Por outra banda, impõe-se salientar que não se descortinam, nestes autos, qualquer “prova plena efectada relativamente às suas condições pessoais, designadamente, habilitações, salário, modo de vida e agregado familiar”, sendo a única prova produzida na sua declaração”, e, no “ponto 8°”, que “Mas mais, não percebe como é que V. Exa, Venerando Juiz Relator, se permite concluir que a pretensão do recorrente, vertida no art. 13° da motivação de recurso padece de patente falsidade, não lhe sendo dado a entender, nem existir qualquer fundamentação sumária, apenas essa agressiva e desrespeitosa afirmação, de que a sua pretensão é falsa (…)”.

Com efeito, importa não confundir o “relatório” com a “fundamentação” de uma decisão, seja ela qual for, “sumária” ou não, (o que, no caso, parece suceder).

No “relatório”, (e como o próprio vocábulo o diz), relata-se, narra-se o processado nos autos com vista a se identificar o recorrente (ou requerente), o objecto da sua pretensão, os seus argumentos e (eventuais) posições de outros sujeitos processuais sobre a questão a tratar, (tudo) de forma a se permitir uma clara e cabal compreensão da sua natureza e contornos.

Por sua vez, na “fundamentação”, (e como resulta também claro da expressão em questão), expõem-se as “razões”, (de facto e de direito), que justificam a decisão que, a final, se vai proferir, (sendo, aliás, com este exacto sentido e alcance que se proferiu a decisão sumária em questão, o mesmo sucedendo com o presente acórdão).

Ora, no caso dos autos, (e como de uma – mera – leitura se pode constatar), as aludidas “afirmações” não constam da “fundamentação” da decisão sumária proferida.

Constam sim – e apenas – do douto Parecer do Ministério Público, (que foi integralmente transcrito no relatório da decisão sumária).

E, perante isto, certo sendo ainda que, in casu, na decisão sumária proferida, nem sequer se invocou o teor do dito Parecer como sua fundamentação, acertadas não são as imputações pelo recorrente efectuadas, o mesmo sucedendo com a feita no ponto 13° do mesmo expediente.

Necessárias não se mostrando outras considerações, porque ociosas, continuemos.

Verifica-se que no seu expediente suscita ainda o recorrente outras duas “questões”.

Uma que tem a ver com a sua “situação socio-económica e profissional”, e a outra com a “apreensão de 138 cartões magnéticos”.

Porém, sem prejuízo do muito respeito por opinião diversa, e em resultado de uma análise aos autos, mostra-se de concluir que, também aqui, evidente é que não se pode reconhecer mérito à sua pretensão, muito não se mostrando necessário consignar para o demonstrar.

Quanto à primeira, à dita “situação socio-económica e profissional”, basta, (como se deixou consignado na decisão sumária proferida) “uma leitura à pág. 14 do aresto em questão, e que se apresenta em conformidade com os elementos constantes dos autos, nomeadamente, os de fls. 376 e 504”, notando-se que o dado como provado corresponde ao que o próprio recorrente foi declarando ao longo dos autos, (e, até, em sede de julgamento – cfr., acta de julgamento, a fls. 910-v).

Em relação à mencionada “apreensão de 138 cartões magnéticos”, a referência feita na decisão sumária proferida limita-se a “reproduzir” o que consta no “ponto 24” da matéria de facto dada como provada no Acórdão do T.J.B., (cfr., fls. 961), e que, (como se viu), nenhuma censura merece.

Aqui chegados, cabe dizer que a decisão sumária em questão apresenta-se clara e lógica na sua fundamentação – nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das questões colocadas – e acertada na solução a que se chegou.

Na verdade, e pelos motivos que se deixaram expostos, patente se mostra que justo e adequado foi o decidido no Acórdão do T.J.B. objecto do recurso pelo ora reclamante trazido a este T.S.I., o que, por sua vez, implica, a necessária e natural conclusão de que deve ser totalmente confirmado, o mesmo sucedendo com a decisão sumária que neste sentido decidiu.

Dest’arte, e tudo visto, inevitável é a decisão que segue.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a pretensão apresentada.

Custas pelo requerente/recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 11 de Janeiro de 2018
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 1024/2017-I Pág. 26

Proc. 1024/2017-I Pág. 25