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Processo nº 466/2017
(Autos de recurso civil)

Data: 1/Fevereiro/2018

Assuntos: Acordo intitulado “contrato-promessa”
      Vontade real das partes

SUMÁRIO
Não obstante as partes terem celebrado um acordo intitulado “contrato-promessa”, mas logrando-se a prova de que a vontade real das partes não era celebrar um contrato-promessa, mas sim titular formalmente a transmissão da posse dos terrenos para o recorrente, a fim de este negociar com o Governo de Macau a sua concessão, e não tendo o recorrente logrado impugnar a resposta dada pelo Tribunal recorrido quanto a esta matéria, não se pode qualificar materialmente o referido acordo como sendo um contrato-promessa, e muito menos, considerar o mesmo violado por não ter sido celebrado o contrato definitivo.


O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 466/2017
(Autos de recurso civil)

Data: 1/Fevereiro/2018

Recorrente:
- A (Autor)

Recorridos:
- B, C, D, herdeiros incertos de E, F, G, H e herdeiros incertos de I (Autores)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Inconformado com a sentença que julgou improcedente a acção intentada por A, com sinais nos autos (doravante designado por “recorrente”), interpôs o referido Autor recurso ordinário para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O recorrente sustenta que o Tribunal a quo, ao ter fundado o seu entendimento de não se tratar de um contrato-promessa na circunstância de não existir uma expressa cláusula de que constasse que as partes queriam celebrar no futuro um contrato de compra e venda, ergueu a questão da existência de uma tal cláusula como critério delimitador do que seja ou não de qualificar como contrato-promessa.
2. Ora, o recorrente sustenta que um tal entendimento é ostensivamente atentatório do exercício pelas partes da sua liberdade contratual e da sua autonomia da vontade privada, nomeadamente a de querer aderir ao figurino de um contrato tipificado na lei – cfr. art. 405º do Código Civil anterior a 1999 e art. 399º do hoje vigente.
3. Ao não ter adoptado a ora propugnada interpretação e aplicação das normas jurídicas constantes dos artigos 405º, 410º e 830º do Código Civil vigente à data, homólogas às actualmente vigentes normas sediadas nos artigos 399º, 404º e 820º do Código Civil, o Tribunal a quo procedeu à violação das mesmas normas jurídicas, o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 598º do CPC.
4. Por outro lado, ao não ter o Tribunal a quo considerado que o preço total logo pago em 1992 implicou uma transferência patrimonial que não teve até 1999 e, após 20 DEZ 1999, deixou de poder ter legalmente qualquer causa subjacente, fez errada interpretação e aplicação das normas jurídicas constantes dos artigos 790º, n.º 2, 427º e 282º, n.º 1 do Código Civil, o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 598º do CPC.”
Conclui, pedindo a revogação da sentença recorrida e que, em consequência, sejam os Réus condenados a pagar ao Autor nos precisos termos peticionados em sede de petição inicial.
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Devidamente notificados, apresentaram resposta ao recurso os Réus B, F e D, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. No seu recurso, o Recorrente omite que resulta da resposta dada ao quesito 30º da Base Instrutória que “Com o acordo referido na resposta ao quesito 1º, o Autor e I não pretenderam prometer comprar e vender o terreno, mas pretenderam titular formalmente a transmissão da posse do mesmo terreno, de I para o Autor a fim de este negociar com o Governo de Macau a concessão de tal terreno por arrendamento.”
2. Considerando aquela matéria de facto dada como provada (e que não foi impugnada pelo Recorrente), é a própria lei que impõe que o negócio seja interpretado de acordo com a vontade real das partes (artigo 228º, n.º 2 do Código Civil), tendo sido com base nessa norma legal que o Mm.º Tribunal Judicial de Base proferiu a sentença posta em crise pelo Recorrente, recusando qualificar juridicamente o contrato em apreço como sendo um contrato-promessa.
3. Atento o exposto, era e é impossível ao Tribunal qualificar o contrato em apreço como um contrato-promessa e, muito menos, considerar que o mesmo foi violado por força da não realização de uma suposta escritura de compra e venda.
4. Ficando antes demonstrado que o contrato pretendia titular, em termos formais, a sucessão do Autor na posse daquele terreno, permitindo-lhe, então, apresentar-se junto da Administração como possuidor e negociar o respectivo aproveitamento, tudo conforme resulta da resposta dada ao quesito 30º da Base Instrutória, pelo que a sentença impugnada não padece do vício apontado pelo Recorrente.
5. Por outro lado, o Recorrente, partindo do pressuposto de que estava em causa um contrato-promessa cujo cumprimento se tornou impossível por culpa exclusiva do Sr. I, conclui pela verificação de um injusto e injustificável enriquecimento do Sr. I e consequente empobrecimento do Recorrente.
6. Não obstante tal alegação se encontrar prejudicada não só pelo facto de não estar em causa um contrato-promessa, mas também porque o incumprimento ou impossibilidade culposa não operar nos termos do enriquecimento sem causa, sempre se dirá que o Recorrente não pode, nesta fase processual, alterar a causa de pedir, passando a alegar um suposto enriquecimento sem causa do Sr. I.
7. Já em sede de contestação, a Recorrida D, acautelando interpretações que porventura os Tribunais viessem a efectuar da petição inicial subscrita pelo Recorrente, alegou a prescrição dos direitos do Recorrente, tanto por enriquecimento sem causa como por incumprimento por impossibilidade não culposa, tendo o Mm.º Tribunal Judicial de Base decidido não tomar conhecimento dessas excepções por entender que o Recorrente não invocou tais causas de pedir como fundamento do seu pedido.
8. Ora, não tendo o Recorrente sustentado o seu pedido naquelas causas de pedir, não pode agora em sede de recurso provocar a alteração da causa de pedir.
9. Mas ainda que assim não se entenda e caso se afigure que o suposto enriquecimento sem causa já havia sido invocado pelo Recorrente em sede de petição inicial, então sempre deverão V. Ex.as apreciar as prescrições oportunamente alegadas pela Recorrida D, sob pena de violação do princípio da igualdade de armas, sendo evidente que o prazo prescricional de 3 anos já há muito se encontrava ultrapassado.”
Concluem, pugnando pela negação de provimento ao recurso, com a consequente manutenção da sentença impugnada.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Em 29 de Abril de 1992, o Autor e I, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM n.º 7XXXXX9(4), residente na Povoação de XX, n.º XX, Ilhas, falecido em 27 de Janeiro de 2003, celebraram, por escrito, um acordo do qual consta que o Autor declarou prometer comprar e que o referido I declarou prometer vender-lhe três troços de um terreno do tipo de escritura de papel de seda sito em Coloane, XX, melhor identificados no documento n.º 4, junto a fls. 20 a 27 (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
O primeiro era o troço 4 constante do documento junto a fls. 23 e 24 (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
O segundo era o troço 6 constante do documento junto a fls. 23 e 24 (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
O terceiro era o troço 9 constante do documento junto a fls. 23 e 24 (reposta ao quesito 4º da base instrutória).
O Autor e o referido I consignaram no acordo escrito que celebraram, e o segundo disse à data ao Autor, que os terrenos e a correspectiva escritura de papel de seda lhe haviam sido ambos deixados pelos seus antepassados (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
Autor e I acordaram que depois da celebração do acordo referido na resposta ao quesito 1.º I (resposta ao quesito 6º da base instrutória):
- deveria fornecer os respectivos documentos comprovativos; e
- deveria ajudar o Autor a tratar das formalidades nos respectivos departamentos do Governo e aproveitar o referido lote de terreno.
O Autor e o I acordaram que o cálculo do preço de venda do citado terreno seria de HK$170,00 por pé quadrado (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
O Autor pagou ao I a totalidade do preço de venda acordado, ou sejam, HK1.668.009,40 (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
O troço 4 tem a área de 2.544,74 ft2 (pés quadrados) (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
O troço 6 tem a área de 1.417,09ft2 (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
O troço 9 tem a área de 5.849,99 ft2 (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
I nada fez para a celebração de qualquer escritura pública de compra e venda dos 3 terrenos com o Autor (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
I nunca celebrou escritura pública de compra e venda dos 3 terrenos com o Autor (resposta ao quesito 21º da base instrutória).
I nunca pediu o reconhecimento judicial por via de usucapião do direito de propriedade sobre os terrenos referidos na resposta ao quesito 1º (resposta ao quesito 22º da base instrutória).
Em data não apurada mas depois da celebração de compra e venda dos 3 terrenos, foi anexada ao acordo referido na resposta ao quesito 1º um certificado emitido pela Associação de Auxílio Mútuo dos Moradores da Povoação de XX atestando que o Autor1 tinha terrenos nesta Povoação (resposta ao quesito 22ºA da base instrutória).
O documento comummente designada por escritura de papel de seda estava, como sempre estivera e ainda hoje está, depositada na sede da Associação de Auxílio Mútuo dos Moradores da Povoação de XX, não sendo permitido o seu levantamento (resposta ao quesito 23º da base instrutória).
Facto que era do conhecimento do Autor (resposta ao quesito 24º da base instrutória).
I entregou as 3 parcelas de terreno ao Autor (resposta ao quesito 26º da base instrutória).
O Autor recebeu-as assim que foi paga a totalidade do preço acordado (resposta ao quesito 27º da base instrutória).
Tendo logo negociado com terceiros – em 3 de Setembro de 1992 – a constituição de uma sociedade e o financiamento necessário para o aproveitamento de todas aquelas parcelas de terreno (resposta ao quesito 28º da base instrutória).
Com o acordo referido na resposta ao quesito 1º, o Autor e I não pretenderam prometer comprar e vender o terreno, mas pretenderam titular formalmente a transmissão da posse do mesmo terreno, de I para o Autor a fim de este negociar com o Governo de Macau a concessão de tal terreno por arrendamento (resposta ao quesito 30º da base instrutória).
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O recorrente insurge-se contra a sentença recorrida, na parte em que não considerou o acordo celebrado entre Autor e I como sendo um contrato-promessa.
Em primeiro lugar, entende o recorrente que, por um lado, tendo as partes outorgantes celebrado um acordo intitulado “contrato-promessa”, e por outro, tendo o “promitente-comprador” pago o preço ao “promitente-vendedor”, o referido acordo não pode deixar de ser um contrato-promessa.
Salvo o devido respeito, julgamos não assistir razão ao recorrente.
É verdade que o acordo celebrado entre os outorgantes intitulava-se “contrato-promessa”, mas logrou-se apurar, após a audiência de discussão e julgamento, que os outorgantes não pretenderam com o referido acordo comprar e vender os lotes de terreno mas apenas titular formalmente a transmissão da posse dos terrenos de I para o recorrente, a fim de este negociar com o Governo de Macau a concessão desses mesmos terrenos (cfr. resposta ao quesito 30.º da base instrutória).
Nos termos do artigo 228.º do Código Civil, “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”
Uma vez provado que a vontade real das partes não era celebrar um contrato-promessa, mas sim titular formalmente a transmissão da posse dos terrenos para o recorrente, a fim de este negociar com o Governo de Macau a sua concessão, e não tendo o recorrente logrado impugnar a resposta dada pelo Tribunal recorrido quanto a esta matéria, não se pode qualificar materialmente o referido acordo como sendo um contrato-promessa, e muito menos, considerar o mesmo violado por não ter sido celebrado o contrato definitivo.

Em segundo lugar, entende ainda o recorrente que tendo pago o preço ao “promitente-vendedor”, mas havendo impossibilidade legal da celebração do contrato prometido, teria pelo menos direito a receber de volta o dinheiro pago, sob pena de implicar um enriquecimento sem causa do “promitente-vendedor”.
Sem embargo de melhor opinião, julgamos igualmente sem razão o recorrente.
Em boa verdade, trata-se de uma causa de pedir não alegada pelas partes, mormente pelo Autor, ora recorrente, pelo que não se deve conhecer da questão em sede de recurso.
Mas mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que, conforme dito acima, os outorgantes não pretenderam com o referido acordo comprar e vender os terrenos mas apenas titular formalmente a transmissão da posse dos terrenos para o recorrente, a fim de este poder negociar com o Governo de Macau a sua concessão e aproveitamento.
E também ficou provado que o recorrente e o I acordaram que depois da celebração do referido acordo, este ficaria obrigado a fornecer àquele os respectivos documentos comprovativos e ajudá-lo a tratar das formalidades nos respectivos departamentos do Governo e aproveitar os referidos lotes de terreno, e foi isso que I fez. Aliás, em nenhum momento, como vem afirmado na sentença recorrida, I ficou com a obrigação de celebrar no futuro um contrato definitivo de compra e venda a fim de vender ao recorrente os três lotes de terreno.
Nestes termos, não se pode dizer que houve um enriquecimento sem causa, uma vez que I, atento o acordo celebrado, cumpriu tudo aquilo que devia cumprir, e não logrou o recorrente, sobre o qual impende o ónus da prova, demonstrar que I não forneceu os documentos comprovativos ou não ajudou o recorrente a tratar das formalidades nos respectivos departamentos do Governo e aproveitar os referidos lotes de terreno.
Nestes termos, julgamos não merecer reparo a sentença recorrida, negando-se provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente A, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
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 RAEM, 1 de Fevereiro de 2018
 
 
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
_________________________
Fong Man Chong
(Com declaração de voto vencido)

Processo nº 466/2017 (recurso em matéria cível)
Recorrente: - A (Autor)
Recorridos: - B, C, D, herdeiros incertos de E, F, G, H e herdeiros incertos de I (Réus)


DECLARAÇÃO DE VOTO
  
  
  Não subscrevo, salvo o melhor respeito que é muito, a decisão final do douto Acórdão, nem a sua fundamentação, por razões que passo a expôr sumariamente:

I - Conforme o que está consignado na sentença recorrida, ficaram provados, entre outros, os seguintes factos:
- Em 29 de Abril de 1992, o Autor e I, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM n.º 7XXXXX9(4), residente na Povoação de XX, n.º 34, Ilhas, falecido em 27 de Janeiro de 2003, celebraram, por escrito, um acordo do qual consta que o Autor declarou prometer comprar e que o referido I declarou prometer vender-lhe três troços de um terreno do tipo de escritura de papel de seda sito em Coloane, Ká Hó, melhor identificados no documento n.º 4, junto a fls. 20 a 27 (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
- O Autor pagou ao I a totalidade do preço de venda acordado, ou sejam, HK1.668.009,40 (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
  - I nunca celebrou escritura pública de compra e venda dos 3 terrenos com o Autor (resposta ao quesito 21º da base instrutória).
  - Com o acordo referido na resposta ao quesito 1º, o Autor e I não pretenderam prometer comprar e vender o terreno, mas pretenderam titular formalmente a transmissão da “posse” do mesmo terreno, de I para o Autor a fim de este negociar com o Governo de Macau a concessão de tal terreno por arrendamento (resposta ao quesito 30º da base instrutória).

Perante este quadro, o Tribunal a quo entende que o acordo celebrado não é um contrato-promessa, essencialmente por causa da resposta dada ao quesito 30º acima citado. Ora, salvo o merecido respeito, não acompanho este raciocínio, visto que:
1) Em 1º lugar, o acordo (fls. 20), que deu origem ao presente litígio, na sua cláusula 6ª faz remissão expressa para o artigo 830º do CC de 1966, normativo que disciplina especificadamente o contrato-promessa;
2) Em 2º lugar, o próprio nome do acordo, baptizado pelas partes, também se chama “contrato-promessa”;
3) Em 3º lugar, ainda que a intenção verdadeira das partes é transmitir a “posse” (na resposta ao quesito não devia usar este conceito jurídico) (domínio de facto sobre os terrenos em causa) para que o promitente-comprador pudesse tratar de formalidades administrativas junto de repartições governamentais, ainda que se considere válida esta argumentação, esta não invalida a qualificação do acordo como um autêntico contrato-promessa. Dito doutra forma, a “posse” legitimada e titulada pelo “promitente-comprador” através da celebração do acordo em causa, não é incompatível com a existência e qualificação desse mesmo acordo como contrato-promessa de compra e venda.
4) Em 4º lugar, se tal acordo não fosse um “contrato-promessa”, o que ele é juridicamente? Do mesmo modo, pergunta-se, o que é e que representa o pagamento de preço efectuado? A que título é que o “promitente-vendedor” o recebeu? É caução? Ou outra coisa sui generis? O tribunal, quer a quo, quer ad quem, há-de proceder à sua qualificação em termos de direito. Para este efeito, há-de ser analisado o conteúdo desse mesmo acordo e tirar as consequências respectivas.
5) – Em 5º lugar, provar que houve entrega do preço, provar que foi celebrado o respectivo acordo, mas não se procede, na sentença recorrida, à qualificação jurídica desse mesmo acordo, verifica-se insucifiência da fundamentação da decisão, senão contraditória.
II – O acordo constante do documento nº 2 (fls. 20) nunca foi posto em causa pelas partes, logo há-de aceitar-se a sua autenticidade e aceita-se que as declarações nelas consignadas valem no seu todo. Funciona aqui o princípio da indivisibilidade das declarações documentadas, consagrado no artigo 370º/2 (última parte) do CC.
III – Nestes termos, salvo melhor opinião em sentido contrário, é do nosso entendimento que o acordo é um contrato-promessa, por satisfazer os requisito exigidos pelos artigos 430º e 830º do CC de 1966.
IV – Volvidos largos anos sem que o contrato prometido viesse a ser celebrado, por o objecto de compra e venda não estar legalmente “regularizado”, ou seja, a coisa prometida a vender não chegou a entrar na esfera jurídica de quem prometeu vender, é justo declarar resolvido o acordo em causa e restituir o que foi recebido.
V – Numa perspectiva diferente, o resultado seria o mesmo. Se entendesse que o acordo padecesse de vício substancial, por vender uma coisa alheia, ou futura, como tal seria nulo o acordo, então deveria também restituir-se o que houver recebido.
VI – O facto provado de que houve entrega dos terrenos não invalida a conclusão acima exposta, visto que a transmissão da propriedade dos imóveis está sujeita à forma especial que é a escritura pública. No caso tal é impossível porque os terrenos não entram no património do promitente-vendedor.
VII - Quer o conceito de contrato-promessa, quer o de “posse”, são conceitos jurídicos e como tal a sua subsunção não está limitada pelas alegações ou impugnações das partes. É o que manda o artigo 567º do CPC. Despois, o artigo 436º do CPC manda: “O Tribunal deve tomar em consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.” Nesta óptica, terá razão o recorrente quando argumenta que devia ser o regime de contrato-promessa aplicável ao caso dos autos, não assim o fazendo, violou-se esse mesmo regime.
VIII - Face a tudo o que vem de se expôr e em consonância com o sentido trilhado pelo nosso raciocínio, só nos resta concluir pela procedência do recurso, revogando a sentença recorrida e condenar a restituição da quantia peticionada pelo Recorrente/Autor.
IX - É este, com a devida vénia, nos aspectos essenciais, o sentido da minha declaração de voto vencido.
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  Macau, 1 de Fevereiro de 2018.



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Fong Man Chong



1 Verifica-se um lapso manifesto na resposta, na medida em que tanto o documento de fls. 293 e 294 como a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto pretendem referir-se a “Cheong Va” e não ao “Autor”.
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Recurso Cível 466/2017 Página 5