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Processo n.º 823/2017 Data do acórdão: 2018-2-8 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
– multas contravencionais
– cúmulo matemático de multas
– art.o 71.o, n.os 1 e 2, do Código Penal
– pagamento voluntário de multas antes do julgamento
S U M Á R I O

1. Não se verifica o vício de erro notório na apreciação da prova aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal, se após examinados todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra patente que a livre convicção formada pelo tribunal recorrido aquando do julgamento da matéria de facto tenha sido obtida com violação de quaisquer regras da experiência da vida humana, ou de quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou ainda, de quaisquer leges artis vigentes nesse campo de julgamento de factos.
2. A multas contravencionais, não se pode aplicar as regras do cúmulo jurídico das penas do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do Código Penal, porque a pretensa operação de cúmulo jurídico de multas contravencionais irá comprometer, ilogicamente, a lógica do mecanismo de pagamento voluntário de multas contravencionais, cujas regras (vertidas inclusivamente nos art.os 92.o, n.o 1, e 96.o, n.o 1, do Código de Processo do Trabalho, à luz das quais cada multa contravencional, no caso de pagamento voluntário antes da remessa do processo para o tribunal, ou até ao início da audiência de julgamento em tribunal, fica liquidada no seu montante mínimo legal) devem ser consideradas como constituindo “disposição em contrário” ressalvada na parte inicial do n.o 1 do art.o 124.o do Código Penal, pois caso contrário nenhuma pessoa arguida contravencionalmente optaria por pagar voluntariamente as multas contravencionais antes da remessa do processo para o tribunal ou nem mesmo até ao início da audiência de julgamento em tribunal, já que sairia ela quase sempre mais beneficiada da audiência de julgamento, se lhe fosse possível o cúmulo jurídico de multas contravencionais.
3. A multa contravencional e a multa penal são distintas no tocante à hipótese do seu pagamento antes da audiência de julgamento: em multas penais, não há figura de pagamento voluntário antes do julgamento e condenação pelo tribunal penal (cfr. o que se retira, a contrario sensu, da norma do n.o 1 do art.o 470.o do Código de Processo Penal), enquanto já a há em processo contravencional, nos termos já acima vistos.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 823/2017
(Autos de recurso em processo penal)
Recorrente (arguida transgressora):
A Limitada
(A有限公司)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida a fls. 235 a 243v do Processo de Contravenção Laboral n.º LB1-17-0027-LCT do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base que a condenou pela prática de uma contravenção p. e p. pelos art.os 43.o, n.o 2, e 85.o, n.o 3, alínea 2), da Lei n.o 7/2008, de 18 de Agosto (Lei das relações de trabalho, doravante abreviada como LRT), em seis mil patacas de multa, de três contravenções p. e p. conjugadamente pelo art.o 20.o da Lei n.o 21/2009, de 27 de Outubro (Lei de contratação de trabalhadores não residentes, doravante abreviada como LCTNR) e pelos art.os 45.o, n.o 2, e 85.o, n.o 3, alínea 2), da LRT, em cinco mil e quinhentas patacas por cada, de uma contravenção p. e p. pelos art.os 62.o, n.o 3, e 85.o, n.o 1, alínea 6), da LRT, em vinte mil patacas de multa, de três contravenções p. e p. conjugadamente pelo art.o 20.o da LCTNR e pelos art.os 62.o, n.o 3, e 85.o, n.o 1, alínea 6), da LRT, em vinte e cinco mil patacas por cada, de uma contravenção p. e p. pelos art.os 77.o e 85.o, n.o 3, alínea 5), da LRT, em cinco mil patacas de multa, de uma contravenção p. e p. pelos art.os 46.o, 75.o e 85.o, n.o 3, alínea 4), da LRT, em cinco mil patacas de multa, e finalmente, em cúmulo matemático dessas dez penas de multa, no total de cento e vinte e sete mil e quinhentas patacas de multa, para além de ficar condenada a pagar, em total, cento e cinquenta e duas mil quatrocentas e noventa patacas de quantia indemnizatória aos três trabalhadores ofendidos (ou seja, aos 2.o a 4.o ofendidos) identificados no dispositivo da mesma sentença, com juros legais contados desde a data da sentença até integral e efectivo pagamento, veio a arguida transgressora chamada A Limitada, já aí melhor identificada, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, principalmente, a existência de inobservância do dever de investigação, de insuficiência da prova, de erro notório na apreciação da prova, para além da falta de fundamentação da sentença recorrida e da contradição insanável da fundamentação e da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e, subsidiariamente, a violação das regras de cúmulo jurídico das penas do art.o 71.o do Código Penal (CP) (cfr., em mais detalhes, o teor da motivação do recurso apresentada a fls. 251 a 263v dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu o Ministério Público (a fls. 269 a 273) no sentido de improcedência do mesmo.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 296 a 298), pugnando também pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– a sentença ora recorrida encontra-se proferida a fls. 235 a 243v, cujo teor (incluindo a sua fundamentação fáctica, probatória e jurídica) se dá por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Da leitura da motivação do recurso, resulta nítido que a arguida transgressora, ao fim e ao cabo, acabou por sindicar o resultado do julgamento da matéria de facto já empreendido pelo Tribunal recorrido, pois embora tenha invocado diversas questões, a sua fundamentação do recurso para sustentar a procedência das mesmas se reconduz materialmente ao também alegado vício de erro notório na apreciação da prova aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), sendo certo que o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada foi impropriamente invocado, porque a mesma recorrente confundiu a questão de insuficiência da prova com este vício previsto no art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do CPP, por um lado, e, por outro, não se detecta, na leitura da fundamentação da sentença recorrida, que o Tribunal recorrido tenha violado o dever de investigação ou o art.o 321.o, n.o 1, do CPP ou ainda o art.o 355.o, n.o 2, do mesmo diploma processual penal, sendo, pois, a fundamentação da mesma sentença suficiente e coerente, sem contradição insanável nenhuma.
Quanto ao vício de erro notório na apreciação da prova, este não se verifica, porquanto após examinados de modo crítico e em globalidade todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra patente, aos olhos do presente Tribunal ad quem, que a livre convicção formada pelo Tribunal recorrido aquando do julgamento da matéria de facto tenha sido obtida com violação de quaisquer regras da experiência da vida humana, ou de quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou ainda, de quaisquer leges artis vigentes nesse campo de julgamento de factos. Cai, assim, também por terra a tese de insuficiência da prova (bastando, para chegar a essa conclusão, atender a um conjunto de elementos de prova mencionados na fundamentação probatória da sentença).
É, pois, de manter toda a factualidade já dada por provada na sentença recorrida, a qual dá para sustentar as contravenções laborais por que vinha condenada a recorrente em primeira instância.
Por fim, andou bem, e legalmente, o Tribunal recorrido ao proceder ao cúmulo matemático (e não jurídico) das multas parcelares aplicadas à arguida transgressora.
De facto, quanto a multas contravencionais, não se pode aplicar as regras do cúmulo jurídico das penas do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP, porque a pretensa operação de cúmulo jurídico de multas contravencionais irá comprometer, ilogicamente, a lógica do consabido mecanismo de pagamento voluntário de multas contravencionais, cujas regras (vertidas inclusivamente nos art.os 92.o, n.o 1, e 96.o, n.o 1, do Código de Processo do Trabalho vigente, à luz das quais cada multa contravencional, no caso de pagamento voluntário antes da remessa do processo para o tribunal, ou até ao início da audiência de julgamento em tribunal, fica liquidada no seu montante mínimo legal) devem ser consideradas como constituindo “disposição em contrário” ressalvada na parte inicial da norma do n.o 1 do art.o 124.o do CP, pois caso contrário nenhuma pessoa arguida contravencionalmente optaria por pagar voluntariamente as multas contravencionais antes da remessa do processo para o tribunal ou nem mesmo até ao início da audiência de julgamento em tribunal, já que sairia ela quase sempre mais “beneficiada” da audiência de julgamento, se lhe fosse possível a operação de cúmulo jurídico de multas a serem aplicadas judicialmente a suas contravenções cometidas.
Por aí fica demonstrado o carácter ilógico da tese de cúmulo jurídico de multas contravencionais, uma vez que o cúmulo jurídico destrói naturalmente o incentivo que o Legislador pretendeu dar a toda a pessoa arguida contravencionalmente para pagamento voluntário de multa.
É que a multa contravencional e a multa penal são distintas no tocante à hipótese do seu pagamento antes da audiência de julgamento: em multas penais, não há figura de pagamento voluntário antes do julgamento e condenação pelo tribunal penal (cfr. o que se retira, a contrario sensu, da norma do n.o 1 do art.o 470.o do CPP), enquanto já a há em processo contravencional, nos termos já atrás vistos.
Naufraga, pois, o recurso, com manutenção de toda a decisão recorrida, sem mais indagação por ociosa ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pela recorrente, com seis UC de justiça.
Comunique a presente decisão aos 2.o a 4.o ofendidos.
Macau, 8 de Fevereiro de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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