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Processo nº 26/2017
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 01 de Fevereiro de 2018

ASSUNTO:
- Caducidade da concessão do terreno
- Princípios da imparcialidade, da boa-fé e da tutela da confiança
- Falta de audiência prévia

SUMÁRIO:
- A caducidade com base no termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva (cfr. artº 52º da Lei nº 10/2013) é uma caducidade-preclusão (ou caducidade preclusiva), que depende somente dum facto objectivo simples, que é justamente o decurso do prazo legal ou contratualmente estabelecido.
- Ou seja, uma vez decorrido o prazo da concessão provisória do terreno sem esta ter sido convertida em definitiva, independentemente havendo ou não culpa do concessionário ou prévia declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo fixado, verifica-se sempre a caducidade da concessão provisória, pelo que a respectiva declaração da caducidade constitui uma actividade administrativa vinculada.
- Os princípios da imparcialidade, da boa-fé e da tutela da confiança só são operantes nas actividades administrativas discricionárias.
- A audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPAC, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
- E destina-se a evitar, face ao administrado, o efeito surpresa e, no mesmo passo, garantir o contraditório, de modo a que não sejam diminuídos os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados.
- A preterição dessa formalidade pode, em certos casos, ser ultrapassada se daí não resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto, isto é, quando, atentas as circunstâncias concretas, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada.
O Relator,






Processo nº 26/2017
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 01 de Fevereiro de 2018
Recorrente: Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, SA
Entidade Recorrida: O Senhor Chefe do Executivo

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, SA, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 08/11/2016, pelo qual se declarou a caducidade da concessão por arrendamento de um terreno com a área de 1420m2, situada na península de Macau, na ZAPE, designado por lote “b” do Quarteirão 6, concluíndo que:
1. A caducidade prevista na Lei de Terras em vigor tem como pressuposto, para além do decurso do tempo, o incumprimento contratual por parte do concessionário;
2. O Concedente, quando conclua pela não realização do aproveitamento no prazo previsto, tem igualmente de verificar se tal se deve ou não a facto imputável ao co-contratante, só estando habilitado a declarar a caducidade em caso afirmativo;
3. Isto porque, se o incumprimento em si mesmo constitui um pressuposto inafastável da declaração de caducidade da concessão, ele só se tornará indiscutível após a verificação da imputabilidade desse incumprimento, fenómenos que são incindíveis;
4. Isto é, se se avalia o incumprimento contratual, deve-se avaliar a sua imputabilidade;
5. Ao determinar a existência de incumprimento contratual por parte do concessionário que fundamenta a declaração de caducidade, a Administração como face da mesma moeda tem de avaliar quais as razões e a imputabilidade desse incumprimento, designadamente as razões invocadas pela concessionária para o incumprimento contratual;
6. Ao não o fazer viola, assim, o princípio da imparcialidade na sua vertente positiva, que obriga a Administração a ter em consideração e a ponderar todos os interesses públicos e privados que, à luz do fim legal a prosseguir, sejam relevantes para a decisão (artigo 7.° do CPA);
7. Pelo que, o acto de declaração de caducidade deve ser anulado.
8. O acto de declaração de caducidade deve ainda ser anulado, porquanto viola o princípio da boa-fé e da tutela da confiança;
9. O acto de declaração de caducidade é violador do principio da boa-fé da tutela da confiança em duas fases;
10. A primeira fase da conduta administrativa vai desde a primeira reunião em Março de 2011 até á submissão do projecto de alterações em 10.05.2012;
11. Durante esse período, foram realizadas 6 reuniões com a Administração, todas elas com a participação de altos dirigentes da DSSOPT, entre os quais o então Director da DSSOPT, o Chefe de Divisão de Planeamento Urbanístico e o Chefe de Departamento dos Solos;
12. Das reuniões tidas, em número de 6, após a apresentação pelo particular da proposta do aproveitamento conjunto dos 4 lotes, a Administração incentivou o particular ao aproveitamento dos 4 lotes em conjunto ou, pelo menos, nunca colocou objecções:
a Ao aproveitamento dos 4 lotes em conjunto;
b Que o prazo do contrato de concessão do lote 6b seria um obstáculo ao aproveitamento conjunto;
c Que o prédio não poderia ser construído com altura de 90 m, conforme previsto no contrato.
13. Esse incentivo ou pelo menos não oposição por parte da Administração teve como pressuposto o conhecimento prévio por esta, do prazo contratual do lote 6b, e dos parâmetros urbanísticos previstos no contrato, designadamente os 90 m de altura previsto para o prédio;
14. Pressupostos esses com que o particular elaborou o projecto de aproveitamento dos 4 lotes;
15. Esses pressupostos constituem verdadeiros pressupostos concertados ou pré-contratualizados (ainda que com alguma informalidade) com a Administração durante as diversas reuniões.
16. Conclui-se, pois, que para qualquer destinatário diligente, os comportamentos da Administração durante as reuniões (o incentivo para o aproveitamento em conjunto, a informação que a mesma dispunha, designadamente, do prazo do contrato de concessão de lote "6b") são de incutir a convicção de que a Administração autorizaria o aproveitamento conjunto dentro dos parâmetros contratuais, ainda que o prazo do contrato de concessão do lote "6b" fosse menor em relação aos prazos para os restantes lotes;
17. A própria conduta da Administração na tramitação adjectiva do processo (em sentido amplo) só reforçou aquela legítima convicção incutida no particular - tramitação do processo como se os 4 lotes de um só terreno se tratassem; existência de um único processo com o nº 1/2010 para os 4 lotes; aplicação de uma multa unitária processada por uma única guia de pagamento por atraso no aproveitamento;
18. Foram feitas na DSSOPT duas apresentações do projecto de aproveitamento conjunto tendo por base a altitude de 90 metros e a convergência de todos os prazos para a data de 21 de Dezembro de 2019, respectivamente, em 19/10/2011 e 19/12/2011, sem que, na altura, qualquer objecção tivesse sido levantada;
19. A Administração praticou actos criadores de confiança na esfera do particular, tendo em vista a aprovação conjunta dos 4 lotes, a não ser que se entenda que a Administração se pôs a negociar ou discutir com o particular sobre o aproveitamento dos 4 lotes com reserva mental ou mesmo com dolo, já sabendo que a solução do aproveitamento dos 4 lotes não seria possível de alcançar;
20. Neste contexto, é violador do princípio da boa-fé o comportamento da Administração quando, depois de meses de uma continuidade e consistência de actuação preconizando o aproveitamento conjunto, vem verbalmente dizer ao particular que o projecto não poderia ser aprovado porque a altura do edifício tinha mais de 60 metros;
21. Há violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança quando existe um comportamento contínuo e consistente da Administração durante meses de incentivo, ou no mínimo de não oposição ao aproveitamento conjunto dos 4 lotes dentro dos parâmetros contratuais, o qual provocou um investimento de confiança do particular que se traduziu na elaboração de um projecto com os 90 m, quando, afinal, segundo a Administração, só o poderia ter feito com 60 m;
22. É violador do princípio da boa-fé e da tutela da confiança o comportamento de onde se extrai um acto negativo inesperado, contraditório e incoerente da Administração, que incentivou durante meses a fio a solução do aproveitamento conjunto dos 4 lotes ou pelo menos não se opôs e que foi identificado pelos Serviços da Administração quando:
a Na informação nº 345/DSODEP/2012 de 18.12 esta veio reconhecer que as várias reuniões atrás mencionadas tiveram como fim discutir o desenvolvimento dos 4 lotes em conjunto.
b O despacho do STOP de 27.03.2013, apesar de solicitar a junção de todos os pareceres dos Serviços que continham novas propostas feitas ao particular, pede à DSSOPT uma análise profunda do assunto e acompanhamento.
23. Ainda nesta fase, existe uma conduta violadora do princípio da boa-fé quando é feita uma proposta em 18.09.2012 pela DSSOPT ao particular, para a desistência da concessão do lote 6b, como forma de escamoteamento de um erro de análise por parte da Administração, uma vez que a Administração já sabia, desde 2010, que os projectos individuais dos lotes 6b por um lado, e os dos restantes 3 lotes (C, D e E) , por outro, não eram compatíveis quanto à altura dos edifícios (90 m de altura) por violação da chamada "Lei de Sombras", ao mesmo tempo que incentivava o particular ao aproveitamento conjunto dos 4 lotes;
24. É violador do princípio da boa-fé, vir a Administração tirar partido deste erro de análise que é da sua própria responsabilidade, fazendo com que o particular que nela confiou passe a arcar com o ónus da "falta de tempo" para o aproveitamento do lote, quando o aproveitamento do lote dentro dos parâmetros contratuais já se encontrava comprometido logo desde 2010, se não antes;
25. Além de que, a Administração sabia perfeitamente já em 2010 e 2011 (Março) i) que o prazo da concessão iria terminar em finais 2014, ii) estava previsto no contrato a altura máxima de 90 m para os prédios a construir nos lotes, iii) que os restantes lotes, C, D e E não tinham sido aproveitados;
26. Numa segunda fase do procedimento existe um acto violador do princípio da boa-fé, quando:
a Numa reunião com o particular (18.09.2012) a própria Administração, que veio sugerir ou propor a desistência do lote 6b, sendo que este lote ficaria assim para a construção de um jardim mantido pelo concessionário, ao que o particular contrapropôs que aceitava que o lote 6b ficasse para espaço verde, na condição da aprovação das vias de acesso aos 3 lotes pelo jardim;
b Em 23.03.2013 o particular formaliza o acordado com a DSSOPT remetendo carta ao Chefe do Executivo concordando com a desistência do lote 6b sob condição que a entrada para a garagem dos restantes lotes fosse efectuada pelo jardim a ser construído no lote 6b, jardim este que a concessionária se propunha construir e manter.
c A DSSOPT numa reunião de 06.11.2013, vem dizer que não podia afinal saber se o Governo não iria destinar o lote a outra finalidade que não a de espaço verde;
27. O facto de a DSSOPT declarar que "não podia dizer que o Governo não viesse a usar o lote para outra finalidade" e avançar sem mais para a declaração de caducidade, ao contrário do que aquela própria entidade administrativa propusera na reunião de 18.09.2012 (desistência do lote 6b e construção e manutenção de um jardim no lote 6b) é manifestamente um acto revelador de desrespeito pelos mais elementares cânones da boa-fé num Estado de Direito;
28. Este comportamento, revela-se, igualmente, contrário a um agir coerente, violando a confiança suscitada na contraparte, confiança essa que predeterminou a sua adesão a uma determinada representação, tomando-a como efectiva e agindo em conformidade com a mesma;
29. É o paradigma daquele "comportamento que se mostra susceptível de frustrar crenças plausíveis ou expectativas legitimamente constituídas, envolvendo uma rotura inadtuissioel da previsibilidade e calculubilidade de uma conduta futura";
30. Por todo o exposto, o acto de declaração de caducidade é violador do principio da boa-fé e da tutela da confiança previsto no artigo 8° do CPA;
31. A decisão recorrida padece do vício de procedimento, por preterição da formalidade essencial da audiência dos interessados uma vez que estava vinculada a ouvir a Recorrente, antes de proferir a decisão final, conforme o impõe o artigo 93° do CPA mas, todavia, não o fez;
32. As normas do CPA relativas ao direito de audiência são aplicáveis a todos os procedimentos administrativos, mesmos aos especiais, excepto àqueles cuja natureza ou decisão a elas se oponha, o que não é o caso aqui em apreço;
33. A decisão recorrida apanhou a Recorrente de surpresa, dado que não teve oportunidade de carrear para o procedimento, em momento prévio à tomada de decisão, todos os factos e aspectos reveladores dos seus legítimos direitos e interesses, tentando demonstrar, entre o mais, que não teve culpa e que não lhe imputável o incumprimento contratual;
34. A falta de cumprimento da audiência de interessados, violando os princípios da imparcialidade e da participação dos particulares na formação das decisões que lhe dizem respeito, faz inquinar a decisão recorrida de ilegalidade, por violação da norma referida.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 78 a 97 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Por despacho do Relator de 10/05/2017, foi indeferida a inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente.
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Em 23/05/2017, a Recorrente reclamou para a Conferência do despacho acima em referência.
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Devidamente notificada da reclamação, a Entidade Recorrida pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
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Tanto a Recorrente como a Entidade Recorrida ambas apresentaram as alegações facultativas, mantendo, no essencial, as posições já tomadas, respectivamente, na petição inicial e na contestação.
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O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
   “Tendo ambas as partes já apresentado as alegações, em homenagem do princípio da economia processual, vamos emitir parecer tanto sobre a Reclamação deduzida pela recorrente, como quanto aos vícios assacados ao despacho em escrutínio.
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1. Natureza da declaração da caducidade preclusiva
   Antes de mais, impõe-se salientar que o despacho atacado nestes autos consiste em declarar a caducidade da concessão do terreno melhor identificado na petição, com fundamento da expiração em 25/12/2014 do prazo de 25 anos contratualmente fixado para essa concessão.
   Em relação a qualquer concessão de terreno cujo prazo se encontre definitivamente expirado, o Venerando TUI assevera peremptoriamente no seu recente Acórdão tirado no Processo n.º28/2017: «III – Decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. Quer isto dizer que o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano.»
   Em esteira desta prudente jurisprudência, podemos inferir que verificado o decurso do prazo de 25 anos da concessão provisória, o Chefe do Executivo fica obrigado a declarar a caducidade preclusiva, sem outra alternativa, e nesta medida, a declaração da dita caducidade preclusiva de concessão de terrenos constitui acto administrativo vinculado.
   Importa sublinhar que para além de afirmar concludentemente ser imperativo e impostergável o prazo máximo de 25 anos, o Venerando TSI vem sedimentando a jurisprudência no sentido de que é completamente vinculada a declaração da caducidade de concessão de terreno, desde que se verifique o não aproveitamento dentro do prazo de 25 anos (vide. acórdãos nos Processos n.º672/2015, n.º15/2016, n.º179/2019 e n.º743/2016).
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2. Quanto à Reclamação
   Sem necessidade da citação especificativa dos concretos arestos e correspondentes processos, podemos tranquilamente extrair que vê firmemente consolidada a jurisprudência do venerando TSI, no sentido de que é irrelevante e inútil a prova testemunhal para a boa decisão da causa em que se discute a validade de acto declarativo da caducidade do contrato de concessão de terreno, derivada do não aproveitamento do terreno antes do peremptório decurso do prazo máximo de 25 anos.
   Por sua vez, o Venerando TUI proclama deliberadamente no Acórdão decretado no Processo n.º28/2017: «IV - E o Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.»
   Observando à orientação jurisprudencial acima aludida, temos por inquestionável que o douto despacho de fls.105 e verso é impecável e está em perfeita conformidade com o princípio da economia processual, e deste modo, é necessariamente insubsistente a Reclamação aduzida do referido despacho de não inquirição de testemunhas (cfr. fls.108 a 118 dos autos).
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3. Dos vícios invocados pela recorrente
   Na petição inicial e nas alegações facultativas de fls.127 a 158 dos autos, a recorrente «Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.» assacou, ao despacho em sindicância, a violação do princípio da imparcialidade bem como do da boa fé e da tutela da confiança e ainda o vício de forma por preterição indevida da audiência prévia.
   Ensina a sensata jurisprudência (vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º15/201 e n.º179/2016): A violação dos limites internos da actividade administrativa plasmados na maior parte dos princípios gerais de direito administrativo constantes dos arts.3º a 14º do CPA só pode ser operante, para efeito da invalidade do acto, nos casos de actividade discricionária e, dentro desta, nas situações em que o acto evidencia uma manifesta, ostensiva e grosseira ofensa destes, por isso, os princípios da boa fé, da imparcialidade e da proporcionalidade, enquanto limites da actividade administrativa discricionária são inoperantes quando a Administração age sob vinculação legal.
   Perfilhamos inteiramente a tese que proclama (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º743/2015): «Sendo vinculada a actividade em causa e impondo ela a prática do acto de declaração de concessão, quaisquer vícios imputados ao acto no recurso contencioso que sejam próprios da actividade discricionária, designadamente os que caracterizam a violação de princípios gerais do direito administrativo, tais como o da proporcionalidade, boa fé e tutela da confiança e da igualdade, só podem ser tidos como improcedentes.»
   Ora, afigura-se-nos sã a jurisprudência que preconiza que os vícios imputados a acto que tenham o seu campo de aplicação vocacionado exclusivamente aos actos administrativos integrados em actividade discricionária (como é, por exemplo, o caso dos vícios invocados respeitantes a violação do princípio da igualdade, imparcialidade, proporcionalidade, protecção dos direitos e interesses dos residentes) terão que ser julgados improcedentes. (vide. Acórdão do TSI no Processos n.º672/2015)
   Subscrevemos também a jurisprudência pacífica que afirma que a falta de audiência de interessados, no âmbito da actividade vinculada se degrada em formalidade não essencial se for de considerar que o acto sindicado só podia ter o conteúdo que efectivamente teve. (vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º179/2016 e n.º743/2016, e os do TUI nos Processos n.º11/2012 e n.º20/2016)
   À luz destas jurisprudências, e sem necessidade de consideração mais desenvolvida, colhemos sossegadamente que não se verifica qualquer dos vícios arrogados pela recorrente.
***
   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência da Reclamação, e pelo não provimento do recurso contencioso em apreço.”
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  Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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III – Factos
É assente a seguinte factualidade relevante com interesse à boa decisão da presente lide com base nas provas existentes nos autos e no respectivo PA:
1. Através do Despacho n.º 27/SATOP/89, publicado no 2.° Suplemento ao Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 26 de Dezembro de 1989, foi titulado o contrato de concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 1420m2, situado na península de Macau, na ZAPE, designado por lote "b" do Quarteirão 6, a favor da "Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.".
2. Conforme a cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura, porém, não tendo sido celebrada a escritura, por força do disposto no n.º 1 do artigo 4.° da Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho, a concessão passou a ser titulada pelo sobre dito despacho, passando o prazo de arrendamento a contar-se da data da sua publicação.
3. Segundo a cláusula terceira do respectivo contrato de concessão, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, compreendendo 20 pisos, afectados às finalidades de comércio, de hotel e de estacionamento.
4. De acordo com a cláusula quinta do contrato de concessão acima referido, o prazo global de aproveitamento do terreno em causa seria de 30 meses, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que autoriza o contrato.
5. Posteriormente, devido ao estudo prévio submetido em 07 de Novembro de 1992, por despacho do Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas (SATOP), de 05 de Janeiro de 1996, exarado na informação n.º 001/SOLDEP/96, de 02 de Janeiro, foram autorizados a alteração da finalidade hoteleira do terreno para escritórios e o envio da minuta da revisão do contrato de concessão à concessionária, devendo no entanto aplicar-se uma multa máxima no montante de $180.000,00 patacas pelo incumprimento do prazo de aproveitamento do terreno.
6. Após a concessionária ter concordado com as condições fixadas para a revisão, depois de ouvido o parecer da Comissão de Terras e contemplando as justificações apresentadas pela concessionária e a análise do Departamento de Solos (SOLDEP), em 06 de Agosto de 1997, o SATOP proferiu o seguinte despacho na informação n.º 148/SOLDEP/97, de 17 de Julho: tendo presentes as condições actuais do mercado imobiliário, diferentes das existentes há 3 ou 4 anos, tendo também presente a disponibilidade da Administração para a resolução da situação de incumprimento parcial e a disponibilidade da concessionária na busca de solução, autorizo a anulação da multa relativa ao não cumprimento do aproveitamento do no em análise.
7. Em 19 de Agosto de 1997, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), através de ofício, notificou a concessionária do despacho acima referido, anexando a respectiva minuta do contrato.
8. Após a concessionária ter aceite as condições fixadas no contrato de concessão revisto, procedeu-se à revisão do respectivo contrato de concessão, através do Despacho n.º 149/SATOP/97, publicado no Boletim Oficial de Macau, 49, II Série, de 03 de Dezembro de 1997.
9. O terreno está descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º 22608 a fls. 172 do livro B63K e os direitos resultantes da concessão do mesmo estão inscritos a favor da concessionária sob o n.º 4291 do livro F20K.
10. Segundo a cláusula terceira do respectivo contrato de concessão, o terreno seria aproveitado com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por 3 caves e uma torre com 16 pisos, afectados às finalidades de escritórios, comércio e de estacionamento.
11. O prazo global de aproveitamento do terreno seria de 60 meses, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que titula o contrato, ou seja, até 02 de Dezembro de 2002.
12. E o prazo do arrendamento foi fixado em 25 anos, ou seja, até 25 de Dezembro de 2014.
13. Na proposta n.º 232/DSODEP/2015, de 25 de Setembro de 2015 do DSODEP, foi feito o relatório do respectivo processo no qual se diz: Conforme a cláusula segunda do contrato de concessão, o prazo de arrendamento do lote "b" terminou em 25 de Dezembro de 2014. Em conformidade com o estipulado no artigo 44.° e no n.º 1 do artigo 47.° da Lei n.º 10/2013 (nova Lei de terras), a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo que não pode exceder 25 anos e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente. As concessões provisórias não podem ser renovadas nos termos do artigo 48.° da mesma Lei. Neste contexto, dado que a concessão do lote "b" não se tornou definitiva e que nos termos da legislação em vigor, a concessão provisória não pode ser renovada, verifica-se a caducidade pelo decurso do prazo. Deste modo, propõe-se superiormente a autorização para o desencadeamento do procedimento de caducidade da concessão provisória verificada pelo decurso do prazo, assim como o envio do respectivo processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer e ulteriores tramitações.
14. Na sequência do parecer concordante do director da DSSOPT, o STOP manifestou igualmente a sua concordância por despacho de 23 de Outubro de 2015.
15. Por despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo de 08 de Novembro de 2016, foi declarada a caducidade da concessão.
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IV – Fundamentação
1. Da reclamação do despacho do Relator pelo qual se determinou a não inquirição das testemunhas arroladas
Vem a Recorrente reclamar para a Conferência o despacho do Relator de 10/05/2017 (fls. 105 e 105v dos autos), pelo qual de determinou a não inquirição das testemunhas arroladas por entender que a requerida diligência probatória é desnecessária para a boa decisão da causa.
Analisada a situação concreta do caso, concordamos a decisão reclamada no sentido de não ser necessária no âmbito dos presentes autos a produção de prova testemunhal, visto que a caducidade da concessão foi declarada com fundamento no decurso do prazo da concessão provisória sem que esta convertida em definitiva.
Nesta medida, ainda que as razões invocadas (não é imputável na falta de aproveitamento dentro do prazo) pela Recorrente sejam consideradas procedentes, a mesma já não poderá proceder ao seu aproveitamento por qualquer forma.
Assim, em nome da economia processual e com vista a evitar a prática de actos inúteis, é de manter a decisão reclamada, julgando improcedente a reclamação apresentada.
2. Do recurso contencioso
O presente recurso contencioso consiste em apreciar a eventual legalidade/ilegalidade do acto recorrido, pelo qual se declarou a caducidade da concessão do terreno em questão.
A nova Lei de Terra prevê duas situações da caducidade da concessão dos terrenos urbanos, a saber:
1- A falta de aproveitamento dentro do prazo fixado (cfr. artº 166º da Lei nº 10/2013); e
2- O termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva (cfr. artº 52º da Lei nº 10/2013).
Para a primeira situação, a Lei de Terra permite, a requerimento do concessionário, a suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno sob autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo (nº 5 do artº 104º da Lei nº 10/2013).
O que já não acontece para a segunda situação, pois o legislador não prevê outra alternativa para além da caducidade da concessão provisória.
Ou seja, uma vez decorrido o prazo da concessão provisória do terreno sem esta ter sido convertida em definitiva, independentemente havendo ou não culpa do concessionário ou prévia declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo fixado, verifica-se sempre a caducidade da concessão provisória.
É a chamada caducidade-preclusão (ou caducidade preclusiva), que depende somente dum facto objectivo simples, que é justamente o decurso do prazo legal ou contratualmente estabelecido.
No mesmo sentido, veja-se os acórdãos deste Tribunal, de 08/06/2016 e de 09/11/2017, proferidos nos Procs. nº 179/2016/A e 375/2016, respectivamente.
Como a lei se impõe, sem qualquer alternativa, a verificação da caducidade no caso do termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva, a respectiva declaração da caducidade constitui uma actividade administrativa vinculada.
Feito o estudo preliminar da natureza do acto da declaração da caducidade para os casos do termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva, voltamos então ao caso dos autos.
Para a Recorrente, o acto recorrido padece dos seguintes vícios:
a) violação do princípio da imparcialidade com a não verificação da imputabilidade do incumprimento contratual;
b) violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança; e
c) vício de forma por falta de audiência prévia.
1. Da não verificação da imputabilidade do incumprimento contratual:
Já supra referimos que a caducidade com base no termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva (cfr. artº 52º da Lei nº 10/2013) é uma caducidade-preclusão (ou caducidade preclusiva), que depende somente dum facto objectivo simples, que é justamente o decurso do prazo legal ou contratualmente estabelecido.
Ou seja, uma vez decorrido o prazo da concessão provisória do terreno sem esta ter sido convertida em definitiva, independentemente havendo ou não culpa do concessionário ou prévia declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo fixado, verifica-se sempre a caducidade da concessão provisória.
Nesta conformidade, existe ou não culpa no incumprimento do contrato de concessão por parte da Recorrente deixa de ser relevante para o caso concreto.
2. Da violação dos princípios da imparcialidade, da boa-fé e da tutela da confiança:
Os vícios supra identificados só existem nas actividades administrativas discricionárias.
Já vimos que a lei se impõe, sem qualquer alternativa, a verificação da caducidade no caso do termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva, pelo que a respectiva declaração da caducidade constitui uma actividade administrativa vinculada.
Ora, sendo uma actividade administrativa vinculada, os alegados vícios nunca são operantes.
No mesmo sentido, vejam-se os acórdãos do TUI, de 08.06.2016 e 22.06.2016, proferidos, respectivamente, nos Proc. nº 9/2016 e 32/2016.
Improcedem, assim, estes fundamentos do recurso.
3. Da falta de audiência prévia:
Como é sabido, a audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPAC, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
E destina-se a evitar, face ao administrado, o efeito surpresa e, no mesmo passo, garantir o contraditório, de modo a que não sejam diminuídos os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados.
A doutrina e a jurisprudência portuguesa, cujo sistema jurídico é igual ou semelhante ao nosso, pelo que citamos a título do Direito Comparado, têm vindo a entender que a preterição dessa formalidade pode, em certos casos, ser ultrapassada se daí não resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto, isto é, quando, atentas as circunstâncias concretas, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada (Ac. do STA, proferidos nos Recursos nºs 1240/02, 671/10 e 833/10, respectivamente, de 03/03/2004, 10/11/2010 e 11/05/2011).
No caso em apreço, já vimos que a lei se impõe, sem qualquer alternativa, a verificação da caducidade no caso do termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva, pelo que a respectiva declaração da caducidade constitui uma actividade administrativa vinculada.
Nesta conformidade, a audiência da Recorrente deixa de ter qualquer efeito útil, uma vez que nada pode influenciar a decisão a tomar pela Entidade Recorrida.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente a reclamação apresentada, bem como o recurso contencioso, confirmando a decisão reclamada e o acto recorrido.
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Custas pela Recorrente com 3UC e 10UC de taxa de justiça, respectivamente, para a reclamação e o recurso contencioso.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 01 de Fevereiro de 2018.
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Ho Wai Neng Mai Man Ieng
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong

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26/2017