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Processo n.º 8/2018
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
Data da conferência: 7 de Março de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Suspensão de eficácia de acto administrativo
- Grave lesão do interesse público
- Nulidade por omissão de pronúncia
- Suprimento de omissão
- Superioridade desproporcionada dos prejuízos do requerente

SUMÁRIO
1. A grave lesão do interesse público concretamente prosseguida pelo acto administrativo, referida na al. b) do 1.º do art.º 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, deve ser ponderada segundo as circunstâncias do caso concreto, tendo em conta os fundamentos do acto e as razões invocadas pelas partes.
2. Se um agente dos Serviços de Alfândega actuou com a violação dos seus deveres funcionais, de içar invertidamente no Terminal de Coloane da RAEM, que é um local público e uma das “portas” da RAEM, a Bandeira Nacional da República Popular da China, no desempenho da sua missão, é de considerar que a suspensão de eficácia do acto punitivo determina a grave lesão à dignidade e prestígio das Forças de Segurança perante o público em geral.
3. Ao abrigo do art.º 571.º n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, é nulo o acórdão que não se pronunciou sobre uma questão concretamente suscitada pelo recorrente que devesse ser apreciada.
4. Nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 159.º do CPAC, quando a decisão impugnada é nula, compete ao tribunal recorrido reformá-la em conformidade com o julgado, regra esta que não se aplica, porém, ao recurso de decisões proferidas em processos urgentes, em que deve o tribunal de recurso decidir, quando possível, sobre o mérito da causa, em vez de mandar baixar o processo para que o tribunal recorrido tome decisão.
5. Ao comando do n.º 4 do art.º 121.º do CPAC, ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
6. Cabe ao requerente o ónus de concretizar e demonstrar a invocada superioridade desproporcionada dos prejuízos para que possa ser decretada a suspensão de eficácia.
7. Se os dados constantes dos autos não permitem avaliar prejuízos invocados pelo recorrente nem fazer uma ponderação entre os interesses particulares e públicos em jogos, de forma a emitir um juízo sobre a superioridade desproporcionada dos prejuízos que a imediata execução do acto a causar para o recorrente, em confronto com a gravidade da lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto punitivo, não se deve conceder suspensão de eficácias nos termos do n.º 4 do art.º 121.º do CPAC.

Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, requereu junto ao Tribunal de Segunda Instância e nos termos dos art.ºs 120.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo Contencioso o procedimento de suspensão de eficácia da decisão do Senhor Secretário para a Segurança, de 5 de Dezembro de 2017, que confirmou, em sede de recurso hierárquico, o despacho proferido pelo Subdirector-geral dos Serviços de Alfândega que puniu o requerente, verificador alfandegário n.º XXXXX, com a pena de 80 dias de suspensão de funções.
Por Acórdão proferido em 3 de Janeiro de 2018, o Tribunal de Segunda Instância decidiu indeferir o pedido de suspensão de eficácia.
Inconformado com o Acórdão, vem A recorrer para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1) O presente recurso tem por objecto o acórdão (daqui em diante “acórdão recorrido”) proferido no dia 3 de Janeiro de 2018 pelo Tribunal de Segunda Instância contra o requerente A (recorrente), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. Principalmente o acórdão recorrido entendeu que o pedido de suspensão da eficácia do acto administrativo formulado pelo recorrente não reúne o requisito previsto no art.º 121.º, n.º 1, al. b) do Código do Processo Administrativo Contencioso e pelo que indeferiu o pedido do recorrente.
2) O recorrente interpõe o presente recurso por considerar que o acórdão recorrido padece dos vícios seguintes: violação do art.º 121.º, n.º 1 do Código do Processo Administrativo Contencioso; nulidade por o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, deduzindo a nulidade do acórdão; violação do art.º 121.º, n.º 4 do Código do Processo Administrativo Contencioso.
3) O recorrente requereu, junto do Tribunal a quo, a providência cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo, ou seja o despacho n.º XXX/SS/2017 proferido em 5 de Dezembro de 2017 pelo Secretário para a Segurança quanto à decisão da pena de suspensão de 80 dias de funções contra o recorrente.
4) Como o acto administrativo cuja suspensão de eficácia se requer é recorrível, a entidade recorrida tem legitimidade passiva e o recorrente tem legitimidade e interesses, bem como o Tribunal a quo é competente e o recurso contencioso já foi interposto tempestivamente, estando verificado o requisito do art.º 121.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Administrativo Contencioso.
5) Certamente, o facto de ter sido içada invertidamente a bandeira nacional ofende o interesse público prosseguido pelo acto de içar da bandeira nacional, mas o que temos de analisar é se a suspensão de eficácia do acto vai determinar grave lesão do interesse público?
6) Nos autos, para além da testemunha B quem referiu ter presenciado, em 21 de Abril de 2017, por volta das 08H00, a colocação de forma invertida da bandeira nacional no Terminal de Coloane, até à presente data, não há outra prova objectiva tanto na internet como no governo ou no público que se revelou tal facto imputado naquele dia, e muito menos ainda que no dia de ocorrência havia outro individuo quem visse a colocação de forma invertida da bandeira nacional.
7) Em comparação com o caso idêntico ocorrido no dia 3 de Julho de 2017, pode-se retirar que supõe-se que, na parte de manhã do dia 21 de Abril de 2017, o recorrente, no exercício das suas funções para içar a bandeira nacional, tinha culpa e fez com que fosse içada invertidamente a bandeira nacional (é uma mera suposição mas o recorrente não concorda com isso, de nenhuma maneira), a gravidade do presente caso é relativamente mais baixa. Daí pode-se resultar que, devido ao caso de içamento da bandeira nacional de forma invertida, no dia 21 de Abril de 2017 (o caso em causa), o grau de prejuízo causado à reputação, dignidade e imagem do país, do governo e dos órgãos da RAEM também é relativamente mais baixo, em comparação com o caso idêntico ocorrido em Julho do mesmo ano.
8) Nos autos, a entidade recorrida admitiu que a Polícia Judiciária não consegue apurar se a data e horas indicadas nas fotografias é a data em que foram tiradas efectivamente as fotografias, bem como, em conjugação com o teor do relatório, indicou que existe efectivamente uma possibilidade que a data constantes das fotografias não correspondem à data em que se tiram as fotografias, pelo que, o que é seguro só é o facto de ocorrência do içamento de bandeira nacional de forma invertida.
9) Após feita uma análise de entre os depoimentos prestados pela testemunha e as outras provas objectivas existentes nos autos, nomeadamente, o ofício do Departamento de Inspecção Marítima, a designação do arquivo de fotografias do telemóvel Iphone, verificou-se que evidentemente não há correspondência entre eles. Sendo assim, caso sejam verdadeiros os depoimentos prestados pela testemunha (é uma mera suposição), a única explicação é: antes de tirar fotografias, a data do telemóvel Iphone utilizado pela testemunha B não corresponde à data e horas efectivas.
10) Além disso, mesmo que se suponha que se desse no dia 21 de Abril de 2017 o içamento da bandeira nacional de forma invertida, não se pode concluir necessariamente que o facto fosse praticado pelo recorrente, em particular, a hora de ocorrência declarada pela testemunha não foi a do içamento da bandeira nacional feita pelo recorrente. E mais, em conjugação da hora de ocorrência, do ambiente do local onde se deu o caso, do fluxo de passageiros na ponte-cais de Coloane naquele dia, da disposição pessoal no posto alfandegário naquele dia e da hora de ocorrência do içamento da bandeira nacional de forma invertida, pode-se verificar que, existe efectivamente uma possibilidade de içamento da bandeira nacional causada por outro motivo pessoal (independente de travessura ou brincadeira, ou qualquer outro propósito desconhecido).
11) Nestes termos, não se pode provar, de nenhuma maneira, que o acto do recorrente tenha violado a ética funcional e o dever assumido por si, bem como prejudicado a reputação e imagem do órgão.
12) Assim sendo, já não faz sentido nenhum, ao proteger o interesse público na “salvaguarda da boa imagem das Forças de Segurança e da relação de confiança que o público tem para com o pessoal das Forças de Segurança”, uma vez que, o interesse público, do início até ao fim, não foi lesado pelo acto do recorrente.
13) Por fim, é de salientar que, após o caso de içamento da bandeira nacional de forma invertida, só através das revisões e melhorias feitas pelos Serviços de Alfândega de Macau à cerimonia e à disposição sobre o içamento e abaixamento da bandeira nacional existentes, de tal modo a prevenir eficazmente a ocorrência do incidente semelhante, sendo isso eficaz para assegurar que não sofram prejuízos a reputação, a dignidade e a imagem do país, do governo e dos órgãos da RAEM.
14) Em suma, o facto concreto existente nos autos não dá para provar suficiente que a suspensão determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, pelo que, o acórdão recorrido violou o art.º 121.º, n.º 1 do Código do Processo Administrativo Contencioso, devendo ser anulado.
15) Tendo o recorrente, nos pontos 20 a 27 do requerimento de suspensão de eficácia do acto administrativo (daqui em diante designado por “requerimento”), exposto os factos de danos de difícil reparação causados a ele se for executada a pena, entre os quais, são aspectos que têm a ver com as necessidades mais básicas da família e o contínuo da sua vida profissional. E nos pontos 76 a 78 do requerimento, também tinha exposto que, feita a consideração da situação concreta do recorrente, em comparação com a salvaguarda do interesse público prosseguido pela entidade recorrida, a imediata execução da decisão da pena de suspensão de função necessariamente causa ao requerente desproporcionadamente superiores os prejuízos.
16) Pelo que, sintetizado o acórdão recorrido, o Tribunal a quo não fez qualquer análise ou se pronunciou sobre a pretensão alegada pelo recorrente quanto ao art.º 121.º, n.º 4 do Código do Processo Administrativo Contencioso, nem justificou qual a razão não o apreciou.
17) Deste modo, salvo o devido respeito e melhor entendimento, o recorrente entende que o acórdão recorrido não aprecia a pretensão, deduzida pelo recorrente, de que o presente pedido de suspensão da eficácia do acto administrativo satisfaz os requisitos previstos no art.º 121.º n.º 4 do Código de Processo Administrativo Contencioso; ao abrigo do art.º 571.º n.º 1 alínea d) do Código de processo Civil, aplicado por remissão do art.º 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, o acórdão recorrido é nulo.
18) Se não se entender que há omissão de apreciação, o acórdão recorrido ainda viola o art.º 121.º n.º 4 do Código de Processo Administrativo Contencioso.
19) Nos termos do art.º 222.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo DL 66/94/M, a execução da pena de suspensão de 80 dias causa necessariamente ao recorrente a perda de vencimento de 80 dias.
20) Toda a economia familiar depende do recorrente, o recorrente tem a seu cargo os pais velhos doentes, a mulher e um filho melhor de 2 anos de idade, a despesa médica dos pais, a despesa médica e a custa de creche do filho menor, o prémio mensal, a renda mensal do prédio urbano e o pagamento mensal à Caixa Económica e Montepio Geral de Macau; o recorrente não tem qualquer bem móvel ou imóvel para investimento, o salário consiste no seu único rendimento.
21) Agora a poupança do recorrente é inferior a MOP$6,000, em face dos preços altos actuais, se não for suspendida a pena de suspensão de 80 dias aplicada ao recorrente, sem dúvida, o recorrente vai perder completamente o seu rendimento durante o período de suspensão, será afectada a qualidade de vida do recorrente e da sua família, as necessidades fundamentais não poderão ser satisfeitas.
22) No art.º 121.º n.º 4 do Código de Processo Administrativo Contencioso apresenta-se o princípio da proporção no tocante à apreciação dos interesses particulares e públicos. A execução imediata da pena de suspensão de 80 dias conduz à impossibilidade de manter as necessidades fundamentais da vida do recorrente e da sua família, efectivamente exercendo influências directas e imediatas para o recorrente próprio e a família, mas no caso não se manifestam influências prementes para os interesses públicos.
23) Pelo que, no caso, após feita uma análise completa, o prejuízo sofrido pelo recorrente pela execução do acto administrativo é realmente mais grave e desproporcionadamente superior ao dano causado pela suspensão do acto administrativo para os interesses públicos. Com base nisso, o acórdão recorrido deve ser anulado pela violação do art.º 121.º n.º 4 do Código de Processo Administrativo Contencioso.

Contra-alegou a entidade recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
1) Não está preenchido o requisito legal previsto no art.º 121.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Administrativo Contencioso.
2) Em processo de suspensão de eficácia dos actos administrativos, o que cabe apreciar não é matéria de facto.
3) Quando o recorrente executava a tarefa de hastear a Bandeira Nacional, pela negligência e falta de zelo, a Bandeira foi exibida erradamente no espaço público.
4) Para as massas, isso não respeita o Estado e o seu símbolo. A situação é mais grave quando o acto foi praticado pelo agente dum órgão de execução da lei – Alfândega.
5) A conduta inadequada do recorrente resulta em comentários negativos das massas para a Alfândega e prejudica gravemente a reputação e a imagem desta.
6) Para defender a reputação e a imagem da Alfândega, reordenar a disciplina e manifestar a relevância e a necessidade do cumprimento da disciplina, de forma a garantir a boa operação dos órgãos, é preciso executar imediatamente a respectiva pena.
7) Não concorda que a execução imediata da pena de suspensão vai causar ao recorrente prejuízo grave e desproporcionado.
8) Embora o recorrente apresente alguns documentos para provar a dificuldade financeira, não se pode provar que o recorrente e os membros da família só possuem os bens constantes dos documentos referidos.
9) Mesmo sendo verdadeiro, nos termos do art.º 226.º n.º 5 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, a aplicação da pena de suspensão não prejudica o direito dos militarizados à assistência na doença prevista na lei e à percepção dos subsídios de família.
10) E mais, em comparação com os interesses públicos prosseguidos pela execução da respectiva pena disciplinar, o prejuízo causado ao recorrente não é “grave e desproporcionado”.
11) Pelo que, não está preenchida a situação do art.º 121.º n.º 4 do Código de Processo Administrativo Contencioso.

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que não se detecta qualquer vício no juízo que concluiu pela inverificação do requisito negativo previsto no art.º 121.º n.º 1, al. b) do CPAC e, apesar de existir a assacada nulidade por omissão de pronúncia, se deve, em suprimento dessa omissão, julgar também improcedente o fundamento da suspensão baseado no n.º 4 do art.º 121.º do CPAC.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
Do exame dos elementos constantes do processado de pedido de suspensão de eficácia, o Tribunal de Segunda Instância considera pertinentes os seguintes dados:
- Ao Requerente A, Verificador Alfandegário n.º XXXXX, foi proferido pelo Senhor Secretário para a Segurança o Despacho n.º XXX/SS/2017, de 5 de Dezembro de 2017, confirmativo, em sede de recurso hierárquico, da decisão aplicadora da pena disciplinar de 80 dias de suspensão de funções, por se entender, nesse despacho, que o próprio Requerente tinha actuado com violação dos deveres de obediência, zelo e aprumo no desempenho da missão de içar a Bandeira Nacional da República Popular da China na manhã do dia 21 de Abril de 2017 no Terminal de Coloane (pois nessa manhã, e segundo a livre convicção dessa Entidade Requerida sobre a prova, a Bandeira Nacional tinha sido içada invertidamente pelo Requerente), deveres esses previstos nos art.os 6.o, n.o 2, alínea a), 8.o, n.o 1, e 12.o, n.o 2, alínea f), do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 66/94/M, de 30 de Dezembro.

3. Direito
Ao acórdão recorrido foram imputados os seguintes vícios:
- Violação do disposto no art.º 121.º n.º 1 do CPAC;
- Nulidade do acórdão poe omissão de pronúncia – art.º 571.º n.º 1, al. d) do CPC; e
- Violação do art.º 121.º n.º 4 do CPAC.

3.1. Violação do art.º 121.º n.º 1 do CPAC
Alega a recorrente que a factualidade concreta constante dos autos não se revela suficiente para provar que a suspensão de eficácia do acto administrativo em causa determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, pelo que o acórdão recorrido violou o art.º 121.º n.º 1 do CPAC.
Está em causa a disposição na al. b) do n.º 1 do art.º 121.º.

Ora, regula o art.º 121.º do CPAC a legitimidade e os requisitos para a suspensão de eficácia:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”

Como se sabe, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 121.º para a suspensão de eficácia de actos administrativos são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um deles para que a providência não seja decretada, salvo nas situações previstas nos n.ºs 2, 3 e 4.
No caso vertente, está em causa, sem dúvida, um acto com a natureza de sanção disciplinar, pelo que não é exigível a verificação do requisito previsto na al. a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia.
O acórdão ora recorrido considera dispensada a verificação do requisito da al. a), por comando do n.º 3 do art.º 121.º, e entende não preenchido o referido na al. b) do n.º 1 do art.º 121.º, pelo que decidiu indeferir o pedido de suspensão de eficácia.
Sustenta o recorrente que se verifica o requisito da al. b).
Analisada a situação ora em apreciação, afigura-se-nos que o Acórdão recorrido não merece censura.
O requisito em questão exige que a suspensão da eficácia do acto administrativo não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo mesmo acto.
Tal como tem entendido este Tribunal de Última Instância, a grave lesão do interesse público deve ser ponderada segundo as circunstâncias do caso concreto, tendo em conta os fundamentos do acto e as razões invocadas pelas partes.1
O interesse público concretamente prosseguido por qualquer acto disciplinar punitivo releva dos fins das penas disciplinares. Destinam-se estas, “como quaisquer outras, a corrigir e a prevenir: corrigem fazendo sentir ao autor do facto punido a incorrecção do seu procedimento e a necessidade de melhorar a sua conduta; e previnem, pois não só procuram evitar que o agente castigado volte a prevaricar, como servem de exemplo a todos os outros, mostrando-lhes as consequências de má conduta. Desta forma, através da acção imediata sobre os agentes, a aplicação das penas disciplinares tem por fim defender o serviço da indisciplina e melhorar o seu funcionamento e eficiência, mantendo-o fiel aos seus fins”2.
No presente caso, decorre dos autos que o recorrente, enquanto verificador alfandegário, actuou com violação dos deveres de obediência, zelo e aprumo no desempenho da sua missão, de içar a Bandeira Nacional da República Popular da China na manhã do dia 21 de Abril de 2017 no Terminal de Coloane, sendo que a Bandeira Nacional tinha sido içada invertidamente pelo recorrente, pelo que foi punido com a pena disciplinar de suspensão de funções por 80 dias.
É de salientar que, não obstante a alegação (pontos 6 a 11 das conclusões apresentadas) do recorrente quanto à veracidade dos factos a si imputados, pois ele entende que, face aos elementos probatórios constantes dos autos, não se pode provar, de nenhuma maneira, que a sua conduta tenha violado a ética funcional e os deveres impostos, prejudicando a reputação e imagem do órgão administrativo, violação esta conduziu à aplicação da pena disciplinar, certo é que não é este recurso sede próprio para a discussão da questão da prova nem da bondade da decisão punitiva, que serão apreciadas em sede do recurso contencioso.
Tal como se pode ler no acórdão proferido por este TUI em 13 de maio de 2009 e nos autos n.º 2/2009, para apreciar a verificação do requisito previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, “é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido para identificar o interesse público prosseguido pelo mesmo e analisar a medida da lesão causada pela não imediata execução do acto.
Assim, não faz sentido discutir no presente procedimento preventivo a verdade dos factos que fundamentam a decisão impugnada, sob pena de afastar do âmbito desta forma processual, ignorando as suas natureza e razão de ser. Na realidade, o que está em causa não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório.”
Ora, constata-se nas alegações do recorrente que o vício de violação do art.º 121.º n.º 1 do CPAC foi assacado fundamentalmente com base na impugnação da matéria de prova e de facto feita pelo recorrente, daí que a impossibilidade e a irrelevância dessa impugnação neste sede de procedimento de suspensão de eficácia implica a improcedência do vício em causa.
De qualquer modo e tal como afirma o acórdão recorrido, é sempre de dizer que, atenta a gravidade da conduta infractora do recorrente, de içar invertidamente no Terminal de Coloane, que é um local público e uma das “portas” da RAEM, a Bandeira Nacional da República Popular da China, no desempenho da sua missão, esse concreto acto “fere naturalmente o prestígio dos Serviços de Alfândega perante o público em geral”.
Na realidade, frisa-se que está em causa o símbolo dum país bem como uma acção de exposição pública que deve ser muito solene.
Sendo verificador alfandegário dos Serviços de Alfândega, que faz parte das Forças de Segurança, devia o recorrente ter muito cuidado em desempenhar a sua missão, de içar correctamente a Bandeira Nacional.
Com a sua conduta, o recorrente fez exposta ao público uma Bandeira Nacional invertidamente içada.
É de acolher a consideração do acórdão recorrido que entende não se tratar dum acto com impacto meramente interno, mas sim com impacto visível para toda a gente que tivesse passado pelo Terminal de Coloane e olhado para a Bandeira Nacional, impacto este que se torna ainda mais público com a exposição na internet da respectiva fotografia em que se regista a Bandeira Nacional invertidamente içada.
De facto, o acto em causa, publicitado na internet, foi fortemente criticado e censurado pela opinião pública, que é o facto notório, e a imagem, a dignidade e o prestígio dos Serviços de Alfândega foram consequentemente postos em questão.
Tendo ainda em consideração o interesse público concretamente prosseguido por acto disciplinar punitivo, de corrigir e prevenir nas palavras de Marcello Caetano, atrás já citado, não se nos afigura que,no caso ora em apreciação, a suspensão de eficácia do acto punitivo não determine uma lesão grave do interesse público concretamente prosseguido pelo mesmo acto.
Improcede o recurso, nesta parte.

3.2. Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia
Na óptica do recorrente, o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a sua pretensão formulada no requerimento de suspensão da eficácia com apelo à disposição no n.º 4 do art.º 121.º do CPAC, questão esta que foi por si suscitada no requerimento e devia ter sido apreciada pelo tribunal recorrido, pelo que a falta de pronúncia conduz à nulidade do acórdão, ao abrigo do art.º 571.º n.º 1, al. d) do CPC.
Assiste razão ao recorrente, pois é verdade que invocou também a norma contida n.º 4 do art.º 121.º para fundamentar o seu pedido de suspensão de eficácia.
Não se trata apena dum dos fundamentos do pedido, mas sim configura-se como uma questão própria que merece tratamento autónomo, sobre a qual efectivamente não se pronunciou o acórdão recorrido, que nem justificou a sua não apreciação.
Verifica-se a nulidade indicada.
E nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 159.º do CPAC, quando a decisão impugnada é nula, compete ao tribunal recorrido reformá-la em conformidade com o julgado.
Tal regra não se aplica, porém, ao recurso de decisões proferidas em processos urgentes, que é o nosso caso, em que deve o tribunal de recurso decidir, quando possível, sobre o mérito da causa, em vez de mandar baixar o processo para que o tribunal recorrido tome decisão.
Assim sendo, e em suprimento da omissão, vamos ver se se deve conceder a suspensão de eficácia pretendida pelo recorrente com fundamento no n.º 4 do art.º 121.º.

3.3. Violação do art.º 121.º n.º 4 do CPAC
Nos termos do n.º 4 do art.º 121.º, “ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente”.
A lei exige a superioridade desproporcionada dos juízos resultantes da imediata execução do acto para o requerente, em comparação com a gravidade da lesão do interesse público determinada pela suspensão de eficácia.
Está aqui em causa o princípio da ponderação de interesses.
Cabe ao recorrente o ónus de concretizar e demonstrar a falada superioridade desproporcionada dos prejuízos para que possa ser decretada a suspensão de eficácia.
Alega o recorrente que a execução imediata do acto punitivo implica a perda do seu salário durante 80 dias, que é único rendimento seu e da família, fazendo com que se torna impossível a satisfação das necessidades básicas da sua família, afectando a qualidade da sua vida e da família.
Para a respectiva prova, apresentou os documentos constantes dos autos (fls. 50 a 61), incluindo uma declaração assinada pela sua esposa, relatórios médicos referentes à situação clínica do seu pai idoso (sem que no entanto tenha feito alguma menção a despesas médicas), cópias das cadernetas bancárias, etc..
Ora, não obstante a consideração de tais documentos, certo é que não se nos afigura ficar demonstrado, com esses elementos, que o recorrente e a sua família não possuíam outros rendimentos para sustentar a vida familiar, satisfazendo as necessidades básicas e elementares.
Constata-se até no documento de fls. 60 dos autos, referente à conta do mês de Dezembro de 2017, que, para além do seu salário, o recorrente teve outros rendimentos, já que se registam vários depósitos bancários, com valor superior a dez mil cada.
De qualquer modo, os dados constantes dos autos não são suficientes para se poder avaliar prejuízos invocados pelo recorrente nem fazer uma ponderação entre os interesses particulares e públicos em jogos, de forma a emitir um juízo sobre a superioridade desproporcionada dos prejuízos que a imediata execução do acto a causar para o recorrente, em confronto com a gravidade da lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto punitivo.
Assim, improcede também o fundamento do recurso.

4. Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 5 UC.

               Macau, 7 de Março de 2018
               
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
               

1 Ac. do TUI, Proc. n.ºs 12/2010 e 14/2010, ambos de 10 de Maio de 2010.
2 MARCELLO CAETANO, 《Manual de Direito Administrativo》, Coimbra, Almedina, Tomo II, 9.ª edição, p. 819.
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