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Processo nº 688/2014
Data do Acórdão: 08FEV2018


Assuntos:

Contrato-promessa
Simulação
Nulidade de contrato
Registo provisório da aquisição
Acção sub-rogatória


SUMÁRIO

1. São elementos integradores do conceito de simulação: a) Intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; b) Acordo entre declarante e declaratário (acordo simulatório), o que, evidentemente, não exclui a possibilidade de simulação nos negócios unilaterais; e c) Intuito de enganar terceiros. Portanto, demonstrando-se que não houve divergência entre a vontade e a declaração, nem intencionalidade da divergência, não estamos perante simulação.

2. Nos termos do disposto no artº 400º/1 do CC, o contrato pode modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes. Assim, em vez de acordarem na modificação parcial do contrato-promessa anteriormente celebrado através do simples averbamento incorporado no texto do contrato, as contraentes podem perfeitamente acordar em celebrar de novo a promessa visando obter, não a destruição total da promessa já assumida no instrumento de 18JAN2007, mas apenas a modificação e rectificação de determinados aspectos da promessa, de modo a regular a acordada promessa nos termos que elas entendem mais convenientes e apropriados para a prossecução dos seus interesses.

3. Reza o artº 235º/3 do Código Comercial que independentemente de autorização expressa nos estatutos, a sociedade pode, mediante autorização da assembleia geral ou do conselho de administração, caso exista, propor gerentes para o desempenho de algum ramo de negócio que se integre no seu objecto ou nomear auxiliares para a representar em determinados actos ou contratos ou, por instrumento notarial, constituir procuradores para prática de determinados actos ou categoria de actos. O segmento da norma “a sociedade pode, mediante autorização da assembleia geral, por instrumento notarial, constituir procuradores para prática de determinados actos ou categoria de actos” não deve ser interpretado no sentido de que a constituição de um mandatário é sempre precedida da autorização da assembleia geral e é feita por via do instrumento notarial. Pois, segundo a letra do n°3 do artº 235º do Código Comercial, esse normativo deve ser entendido com dois segmentos: 1) a sociedade pode propor gerentes determinados para o desempenho de algum ramo de negócio ou nomear auxiliares para a representar em determinados actos, mediante autorização do assembleia geral ou do conselho de administração; 2) a sociedade pode constituir procuradores para prática determinados actos ou categoria dos actos por instrumento notarial. Assim, no último caso, para a constituição da procuração, basta que o acto seja realizado por instrumento notarial, não sendo necessária a autorização da assembleia geral.

4. Não se pode imputar ao Tribunal a quo a omissão de pronúncia sobre um fundamento de direito, só trazido ex novo por via de recurso aos autos, mas não invocado na petição inicial para sustentar a pretendida declaração da nulidade do contrato-promessa, ai já peticionada mas fundada em fundamentos de direito diversos, desde que aquele novo fundamento de direito não seja de conhecimento oficioso.

5. No julgamento de facto, a resposta negativa a um quesito não comprova o facto contrário à matéria do quesito não provada.

6. É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, e é questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei.

7. Os quesitos da base instrutória não devem pôr factos jurídicos, devem pôr unicamente factos materiais. Entende por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens; e por factos jurídicos os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito.

8. Pergunta se ao celebrarem o segundo contrato, a 1ª e 2ª Rés revogaram, por mútuo acordo, ou distrataram o contrato-promessa entre ambas anteriormente celebrado é pôr uma questão de direito, pois a “revogação” são terminologia jurídica em que se enquadram os factos materiais que representam a forma de extinção de um negócio jurídico por manifestação de vontade, ou por acordo entre as partes (no caso de contratos), ao passo que o “distrate” significa a extinção de um negócio por acordo das partes que o celebraram, v. g. distrate da hipoteca. Em ambas as situações, “revogação” e “distrate”, são qualificações de factos materiais vistos à luz dos critérios do direito.


O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 688/2014


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos da acção ordinária, registada com o nº CV3-09-0040-CAO e correu os seus termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, instaurada pela A, contra a B e a C, todas devidamente identificadas nos autos, foi afinal proferida a seguinte sentença julgando improcedentes todos os pedidos da acção e do pedido de litigância de má-fé formulado pela 2ª Ré contra a Autora:

I) RELATÓRIO
   A(A), sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, matriculada na Conservatória dos Registos Comercial de Bens Móveis de Macau sob o nº XXX, veio intentar a presente
Acção Ordinária contra
1. B(B), com sede em Macau, na澳門XXX;
2. C(C), com sede em Macau, na澳門XXX

com os fundamentos apresentados constantes da p.i., de fls. 2 a 54.
Concluiu pedindo que seja julgada procedente e provada, e consequentemente:
1) Ser declarada a nulidade, por simulação, por falta de vontade de celebração do negócio do contrato-promessa de compra e venda do prédio urbano sito na Estrada Marginal da Ilha Verde, nºs 14 a 17, Freguesia de Nossa Senhora de Fátima, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2506, a fls. 278v do Livro B12, celebrado em 16 de Março de 2007 entre a 1ª Ré como promitente-vendedora e a 2ª Ré como promitente-compradora; bem como a nulidade, com este mesmo fundamento, do registo provisório de aquisição do bem a favor da 2ª Ré, pedido pela Apresentação nº 77 de 16 de Março de 2007; e ainda, ser ordenado o cancelamento de tal registo.
2) Serem declaradas as nulidades e a ineficácia dos indicados contratos-promessa de compra e venda, referentes ao mesmo bem, celebrados em 18 de Janeiro de 2007 e em 16 de Março de 2007, por falta de autorização da assembleia geral para a constituição, como seu procurador, da pessoa que neles interveio como procurador da 1ª Ré; bem como a nulidade, com este mesmo fundamento, do registo provisório de aquisição do bem a favor da 2ª Ré; e ainda, ser ordenado o cancelamento daquele mesmo registo.
3) Serem declaradas as nulidades dos indicados contratos-promessa de compra e venda, referentes ao mesmo bem, celebrados em 18 de Janeiro de 2007 e em 16 de Março de 2007, por não especificação dos poderes conferidos ao procurador da sociedade 1ª Ré que neles interveio; bem como a nulidade, com este mesmo fundamento, do registo provisório de aquisição do bem a favor da 2ª Ré; e, ainda, ser ordenado o cancelamento do respectivo registo.
4) Serem declaradas as nulidades, por simulação dos preços, dos indicados contratos-promessa de compra e venda, referentes ao mesmo bem, celebrados em 18 de Janeiro de 2007 e em 16 de Março de 2007; bem como a nulidade, com este mesmo fundamento, do registo provisório de aquisição do bem a favor da 2ª Ré; e, ainda, ser ordenado o cancelamento do respectivo registo.
5) Subsidiariamente aos pedidos de declaração de nulidade dos indicados contratos-promessa, antes formulados sob os nºs. 1, 2, 3 e 4, para o caso de os mesmos não procederem, deve ser declarado que o indicado contrato-promessa de compra e venda do mesmo bem, celebrado em 18 de Janeiro de 2007, foi revogado por mútuo acordo das partes ao ser celebrado, pelas mesmas partes e com respeito ao mesmo bem, o indicado contrato-promessa de compra e venda de 16 de Março de 2007; bem como, com este mesmo fundamento, ser declarada a nulidade da rectificação da data do contrato-promessa em que se baseou o registo provisório de aquisição do bem a favor da 2ª Ré, pedido pela Apresentação nº 31 de 16 de Fevereiro de 2007; e, ainda, ser ordenado, nessa parte, o cancelamento de tal registo.
6) Cumulativamente com o pedido formulado na alínea anterior, deve ser declarada a nulidade da mesma rectificação da data do contrato-promessa de 16 de Fevereiro de 2007 em que se baseou o registo provisório de aquisição do bem a favor da 2ª Ré, com o fundamento da autonomia perante este do contrato-promessa de 18 de Janeiro de 2007 em que se baseou o pedido de rectificação, pedida pela Apresentação nº 31 de 16 de Fevereiro de 2007; e, ainda com este mesmo fundamento, ser ordenado, nessa parte, o cancelamento de tal registo.
7) Ser declarada a nulidade, por simulação por falta de vontade, do negócio do contrato de compra e venda celebrado em 10 de Janeiro de 2007 entre a 1ª Ré como vendedora e a 2ª Ré como compradora; bem como, com este mesmo fundamento, ser declarada a nulidade do respectivo registo de aquisição a favor da 2ª Ré, realizado pela Ap. nº 31 de 16 de Fevereiro de 2009; e, ainda, ser ordenado o cancelamento de tal registo.
8) Ser declarada a nulidade, por simulação do preço, do indicado contrato de compra e venda celebrado em 10 de Janeiro de 2007, respeitante ao mesmo bem; bem como, com o mesmo fundamento, a nulidade do indicado respectivo registo de aquisição a favor da 2ª Ré; e ainda, ser ordenado o cancelamento de tal registo.
9) Subsidiariamente aos pedidos de declaração de nulidade do indicado contrato de compra e venda antes formulados sob os nºs 7 e 8, para o caso de os mesmos não procederem, deve ser declarada a irretroactividade à data do registo provisório da aquisição, pela 2ª Ré, do direito de propriedade referente ao mesmo bem, em consequência da nulidade desse registo provisório por falta de declaração de vontade nesse sentido por parte da 1ª Ré, enquanto titular do direito; bem como ser declarada a nulidade desse registo, realizado pela Apresentação nº 31, de 16 de Fevereiro de 2009; e, ainda, ser ordenado o cancelamento desse registo com mais este fundamento.
10) Cumulativamente com o pedido antes formulado sob o nº 9, ser declarada a irretroactividade à data do registo provisório da aquisição, pela 2ª Ré, do mesmo direito de propriedade, em consequência de inexactidão do registo provisório de aquisição por falta de legitimidade para o efeito do requerente do registo; bem como ser declarada, com esse fundamento, a nulidade do registo realizado pela Apresentação nº 31, de 16 de Fevereiro de 2009; e, ainda, ser ordenado o cancelamento desse registo com mais este fundamento.
11) Cumulativamente com os pedidos antes formulados sob os nºs. 9 e 10, ser declarada a irretroactividade à data do registo provisório da aquisição, pela 2ª Ré, do mesmo direito de propriedade, em consequência da não correspondência entre o conteúdo de qualquer dos contratos-promessa de compra e venda – seja o de 16 de Março de 2007, seja também o de 18 de Janeiro de 2007 –, e o conteúdo do contrato de compra e venda de 10 de Janeiro de 2009; bem como, com este fundamento, ser declarada a nulidade do registo realizado pela Apresentação nº 31, de 16 de Fevereiro de 2009; e, ainda, ser ordenado o cancelamento desse registo com mais este fundamento.
12) Ser declarado que a transmissão do direito de propriedade da esfera jurídica da 1ª Ré para a esfera jurídica da 2ª Ré, por efeito do contrato de compra e venda entre ambas celebrado em 10 de Janeiro de 2009, não produz efeitos em relação à Autora, podendo esta exercer os seus direitos de execução sobre o imóvel até satisfação integral do seu crédito; e, simultaneamente, ser ordenado o cancelamento no registo predial da referida inscrição.
13) Ser reconhecida legitimidade à Autora para demandar a 2ª Ré como representante ou substituta legal da 1ª Ré e, consequentemente ser aquela condenada a pagar a esta o montante de HKD$202,919,750.00, correspondente ao preço fixado para a compra e venda, acrescido de juros vincendos sobre o capital de HKD$138,300,000.00 até integral pagamento, entrando esse dinheiro no património da 1ª Ré mas revertendo em benefício da Autora na parte necessária à satisfação dos créditos desta à data em que se verificar o pagamento.
14) Serem ambas as Rés – a 1ª Ré enquanto devedora, e a 2ª Ré por tem assumido singularmente e cumulativamente a dívida daquela para com a Autora –, solidariamente, condenadas a pagar a esta os créditos garantidos pelos indicados dois arrestos que incidem sobre o imóvel em causa, no montante global actual de MOP$31,179,075.00, acrescido de juros vincendos, até integral pagamento, contados à taxa legal supletiva sobre o capital de HKD$10,000,000.00, com respeito ao primeiro crédito alegado, e à taxa convencional de 30% sobre o capital de HKD$4,000,000.00 com respeito ao segundo crédito alegado.
15) Serem as Rés condenadas a pagar à Autora, solidariamente, indemnização por danos patrimoniais, suplementar ao montante dos juros indemnizatórios devidos, a ser liquidada posteriormente, o mais tardar em execução de sentença.
16) Serem ainda as Rés condenadas no pagamento das custas e procuradoria condigna.
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Citada pessoalmente as Rés, apenas a 2ª Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 411 a 485 dos autos.
Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos da Autora e que a Autora seja condenada na indemnização por litigância de má fé.
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Realiza-se a audiência de discussão e julgamento com a intervenção do Tribunal Colectivo de acordo com o formalismo legal.
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   O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e internacionalmente e o processo é próprio.
   As partes gozam de personalidade e capacidade jurídicas e são legítimas.
   Não existem excepções, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
   ***
II) FACTOS
   Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
   Da Matéria de Facto Assente:
- No processo que correu termos neste tribunal sob o nº CV2-07-0032-CAO, por sentença de 16.11.2007, já transitada em julgado, a 1ª Ré foi condenada a pagar à Autora a quantia de HKD$10.000.000,00, então equivalente a MOP$10.300.000,00. acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação à ré da decisão do arresto requerido e decretado nos autos de procedimento Cautelar Comum CV1-0032-CPV e até integral e efectivo pagamento. (alínea A) dos factos assentes)
- A 1ª Ré era proprietária de um prédio urbano sito na Estrada Marginal da Ilha Verde, nºs 14 a 17, Freguesia de Nossa Senhora de Fátima, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 2506, a fls. 278 v. do Livro B12. (alínea B) dos factos assentes)
- Em 18 de Janeiro de 2007 a 1ª e a 2ª Rés celebraram um contrato, nos termos do qual, pelo preço de HK$188.300.000,00 00 (cento e oitenta e oito milhões e trezentos mil dólares de Hong Kong), a primeira prometeu vender à segunda, e esta prometeu comprar àquela, o prédio atrás referido. (alínea C) dos factos assentes)
- Em 16 de Março de 2007 a 1ª a e a 2ª Rés celebraram um contrato, nos termos do qual a primeira voltou a prometer vender à segunda, e esta voltou a prometer comprar àquela, o referido prédio pelo preço de HK$188.300.000,00 (cento e oitenta e oito milhões e trezentos dólares de Hong Kong), correspondentes a MOP$194.231.450,00 (cento e noventa e quatro milhões duzentas e trinta e uma mil e quatrocentas e cinquenta patacas). (alínea D) dos factos assentes)
- Em 16 de Março de 2007, a requerimento da 2° Ré e a seu favor, como titular activa, foi efectuado um registo provisório de aquisição do prédio na Conservatória do Registo Predial, conforme Apresentação n° 77 daquela data com base no contrato-promessa de compra e venda referido em D). (alínea E) dos factos assentes)
- Em 10 de Janeiro de 2009, por escritura pública lavrada no Cartório do Notário Privado N, a 1ª Ré vendeu à 2ª Ré o prédio objecto mediato dos dois referidos contratos-promessa, indicando que o fazia pelo preço de HK$188.300.000,00, equivalentes a MOP$194.231.450,00 (cento e noventa e quatro milhões duzentos e trinta e um mil quatrocentas e cinquenta patacas) (alínea F) dos factos assentes)
- Em 16 de Fevereiro de 2009, com base nessa escritura, a pedido da 2ª Ré, foi requerida a conversão em definitivo do registo provisório de aquisição do prédio na Conservatória do Registo Predial, conforme Apresentação nº 31 daquela data, pedindo e obtendo a rectificação da data do contrato-promessa de compra e venda em que se baseou o registo provisório de modo a passar a constar que a mesma é a de 18 de Janeiro de 2007. (alínea G) dos factos assentes)
- O pedido de rectificação foi instruído com o primeiro dos dois referidos contratos-promessa celebrados entre a 1ª Ré e a 2ª Ré. (alínea H) dos factos assentes)
- Quando o contrato-promessa referido em C) foi celebrado, estava em vigor um registo provisório de aquisição do mesmo imóvel a favor de D, registo pedido na Conservatória do Registo Predial pela Apresentação n° 48 de 03 de Novembro de 2005 feito com base em contrato-promessa pelo qual a 1ª Ré havia prometido vender a D, e este prometido comprar àquela, o mesmo imóvel e pelo mesmo preço de HKD$188.300.000,00. (alínea I) dos factos assentes)
- O cancelamento de tal registo provisório referido na alínea anterior foi pedido pela Apresentação n° 83 de 14 de Março de 2007. (alínea J) dos factos assentes)
- Para assegurar a satisfação do primeiro crédito a Autora requereu o arresto do imóvel em causa, o qual foi decretado por sentença proferida no Proc. CV2-07-0032-CAO-A, do 2° Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Base e em 26 de Abril de 2007 registado na Conservatória do Registo Predial, conforme Apresentação n° 84, daquela data. (alínea K) dos factos assentes)
- Para assegurar a satisfação do segundo crédito a Autora requereu um outro arresto do imóvel, o qual foi decretado por sentença proferida no Proc. CV3-07-0017-CEO-A, do 3° Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Base e em 09 de Maio de 2007 registado na Conservatória do Registo Predial, conforme Apresentação n° 12, daquela data. (alínea L) dos factos assentes)
   
   Da Base Instrutória:
- Por contrato de 8 de Janeiro de 1997, titulado por documento particular, a Autora entregou à 1ª Ré a quantia de HKD$4.000.000,00, que esta se obrigou a restituir em 10 de Janeiro de 1998. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Nesse contrato, a Autora e a 1ª Ré acordaram que o capital mutuado venceria juros (compensatórios) à taxa anual de 16%, que em caso de mora da devedora passariam a ser de 30%, contados da data da constituição da mora e até integral pagamento. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- Por documento assinado em 26 de Junho de 1997, a 1ª Ré confessou-se devedora da Autora da referida quantia. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- Em 13 de Fevereiro de 2007 a Autora instaurou contra a 1ª Ré uma acção executiva para cobrança do capital e dos juros, vencidos no montante de HKD$15.440.000,00, então equivalente a MOP$15.903.200,00, acrescidos de juros vincendos até integral pagamento. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- Até à presente data nem a 1ª Ré, nem outrem por ela, pagou à Autora qualquer das quantias referidas em A) dos factos assentes e nas respostas aos quesitos 1º e 2º. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- O prédio referido em B) dos factos assentes tem a área de 56.166 (cinquenta e seis mil cento e sessenta e seis) metros quadrados. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- Em Fevereiro de 2007, o valor de mercado do prédio referido em B) dos factos assentes era de MOP$503.000.000,00. (respostas aos quesitos 7º e 8º da base instrutória)
- Na data da venda referida em F) dos factos assentes, o prédio referido em B) era o único bem de que a 1ª Ré era proprietária. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- E foi a única pessoa física que participou nos dois contratos referidos em C) e D) dos factos assentes, como representante voluntário da 1ª Ré e representante legal da 2ª Ré. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- Enquanto representante da 1ª Ré, Einterveio nos dois contratos com base em procuração outorgada a seu favor em 11 de Dezembro de 2006 emitida pela 1ª Ré. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- Em qualquer dos contratos-promessa referidos em C) e D) dos factos assentes, a contrapartida exigida à 2ª Ré pela aquisição do direito de propriedade sobre o prédio referido em B) dos factos assentes desdobra-se em duas parcelas, a primeira o pagamento de determinada quantia em dinheiro à 1ª Ré e a segunda o pagamento a credores da 1ª Ré de dívidas desta, a saber: a dívida ao Banco O garantida por hipoteca constituída sobre o imóvel; as dívidas relativas ao arresto sobre o imóvel titulado pela F Limited. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- O montante máximo assegurado pela hipoteca constituída a favor do Banco O sobre o prédio referido em B) dos factos assentes é de MOP$493.520.000,00 e o montante assegurado pelo arresto constituído a favor da F Limited sobre o mesmo prédio é de MOP$10.300.000,00. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- A 1ª Ré é uma sociedade comercial que tem por objecto o exercício da indústria de construção civil e o investimento no sector imobiliário. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- A 2ª Ré é uma sociedade comercial que tem como objecto social o investimento imobiliário. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- A 2ª Ré não distratou a hipoteca titulada pelo Banco O, garantia que se mantém em vigor. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- Com a venda referida em F) dos factos assentes, a 1ª Ré deixou de ter qualquer bem. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- Desde, pelo menos, 2007 que a 1ª Ré deixou de ter qualquer actividade económica. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- Na data da realização da venda referida em F) dos factos assentes, tanto a 1ª Ré como a 2ª Ré sabiam que a venda do imóvel impediria a Autora de ver satisfeitos os seus créditos junto da 1ª Ré. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- A 2ª Ré pagou o crédito hipotecário do Banco O referido na resposta ao quesito 12º, incluindo as custas processuais no valor total de MOP$583.515.704,35 (MOP$581.000.000,00 + MOP$2.515.704,35). (resposta ao quesito 38º da base instrutória)
- Aquando da celebração dos contratos-promessa referidos em C) e D) dos factos assentes, a 2ª Ré desconhecia a existência dos créditos da Autora. (resposta ao quesito 39º da base instrutória)
- Em data não apurada, E aceitou participar num projecto de desenvolvimento do prédio referido em B) dos factos assentes, altura em que este prédio estava onerado com a hipoteca referida na resposta ao quesito 12º. (respostas aos quesitos 40º a 42º da base instrutória)
- Em 14 de Novembro de 2005 foi assinado um acordo, designado por “Contrato de Consórcio de Desenvolvimento Predial do Terreno/prédio urbano” (ou “Contrato de Cooperação”) cuja cópia está junta aos autos a fls. 550 a 552. (resposta ao quesito 43º da base instrutória)
- Nos termos do referido “Contrato de Consórcio”, o prédio referido em B) dos factos assentes seria desenvolvido através de uma sociedade a constituir-se oportunamente, com o nome de G, sendo parte do seu capital subscrito através da propriedade do mesmo prédio. (resposta ao quesito 44º da base instrutória)
- Metade do capital social (50%) da G seria subscrito pela 1ª Ré (Parte A) que nomearia como representantes seus H e I. (resposta ao quesito 45º da base instrutória)
- Outra metade (50%) seria subscrito por D, J e E (Parte B). (resposta ao quesito 46º da base instrutória)
- Na data da assinatura do “Contrato de Consórcio” a Parte B (D, J e E) pagou à Parte A o valor de HKD$15.000.000,00, que a Parte A declarou ter recebido e deu a respectiva quitação. (resposta ao quesito 47º da base instrutória)
- Depois de assinatura do referido “Contrato de Consórcio”, no prazo de 60 dias, a Parte B entregaria à Parte A HK$5.000.000,00 que seriam devolvidos à Parte B aquando da distribuição de lucros no futuro resultantes do desenvolvimento do prédio. (resposta ao quesito 48º da base instrutória)
- Todas as despesas resultantes de litígios relacionados com o projecto de desenvolvimento ficavam a cargo da Parte A, mas a respectiva quantia era adiantada pela Parte B, a qual seria devolvida pela Parte A aquando da distribuição de lucros no futuro resultantes do desenvolvimento de prédio. (resposta ao quesito 49º da base instrutória)
- A dívida hipotecária ao Banco O, no valor máximo de HK$493.000.000,00, seria liquidada pela Parte A, mas a respectiva quantia era adiantada pela Parte B, a qual seria devolvida pela Parte A aquando da distribuição de lucros no futuro resultantes do desenvolvimento do prédio. (resposta ao quesito 50º da base instrutória)
- Os litígios surgidos entre a Parte A e a Companhia K e a Companhia L deveriam ser resolvidos pela Parte A. (resposta ao quesito 51º da base instrutória)
- Depois de assinado o referido “Contrato de Consórcio”, D , J e E (Parte B) pagaram à 1ª Ré (Parte A) a quantia total de HKD$20.000.000,00 (HK$15.000.000,00 referidos na resposta ao quesito 47º + HK$5.000.000,00 referido na resposta ao quesito 48º). (resposta ao quesito 52º da base instrutória)
- Em 14 de Novembro de 2005, foi constituída a G,com o capital social de MOP$60,000.00, subscrito pelas seguintes pessoas:
(1) – H, que subscreveu uma quota no valor de MOP$27,000.00;
(2) I, que subscreveu uma quota no valor de MOP$3,000.00;
(3) D , que subscreveu uma quota no valor de MOP$10,000.00;
(4) J, que subscreveu uma quota no valor de MOP$10,000.00;
(5) E, que subscreveu uma quota no valor de MOP$10,000.00. (resposta ao quesito 53º da base instrutória)
- Em 14 de Dezembro de 2005, foi realizada a 1ª reunião dos sócios da G, em que deliberou que os direitos decorrentes do contrato-promessa de compra e venda referido em I) dos factos assentes datado de 29 de Outubro de 2005, assinado pelo D e 1ª Ré eram transmitidos para a mesma sociedade. (resposta ao quesito 54º da base instrutória)
- Em 14 de Dezembro de 2005, foi assinado entre H, na qualidade de cedente, e D , J e E na qualidade de cessionários um acordo de transmissão de quotas da G. (resposta ao quesito 55º da base instrutória)
- Na altura o preço das quotas a transmitir foi fixado em HK$160.000.000,00. (resposta ao quesito 57º da base instrutória)
- Conforme o que estava previsto no acordo de transmissão de quotas referido na resposta ao quesito 55º, a transmissão procedia-se da seguinte forma:
(1) Em 7 de Janeiro de 2006 os cessionários pagariam a quantia de HKD$20.000.000,00 e o cedente transmitiria uma quota no valor nominal de MOP$787.50 aos cessionários ou ao terceiro indicado pelos mesmos.
(2) Em 7 de Março de 2006, os cessionários pagariam a quantia de HKD$30.000.000,00, data em que o cedente transmitiria uma quota nominal de MOP$1.181,25 aos cessionários ou ao terceiro indicado pelos mesmos.
(3) Em 7 de Maio de 2006, os cessionários pagariam a quantia de HKD$30.000.000,00 data em que o cedente transmitiria uma quota no valor nominal de MOP$1.181,25 aos cessionários ou ao terceiro indicado pelos mesmos.
(4) Em 7 de Setembro de 2006, os cessionários pagariam a quantia de HKD$80.000.000,00 data em que o cedente transmitiria uma quota no valor nominal de MOP$3.150,00 aos cessionários ou ao terceiro indicado pelos mesmos.
Em 12 de Janeiro de 2006 foi assinado entres os mesmos cedente e cessionários um acordo complementar em que E adquiriu a posição de cessionários que D e J tinham no acordo de transmissão de quotas de 14 de Dezembro de 2005. (resposta ao quesito 58º da base instrutória)
- Nos termos da 3 cláusula do acordo complementar de 12 de Janeiro de 2006, H, representado por M, prometeu que a 1ª Ré iria transmitir a propriedade do prédio referido em B) dos factos assentes para a G incondicionalmente. (resposta ao quesito 59º da base instrutória)
- Em 12 de Janeiro de 2006, H, representado por M, e E acordaram celebrar um acordo de transmissão de quotas da G segundo o qual H transmitiria a E ou ao terceiro indicado por este uma quota no valor nominal de MOP$3.150,00 pelo preço de HKD$80.000.000,00 a pagar em 4 prestações. (respostas aos quesitos 60º e 61º da base instrutória)
- Até 12 de Janeiro de 2006 inclusivé, E pagou à 1ª Ré a quantia de HKD$20.000.000,00, a título de 1ª prestação do preço fixado no acordo de transmissão de quotas referido na resposta ao quesito 55º e a quantia de HKD$10.000.000,00, a título de 1ª prestação do preço fixado no acordo de transmissão de quotas referido nas respostas aos quesitos 60º e 61º. (resposta aos quesitos 62º da base instrutória)
- Em 8 de Maio de 2006, E pagou à 1ª Ré as três primeiras prestações do preço fixado no acordo de transmissão de quotas referido na resposta ao quesito 55º, no valor total de HKD$80.000.000,00 e a 1ª prestação do preço fixado no acordo de transmissão de quotas referido nas respostas aos quesitos 60º e 61º no valor de HKD$10.000.000,00. (resposta aos quesitos 63º da base instrutória)
- Em 17 de Novembro de 2006, E, H, I (ambos representantes da G) e M (representante da 1ª Ré), assinaram um acordo de transmissão nos termos do qual E adquiriu todos os direitos decorrentes do contrato promessa referido em I) dos factos assentes e na resposta ao quesito 54º. (resposta aos quesitos 66º da base instrutória)
- A 1ª Ré aceitou e assinou o respectivo acordo. (resposta aos quesitos 67º da base instrutória)
- Em 17 de Novembro de 2006, foi realizada uma reunião dos sócios da G em que deliberaram desistir do plano de aquisição do prédio à luz do acordo de 29 de Outubro de 2005, celebrado entre D e a 1ª Ré e aceitar a transmissão de todos os direitos e deveres decorrentes do referido acordo a E (resposta aos quesitos 68º da base instrutória)
- Em 11 de Dezembro de 2006, perante o notário privado foi outorgado o instrumento notarial de procuração, com cláusula de “negócio consigo mesmo” para o procurador que era E. (resposta aos quesitos 69º da base instrutória)
- Nos termos do acordo referido na resposta ao quesito 66º, E tinha que pagar a dívida do Banco O. (resposta aos quesitos 73º da base instrutória)
- Para garantir a sua posição E exigiu que a 1ª Ré assinasse um contrato-promessa o que a mesma aceitou. (resposta aos quesitos 74º da base instrutória)
- Em 3 de Janeiro de 2007, foi assinado um contrato-promessa de compra e venda do prédio referido em B) dos factos assentes entre a 2ª Ré, representada por E, e a 1ª Ré, representado por M, nos termos do qual a 2ª Ré tinha que entregar a quantia de HKD$188.300.000,00 como preço para além de pagar a dívida hipotecária ao Banco O. (resposta aos quesitos 75º da base instrutória)
- Nesse contrato a 1ª Ré declarou expressamente que já recebeu a quantia de HK$50.000.000,00, sendo o remanescente pago aquando da outorga da respectiva escritura pública de compra e venda. (resposta aos quesitos 76º da base instrutória)
- Assinado esse contrato-promessa, verificou-se um erro no número do Bilhete de Identidade de Hong Kong de E, em vez do número do seu Bilhete, foi posto o número do Bilhete de Identidade de Residente de Macau de D . (resposta aos quesitos 77º da base instrutória)
- Em virtude de facto referido na resposta ao questio 77º, foi aposto o carimbo de “cancelled” no contrato. (resposta aos quesitos 79º da base instrutória)
- O que consta em F) dos factos assentes. (resposta aos quesitos 80º da base instrutória)
- A 2ª R. contratou o fornecimento de água e electricidade para o prédio referido em B) dos factos assentes. (resposta aos quesitos 82º da base instrutória)
- A 2ª Ré assinalou no prédio referido em B) dos factos assentes a sua denominação social. (resposta aos quesitos 84º da base instrutória)
***
III) FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
   Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
   Com a presente acção, alegou a Autora ser titular de crédito sobre a 1ª Ré no valor global de MOP$31.179.075,00, tendo uma parte dele no valor de HK$10.000.000,00 reconhecido por sentença transitada em julgado e outra parte no valor de HKD$4.000.000,00 reconhecido pela 1ª Ré no documento particular assinada pela mesma.
   Para a garantia do pagamento do seu crédito, a Autora requereu duas providências cautelares de arresto que incidem sobre o terreno titulado pela 1ª Ré, as quais foram deferidas e registados em 26 de Abril de 2007 e 09 de Maio de 2007, respectivamente.
   No entanto, entre as 1ª Ré e 2ª Ré foram celebrados dois contratos-promessa em 18 de Janeiro de 2007 e 16 de Março de 2007 relativo ao mesmo terreno titulado pela 1ª Ré, tendo a 2ª Ré requerido o registo provisório de aquisição do prédio sob a apresentação n°77 de 16 de Março de 2007.
   Posteriormente, foi celebrado o contrato definitivo de compra e venda pelas Rés em 10 de Janeiro de 2009, e, com base na respectiva escritura pública, foi convertido em definitivo o registo provisório de aquisição acima referida.
   Invoca a Autora que os negócios celebrados entre 1ª e 2ª Rés enfermem de vários vícios, tais como por falta de poder de representação da 1ª Ré na celebração dos contratos-promessa, ou por simulação (de vontade de celebração do negócio e do preço) com a intenção de frustrar a cobrança do crédito da Autora, pretende esta ver declarados nulos os negócios em causa, bem como a irretroactividade do efeito do registo definitivo à data do registo provisório. Mais, no caso de improcedência desses pedidos, recorre, subsidiariamente, à figura de impugnação pauliana ou de sub-rogação para conservar a garantia do crédito, ou pede a condenação das Rés no pagamento do seu crédito por assunção cumulativa pelas Rés. Finalmente, requereu a Autora a condenação solidária das Rés no pagamento do montante indemnizatória por danos que lhe tinha causado pelos actos destas.
   Na contestação, a 2ª Ré negou a existência de qualquer conluio com a 1ª Ré nem intenção de prejudicar à Autora na celebração dos negócios em crise, alegando que a celebração dos contratos-promessa relativo ao prédio da 1ª Ré é consequência do contrato de cooperação que havia celebrado e realizado entre a 1ª Ré e o E, no âmbito do qual este tinha efectuado o pagamento de cerca de 7 biliões de patacas à 1ª Ré ou aos sócios da 1ª Ré.
   Considerando esse enquadramento abstracto delineado pelas partes e as fundamentações jurídicas invocadas pela Autora para sustentar os seus pedidos, colocam-se os seguintes grupos de questões cujo conhecimento interessa para a resolução do litígio dos presentes autos.
I. A nulidade dos contratos-promessa
i) Simulação do contrato de promessa de 16 de Março de 2007 por falta de vontade
ii) Simulação de preço
iii) Falta de autorização da assembleia geral da 1ª Répara constituição de procurador
iv) Falta de especificação dos poderes na procuração
II. Revogação do contrato-promessa de 18 de Janeiro de 1997
III. A nulidade do contrato de compra e venda por: i) simulação de vontade e; ii) simulação de preço;
IV. A irretroactividade da aquisição do direito da propriedade pela 2ª Ré à data de registo provisório em 16 de Março de 2007
i) por falta de declaração de vontade nesse sentido pela 1ª Ré;
ii) por inexactidão do registo provisório de aquisição em virtude da falta de legitimidade para o efeito do requerente do registo;
iii) em consequência da não correspondência entre os conteúdos do contrato-promessa de compra e venda e o contrato de compra e venda.
V. Impugnação Pauliana;
VI. Sub-rogação do direito de crédito da 1ª Ré pela Autora contra a 2ª Ré;
VII. Assunção cumulativa das dívidas pelas 1ª e 2ª Ré;
VIII. Pedido de indemnização contra as Rés;
IX. Litigância de má fé da Autora.

I.) Nulidade dos contratos-promessa
   Simulação dos contratos-promessa: i) simulação por falta de vontade do contrato de 16 de Março de 2007 e ii) simulação de preço dos dois contratos-promessa de 18 de Janeiro de 2007 e 16 de Março de 2007
   A autora invocou que os contratos-promessa assinados pelas 1ª e 2ª Rés são nulos por simulação.
   
   Preceitua-se, quanto ao conceito de simulação, o art°232° do C.C.:
   “1. Se, por acorde entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2.O negócio simulado é nulo.”
Ensina Pedro Pais de Vasconcelos que “a simulação é uma divergência bilateral entre a vontade e a declaração, que é pactuada entre as partes com a intenção de enganar terceiro. Na simulação as partes acordam entre si emitir uma declaração negocial que não corresponde à sua vontade real e fazem-no com o intuito de enganar terceiros.” (in Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 4ª Edição, pg.682)
   São elementos integradores de simulação: o acordo entre as partes (declarante e declaratório); a divergência entre a declaração e a vontade real; e o intuito de enganar o terceiro.
   Cabe analisar se se verificaram os elementos essenciais de simulação no caos em apreço.
   
   i) Simulação de contrato-promessa de 16 de Março de 2007 por falta de vontade
   A autora entende que, no momento da celebração do contrato-promessa de 18 de Janeiro de 2007, já existia um registo provisório de aquisição a favor de D, assim, a 1ª Ré não tinha legitimação para conferir autorização para o registo provisório, para obviar essa invalidade, as Rés simularam a celebração do contrato-promessa de 16 de Março de 2007, com o propósito de enganar e prejudicar os credores da 1ª Ré.
   De acordo com os factos apurados, provou-se que as 1ª e 2ª Rés celebraram em 18 de Janeiro de 2007 e 16 de Março de 2007, respectivamente, dois acordos nos termos do qual a primeira prometeu vender à segunda e esta prometeu comprar àquela, o terreno com os n°14 a 17 sito na Estrada Marginal da Ilha Verde, pelo preço de HK$188.300.000,00.
   Efectivamente, os dois contratos em causa têm o conteúdo quase igual. Mas para que afirme que um contrato é simulado, não basta que os mesmos contraentes assinaram contratos com o mesmo conteúdo.
   Carece a Autora provar que há, efectivamente, pacto simulatório das partes, a divergência entre a vontade declarada e vontade real bem com o requisito de intuito de enganar a terceiro.
   No caso em causa, quanto ao facto de divergência da aparência negocial e a realidade negocial, não se provou que existiu realmente divergência da vontade declarada e vontade real das 1ª e 2ª Rés na celebração do contrato-promessa de 16 de Março de 2007, ou seja, com a criação aparente do negócio, as partes não tinham intenção de transmissão do prédio em jogo.
   O acto de celebração de dois contratos-promessa pelos mesmos sujeitos com o conteúdo semelhante, per si, não é incompatível. Desse facto não se retira a conclusão, como se concluiu a Autora, que as partes não tinham, na realidade, vontade na celebração do novo contrato-promessa. O que releva, para efeito de simulação, se as partes queiram realmente celebrar um verdadeiro negócio sob o segundo contrato-promessa.
   Mesmo que constituísse impedimento ou invalidade pelo titular do prédio a conferir autorização do registo de aquisição em virtude da existência do outro registo de aquisição a favor de um terceiro D, à data de 18 de Janeiro de 2007, o que só reforçaria, por lógica, a necessidade de celebração de novo contrato-promessa com o mesmo conteúdo no dia 16 de Março de 2007. Pois nessa altura, com o cancelamento do registo provisório a favor de D, já deixou de ter qualquer obstáculo à alienação do prédio pelo seu titular ao outro.
   A divergência entre a declaração negocial e a vontade real das partes não se presume, há que se basear no suporte fáctico. Incumbe à Autora o ónus de alegar e provar factos concretos, o que não se ocorreu no caso.
   Bem ao contrário do que invocou a Autora, dos factos provados demostrar que havia um contrato de consórcio para desenvolver o prédio em jogo entre a 1ª Ré e o E, representante legal da 2ª Ré, na sequência desse contrato, o E pagou à 1ª Ré a quantia de cerca de 7 biliões e é para garantia da posição daquele, a 1ª Ré celebrou o contrato-promessa com a 2ª Ré no dia 16 de Março de 2007, dando a anuência para efectuar o registo provisório de aquisição. (matéria de factos provados nos quesitos 40° a 55°, 57° a 69°, 73° a 77°)
Perante essa realidade fáctica, outra conclusão não pode obter que houve seriedade quer por parte da 1° Ré e da 2ª Ré na celebração do contrato-promessa.
   Ademais, em relação ao requisito de intuito de enganar credores da 1ª Ré, também não se ficou provado facto sobre essa matéria. Aliás, conforme os factos provados, aquando da celebração dos contratos-promessa, a 2ª Ré desconhecia a existência dos créditos da Autora. Como é natural, o agente só pode praticar um facto com determinada finalidade se tiver consciência ou conhecimento da sua existência ou da probabilidade da sua existência.
   Assim, provou-se que a 2ª Ré desconhecia a existência dos crédito da Autora, falece de lógica de imputar-lhe a celebrar o contrato-promessa com a 1ª Ré com intuito de enganar a Autora.
   Por não se verificaram os elementos essenciais da simulação, esse pedido não pode deixar de julgar como improcedente.
   
   ii) Simulação de preço dos contratos-promessa de 18 de Janeiro de 2007 e 16 de Março de 2007
   Outra causa da simulação invocada pela Autora reside na divergência entre o preço declarado pelas partes nos dois contratos-promessa em causa e o preço real do terreno, objecto mediato dos contratos.
   Para o efeito, a Autora alegou que o prédio prometido a vender tinha, à data da escritura, um valor real de mercado não inferior a MOP$2.000.000.000,00 enquanto as contraprestações estipuladas nos contratos-promessa para a aquisição pela 2ª Ré sobre o imóvel eram apenas de cerca de MOP$700.000.000,00, face à manifesta superioridade do valor do mercado, os negócios deviam ser considerados simulados.
   Qui júris?
   Sobre a matéria em causa, constata-se os seguintes factos provados:
   “O valor de mercado do prédio em causa era apenas de MOP$503.000.000,00.
   Nos contratos-promessa referidos, a contrapartida exigida à 2ª Ré pela aquisição do direito de propriedade sobre o prédio desdobra-se em duas parcelas, a primeira o pagamento de determinada quantia em dinheiro à 1ª Ré e a segunda o pagamento a credores da 1ª Ré de dívidas desta, a saber: a dívida ao Banco O garantida por hipoteca constituída sobre o imóvel; as dívidas relativas ao arresto sobre o imóvel titulado pela F Limited.
   O montante máximo assegurado pela hipoteca constituída a favor do Banco O sobre o prédio referido em B) dos factos assentes é de MOP$493.520.000,00 e o montante assegurado pelo arresto constituído a favor da F Limited sobre o mesmo prédio é de MOP$10.300.000,00.
   A 2ª Ré pagou o crédito hipotecário do Banco O no valor total de MOP$583.515.704,35.”
   Segundo os factos supra mencionados, o valor real de mercado na altura da celebração do contrato-promessa era apenas de MOP$503.000.000,00, mas a 2ª Ré já pagou, como contrapartida, a quantia de MOP$583.515.704,35 ao Banco de O para liquidar a dívida da 1ª Ré no cumprimento do contrato-promessa.
   Só por esses factos não é difícil de demonstrar que, no momento de celebração do contratos-promessa, ou seja, no início de 2007, o valor de mercado do prédio não é superior ao valor acordado pelas partes para a transmissão do terreno, já que ainda não conte outra dívida da 1ª Ré perante a F Limited que a 2ª Ré também assumiu a sua responsabilidade por conta da 1ª Ré, bem como os pagamentos já efectuados pelo E no contrato do consórcio acima referido para o desenvolvimento do terreno em causa que também se ficaram provados.
   Assim, não se logrou a Autora provar a existência de divergência do valor real do imóvel e do valor do negócio, cai por terra toda a sua tese a nulidade dos contratos-promessa por simulação de preço.
   
   iii) Falta da autorização da assembleia geral da 1ª Ré para a constituição de procurador
   A Autora disse que o E interveio nos dois contratos-promessa na qualidade de representante da 1ª Ré através da procuração outorgada a seu favor em 11 de Dezembro de 2006, mas o acto de constituição da procurador não foi objecto de autorização da assembleia geral da 1ª Ré, entendendo que a procuração é nula por ter violado do disposto do art°253°, n°3 do Código Comercial, e como tal, os contratos-promessa celebrados por E são ineficazes em relação a 1ª Ré e nulos em relação à 2ª Ré.
   Está a Autora, no fundo, a pôr em causa a validade da procuração passada a favor de E em 11 de Dezembro de 2006.
   Sobre a matéria em discussão, temos os factos assentes:
   “E foi a única pessoa física que participou nos dois contratos-promessa, como representante voluntário da 1ª Ré e representante legal da 2ª Ré. (10°)
   Enquanto representante da 1ª Ré, E interveio nos dois contratos com base em procuração outorgada a seu favor em 11 de Dezembro de 2003, emitida pela 1ª Ré.(11°)
   Em 11 de Dezembro de 2006, perante o notário privado foi outorgado o instrumento notarial de procuração, com cláusula de “negócios consigo mesmo” para o procurador que era E.”(69°)
   
   Dispõe-se o art°235°, n°3 do Código Comercial, na redacção introduzida pelo art°2° da Lei n°6/2000, de 27 de Abril o seguinte:
   “Independentemente de autorização expressa nos estatutos, a sociedade pode, mediante autorização da assembleia geral ou do conselho de administração, caso exista, propor gerentes para o desempenho de algum ramo de negócio que se integre no seu objecto ou nomear auxiliares para a representar em determinados actos ou contratos ou, por instrumento notarial, constituir procuradores para prática de determinados actos ou categoria de actos.”
   Para a Autora, de acordo com a norma acima transcrita, a constituição do mandatário da sociedade carece sempre da autorização da assembleia geral, sob pena da nulidade do respectivo acto.
   Será assim, vejamos.
   Segundo a letra do n°3 do art°235°, esse normativo deve ser entendido com dois segmentos: 1) a sociedade pode propor gerentes determinados para o desempenho de algum ramo de negócio ou nomear auxiliares para a representar em determinados actos, mediante autorização do assembleia geral ou do conselho de administração; 2) a sociedade pode constituir procuradores para prática determinados actos ou categoria dos actos por instrumento notarial. 1
   Assim, no último caso, para a constituição da procuração, basta que o acto seja realizado por instrumento notarial, não sendo necessário a autorização da assembleia geral.
   Como se referencia acima, na altura da prática dos actos em causa, a 1ª Ré só tinha um administrador M, este tinha poderes para representar a sociedade, assim, ele podia, por si, constituir procuradores da sociedade para prática de certos actos, desde que fosse realizada por forma de instrumento notarial.
   Conforme o documento junto a fls. 370 a 372, a procuração em causa foi passada por M na qualidade de gerente da 1ª Ré, perante o notário privado N, a favor de E, para a prática de uma série de actos relativo ao terreno n°14 a 17 da Estrada Marginal da Ilha Verde.
   Assim, por ter sido efectuado com a forma legalmente exigida e por quem tinha poderes para representar a sociedade, a procuração em causa não está ferida de nulidade, mormente por violação dos termos previsto no n°3 do art°253° do Código Comercial.
   Mesmo que assim não se entendesse, a interpretação da Autora também não é de acolher.
   Sobre a administração da sociedade por quota, diz o n°1 do art°383° do Código Comercial que “As sociedade por quotas é gerida e representada por um ou mais administradores que podem ser ou não sócios”. Por outro lado, preceitua-se o art°386°, n°1 do mesmo Código que “Existindo um só administrador, considera-se a sociedade obrigada pelos actos praticados, em nome dela, por esse administrador, dentro dos limites dos seus poderes.”
   Consoante o preceituado do art°383° e 386° do Código Comercial, os actos da sociedade são praticados pelos seus administradores, os quais são vinculados à sociedade. No caso de existir um só administrador, basta a intervenção deste para fazer obrigar a sociedade.
   Essa é a regra geral aplicável à sociedade quanto à forma de administração e de obrigação da sociedade.
   No caso em causa, segundo o estatuto da sociedade da 1ª Ré (cláusula 3ª), a sociedade pode constituir mandatários. No momento da prática dos actos referidos pela Autora, a 1ª Ré só tinha um gerente M e a forma de obrigar da sociedade era apenas a assinatura desse gerente (relativo ao período de 25 de Novembro de 2005 a 07 de Março de 2008).
   Assim, conjugados o estatuto social e os preceitos acima citados, para a constituição dos mandatários, basta a assinatura de um gerente para obrigar a sociedade.
   A regra geral é que a gerência da sociedade cabe à administração da sociedade. De facto, o nosso legislador estabelece alguns desvios a essa regra, que é o caso previsto no n°3 do art°235° do Código Comercial. Ou seja, a sociedade pode, mediante a autorização do assembleia geral ou do conselho de administração, propor gerentes para o desempenho de algum ramo de negócio ou nomear auxiliares para a representar em determinados acto.
   Para a Autora, com esse preceito, pretende o legislador restringir o poder de gerência dos administradores no sentido de que a prática desses actos só podem ser feitos com a autorização da assembleia geral ou do conselho de administração.
   Não se afigura essa ser a adequada interpretação desse preceito.
   Para já, com a previsão desse normativo, o legislador não afasta a prática dos mesmos actos pelos administradores, pois a lei diz “pode” e não “deve”, com a palavra “pode”, parece o que o legislador pretender é atribuir também à assembleia geral ou ao conselho de administração o poder de gerência para a prática de determinados actos, sendo, portanto, faculdade alternativa e não dever. Se o legislador fosse no sentido de afastar aos administradores a prática desses actos, teria expressamente previsto a exclusão desse poder da mão dos administradores, o que não foi feito.
Assim, a melhor interpretação não pode deixar de ser o seguinte: para além dos administradores, também admite a intervenção da assembleia geral ou do conselho de administração a prática dos mesmos actos.
   Pelo que, a constituição do procurador pelo administrador não carece de autorização da assembleia geral da sociedade.
   Nestes termos, não estando a procuração ferida de vício de nulidade, o E, munido de tal procuração, tem legitimidade pode intervir nos contratos-promessa de 18 de Janeiro de 2007 e de 16 de Março de 2007, na qualidade de procurador da 1ª Ré.
   Assim, falece também o argumento de nulidade do contrato-promessa requerido pela Autora.

iv) Falta de especificação dos poderes na procuração
   A Autora arguiu que a procuração é nula por falta da especificação dos poderes conferidos ao procurador.
   Do ponto de vista da Autora, os actos especificados na procuração sobre o imóvel em causa, nomeadamente, poderes gerais e especiais de administração, poderes para hipotecar, prometer vender, vender, trocar, arrendar, alienar, ceder a utilização ou transformar na sua forma ou na sua essência o imóvel, não se observou o disposto do n°3 do art°235° do Código Comercial.
   Sem razão a Autora.
   Lido atentamente o teor da procuração consta a fls. 370 a 372, não restam margem de dúvidas que nela são discriminados os poderes em concreto que são conferidos ao respectivo procurador. Sem bem que não se especifique acto por acto mas uma série de actos que diz respeito à alienação ou administração do mesmo terreno, o que não deixa de ser actos especificados.
   Na verdade, a lei não diz que numa procuração só pode conferir o poder para a prática dum acto, ao invés, a lei permite expressamente que a constituição do procurador para a prática de certa categoria de actos. É justamente o que ocorre no presente caso. Na mesma procuração, a 1ª Ré confere poderes ao seu procurador para a prática duma série de actos relativo ao mesmo terreno por si titulado.
   Assim, não se afigura que a procuração passada pela 1ª Ré violou o disposto do n°3 do art°253° do Código Comercial, não pode proceder o pedido de nulidade arguida pela Autora.

II) Revogação do contrato-promessa de 18 de Janeiro de 2007
   A autora invocou, subsidiariamente, que o contrato-promessa de 18 de Janeiro de 2007 teria sido revogado por mútuo acordo por celebração do contrato-promessa de 16 de Março de 2007 pelos mesmos sujeitos com conteúdo semelhante.
   Dispõe-se o n°1 do art°400° do C.C. que “o contrato deve ser pontualmente cumprido, só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraente ou nos casos admitidos por lei.”
   Revogação é uma das formas da extinção do negócio jurídico que consiste na declaração dos próprios contraentes.
    Ensina Pedro Pais de Vasconcelos, “As pessoas podem, em princípio desvincular-se de um negócio jurídico do mesmo modo, pela mesma forma e nas mesmas condições porque se vincularam… A revogação, como acto jurídico, rege-se, em princípio, pelas mesmas regras do negócio revogado.” (in obra citada, pag.771)
   Portanto, para que se considere um contrato ser revogado pelos seus contraentes, é necessário a vontade expressamente manifestada nesse sentido pelas contraentes. O que não se acontece.
   De facto, as 1ª e 2ª Rés celebrarem dois contratos-promessa com o mesmo conteúdo, a Autora interpreta esse acto como as Rés pretenderam revogar o contrato-promessa de 18 de Janeiro de 2007. Para o devido efeito, foi formulado quesito sobre a matéria em causa, porém, não ficou provado que ao celebrarem o segundo contrato, a 1ª e 2ª Rés pretenderam, por mútuo acordo, revogar ou distratar o contrato-promessa celebrado entre ambas em 18 de Janeiro de2007.( 18°)
   Não se ficou provado o facto de haver acordo na revogação, não pode por isso considerar que as partes queriam mesmo revogar o contrato-promessa e negócios jurídicos anteriormente celebrados.
   Não sendo contrato-promessa de 18 de Janeiro de 2007 revogado, não há fundamento para suportar a tese tecida pela Autora quanto à nulidade da rectificação da data do contrato-promessa que se baseou o registo provisório de aquisição a favor da 2ª Ré e o cancelamento do respectivo registo.

III.) Nulidades do contrato de compra e venda: i) simulação de vontade das partes e; ii) simulação por preço

i) Simulação de vontade das partes
   A Autora arguiu que as 1ª e 2ª Rés celebraram a escritura pública de compra e venda com o propósito de fazer com que o imóvel deixasse de responder pelo cumprimento das dívidas da 1ª Ré, com a fundamentação após a celebração da escritura pública, a situação do imóvel manteve-se sem qualquer alteração, bem como não foi paga pela 2ª Ré à 1ª Ré qualquer quantia a título de preço da venda, concluindo, por isso, que as Rés não tinham a real vontade de realizar o negócio jurídico.
   A esse propósito, não se provaram os factos quanto à falta de intenção de transmissão da propriedade do terreno pela 1ª Ré à 2ª Ré nem o intuito de enganar os credores da 1ª R, (as respostas aos quesitos 19° a 21°), também não vem provada a falta de pagamento do preço de venda (resposta ao quesito 22°).
   Assim, os factos alegados pela Autora com base nos quais se deduziu a conclusão da existência de divergência entre a declaração e a vontade real não se ficaram provados, (matéria nos quesitos 19° a 22°), assim, falece a tese invocada pela Autora sobre a simulação do contrato de compra e venda por falta de vontade das partes.

ii) Simulação de preço
   A autora invocou também a simulação do preço do contrato de compra e venda, alegando, tal como no caso dos dois contratos-promessa, que o valor real de mercado do terreno em causa não é inferior a MOP$2.000.000.000,00.
   Sobre essa questão, (por ser idênticas as matérias de factos e de direito), vale o que foi decidido na apreciação da questão de simulação relativa dos contratos-promessa na ii) do ponto I).
   Ou seja, por não se mostrar provada a existência de divergência entre o valor de mercado do terreno e o valor de transacção, não pode proceder o pedido de nulidade do contrato de compra e venda alegada pela autora por simulação do preço bem com o respectivo pedido de cancelamento do registo.
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IV. Irretroactividade da aquisição do direito da propriedade pela 2ª Ré à data do registo provisório em 16 de Março de 2007
   A Autora pretende ver declarada a irretroactividade da aquisição do direito da propriedade pela 2ª Ré à data do registo provisório em 16 de Março de 2007 com três razões: i) por falta de declaração de vontade nesse sentido pela 1ª Ré; ii) por inexactidão do registo provisório de aquisição em virtude de legitimidade para o efeito do requerente do registo; iii) em consequência da não correspondência entre os conteúdos do contrato-promessa de compra e venda e o contrato de compra e venda.

i) irretroactividade por falta de declaração de vontade nesse sentido pela 1ª Ré
   Entendeu a Autora que não deve haver retroactividade do efeito do registo do contrato de compra e venda à data do registo provisório em 16 de Março de 2007 por esse registo ser nulo em virtude de o mesmo ter sido requerido pelo procurador com uma procuração inválida bem como em que nela não é especificado expressamente o poder para o efeito.
   No fundo, a Autora voltou a invocar a mesma fundamentação para atacar a validade dos contratos-promessa acima apreciada no ponto iii) e iv) do Ponto I.
   No que diz respeito à validade/invalidade de procuração passada a favor do E pela 1ª Ré, de acordo com o decidido supra sobre a mesma questão no ponto I), o Tribunal já pronunciou pela validade do acto jurídico em fogo, pelo que não há qualquer razão a Autora a invocar a irretroactividade do registo com base nesse fundamento.
   No que concerne ao problema de falta de especificação dos poderes conferidos ao procurador para o efeito do registo, mais uma vez, a Autora também não tem razão.
   De acordo com teor da procuração constante a fls. 370 a 372, menciona-se expressamente na sua alínea j), “a conferição ao procurador do poder para requerer quaisquer actos de registo predial, provisório ou definitivos……”
   Com a clareza de especificação do poder para o efeito de registo, falece, por natural, a arguição da Autora.

   ii) irretroactividade por inexactidão do registo provisório de aquisição em virtude de legitimidade por parte do requerente do registo
   Outro fundamento arguido pela Autora para justificar a não retroactividade do registo consiste na falta de legitimidade do E para requerer o registo provisório.
   A autora constrói a sua tese no pressuposto de que E formulou o pedido do registo em nome próprio e não em nome da 2ª Ré.
   Não se percebe a razão de ser da Autora. Conforme o documento indicado pela mesma na p.i., isto é o pedido do registo (fls. 190), constava expressamente que o pedido de registo foi formulado pela 2ª Ré, muito embora quem subscrevesse o requerimento era E, mas na qualidade de representante legal da 2ª Ré. Como se sabe, esta é uma sociedade que, por sua natureza, só pode praticar acto por intermédio de pessoa singular. Aliás, a certificação da assinatura do E na folha seguinte demonstra, claramente, que este subscreveu o pedido na qualidade de administrador da 2ª Ré.
   Assim, o registo provisório de aquisição é feito por quem com legitimidade, não está o mesmo efectuado com preterição de qualquer formalidade do registo.
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   iii) irretroactividade em consequência da não correspondência entre os conteúdos do contrato-promessa de compra e venda e o contrato de compra e venda
   A terceira razão invocada pela Autora para a não retroactividade do registo ancora-se na inferioridade do preço estipulado no contrato de compra e venda em relação ao estipulado nos contratos-promessa, defendendo que foi acordado no contrato-promessa que a 2ª Ré pagou à 1ª Ré, como contrapartidas, a quantia de HKD188.300.000,00, mais com diversos pagamentos feita pela 2ª Ré a credores da 1ª Ré, entre os quais o Banco O e a F Limited, sendo o total da quantia da dívida da 1ª Ré acerca de MOP$700.000.000,00.
   Não se acolhe a posição da Autora.
   Em primeiro lugar, conforme os factos tidos como assentes, nos dois contrato-promessa de 18 de Janeiro de 2007 e de 16 de Março de 2007, foi estipulado pelas partes o preço de venda do terreno em HK$188.300.000,00. Enquanto na escritura pública de compra e venda outorgada pelas Rés em 10 de Janeiro de 2009, o preço de aquisição do terreno também foi fixado em HK$188.300.000,00
   Ou seja, segundo a letra dos contratos-promessa e do contrato de compra e venda, o preço acordado pelos seus outorgantes é mesmo, HK$188.300.000,00
   De facto, vem provado que as partes acordaram que as contrapartidas exigidas à 2ª Ré nos dois contratos-promessa aludidos seriam realizadas por duas parcelas: uma através do pagamento de quantia certa e outra mediante o pagamento por parte da 2ª Ré a credores da 1ª Ré da dívida desta.
   Mas, este não deixa de ser o modo de pagamento da contraprestação devida pelo promitente-comprador, ora 2ª Ré.
   Mesmo que se entendesse que esses pagamentos fizessem parte do teor dos contratos-promessa, não se pode olvidar que com a celebração do contrato definitivo entre as Rés, à 2ª Ré foi transmitida a propriedade do prédio em causa tal qual como se encontrava à data do registo provisório da aquisição.
   De facto, o preço estipulado no contrato de compra e venda é de HK$188.300.000,00, mas no momento da outorga da escritura pública e da conversão do registo em definitivo, o terreno em causa estar ainda onerado com a penhora/hipoteca a favor do Banco O e um arresto a favor da F, pelo que o preço do terreno estipulado pelos comprador e vendedor não poderia não ter tomado em conta os valores das dívidas garantidas por esses ónus reais, pois se não fosse realizado o pagamento a esse credores da 1ª Ré, estes poderiam executar o prédio para obter satisfação do seu crédito.
   Pelo que, ao adquirir um prédio com ónus reais, o adquirente terá sempre em mente de assumir o pagamento dessas garantias reais, sob pena de execução coerciva incidida sobre o prédio em causa, assim, o preço real da transmissão do prédio será sempre a quantia entregue pela 2ª Ré à 1ª Ré mais o valor das respectivas garantias reais.
   Olhando as coisas desta perspectiva, o preço de transmissão da propriedade do terreno acordado pelos contraentes quer nos dois contratos-promessa quer no contrato definitivo de compra e venda é, na substância, igual, não havendo divergência substancial.
   Nestes termos, não se entende que existe divergência do conteúdo do contrato-promessa e do contrato definitivo, não assiste razão a Autora a não retroactividade do registo definitivo da aquisição à data do registo provisório.
   Assim, esse pedido da Autora não pode proceder.
   
   Subsidiariamente aos pedidos acima analisados, a Autora requer, três pedidos também em subsidiário, sobre a impugnação pauliana, a sub-rogação do crédito e a assunção cumulativa do crédito da Autora pelas Rés, apreciaremos um por um destes pedidos, sendo a procedência de um prejudicar o conhecimento dos posteriores.

    V. Impugnação Pauliana
   Vem a Autora recorrer à figura de impugnação pauliana com vista à não produção do efeito do contrato de compra e venda em relação à ela, permitindo-lhe exercer os seus direito de execução sobre o terreno em crise até satisfação integral do seu crédito e o cancelamento do registo de aquisição.
   A impugnação pauliana é um meio de conservação da garantia patrimonial, através do qual ao credor é conferida a possibilidade de reagir contra actos praticados pelo devedor, que diminuam o activo ou aumentem o passivo do património.
   Diz o art° 605° do C.C. que “Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorreram as circunstâncias: a) ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.”
   Por outro lado, diz o art°607° do C.C.M., “1. O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiveram agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agisse de boa fé. 2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.”
   Deduz desses preceitos os seguintes requisitos da acção pauliana: a existência de crédito; anterioridade do crédito ou fraude preordenada; o prejuízo da garantia patrimonial e má fé do devedor e terceiro, se o acto for oneroso.
   Urge aquilatar se o presente caso preencher os requisitos de impugnação pauliana.
    Crédito da Autora
   Quanto ao requisito da existência de crédito, conforme os factos apurados, prova-se que a Autora é credor da 1ª Ré na quantia de HK$10.000.000,00, acrescido de juros de mora, crédito esse já tinha sido reconhecido por sentença de 16 de Novembro de 2007 proferida no processo CV2-07-0032-CAO.
   Por outro lado, prova-se também que a Autora emprestou à 1ª Ré a quantia de HKD$4.000.000,00, tendo as partes acordado que sobre o empréstimo seria cobrados os juros de 16%, e em caso de mora passaria a ser 30%. A 1ª Ré confessou devedora dessa quantia por documento particular assinado em 26 de Junho de 1997. Na acção executiva movida pela Autora, este pretendeu cobrar o capital e juros vencidos no montante de HK$15.440.000,00.
   Até à actualidade, a 1ª Ré não devolveu a quantia acima referida à Autora.
   Resumido desses factos provados, dúvida não há que a Autora é credora da 1ª Ré no montante de pelo menos de HK$25.440.000,00, acrescido de respectivos juros de mora.
    Anterioridade do crédito ou fraude preordenada
   Quanto à anterioridade do crédito, não se suscitou questão no que diz respeito ao crédito no montante de HK$15.440.000,00, face à data de confissão de dívida pela 1ª Ré. Já quanto ao crédito condenado no processo CV2-07-032-CAO, tendo em conta o teor da sentença consta dos autos a fls. 493 a 505, esse crédito tinha sido constituído no ano 1994, esse crédito também é anterior ao acto a ser impugnado.
    Prejuízo de garantia patrimonial
   No que tocante ao requisito da impossibilidade ou agravamento da impossibilidade de satisfação integral do crédito por virtude do mesmo acto, ficou assente que com a venda do imóvel em crise, a 1ª Ré deixou de ter qualquer bem e que, desde 2007, a 1ª Ré deixou de ter qualquer actividade económica, é mais que cristiano que com a venda do terreno, a Autora não tem qualquer possibilidade de ver a satisfação do seu crédito, perante a situação patrimonial da 1ª Ré.
    Má fé das Rés
   Outro requisito para concessão de impugnação pauliana é o devedor e o adquirente agiram de má fé se o acto a impugnar for acto oneroso.
   Antes de mais, cabe conhecer se o acto a impugnar é oneroso.
   Com a invocação de que o preço de venda é apenas um quinto do seu valor real, pretendeu a autora classificar o contrato de compra e venda como contrato misto de venda e doação, a fim de qualificar como gratuito o acto e, assim, justificar a desnecessidade de verificação do requisito de má fé por parte do adquirente terceiro, como não se ficou provado o valor de venda é inferior ao valor real do imóvel, fica, também, afastada a hipótese colocada pela Autora.
   Dos factos assentes não temos dúvidas que o acto impugnado é oneroso. Com efeito, pela aquisição do terreno, o adquirente prestou, pelo menos, o montante de MOP$583.515.704.35, a favor do Banco O, credor da 1ª Ré e por conta desta e é pela prestação dessa contrapartida é que foi transmitida a propriedade do bem pela 1ª Ré à 2ª Ré.
   Pelo que, face à onerosidade do acto, para que proceda a impugnação pretendida pelo Autor, é indispensável a má fé das Rés.
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   Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor. Portanto, a má fé não se exige necessariamente a intenção de prejudicar, basta a consciência do devedor e do terceiro que o acto a impugnar irá provocar a impossibilidade para o credor obter a satisfação integral do seu crédito ou seu agravamento.
   Como se disse Antunes Varela, “A formulação da lei também demarca nitidamente da posição dos autores que identificam a má fé com a intenção de prejudicar os credores. O devedor e o terceiro podem agir com outra intenção, em busca dum outro objectivo, mas com perfeita consciência do prejuízo que vão causar. E tanto basta, no pensamento da lei, para que a pauliana proceda.”2
   *
   No que se concerne à 1ª Ré, pelo facto de ter sido ela quem prometeu vender ao Autor e quem incumprira o respectivo contrato, é manifesto, segundo o princípio de experiência comum e por lógica, que a mesma tinha o conhecimento de que a alienação do seu bem a tornaria incapaz de satisfazer os créditos que tinha com a Autora.
   Entretanto, quanto à 2ª Ré, não se verificou o requisito de má fé.
   Resulta dos factos apurados, provou-se que aquando da celebração dos contratos-promessa, a 2ª Ré desconhecia a existência dos créditos da Autora.
   Embora o que seja posta em causa é o acto de compra e venda, não se pode olvidar que o contrato de compra e venda seja o acto para concretizar a promessa de de transmissão da propriedade, acordada entre as Rés já no tempo anterior. Por causa de ter requerido o registo provisório de aquisição, o efeito do registo definitivo de compra e venda retroage à data do registo provisório. Por isso, é essa data e não a data de contrato de compra e venda que releva para efeito de saber da consciência do prejuízo causado ao credor.
   Assim sendo, embora prove que, na altura da realização da compra e venda, a 2ª Ré já sabia que a venda do imóvel impediria a Autora a cobrança do seu crédito, não pode afirmar que a 2ª Ré tinha agido com má fé ou com consciência do prejuízo causado à Autora, por que esta desconhecia a existência do crédito da Autora no momento da celebração do contrato-promessa e o contrato de compra e venda não passa de ser acto definitivo que a 2ª Ré ficou vinculado a celebrar no cumprimento da promessa acertada pelas 1ª e 2ª Ré já há cerca de dois anos.
   Não se logrou a Autora a prova dos factos integradores da impugnação pauliana, mormente a má fé por parte da 2ª Ré, o pedido da Autora não pode deixar de ser julgado improcedente.
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    VI. Sub-rogação do direito da 1ª Ré no exercício do direito ao preço de venda
   Com a fundamentação de o preço estipulado nos contratos-promessa e no contrato de compra e venda não ter sido pago pela 2ª Ré à 1ª Ré, entende a Autora que a 1ª ré é titular dum crédito contra aquela, pretendendo sub-rogar no direito da 1ª Ré e exigir a 2ª Ré no pagamento do preço de venda.
   Na contestação, a 2ª Ré invocou a excepção da ineptidão da petição inicial por incompatibilidade dos pedidos, dizendo que esse pedido é incompatível com os pedidos de nulidade de contrato de compra e venda anteriormente requeridos pela Autora, devendo o pedido ser indeferido liminarmente.
   Sobre a excepção invocada, na petição inicial, não é muita clara a posição da Autora, face o conjunto dos pedidos formulados ora por subsidiário ou por cumulativo, mas com o esclarecimento feito pela Autora a convite do Tribunal, cuja resposta deu conhecimento à Ré, já deixa de ter dúvida que o pedido em causa foi formulado no caso de improcedência do todos os pedidos da nulidade do contrato de compra e venda e de contratos-promessa.
   Por ser pedido subsidiário e de acordo do disposto do n° 3° do 390° do C.P.C.M., não existe incompatibilidade entre o pedido de sub-rogação do crédito da 1ª Ré contra a 2ª Ré por falta de pagamento de preço pela transmissão da propriedade do imóvel e o pedido de nulidade do contrato de compra e venda,.
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   Quanto à sub-rogação está regido no n°1 do art°601° do C.C. “Sempre que o devedor o não faça, tem o credor a faculdade de exercer, contra terceiro, os direitos de conteúdo patrimonial que competem àquele, excepto se, por sua própria natureza ou disposição da lei, só puderem ser exercido pelo respectivo titular.”
   Ensina o Prof. Autunes Varela que “A sub-rogação do credor ao devedor no exercício de certos direitos capazes de aumentarem o activo, diminuírem o passivo ou impedirem uma perda do activo do património do obrigado. (in Obrigações em Geral, Almedina, 3ª Edição, Vol II., pag. 435)
   Como se resulta da letra da lei, são requisitos essenciais da aplicação da providência de sub-rogação do credor: a) a existência do direito de natureza patrimonial; b) a omissão do devedor; c) que a realização do acto seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor.
   Vamos debruçar se no caso sub judice se reúnem os requisitos de sub-rogação do credor. A Autora invocou que a 2ª Ré não pagou à 1ª Ré qualquer quantia a título de preço pela transferência do direito da propriedade sobre o imóvel em crise, não obstante da menção de pagamento de sinal no valor de HKD$50.000.000,00 nos contratos-promessa de 18 de Janeiro de 2007 e de 16 de Março de 2007, bem como de pagamento de valor de HKD$188.300.000,00 na escritura de compra e venda de 10 de Janeiro de 2009.
   No âmbito da factualidade assente, temos os seguintes factos relevantes:
   “Em 18 de Janeiro de 2007 e 16 de Março de 2007, a 1ª e a 2ª Rés celebraram dois contratos-promessa, nos termos dos quais, pelo preço de HK$188.300.000,00 00 a primeira prometeu vender à segunda, e esta prometeu comprar àquela, o prédio referido nos autos. (alínea C) e D))
   Em ambos os contratos-promessa, consta que a 1ª Ré já recebeu da 2ª Ré o sinal no montante de HKD$50.000.000,00.
   Em 10 de Janeiro de 2009, por escritura pública lavrada no Cartório do Notário Privado N, a 1ª Ré vendeu à 2ª Ré o prédio objecto mediato dos dois referidos contratos-promessa, indicando que o fazia pelo preço de HK$188.300.000,00, equivalentes a MOP$194.231.450,00. (alínea F))
   Consta da escritura pública também que a 1ª Ré já recebeu o preço de venda no valor de HKD$188.300.000,00.
   Em qualquer dos contratos-promessa referidos em C) e D) dos factos assentes, a contrapartida exigida à 2ª Ré pela aquisição do direito de propriedade sobre o prédio referido em B) dos factos assentes desdobra-se em duas parcelas, a primeira o pagamento de determinada quantia em dinheiro à 1ª Ré e a segunda o pagamento a credores da 1ª Ré de dívidas desta, a saber: a dívida ao Banco O garantida por hipoteca constituída sobre o imóvel; as dívidas relativas ao arresto sobre o imóvel titulado pela F Limited. (12°)
   O montante máximo assegurado pela hipoteca constituída a favor do Banco O sobre o prédio referido em B) dos factos assentes é de MOP$493.520.000,00 e o montante assegurado pelo arresto constituído a favor da F Limited sobre o mesmo prédio é de MOP$10.300.000,00. (13°)
   A 2ª Ré pagou o crédito hipotecário do Banco O, incluindo as custas processuais no valor total de MOP$583.515.704,35. (MOP$581.000.000,00 + MOP$2.515.704,35) (38°)
   Em 14 de Novembro de 2005, foi assinado um acordo, designado por contrato de consórcio de desenvolvimento predial do terreno/prédio, constante a fls. 550 a 552. (43°)
   Depois de assinado o referido contrato de consórcio, D, J e E pagará à 1ª Ré a quantia total de HKD$20.000.000,00. (52°)
   Em 14 de Novembro de 2005, foi constituída a G,com o capital social de MOP$60,000.00, subscrito pelas seguintes pessoas: H, uma quota no valor de MOP$27,000.00, I, uma quota no valor de MOP$3,000.00; D , uma quota no valor de MOP$10,000.00; J, uma quota no valor de MOP$10,000.00 e E, uma quota no valor de MOP$10,000.00. (53º)
   Em 14 de Dezembro de 2005, foi realizada a 1ª reunião dos sócios da G, em que deliberou que os direitos decorrentes do contrato-promessa de compra e venda referido em I) dos factos assentes datado de 29 de Outubro de 2005, assinado pelo D e 1ª Ré eram transmitidos para a mesma sociedade. (54º)
   Em 14 de Dezembro de 2005, foi assinado entre H, na qualidade de cedente, e D , J e E na qualidade de cessionários um acordo de transmissão de quotas da G. ( 55º)
   Na altura o preço das quotas a transmitir foi fixado em HK$160.000.000,00. (57º)
   Conforme o que estava previsto no acordo de transmissão de quotas referido na resposta ao quesito 55º, a transmissão procedia-se da seguinte forma:
   (1) Em 7 de Janeiro de 2006 os cessionários pagariam a quantia de HKD$20.000.000,00 e o cedente transmitiria uma quota no valor nominal de MOP$787.50 aos cessionários ou ao terceiro indicado pelos mesmos.
   (2) Em 7 de Março de 2006, os cessionários pagariam a quantia de HKD$30.000.000,00, data em que o cedente transmitiria uma quota nominal de MOP$1.181,25 aos cessionários ou ao terceiro indicado pelos mesmos.
   (3) Em 7 de Maio de 2006, os cessionários pagariam a quantia de HKD$30.000.000,00 data em que o cedente transmitiria uma quota no valor nominal de MOP$1.181,25 aos cessionários ou ao terceiro indicado pelos mesmos.
   (4) Em 7 de Setembro de 2006, os cessionários pagariam a quantia de HKD$80.000.000,00 data em que o cedente transmitiria uma quota no valor nominal de MOP$3.150,00 aos cessionários ou ao terceiro indicado pelos mesmos.
   Em 12 de Janeiro de 2006 foi assinado entres os mesmos cedente e cessionários um acordo complementar em que E adquiriu a posição de cessionários que D e J tinham no acordo de transmissão de quotas de 14 de Dezembro de 2005. (58º)
   Nos termos da 3 cláusula do acordo complementar de 12 de Janeiro de 2006, H, representado por M, prometeu que a 1ª Ré iria transmitir a propriedade do prédio referido em B) dos factos assentes para a G incondicionalmente. (59º)
   Em 12 de Janeiro de 2006, H, representado por M, e E acordaram celebrar um acordo de transmissão de quotas da G segundo o qual H transmitiria a E ou ao terceiro indicado por este uma quota no valor nominal de MOP$3.150,00 pelo preço de HKD$80.000.000,00 a pagar em 4 prestações. ( 60º e 61º )
   Até 12 de Janeiro de 2006 inclusivé, E pagou à 1ª Ré a quantia de HKD$20.000.000,00, a título de 1ª prestação do preço fixado no acordo de transmissão de quotas referido na resposta ao quesito 55º e a quantia de HKD$10.000.000,00, a título de 1ª prestação do preço fixado no acordo de transmissão de quotas referido nas respostas aos quesitos 60º e 61º. (62º)
   Em 8 de Maio de 2006, E pagou à 1ª Ré as três primeiras prestações do preço fixado no acordo de transmissão de quotas referido na resposta ao quesito 55º, no valor total de HKD$80.000.000,00 e a 1ª prestação do preço fixado no acordo de transmissão de quotas referido nas respostas aos quesitos 60º e 61º no valor de HKD$10.000.000,00. (63º)
   Em 17 de Novembro de 2006, E, H, I (ambos representantes da G) e M (representante da 1ª Ré), assinaram um acordo de transmissão nos termos do qual E adquiriu todos os direitos decorrentes do contrato promessa referido em I) dos factos assentes e na resposta ao quesito 54º. (66º)
   Em 17 de Novembro de 2006, foi realizada uma reunião dos sócios da G em que deliberaram desistir do plano de aquisição do prédio à luz do acordo de 29 de Outubro de 2005, celebrado entre D e a 1ª Ré e aceitar a transmissão de todos os direitos e deveres decorrentes do referido acordo a E (68º)
   Em 11 de Dezembro de 2006, perante o notário privado foi outorgado o instrumento notarial de procuração, com cláusula de “negócio consigo mesmo” para o procurador que era E. (69º )
   Nos termos do acordo referido na resposta ao quesito 66º, E tinha que pagar a dívida do Banco O. (73º )
   Para garantir a sua posição E exigiu que a 1ª Ré assinasse um contrato-promessa o que a mesma aceitou. ( 74º)
   Em 3 de Janeiro de 2007, foi assinado um contrato-promessa de compra e venda do prédio referido em B) dos factos assentes entre a 2ª Ré, representada por E, e a 1ª Ré, representado por M, nos termos do qual a 2ª Ré tinha que entregar a quantia de HKD$188.300.000,00 como preço para além de pagar a dívida hipotecária ao Banco O. (75º)
   Nesse contrato a 1ª Ré declarou expressamente que já recebeu a quantia de HK$50.000.000,00, sendo o remanescente pago aquando da outorga da respectiva escritura pública de compra e venda. (76º)
   Assinado esse contrato-promessa, verificou-se um erro no número do Bilhete de Identidade de Hong Kong de E, em vez do número do seu Bilhete, foi posto o número do Bilhete de Identidade de Residente de Macau de D . (77º)
   Em virtude de facto referido na resposta ao questio 77º, foi aposto o carimbo de “cancelled” no contrato. (79º)”
   *
    Existência de direito de natureza patrimonial
   O primeiro requisito essencial para lançar mão à figura da sub-rogação de crédito é a existência do crédito do devedor, ora 1ª Ré perante o terceiro, ora 2ª Ré.
   De acordo com a realidade fáctica acima mencionada, entre a 1ª Ré e 2ª Ré foi celebrado um contrato de compra e venda sobre o prédio n°14 a 17 da Estrada Marginal da Ilha Verde em que a 1ª Ré é vendedor e a 2ª Ré comprador.
   Pela transmissão do terreno pela 1ª Ré à 2ª Ré, fica-se esta obrigada o pagamento do preço de venda, cuja falta a Autora alega e pretende ficar sub-rogado no direito da 1ª Ré para obter o seu pagamento.
   Antes de mais, precisamos determinar qual é o preço de venda, ou a contrapartida pela transmissão do terreno fixado pelas Rés?
   Para a Autora, a contrapartida devida pela 2ª Ré pela transmissão do terreno titulado pela 1ª Ré é a acumulação de todas as obrigações assumidas pela 2ª Ré, quer nos contratos-promessa quer no contrato definitivo de compra e venda.
   De facto, entre a 1ª Ré e 2ª Ré foram celebrados três contratos-promessa de compra e venda que tem por objecto o terreno discutido nos autos, com as datas de 03 de Janeiro de 2007, 18 de Janeiro de 2007 e 16 de Março de 2007 e um contrato definitivo de compra e venda em 10 de Janeiro de 2009.
   As condições contratuais consignadas nesses contratos não são iguais.
   No contrato-promessa celebrado em 03 de Janeiro de 2007, a 2ª Ré tinha que entregar a quantia de HKD$188.300.000,00 como preço para além de pagar a dívida hipotecária ao Banco O.
   Nos contratos-promessa de 18 de Janeiro de 2007 e 16 de Março de 2007, foi fixado o preço de venda o montante de HKD$188.300.000,00. Mas a contrapartida exigida à 2ª Ré desdobra-se em duas parcelas, um com o pagamento de determinada quantia em dinheiro à 1ª Ré e o outro no pagamento a credores da 1ª Ré de dívidas destas, a saber: a dívida ao Banco O garantida por hipoteca constituída sobre o imóvel; as dívidas relativas ao arresto sobre o imóvel titulado pela F Limited.
   Enquanto no contrato de compra e venda de 10 de Janeiro de 2009, o preço de venda foi fixado apenas no montante de HKD$188.300.000,00.
   Apesar de ter estipuladas contrapartidas diferentes nos três contratos-promessa que todos têm por objecto a transmissão do mesmo imóvel, isto é o terreno n°14 a 17 da Estrada Marginal da Ilha Verde, o que releva para o caso deve ser somente as condições definitivamente acordadas entre o comprador e vendedor no contrato definitivo de compra e venda respeitante ao prédio em causa.
   Como se sabe, o contrato-promessa é a convenção pelo qual alguém se obriga a celebrar certo contrato. Mediante o contrato-promessa, os promitentes vincularam-se a celebrar o contrato prometido. Por lógica, as condições do contrato prometido são as mesmas consignadas no contrato-promessa.
   Porém, a lei não impõe que as condições do contrato definitivo tenham que ser integralmente iguais às estipuladas no contrato-promessa. Pois, com a evolução das negociações das partes e por força do princípio de liberdade contratual, as partes podem estipular e modificar os termos concretos do contrato definitivo de acordo com os próprios interesses, desde que haja acordo.
   Assim, o contrato-promessa trata-se dum acordo entre os promitentes para que as partes fiquem obrigadas a celebrar determinado contrato. Os promitentes vinculam-se, com o contrato-promessa, a celebrar o contrato definitivo a que se respeita a promessa.
   Com a celebração do contrato definitivo, os contratos-promessa já deixar de ter qualquer utilidade e efeito.
   Daí se deduz que apenas as condições finalmente estipuladas no contrato definitivo de compra e venda que vinculam as partes.
   Portanto, não se acolhe a tese da Autora que a 2ª Ré estava vinculada a pagar HKD$188.300.000,00, mais a dívida da 1ª Ré a favor do Banco O e a dívida garantida pelo arresto sobre o imóvel titulado pela F Ltd.
   Segundo a escritura pública de compra e venda de 10 de Janeiro de 2009 celebrado entre a 1ª Ré e 2ª Ré, foi estipulado o preço de HKD$188.300.000,00 pela transmissão do terreno n°14 a 17 da Estrada Marginal da Ilha Verde de que a 1ª Ré era titular.
   Ou seja, pela transmissão da propriedade do terreno em causa, a 1ª Ré tem direito de receber da 2ª Ré o preço no valor de HKD$188.300.000,00.
   *
   Outra questão relevante é saber se a 1ª Ré tem ainda o direito de crédito do montante de HKD$188.3000.000,00 a título do preço pela venda do imóvel em apreço, ou se a 1ª Ré já recebeu da 2ª Ré a totalidade do preço fixado no contrato de compra e venda?
   Sobre essa questão, foi formulada matéria sob os quesitos n°s 22°, 28° e 29° e 80°, os primeiros três não se ficaram provados enquanto o último, se ficou provado apenas o que consta da alínea F) dos Factos Assentes.
   Os factos não provados são seguintes: “Não foi paga pela 2ª Ré à 1ª Ré qualquer quantia a título de preço de venda” (22°); “A quantia de HKD$50.000.000,00 e HKD$188.300.000,00 referidos nos contratos-promessa de 18 de Janeiro de 2007 e de 16 de Março de 2007 não foi entregue à 1ª Ré” (28°e 29°)
   Para a Autora, apesar de não se lograr provar esses factos, não pode ter como paga a totalidade do preço pela 2ª Ré à 1ª Ré, em virtude de ter provado o pagamento de somente HKD$110.000.000,00 à 1ª Ré no âmbito do contrato de consórcio celebrado entre o E e a 1ª Ré (52°, 62° e 63°), descontado essa quantia, faltou ainda a 2ª Ré a pagar a quantia de HKD$78.300.000,00 à 1ª Ré.
   Não partilhamos com a análise feita pela Autora nas suas alegações quanto à falta de pagamento do preço pela 2ª Ré à 1ª Ré. Vejamos.
   No caso em apreço, segundo arguiu a Autora, o crédito que a 1ª Ré é titular é o preço ou contraprestação pelo acto de transmissão da propriedade do terreno pela 1ª ré à 2ª Ré, acto esse formalizou por escritura pública de compra e venda realizada em 10 de Janeiro de 2009, na sequência de celebração dos contratos-promessa de 3 de Janeiro de 2007, de 18 de Janeiro e 16 de Março de 2007 entre as 1ª Ré e 2ª Ré, e do contrato de consórcio para desenvolvimento de terreno referido entre o E, sócio da 2ª Ré e a 1ª Ré.
   Na escritura pública de 10 de Janeiro de 2009, constam expressamente que a 1ª Ré já recebeu o preço aí exarado no montante de HKD$188.300.000,00.
   Ou seja, segundo o acordo entre as 1ª e 2ª Rés, o preço de venda já foi considerado pago pela 1ª Ré à 2ª Ré.
   De facto, a força probatória do documento autêntica não abrange a veracidade das declarações dos outorgantes, é admissível a prova de que tal pagamento não teve lugar (total ou parcialmente).
   Vamos ver se a Autora conseguiu fazer tal.
   Nos autos, ficou provado que o E pagou a quantia de HKD$110.000.000,00 à 1ª Ré (52°, 62° e 63°), também vem provado que a 2ª Ré pagou o crédito hipotecário do Banco O, incluindo as custas processuais no valor de MOP$583.515.704,35.
   A somatória dessas quantias atingiu a HKD$675.696.271,78.
   Como se resulta da análise supra feita, a contraprestação exigida à 1ª Ré pela transmissão da propriedade do terreno é apenas o preço constante do contrato de compra e venda. Portanto, o montante pago pela 2ª Ré à 1ª Ré é superior ao valor de preço estipulado pelos outorgantes.
   Salienta-se que, na fundamentação dos factos provados, o Tribunal consideram-se como não provados os factos constantes dos quesitos 22°, 28° e 29° justamente por entender que E e a 1ª Ré acordaram que os pagamentos acima referidos seriam imputados no valor do preço ou contraprestação pela transmissão da propriedade do terreno.
   Daí que na escritura pública de compra e venda os outorgantes declararam expressamente que o preço de venda já se encontrou pago na altura da celebração do contrato.
   Por outro lado, consta no quesito 80° que “Em 16/03/2007, quando o E pagou a totalidade do preço no valor de HKD$138.300.000,00, procedeu ao registo provisório da sua aquisição na competente conservatória de Macau.” A resposta dada a esse quesito limitou-se a remeter aos factos constantes da alínea F) dos Factos Assentes.
   Dessa resposta não podemos retirar a conclusão de que não ficou provado o pagamento de valor de HKD$138.300.000,00 pela 2ª Ré. O facto quesitado refere-se ao acto praticado pelo E, o facto de que não ficou provado o pagamento do valor aí constante pelo E não é equivalente a dizer que a 2ª Ré não tinha sido feito o pagamento.
   Portanto, segundo a evolução dos negócios entre a 1ª Ré e o E, sócio da 2ª Ré no âmbito de projecto de desenvolvimento do terreno, após de ter entregue pelo E à 1ª Ré no montante de HKD$110.000.000,00 e pago a dívida hipotecária do Banco O e as custas do respectivo processo de execução no montante de HKD$583.515.704,35 pela 2ª Ré, para garantir a posição do E, e sob o pedido deste, foram celebrados os contratos-promessa em jogo e finalmente o contrato de compra e venda.
   Pelo que não se assiste razão à Autora que o preço da venda não foi totalmente pago.
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    Aliás, mesmo que se considerasse a hipótese da contraprestação pela transmissão do direito da propriedade do terreno ser a quantia de HKD$188.300.000,00, mais a dívida hipotecada do Banco O e a dívida onerada com o arresto a favor de F.
   A conclusão também não poderia ser outra senão a verificação do pagamento do preço acordada entre as Rés.
   Consoante os factos dados como assentes, a quantia paga pela 2ª Ré à 1ª Ré, incluindo o de E e a quantia paga por conta e interesse da 1ª Ré no processo de execução atinge o montante de MOP$696.980.704.35 ( HKD$110.000.000,00, correspondente a MOP$113.465.000,00 + MOP$583.515.704,35).
   O montante máximo assegurado pela hipoteca constituída a favor do Banco O é de MOP$493.520.000,00.
   Assim, existe uma diferença de MOP$89.995.704,35 (MOP$583.515.704,35- MOP$493.520.000,00) entre o montante que a 2ª pagou por conta da 1ª Ré no processo de execução e o montante máximo assegurado pela hipoteca.
   Tomando em conta esse valor em diferença, o preço no valor de HKD$188.300.000,00 deveria ser considerado pago, visto que a 1ª Ré pagou a quantia de HKD$110.000.000,00, faltar-lhe-ia pagar HKD$78.300.000,00, a que corresponde a MOP$80.766.450,00.
   Arguiu ainda a Autora que esse montante de MOP$89.995.704,35 não deveria ter tido em conta como excesso pago pela 2ª Ré à 1ª Ré nem a deve imputar na prestação de montante de HKD$188.300.000,00.
   De acordo com os factos provados, é obrigação da 2ª Ré a dívida garantida por hipoteca constituída sobre o imóvel. Entretanto, essa dívida garantida pela hipoteca tem o limite máximo de MOP$493.520.000,00.
   Portanto, ao mencionar a dívida garantida por hipoteca e por arresto, está a referir-se efectivamente ao montante máxima assegurada por garantia real e não a totalidade de dívida que 1ª Ré devia aos seus credores.
   Nestes termos, está demostrada que a 2ª Ré fica vinculada apenas a pagar o montante máxima de MOP$493.520.000,00 ao Banco O e de MOP$10.300.000,00 à F Limited como uma das parcelas de contraprestação pela transmissão da propriedade, mas se provou que a 2ª Ré pagou o montante de MOP$583.515.704,35, é patente que a 2ª Ré pagou mais do que é exigida a pagar, no montante de MOP$89.995.704,35.
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   Defendeu a Autora que se as partes tivesse essa vontade de imputação dessa quantia no preço ou contraprestação, não teria sentido celebrar em 16 de Março de 2007 contrato-promessa onde constasse o dever de saldar a dívida ao Banco e pagar HKD$183.300.000,00 à 1ª Ré.
   De acordo com as declarações feitas pelas Rés no contrato-promessa, à data de 16 de Março de 2007, a 2ª Ré devia pagar o remanescente do preço na quantia de HKD$138.300.000,00 na altura da outorga da escritura pública.
   Mas, de acordo com as declarações constantes da escritura pública, no momento da outorga, a 1ª Ré já recebeu a totalidade do preço no montante de HKD$188.300.000,00.
   Seguimos o raciocínio da Autora, se não fosse recebido o preço pela 1ª Ré, também não teria celebrado a escritura pública onde constava que esta já recebeu a totalidade do preço.
   Portanto, não tem razão a Autora invocar a declaração exarada no contrato-promessa para não imputar a totalidade do montante pago pela 2ª Ré, tanto no âmbito do contrato de consórcio como no âmbito do processo de execução em que a 1ª Ré é executada, no preço ou contraprestação pela venda do terreno.
   No fundo, perante o enquadramento fáctico apurado, concluímos que por atrás dos contratos-promessa celebrados entre as Rés, existe um outro contrato de consórcio para desenvolvimento do terreno entre E, sócio da 2ª Ré e a 1ª Ré, é por a quantia já paga pelo E à 1ª Ré no montante de HKD$110.00.000,00 e a dívida hipotecária paga pela 2ª Ré é que levou as Rés a celebrar os contratos-promessa em causa para garantia da posição do E.
   Segundo os factos assentes, a quantia de HKD$110.000.000,00 já foi paga à 1ª Ré pelo E antes da celebração dos contratos-promessa no ano 2007, mas nos contratos-promessa, constava apenas que a 1ª Ré recebeu a quantia de HKD$50.000.000,00 e não a quantia de HKD$110.000.000,00.
   Mas quando na celebração do contrato definitivo de compra e venda dois anos depois, a 1ª Ré declarou já ter recebido a totalidade do preço de HKD$188.300.000,00, acreditamos que isso resulta do acordo entre E e a 1ª Ré para que os valores pagos seriam imputados mesmo no valor do preço ou contraprestação, tal como já esclarecemos na fundamentação da convicção quanto à razão de não dar como provados os factos constantes dos quesitos 22°, 28° e 29°.
   ***
   Por último, a Autora disse que não pode ser descontado o montante em excesso no preço ou contraprestação devida à 1ª Ré por não ter sido alegado tal facto pela Ré por se tratar de matéria da excepção peremptória.
   Mais uma vez, sem razão a Autora.
   Na verdade, na contestação, a 2ª Ré impugnou o facto de não pagamento, com a demostração de provas das quantias entregue pela 2ª Ré ou E, bem como pagamento da dívida hipotecária a favor do Banco de O no respectivo processo de execução, é das provas apresentadas é que permitem o Tribunal retirar a conclusão de que, com esses pagamentos, não se provou que a quantia de HKD$188.300.000,00 não foi entregue à 1ª Ré (ou a terceiro por esta autorizado a recebê-lo)
   A questão fulcral aqui é demonstrar se a 2ª Ré devia ainda alguma quantia à 1ª Ré pela transmissão da propriedade do terreno, apesar de esta ter declarado ter recebido a totalidade o preço.
   O excesso do montante paga pela 2ª Ré ao credor da 1ª Ré já tinha sido ponderado no momento da outorga da escritura pública, pelo que não se vê necessária a alegação de factos para efeito de proceder à compensação nos autos, tal como defendeu a Autora.
   Pelo acima exposto, há de ter por cumprida a obrigação de pagamento do preço a que a 2ª Ré se vinculou no contrato de compra e venda, dado que o valor somatório desses pagamentos já é superior ao valor do preço acordado pelas partes.
   
   Pelo acima exposto, não se mostrou a falta de pagamento de preço por parte da 2ª Ré, ou seja, a existência de direito de crédito da 1ª Ré contra a 2ª Ré, sem necessidade de analisar de demais requisitos, fica logo afastada a hipótese de sub-rogação do direito pela Autora, improcedendo assim esse pedido.
   
    VII. Assunção cumulativa pela 2ª Ré das dívidas da 1ª Ré para com a Autora
   Pretende a Autora a condenação solidária das Rés no pagamento do montante global de MOP$31.179.075,00, acrescido de juros moratórios, créditos garantidos pelos dois arrestos que incidem sobre o imóvel em causa.
   A Autora fundamentou esse pedido na cláusula 4ª constante dos dois contratos-promessa em que a 2ª Ré assumiu a responsabilidade pelos direitos, interesses e obrigações relacionados com o terreno em apreço, configurando-o como acordo de transmissão de dívida, assim, com a ratificação expressa na p.i., devendo ambas as Rés ficarem vinculados com o crédito da Autora.
   Antes de abordarmos sobre a questão da responsabilidade da 2ª Ré pelo pagamento do montante que a Autora reclama, temos de analisar a viabilidade do pedido da Autora em relação à 1ª Ré, visto que existem pressupostos processuais que impedem a sua apreciação cujo conhecimento oficioso a lei processual impõe no art°414° do C.P.C., a saber: caso julgado e interesse processual.
   Senão, vejamos
   O crédito que a Autora alega ter e exigiu a condenação da 2ª Ré no seu pagamento por assunção cumulativa consiste em duas parcelas: uma é a quantia de HKD$10.000.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, a qual já é reconhecida judicialmente por sentença de 16 de Novembro de 2007 e já transitada em julgado no processo CV2-07-0032-CAO e outra na quantia de HKD$4.000.000,00, a que se corresponde o capital mutuado que a Autora entregou à 1ª Ré, com juros compensatórios à taxa anual de 16%, que esta obrigou-se a restituir àquela, titulada por documento particular em que a 1ª Ré reconheceu a sua constituição.
   No que se concerne ao primeiro crédito, à Autora é reconhecida o direito de ser pago esse crédito pela 1ª Ré por sentença transitada em julgado, não se vê a razão de voltar a condenação da mesma Ré no pagamento do mesmo crédito.
    Na verdade, a Autora fundamentou o seu pedido principalmente nos factos quanto à assunção cumulativa em relação à 2ª Ré, não tendo descrito pormenor o crédito de que é titular por já haver sentença judicial, mas a sua pretensão é óbvia no sentido de condenação da 1ª Ré no seu pagamento com fundamento de esse direito já ter sido reconhecido judicialmente.
   Assim, como já houve sentença de condenação contra a 1ª Ré, a sua pretensão não é mais de repetição da mesma causa, o seu pedido não pode proceder por se verificar a excepção dilatória de caso julgado.
   Em relação ao segundo crédito, de acordo com os factos assentes, esse crédito provém do mútuo que a Autora tinha feito à 1ª Ré, o qual é titulado por documento particular assinado pela 1ª Ré em 26 de Junho de 1997, em que esta confessou-se devedora da referida quantia.
   Por isso, foi aberta acção executiva contra a 1ª Ré para a cobrança do capital e dos juros.
   Dispõe-se o art°72° do C.P.C., que “há interesse processual sempre que a situação de carência do autor justifica o recurso às vias judiciais.”
   Prevê-se, por outro lado, alínea a) do n°3 do art°73° do C.P.C., que nas acções de condenação há interesse processual se a obrigação estiver vencida, excepto se o autor dispuser de título com manifesta força executiva.
   No caso, segundo os factos provados, é patente que quanto a esse crédito, o documento assinado em 26 de Junho de 1997 em que a 1ª Ré confessou-se devedora da Autora da quantia referida pode servir de base da execução, de acordo com o disposto da alínea c) do art°677° do C.P.C..
   Como se refere, a Autora já instaurou execução contra a 1ª Ré para a cobrança de tal crédito.
   Pelo que é manifesto que nesse caso, a Autora não tem interesse processual para a condenação da 1ª Ré no seu pagamento.
   Nestes termos, quanto ao pedido relativo à 1ª Ré, por razões de verificação de excepção dilatória de caso julgado e interesse processual, devendo a 1ª Ré ser absolvida da instância desse pedido.
   *
   Resta analisar se a 2ª Ré assume a responsabilidade das obrigações da 1ª Ré perante a Autora por cláusula aludida por esta.
   Preceitua-se o art°590° do C.C.
   “1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se: a) Por contrato entre o antigo e novo devedor, ratificado pelo credor; ou b) por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
    2. Em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.”
    “A assunção de dívida é a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem. Dá-se o nome de assunção liberatória, exclusiva ou privativa de dívida, aos casos em que o compromisso assumido pelo novo devedor envolve a exoneração do primitivo obrigado. Àqueles em que o terceiro faz sua a obrigação do primitivo devedor, mas este continua vinculado ao lado dele, dão a designação de assunção cumulativa de dívida, co-assunção de dívida, acessão ou adjunção à dívida.” (Antunes Varela, in obra citada, pág. 359 a 360)
    “A assunção cumulativa constitui, em princípio, sem nenhuma espécie de dúvida, um benefício para o titular do crédito. Como porém, a ninguém pode, em princípio, ser imposto um benefício (contra a sua vontade), e em coerência com o chamado princípio do contrato, a própria assunção cumulativa não será eficaz enquanto o credor não lhe der a sua anuência (art°595°, 1, alínea a)).
    Quanto à assunção liberatória, a lei não se contenta mesmo com o consentimento do credor; no próprio interesse dele e da segurança das relações jurídicas, exige o consentimento expresso (art°595°, n°2). Não havendo declaração expressa do credor no sentido da liberação do devedor, haverá uma assunção cumulativas; quanto a esta, bastará a simples ratificação tácita do credor, no caso a que se refere a al. a) do n°1 do art°595°) (Antunes Varela, in Obrigações em Geral, Vol II, pág. 359 a 360 e pág. 371)
   *
   Ora, antes de mais, debruçamos sobre a questão se a cláusula 4ª pode ser classificada como acordo de assunção de dívida.
   A cláusula 4ª tem o seguinte teor: “簽立本合約後,所有涉及上述土地的權利,利益及義務(包括正在進行或將會進行的訴訟及換地申請)全部歸乙方擁有。” Em português, “após a outorga do presente contrato, todas os direitos, interesse e as obrigações respeitantes ao terreno acima (incluindo as acções pendentes e a ser instauradas e o requerimento de troca de terreno) passam a ser atribuídos à 2ª Ré”.
   Declaração essa consigna-se no contrato-promessa outorgado pela 1ª Ré, na qualidade de promitente-vendedor (parte A) e pela 2ª Ré, na qualidade de promitente-comprador (parte B).
   Por outra palavra, por meio dessa cláusula, o promitente-comprador, ora 2ª Ré faz seu todos os direitos, interesses e obrigações ligados ao terreno em causa, sejam discutidas nas acções pendentes, sejam nas acções futuras. Portanto, é evidente que a intenção do promitente-vendedor, ora 2ª Ré, de se responsabilizar por obrigações da 1ª Ré, ora promitente-comprador.
   Não é caso típico de transmissão da dívida concreta, mas o acordo não deixa de ser configurado como assunção das obrigações entre a 1ª Ré, como antigo devedor e a 2ª Ré, como novo devedor.
   *
   A divergência entre a Autora e a 2ª Ré queda-se no âmbito de aplicação de tal acordo de assunção de dívida. Para a Autora, o acordo inclui o seu crédito reclamado, enquanto a 2ª Ré entendeu que o crédito da Autora não é relacionado com o terreno discutido nos autos, por um lado e por outro lado, por via de acordo, apenas assumiu as dívidas expressamente indicadas na cláusula 5ª e não outras demais dívidas.
   Em primeiro lugar, caber indagar se o crédito reclamado pela Autora se consubstancia nos direitos ou obrigações estipuladas na cláusula 4ª.
   Segundo a letra da cláusula 4ª, após a outorga do acordo, todas os direitos, interesse e as obrigações relacionados ao terreno acima (incluindo as acções pendentes e a ser instauradas e o requerimento de troca de terreno) passam a ser atribuídos à 2ª Ré.
   Conforme os factos alegados pela Autora, o seu direito provém de dois créditos diferentes, um é o crédito no montante de HK$10.000.000,00, acrescidos de juros, reconhecido por sentença proferida no processo CV2-07-0032-CAO e outro no montante de HKD$15.440.000,00 (incluindo os juros), resultante do empréstimo entregue pela Autora à 1ª Ré no valor de HKD$4.000.000,00.
   O pagamento desses dois créditos é garantido por arrestos que incidem sobre o terreno objecto do contrato-promessa.
   A 2ª Ré defendeu que esses créditos não são créditos relacionados com o terreno, sendo parte deles ter por origem da dívida resultante da transmissão de posição de um contrato de cooperação para o desenvolvimento dos terrenos sitos em Pátios da Quina e Estrada de Coelho do Amaral, e outra parte provir dum contrato de mútuo no valor de HKD$4.000.000.00.
   A Autora acha que o seu crédito se integra nas obrigações objectos de acordo de transmissão celebrado entre as Rés, por ter requerido os arrestos que recaem sobre o terreno em causa para o pagamento desses créditos.
   Lida a cláusula referida, literalmente, a expressão de “direitos, interesses e obrigações relacionados com o terreno” é susceptível de interpretação de dois sentidos.
   Um é restritivo, no sentido de que os direitos, interesses e obrigações que se nasçam ou tenha por origem uma relação material respeitante ao próprio terreno e outro sentido amplo em que se abrange não só os que sejam causados por relação material relativo ao terrenos mas também os que surgem de relação jurídica alheia ao terreno, desde que se mostre ter alguma conexão com o terreno.
   Para saber qual é o sentido real dos declarantes, impõe-se, assim, a interpretação normativa das cláusulas em causa no termos do art°228° do C.C.M..
   Conforme esse preceito, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratório normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.” Ou seja, a interpretação deve ser feita no ponto de vista de um declaratário normal colocado na posição dos reais declaratários.
   Segundo a posição adoptada pela Autora, para que se consideram obrigações assumidas pela 2ª Ré, basta que essas obrigações sejam asseguradas por qualquer garantia real que incide sobre o terreno, independentemente de saber a fonte do nascimento de tais as obrigações.
   De acordo com esse raciocínio, a partir de outorga do contrato-promessa até ao registo definitivo de transmissão da propriedade, quase todas obrigações a cargo da 1ª Ré poderiam ser assumidas pela 2ª Ré.
   Basta imagina que um credor da 1ª Ré seja titular dum crédito proveniente do empréstimo que a esta tinha concedido, relação jurídica essa que não tem nada a ver com o terreno em causa. Em princípio, esse crédito não se integra no acordo de transmissão de dívida celebrado pelas Rés, assim, a 2ª Ré não assumiu a responsabilidade do seu pagamento.
   Mas, se entretanto, para a garantia do pagamento desse crédito, o mesmo credor vir instaurar uma acção executiva em que requeira a penhora sobre o terreno em causa, no caso de já ter munido do título executivo, ou uma providência cautelar de arresto, caso ainda não tenha o título executivo, e, sejam deferidos esse pedidos, assim, por já ser crédito com conexão com o terreno por ser garantido pelo seu produto, a responsabilidade do mesmo crédito já passará a ser suportada pela 2ª Ré.
   Se fosse assim, a cláusula em apreço tornar-se-ia uma cláusula aberta em que se possa incluir todas e quaisquer obrigações da 1ª Ré, desde que o seu credor requeira a penhora ou arresto do terreno para o seu pagamento.
   De facto, ao olho dum declaratório médio, colocado na posição do real declaratário, não é muito provável que, um homem médio, irá aceitar uma situação de tal incerteza em que se atribua ao terceiro a faculdade de imputar a si próprio da assunção da responsabilidade das obrigações que não saiba.
   Sob essa perspectiva, parece que, ao adoptar a expressão “direito, interesses ou obrigações relacionados ao terreno, pretender as partes delimitar as obrigações nas obrigações que têm uma ligação forte com o terreno, não terá muito provável e lógica que o sentido real das partes é no sentido de abranger todos os tipos de créditos, desde que o seu pagamento seja assegurado por produto do terreno.
   Assim, o sentido objectivo das “obrigações relacionados com o terreno” deverá ser no sentido de que as obrigações provêm da relação jurídica substancial respeite ao terreno em causa, ou seja, a relação fundamental que dá origem os direitos ou obrigações é uma relação jurídica sobre terreno e não todos e qualquer crédito que tem por origem outra causa alheia ao terreno.
   Nestes termos, sendo o crédito reclamado pela Autora derivado do contrato de transmissão de posição de posição de um contrato de cooperação para o desenvolvimento dos terrenos sitos em Pátio da Quina e Estrada de Coelho do Amaral, cuja resolução foi declarada por sentença judicial e do incumprimento por parte da 1ª Ré dum contrato de mútuo no valor de HKD$4.000.000,00 celebrado com a Autora, créditos esses não têm por origem a relação jurídica que incide sobre o terreno n°14 a 17 da Estrada Marginal da Ilha Verde.
   Essas obrigações não são incluídas no âmbito da cláusula 4ª, assim a responsabilidade dessas obrigações não deve ser considerada transmitida para a 2ª Ré.
   Outrossim, mesmo que assim não se entendesse, perante a admissibilidade de duplas interpretações e na falta de outros elementos em saber qual é o sentido real das partes, o litígio em causa há de ser resolvido por regra geral de ónus de prova.
   Nos termos do n°1 do art°335° do C.C., “Àquele que invocar um direito cabe dizer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
   Como a Autora pretende ser beneficiada do acordo de transmissão de dívida celebrada entre a 1ª Ré e 2ª Ré, cabe a ela a invocar o facto que sustenta o seu direito.
   Perante a admissibilidade de duas interpretações da cláusula em causa, incumbe à Autora alegar e provar que a expressão “direito, interesses e obrigações relacionadas com o terreno” refere-se a todas de obrigações, provenientes ou não duma relação fundamental que tem por objecto o terreno, basta que se mostre o seu pagamento seja garantido pelo produto do terreno.
   In casu, não foi alegado nem provado facto quanto ao sentido da “obrigações relacionadas com o terreno”, assim, no caso de dúvida, a decisão só pode ser decidido contra a Autora por falhar de cumprir o ónus de prova.
   Assim, não se conseguiu a Autora provar que o seu crédito faça parte das obrigações indicada no acordo de transmissão da dívida celebrada entre as Rés, não lhe assiste o direito de exigir o seu cumprimento à 2ª Ré.
   
   Nestes termos, concluindo que o crédito reclamado pela Autora não constitua obrigações estipuladas na cláusula 4ª constante do contrato-promessa celebrado entre as Rés, sem necessidade de demais considerações, não pode proceder o pedido da Autora a condenação da 2ª Ré na assunção cumulativa das obrigações da Autora.
   ***
    VIII. Pedido de indemnização contra as Rés
   Por último, vem a Autora formular um pedido de indemnização suplementar por danos patrimoniais, alegando que os actos praticados pelas Rés lhe causaram danos que ultrapassam o montante correspondente aos juros devidos, mormente para concretização do negócio com a 1ª Ré, a Autora teve de contrair empréstimo bancário, os actos das Rés impediram-lhe a reembolsar o empréstimo ao banco no prazo estipulado, assim, incorreu-lhe no pagamento de juros moratórios agravados e outras indemnizações.
   A Autora não se logrou provar factos quanto aos actos ilícitos praticados pelas Rés nem factos relativos aos danos que a Autora alegou ter sofrido (respostas aos quesitos 30° a 37°.
   Assim, não havendo factos constitutivos que se permitam integrar nos requisitos essenciais da responsabilidade civil, o pedido da Autora não pode deixar de falecer.
   *
    IX. Litigância de má fé da Autora
   Vem a 2ª Ré pediu que fosse a Autora condenada como litigantes de má fé, e no pagamento de uma indemnização correspondente aos honorários de advogado e despesas administrativas, no montante de MOP$80.000,00.
   Prevê-se o n°2 do artigo 385º do Código de Processo Civil:
   Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
   a)Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta d fundamento não devia ignorar;
   b)Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
   c)Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
   d)Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção de justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
   Aí se distingue entre dolo substancial e dolo instrumental.
   “O dolo substancial diz respeito ao fundo da causa, ou melhor, à relação jurídica material ou de direito substantivo; o dolo instrumental diz respeito à relação jurídica processual” Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume II, pág. 263.
   Ora bem, verifica-se in casu que a 2ª Ré imputou à Autora a inversão da verdade por ter omitido o valor do terreno em MOP$10.892.357,00 avaliado no processo de execução CV2-07-0032-CAO-B. Na verdade, sobre o valor do mercado do terreno, após a produção da prova, o Tribunal também não dá como provado o valor indicado pela 2ª Ré.
   Quanto ao outro facto de falta à verdade invocada no art°131°. Segundo os factos dos autos, o terreno em causa está ainda onerada com a hipoteca a favor do Banco O, pelo que não se vê a razão de imputar à Autora a má fé por esse facto.
   Pelo que, ao invocar o valor real do terreno e a falta de distrate de hipoteca, a Autora limitou-se a exercer o seu direito, alegando a versão dos factos que achar ser verdade, mas não podemos afirmar que a Autora faltou à verdade, fazendo do processo uso manifestamente reprovável.
   Assim, julgo improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé.
   ***
IV) DECISÃO(裁決)
   Nos termos e fundamento acima expostos, julga-se a presente acção improcedente por não provado e consequentemente:
   -Julga-se procedente a excepção dilatória de caso julgado e de falta de interesse processual, absolvendo-se a 1ª Ré B da instância do pedido de condenação no pagamento dos créditos garantido pelos dois arrestos que incide sobre o imóvel sito nos n°14 a 17 da Rua Marginal da Ilha de Verdade formulado pela Autora A ;
   - Absolve-se a 1ª Ré de todos restantes os pedidos formulados pela Autora A;
   - Absolve-se a 2ª Ré C de todos os pedidos formulados pela Autora;
   - Absolve-se a Autora do pedido de litigância de má fé formulada pela 2ª Ré.
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   Custas do processo pela Autora e do incidente de má fé pela 2ª Ré em 5 Uc.
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   Registe e Notifique.
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據上論結,本院裁定訴訟理由成立,裁決如下:
- 基於已有確定裁定及欠缺訴之利益的延訴抗辯成立,駁回原告A針對第一被告B提出的判處其支付由青洲海邊馬路14至17號的不產的假扣押擔保的兩項債權的請求;
- 裁定原告針對第一被告出的其他請求不成立,並開釋此名被告;
- 裁定原告針對第二被告C提出的所有訴訟請求不成立,並開釋此名被告;
- 裁定第二被告針對原告提出的惡意訴訟請求不成立。
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   訴訟費用由原告承擔及由第二被告承擔惡意訴訟請求的訴訟費用五個計算單位。
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   依法作出通知及登錄本判決。


Inconformada com a sentença, a Autora recorreu dela para esta segunda instância, concluindo e pedindo:
1. A Autora tem sobre a 1ª Ré os créditos de HK$10 milhões, acrescido de juros à taxa legal, desde a data da notificação à Ré da decisão de arresto no proc. CV1-0032CPV, bem como de HK$4 milhões, acrescido de juros à taxa anual de 16%, entre 08/01/1997 e 10/01/1998, e de juros de mora à taxa anula de 30%, daquela data em diante, dívida que nunca foi paga, estando provado que a 1ª Ré não tinha ou teve qualquer outro bem.
2. As Secções I, al. i), III, V e VIII referidas as fls. 22-23 da Sentença não eram, desde as alegações de direito, objecto da acção. A isso acresce o ponto IV, al. i), de fls. 22-23, em que se reconhece razão ao Tribunal. Sobre estes pontos a recorrente não alega, aceitando a posição do Tribunal.
3. Tendo havido redução do pedido, os pedidos da Autora são actualmente os constantes do Capítulo III destas alegações, onde se identificam os cumulativos e os subsidiários.
4. Não ficou demonstrado, nem nos Factos Assentes, nem nos Quesitos, o motivo da celebração do contrato promessa de 16/03/2007.
5. Tendo os contratos promessa de 18/01/2007 e de 16/03/2007 as mesmas partes e regulamentação idêntica, e portanto nada acrescentando o contrato de Março relativamente ao de Janeiro à esfera jurídica das partes, é patente que com o contrato de 16/03/2007 as Rés não pretenderam negociar o imóvel, seja dizer, não utilizaram esse contrato para a prossecução dos fins a que o mesmo poderia legitimamente atender.
6. Não podendo ter querido celebrar um vazio jurídico, o contrato é nulo por simulação absoluta.
7. Quando o segundo contrato-promessa foi celebrado (18/01/2007), estava em vigor um registo provisório de aquisição do mesmo imóvel a favor de D, requerido em 03/11/2005, com base no contrato-promessa de 29/10/2005.
8. Os efeitos do registo provisório de aquisição são semelhantes aos da eficácia real do contrato-promessa, pelo que os respectivos regimes devem ser equiparados.
9. Há ineficácia dos actos realizados em violação do registo provisório de contrato-promessa, porque, tratando-se de dois direitos com eficácia erga omnes incompatíveis um com o outro, não podem ambos vigorar simultaneamente no ordenamento jurídico.
10. A declaração do titular do direito a conferir autorização para o registo provisório de aquisição tem de ser prestada, sob pena de nulidade (que arrastaria consigo a nulidade do próprio registo), em momento no qual aquele tenha efectivamente legitimidade para a constituição do correspondente direito real.
11. O direito real em apreço tem um suporte fáctico complexo que começa com o (i) contrato-promessa, passa pela (ii) declaração de autorização do titular do direito e termina pelo (iii) pedido e concessão do registo, carecendo todos os actos de ser validamente praticados.
12. O contrato promessa de 18/01/2007 era ineficaz e não podia ser registado, pois, sendo ineficaz, não poderia produzir efeitos na ordem jurídica, designadamente servindo de título ao registo.
13. O terceiro contrato-promessa, com data de 16/03/2007, serviu precisamente para obviar à ineficácia do contrato promessa de 18/01/2007.
14. A nulidade (ou ineficácia) da autorização arrasta consigo a nulidade do próprio registo.
15. O terceiro contrato-promessa celebrado entre as Rés em 16/03/2007 é, pois, nulo, por simulação absoluta, nos termos do art. 232°/2 do CC.
16. A Autora tem legitimidade para peticionar a nulidade e está em tempo de o fazer, nos termos dos arts. 600° e 279° do CC.
17. Deve, pois, ser declarado nulo, por simulado, o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 16/03/2007 entre a 1ª Ré como promitente-vendedora e a 2a Ré como promitente-compradora.
18. E é igualmente nulo, nos termos dos arts. 17°/b) e 18° do CRPredial, o registo provisório de aquisição do bem a favor da 2a Ré, pedido pela Apresentação n° 77 de 16/03/2007.
19. Peticiona também a Autora o cancelamento desse registo, nos termos dos arts. 8° e 117° do CRPredial.
20. Nos dois contratos-promessa a 1ª Ré foi representada por E, como ficou provado. O qual não tinha qualquer vínculo com a sociedade 1ª Ré, relativamente à qual era terceiro, sendo antes administrador da 2ª Ré. E foi a única pessoa física que participou nos dois contratos, como representante voluntário da 1ª Ré e representante legal da 2ª Ré.
21. Por a sociedade ter administrador único e não conselho de administração, a constituição do procurador devia ter sido previamente autorizada pela assembleia geral, nos termos do art. 235°/3 do CCom, autorização que não foi dada.
22. A autorização exigida no art. 235°/3 aplica-se quer aos gerentes, quer aos auxiliares, quer aos procuradores.
23. Não teria sentido, face ao art. 8°/1 do Cód. Civil, que pessoas nomeados para praticar os mesmos actos [“determinados actos”] obedecessem a regras diferentes: a nomeação de um auxiliar necessitasse de autorização da Assembleia Geral, mas a nomeação de um procurador pudesse ser livremente ordenada pelo administrador único.
24. Não só não tem sentido que o legislador quisesse impor requisitos mais exigentes para nomeação de um mero auxiliar do que para nomeação de um procurador, como, no caso, o procurador tem funções mais amplas e significativas dos que a do auxiliar: é que enquanto o auxiliar só pode praticar “determinados actos ou contratos” (a palavra “contratos” nada acrescenta, pois o conceito de “acto” já inclui o de “contrato”), o procurador pode praticar “determinados actos ou categoria de actos”.
25. Não faria sentido que o legislador quisesse tomar mais complicada a nomeação de um auxiliar, que só pode praticar actos determinados, do que de um procurador, que pode praticar. quer actos determinados, quer categorias de actos (art. 8°/1 e 3 do Cód. Civil).
26. Dispõe o art. 287° do CC que os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal imperativa são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei, preceito que é aplicável aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos, como é o caso da procuração, por força do disposto no art. 288º, do CC.
27. Sendo nula a procuração conferida a E, os contratos-promessa em que este interveio como procurador e celebrados em 18/01/2007 e em 14/03/2007 com base em tal procuração, são ineficazes relativamente à 1ª Ré e nulos nas relações entre E, enquanto procurador, e a 2a Ré.
28. Devem ser declarados nulos por falta de poderes de representação por parte da pessoa que neles interveio como procurador da 1ª Ré os contratos-promessa de compra e venda celebrados em 18/01/2007 e em 16/03/2007 entre a 1ª Ré como promitente-vendedora e a 2a Ré como promitente-compradora.
29. É igualmente nulo, nos termos dos arts. 17°/b) e 18° do CRPredial, o registo provisório de aquisição do bem a favor da 2a Ré, pedido pela Apresentação n° 77 de 16/03/2007.
30. De acordo com o disposto nos mesmos arts. 287° e 288° do CC, a procuração em causa é também nula por violar o art. 235°/3 do Ccomercial, pois as sociedades comerciais apenas podem constituir procuradores para a prática de actos determinados ou para a prática de certa categoria de actos, e não para a prática de todos e quaisquer actos relativos a um imóvel.
31. A sentença padece de omissão de pronúncia relativamente à alegação de nulidade do contrato por extinção do mandato (alegados nos arts. 124° e 125° da p.i. e a fls. 12 e 1° parág. de fls. 13 das Alegações de Direito).
32. Com a celebração do primeiro contrato-promessa de 18/01/2007 esgotou-se o programa de realização do interesse do credor assumido pelo devedor através do mandato ínsito na procuração em causa e com ela convivente, pelo que o mandato esgotou-se, extinguiu-se, pois não consta da procuração o poder de fazer celebrar vários contratos-promessa, mas a celebração de um contrato promessa.
33. Assim, o contrato promessa de 16/03/2007 é ineficaz e nulo, uma vez que foi celebrado por quem não tinha mandato para o efeito, por o mandato ínsito na procuração se haver extinguido com a celebração do contrato de 18/01/2007.
34. A não se entender assim, ao celebrarem o contrato de 16/03/2007, extinguiu-se o contrato de 18/01/2007, no caso por revogação tácita (arts. 6°/2 e 209° do Cód. Civil).
35. Extinguindo-se este, não pode retirar-se do mesmo qualquer efeito jurídico. Nomeadamente, não pode esse contrato fundamentar, como indevidamente fundamentou, uma alteração da data do contrato em que se baseou o registo provisório de aquisição do imóvel de modo a este ter passado a ser 18/01/2007.
36. É nula a rectificação da data do contrato-promessa de compra e venda que baseou o registo provisório de aquisição a favor da 2a Ré, nos termos dos arts. 17°/b) e 18° do CRPredial, pedida pela Ap. nº 31 de 16/02/2009, e deve ser cancelado nessa parte o registo rectificado, nos termos dos arts. 8° e 117° do CRPredial.
37. A retroacção do registo fica desde logo prejudicada por efeito das alegadas e peticionadas ineficácias e nulidades dos dois contratos-promessa de compra e venda, porquanto pelo facto de serem ineficazes e nulos os contratos-promessa não podem servir de título ou fundamentar um registo provisório de aquisição.
38. Sendo os contratos-promessa ineficazes e nulos é o registo provisório consequentemente nulo por ter sido feito com base em título insuficiente para a prova legal do facto registado, nos termos do art. 17°/b) do CRPredial, nulidade que apenas é invocável depois de declarada por decisão judicial transitada em julgado, como dispõe o art. 18° do CRP, o que se peticiona nesta acção.
39. A sentença padece de omissão de pronúncia relativamente à alegação de irretroactividade do registo de rectificação da data do primeiro registo provisório por se tratar de um registo novo e não de uma rectificação (alegado a fls. 15-18 das Alegações de Direito).
40. Com base na escritura pública de compra e venda de 10/01/2009, foi requerido, em 16/02/2009 a conversão em definitivo do aludido registo provisório de aquisição. Em 16/02/2009 foi também requerida a rectificação da data do contrato-promessa em que se baseou o registo provisório de modo a passar a constar que a mesma é a de 18/01/2007 e não a de 16/03/2007, tendo sido instruído com o contrato-promessa de 18/01/2007. Rectificou-se a data do registo provisório do contrato promessa de 16/03/2007 usando como título um outro contrato promessa, o contrato de 18/01/2007.
41. Não ocorreu a rectificação de uma data constante de um determinado título, mas o registo de um outro título, incompatível com o anterior. Não se trata, em rigor, de um pedido de rectificação de data, mas de um novo registo, efectuado com base na substituição de um título que serve de base ao registo por um título distinto: um outro contrato celebrado numa outra data (arts. 114°, 115°, 116° e 117° do CRPredial).
42. Sob o falso pretexto da rectificação de uma data o contrato em que se baseou, o registo provisório de aquisição foi substituído por outro, inscrito noutra data.
43. Existe incompatibilidade entre dois registos por terem sido efectuados entre as mesmas partes, com o mesmo objecto sobre o mesmo prédio, prevalece o posterior, pois trata-se de uma revogação de um acto das mesmas partes por um acto distinto com o mesmo objecto, o que está ao alcance das partes fazerem.
44. Prevalencendo o registo posterior, o registo anterior “cai” por incompatibilidade, gerando caducidade (não por decurso do prazo, mas por facto incompatível com a sua vigência, nos termos gerais civis) ou cancelamento do registo anterior.
45. Assim, o registo de um título distinto do título que serviu de base a registo anterior não beneficia do prazo do registo anteriormente feito, que deixou de vigorar em consequência do novo registo.
46. Como tal, o registo da escritura de compra e venda só pode retroagir à data de 16/02/2009. Assim, e sem prejuízo das nulidades do registo arguidas, deve o tribunal declarar que o registo da escritura de 10/01/2009 deve ser corrigido, passando a constar como produzindo efeitos a partir de 16/02/2009 e não, como consta actualmente do registo, a partir de 16/03/2007 .
47. Ainda que os contratos-promessa fossem válidos o registo provisório de aquisição seria nulo por falta de declaração de vontade da 1ª Ré para esse efeito. a 1ª Ré interveio no contrato-promessa através de procurador munido de uma procuração nula, conforme alegado acima, e, portanto, insusceptível que conferir qualquer poder. E ainda que a procuração fosse válida não serviria para o efeito em apreço porque no seu texto não são mencionados poderes especiais para esse efeito, poderes que, como já mencionado, teriam de acordo com o diposto no art. 235°/3 do CComercial, de ter sido determinados.
48. Assim, o registo provisório de aquisição do bem a favor da 2a Ré, realizado pela Apresentação n° 31, de 16/02/2009, é igualmente nulo, nos termos dos arts. 17º/c) e 18° do CRPredial, pois enferma de omissão de que resulta a dúvida acerca dos sujeitos da relação jurídica a que o facto registado se refere, com o consequente cancelamento do registo.
49. O conteúdo do contrato de compra e venda celebrado entre as Rés não corresponde ao conteúdo do contrato de compra e venda prometido por qualquer dos dois contratos-promessa entre ambas celebrado e levados a registo. No essencial, o preço do imóvel estipulado na escritura de compra e venda é muito inferior ao preço estabelecido no contrato-promessa.
50. O contrato-promessa, por definição, define o conteúdo do contrato definitivo ou prometido. Tendo o contrato de compra e venda um conteúdo diferente do contrato-promessa antes celebrado entre as mesmas partes não pode ser o mesmo considerado juridicamente como sendo o contrato prometido ou definitivo correspondente àquela promessa. É, antes, um contrato juridicamente autónomo e diferente.
51. Sendo assim, o registo da aquisição do imóvel pela 2a Ré titulado pela escritura pública de compra e venda de 10/02/2009 devia ter sido lavrado através de inscrição autónoma e não de inscrição dependente do registo provisório de 16/03/2007.
52. O registo dessa aquisição feito na dependência do registo provisório de aquisição é, pois, nulo, nos termos do art. l7°/b) do CRPredial, por insuficiência do título. De facto, não há título de uma compra e venda que corresponda à promessa de compra e venda, o que há é um título de compra e venda de teor distinto e, portanto, autónomo, que não permitiria a retroação do registo a um contrato promessa diferente do definitivo, com o consequente cancelamento do registo.
53. Resulta da matéria dada como provada que falta pagar HK$78.300.000,00, bem como a dívida relativa ao arresto titulado pela F Ltd.
54. A Autora pode subrogar-se à 1ª Ré no exercício contra a 2a Ré do direito à parte do preço da venda ainda não pago.
55. Houve um facto não alegado pela Ré, nem constante da matéria quesitada, mas que foi introduzido pela primeira vez no processo no depoimento de parte da 2a Ré (20/02/2013), que o Tribunal o refere na Sentença (fls. 55, 56 e 57), mas a Recorrente não está certa se o Tribunal o aceitou como válido. Se o aceitou, terá violado os princípios do dispositivo e do contraditório, bem como errado na avaliação substantiva da relação jurídica.
56. Trata-se da alegação de que a 2a Ré saldou os a sua dívida à 1ª Ré, não através de pagamentos feitos à 1ª Ré, mas através de um pagamento feito à 1ª Ré (HK$110.000.000,00) e de um pagamento feito a terceiro (Mop$583.515.704,35, pagos ao Banco O). Ou seja, o remanescente em dívida (HK$78.300.000,00) teria sido entregue ao Banco O e acordado pelas Rés como tendo sido feito à 1ª Ré.
57. Havia prestações independentes: uma devida ao credor (lª Ré), duas devidas a terceiros.
58. O que releva é que a 2a Ré se vinculou perante a 1ª Ré a pagar uma dívida de cerca de HK$188 milhões à 1ª Ré e só pagou HK$110 milhões, e vinculou-se perante a 1ª Ré a pagar duas dívidas a terceiros. Tudo o mais é fora deste acordo e não vincula a lª Ré nos termos do art. 760° do CC. Não a vinculando, a dívida mantém-se e a Autora pode exercer o direito de subrogação.
59. Qualquer montante pago a terceiro não é considerado pagamento feito ao credor por conta da dívida, se não for pagamento autorizado pela 1ª Ré, nos termos do art. 760º/a) e b), do Cód. Civil.
60. Está provado nos Quesitos 12, 73 e 75 que a 2a Ré estava contratualmente obrigada a pagar a dívida ao Banco O e a pagar a prestação de HK$188.300.000,00 à lª Ré. No quesito 75 lê-se expressamente “a 2ª Ré tinha que entregar a quantia de HKD$188.300.000,00 como preço para além de pagar a dívida” ao Banco O.
61. Dois depois do pagamento ao Banco a lª e 2a Rés celebraram um contrato promessa em que declararam ainda estar em dívida a quantia à lª Ré a quantia de HK$138.300.000,00, o que é frontalmente contraditório com a possibilidade de ter sido acordado que o pagamento alegadamente “em excesso” ao Banco fosse descontado na prestação devida à lª Ré. Se assim fosse, as partes não teriam celebrado um contrato promessa onde constasse que a dívida não estava paga. Pelo contrário, teria logo declarado que a dívida à 1ª Ré estava integralmente saldada.
62. Verificam-se os pressuposto estabelecidos nos arts. 601°/1 e 2 do CC, pelo que a Autora pode substitui-se à 1ª Ré no exercício contra a 2a Ré do direito de conteúdo patrimonial ao recebimento do preço da venda.
63. Quando a sub-rogação é exercida judicialmente o devedor tem de ser citado, como dispõe o art. 603° do CC, o que neste caso se encontra já assegurdo, por via da citação da petição inicial.
64. Foi estipulado na cláusula 4a do contrato-promessa de 16/03/2007, igual, aliás, à mesma cláusula do contrato-promessa de 18/01/2007, que “após a assinatura do presente contrato, todos os direitos, interesses e obrigações (incluindo os decorrentes de acções judiciais pendentes ou futuras e dos requerimentos de troca de terrenos que estão a ser procedidos ou que irão ser procedidos) relacionados com o mencionado terreno, ficam a cargo da 2ª Outorgante”, ora 2a Ré. Tal é confirmado no Artigo 24° da Contestação.
65. A dívida da 1ª Ré para com a Autora deve ser incluída nesta assunção de dívida, estado em situação de igualdade relativamente às dívidas do Banco O, SA, e, especialmente, da F Ltd.
66. Das duas uma:
67. Ou a 2a Ré assume haver autonomia do contrato de compra e venda relativamente ao contrato-promessa em que se baseou o registo provisório de aquisição, e então o imóvel em causa responde pela satisfação dos créditos da Autora por os arrestos obtidos por esta serem anteriores àquela compra e venda (conforme alegado supra).
68. Ou a 2a Ré defende que a compra e venda é o contrato-prometido pelo contrato-promessa em que se baseou o registo provisório de aquisição (de 16/03/2007), e então tem de assumir todas as obrigações decorrentes para si daquele contrato-promessa.
69. Aliás, a assunção da dívida foi confessada pela 1ª Ré no seu depoimento de parte.
70. A Autora, ratificou expressamente na petição inicial o acordo entre as duas Rés consubstanciado na cláusula 4 do contrato-promessa, chamando à sua esfera jurídica (da Autora) os efeitos dele decorrentes.
71. O referido acordo entre as Rés e a declaração de ratificação feita pela Autora consubstanciam uma transmissão singular de dívida, pois, como dispõe o art. 590º/1/a) do CC, esta pode realizar-se “por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor”.
72. E na falta de declaração expressa da Autora a exonerar a 1ª Ré, a assunção da dívida é cumulativa, nos termos do art. 590°/2 do CC, isto é, as duas Rés respondem solidariamente perante a Autora pela dívida do preço.
Termos em que deverá dado integral provimento ao recurso, revogando-se e declarando-se a nulidade a Sentença recorrida por omissão de pronúncia (fls. 16 e 22 destas alegações e conclusões 31 e 39) e violação dos princípios do dispositivo e do contraditório (fls. 37 e 38 destas alegações e conclusão 55), e substituindo-se a Sentença por outra que dê integral provimento aos pedidos da Autora/Recorrente,
Assim fazendo a habitual Justiça.

Ao recurso apenas respondeu a 1ª Ré pugnando pela improcedência do recurso.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Antes de entrar na apreciação de cada uma das questões colocadas pela recorrente, convém relembrar, conforme a forma como foi configurada a causa de pedir, o que pretende a Autora com a instauração da presente acção, na qual formulou uma grande pluralidade dos pedidos, uns deduzidos na relação de cumulação, outros na relação de subsidiariedade.

Sinteticamente falando, a causa de pedir alegada consiste no seguinte:

A Autora, enquanto credora da 1ª Ré B, viu a garantia dos seus créditos sobre B afectada pelo facto de um único bem da 1ª Ré ter sido vendido à 2ª Ré C.

A fim de obter a satisfação dos seus créditos sobre a 1ª Ré com o valor desse bem, a Autora pediu a declaração da nulidade de vários contratos-promessa celebrados entre a 1ª e 2ª Rés, que têm por objecto a transmissão do mesmo bem, subsidiariamente a declaração da nulidade do registo provisório da aquisição do bem efectuado com data de 17JAN2007, com vista a fazer prevalecer os seus créditos, garantidos pelos dois arrestos, registados em 26ABR2007 e 09MAIO2007, de modo a que, em última análise, obter a satisfação dos seus créditos, ou através da condenação de C a pagar à 1ª Ré uma parte do preço da venda do bem, necessária à satisfação dos seus créditos, ou condenar solidariamente as Rés a pagar-lhe os créditos garantidos pelos arrestos, e ainda subsidiariamente a condenação de ambas as Rés a pagar-lhe, solidariamente, indemnização por danos patrimoniais, suplementar ao montante dos juros indemnizatórios devidos, a ser liquidada posteriormente.

Assim, de acordo com o vertido nas conclusões de recurso, são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:

1. Da nulidade do contrato-promessa de 16MAR2007;

2. Da nulidade dos contratos-promessa celebrados em 18JAN2007 e 16MAR2007, por falta de autorização da assembleia geral para a constituição de procurador da 1ª Ré B;

3. Da nulidade por não especificação dos poderes na procuração outorgada a favor de E;

4. Da arguição da nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a nulidade do contrato-promessa de 16MAR2007, por extinção do mandato;

5. Da revogação tácita do contrato de 18JAN2017;

6. Da irretroactividade do registo da aquisição do direito de propriedade pela 2ª Ré C à data do registo provisório em 16MAR2007;

7. Da sub-rogação da Autora no direito de crédito da 1ª Ré B resultante do contrato de compra e venda do imóvel; e

8. Da assunção cumulativa pela 2ª Ré das dívidas da 1ª Ré para com a Autora.


Então apreciemos.

1. Da nulidade do contrato-promessa de 16MAR2007

De acordo com a matéria de facto assente, foram celebrados sucessivamente três contratos-promessa de compra e venda entre a 1ª Ré B e a 2ª Ré C, em 08JAN2007 (cf. resposta ao quesito 75º da base instrutória), 18JAN2007 (cf. al. C) da especificação) e 16MAR2007 (cf. al. D) da especificação).

Todos estes contratos-promessa têm por objecto a compra e venda do mesmo imóvel identificado na alínea D) da especificação.

Para a recorrente, “é de difícil compreensão a celebração entre as mesmas partes de três contratos-promessa essencialmente iguais.”

Em vez de atacar a validade dos 1º e 2º contratos, celebrados em 8JAN2007 e 18JAN2007, a recorrente limita-se a invocar a nulidade do 3º contrato, com fundamento na simulação absoluta por falta da vontade das partes.

Para o efeito alega que “é patente que com o contrato de 16/03/2007 as Rés não pretenderam negociar o imóvel, seja dizer, não utilizaram esse contrato para a prossecução dos fins a que o mesmo poderia legitimamente atender. …… o terceiro contrato-promessa, com data de 16/03/2007, serviu precisamente para obviar à ineficácia do contrato promessa de 18/01/2007”.

Ao que parece, a recorrente está a considerar a celebração do contrato-promessa com data de 16MAR2007 como integrante das situações da simulação absoluta por falta de vontade das partes para a celebração da promessa, na modalidade da simulação “fraudulenta”, isto é, com o intuito de prejudicar a Autora, enquanto terceiro.

Diz-se simulado o negócio, se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante – artº 232º/1 do CC.

A propósito do conceito definido no artº 240º do CC de 1966, correspondente ao artº 232º/1 do nosso código vigente, ensina Mota Pinto que são elementos integradores do conceito de simulação:

a) Intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração;

b) Acordo entre declarante e declaratário (acordo simulatório), o que, evidentemente, não exclui a possibilidade de simulação nos negócios unilaterais;

c) Intuito de enganar terceiros.

– in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. actualizada, pág. 472.

Ora, conforme se vê na matéria de facto assente, entre as Rés veio a ser efectivamente celebrado o contrato prometido de compra e venda do imóvel. O que é bem demonstrativo de que as Rés quiseram mesmo reger os seus interesses mediante a assunção de uma promessa, no momento da celebração de todos os contratos-promessa sucessivos.

Portanto, não se pode dizer que houve divergência entre a vontade e a declaração, muito menos intencionalidade da divergência.

Faltando assim um dos elementos integradores, não estamos logo perante uma simulação.

Na verdade, para já pondo de parte o alegado intuito para obviar à alegada ineficácia do contrato-promessa de 18JAN2007 com vista à obtenção do registo provisório de aquisição com data retroagida para 18JAN2007, que será objecto da nossa abordagem infra na questão de registo provisório de aquisição, o contrato-promessa celebrado entre as Rés em 16MAR2007 nunca é negócio simulado e portanto viciado da nulidade, antes pelo contrário um negócio jurídico realizado dentro dos limites do princípio da liberdade contratual.

Pois, admitimos embora que se tratam de dois contratos-promessa que têm por objecto mediato o mesmo imóvel, celebrados pelos idênticos sujeitos, o certo é que o contrato celebrado posteriormente se apresenta diferente, embora ligeiramente, do contrato anterior.

Tais diferenças consistem, pelo menos, na modificação do segundo carácter do nome em chinês de E (de XX passou a ser modificado paraXX), que interveio na veste das duas qualidades, isto é, como representante da 1ª Ré B e enquanto o administrador que representa a 2ª Ré C, e no aditamento ao contrato posterior da cláusula 12ª, conforme melhor se vê na confrontação dos textos de ambos os contratos, cujos textos ora constantes das fls. 366 a 369 dos presentes autos.

Ora, nos termos do disposto no artº 400º/1 do CC, o contrato pode modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes.

Em vez de acordarem na modificação parcial do contrato de 18JAN2007, consistente, v. g., no simples averbamento nesse contrato, as 1ª e 2ª Rés podiam perfeitamente acordar em celebrar de novo o contrato-promessa visando obter, não a destruição total da promessa já assumida no instrumento de 18JAN2007, mas apenas a modificação e rectificação de determinados aspectos da promessa, de modo a regular a acordada promessa nos termos que elas entendiam mais convenientes e apropriados para a prossecução dos seus interesses.

É o que sucedeu in casu.

Assim, não padece da nulidade o contrato-promessa celebrado em 16MAR2007.

2. Da nulidade dos contratos-promessa celebrados em 18JAN2007 e 16MAR2007, por falta de autorização da assembleia geral para a constituição de procurador da 1ª Ré B

Na matéria de facto provada na primeira instância, ficou assente que interveio na celebração de ambos os contratos-promessa, de 18JAN2007 e de 16MAR2007, apenas E, quer na veste do procurador da 1ª Ré B enquanto promitente vendedor, quer na qualidade do administrador da 2ª Ré C enquanto promitente comprador.

A recorrente questiona a legitimidade substantiva de E para intervir na qualidade de procurador da 1ª Ré B.

E a título subsidiário, a recorrente pretende destruir os contratos-promessa de 18JAN2007 e de 16MAR2006, com fundamento na nulidade da procuração passada a favor de E para intervir na celebração dos mesmos contratos.

Para a recorrente, a constituição do procurador tinha necessariamente de ser autorizada pela assembleia-geral da sociedade.

Para sustentar a sua posição, a recorrente invoca que ao estipular no seu parágrafo terceiro que “a sociedade pode constituir mandatário, nos termos da lei……”, os Estatutos da 1ª Ré B, se referem ao artº 235º/3 do Código Comercial, à luz do qual independentemente de autorização expressa nos estatutos, a sociedade pode, mediante autorização da assembleia geral ou do conselho de administração, caso exista, propor gerentes para o desempenho de algum ramo de negócio que se integre no seu objecto ou nomear auxiliares para a representar em determinados actos ou contratos ou, por instrumento notarial, constituir procuradores para prática de determinados actos ou categoria de actos.

Ou seja, na óptica da recorrente, o segmento da norma “a sociedade pode, mediante autorização da assembleia geral, por instrumento notarial, constituir procuradores para prática de determinados actos ou categoria de actos” deve ser interpretado no sentido de que a constituição de um mandatário é sempre precedida da autorização da assembleia geral e é feita por via do instrumento notarial.

No fundo, a recorrente está a reiterar essencialmente os mesmos argumentos já deduzidos na petição inicial da acção.

Então convém relembrar o que foi dito na sentença recorrida a este propósito.

Para fundamentar a improcedência desse pedido de declaração da nulidade dos contratos-promessa de 18JAN2007 e 16MAR2007, diz o Tribunal a quo que:

   iii) Falta da autorização da assembleia geral da 1ª Ré para a constituição de procurador
   A Autora disse que o E interveio nos dois contratos-promessa na qualidade de representante da 1ª Ré através da procuração outorgada a seu favor em 11 de Dezembro de 2006, mas o acto de constituição da procurador não foi objecto de autorização da assembleia geral da 1ª Ré, entendendo que a procuração é nula por ter violado do disposto do art°253°, n°3 do Código Comercial, e como tal, os contratos-promessa celebrados por E são ineficazes em relação a 1ª Ré e nulos em relação à 2ª Ré.
   Está a Autora, no fundo, a pôr em causa a validade da procuração passada a favor de E em 11 de Dezembro de 2006.
   Sobre a matéria em discussão, temos os factos assentes:
   “E foi a única pessoa física que participou nos dois contratos-promessa, como representante voluntário da 1ª Ré e representante legal da 2ª Ré. (10°)
   Enquanto representante da 1ª Ré, E interveio nos dois contratos com base em procuração outorgada a seu favor em 11 de Dezembro de 2003, emitida pela 1ª Ré.(11°)
   Em 11 de Dezembro de 2006, perante o notário privado foi outorgado o instrumento notarial de procuração, com cláusula de “negócios consigo mesmo” para o procurador que era E.”(69°)
   Dispõe-se o art°235°, n°3 do Código Comercial, na redacção introduzida pelo art°2° da Lei n°6/2000, de 27 de Abril o seguinte:
   “Independentemente de autorização expressa nos estatutos, a sociedade pode, mediante autorização da assembleia geral ou do conselho de administração, caso exista, propor gerentes para o desempenho de algum ramo de negócio que se integre no seu objecto ou nomear auxiliares para a representar em determinados actos ou contratos ou, por instrumento notarial, constituir procuradores para prática de determinados actos ou categoria de actos.”
   Para a Autora, de acordo com a norma acima transcrita, a constituição do mandatário da sociedade carece sempre da autorização da assembleia geral, sob pena da nulidade do respectivo acto.
   Será assim, vejamos.
   Segundo a letra do n°3 do art°235°, esse normativo deve ser entendido com dois segmentos: 1) a sociedade pode propor gerentes determinados para o desempenho de algum ramo de negócio ou nomear auxiliares para a representar em determinados actos, mediante autorização do assembleia geral ou do conselho de administração; 2) a sociedade pode constituir procuradores para prática determinados actos ou categoria dos actos por instrumento notarial. 3
   Assim, no último caso, para a constituição da procuração, basta que o acto seja realizado por instrumento notarial, não sendo necessária a autorização da assembleia geral.
   Como se referencia acima, na altura da prática dos actos em causa, a 1ª Ré só tinha um administrador M, este tinha poderes para representar a sociedade, assim, ele podia, por si, constituir procuradores da sociedade para prática de certos actos, desde que fosse realizada por forma de instrumento notarial.
   Conforme o documento junto a fls. 370 a 372, a procuração em causa foi passada por M na qualidade de gerente da 1ª Ré, perante o notário privado N, a favor de E, para a prática de uma série de actos relativos ao terreno n°14 a 17 da Estrada Marginal da Ilha Verde.
   Assim, por ter sido efectuado com a forma legalmente exigida e por quem tinha poderes para representar a sociedade, a procuração em causa não está ferida de nulidade, mormente por violação dos termos previsto no n°3 do art°253° do Código Comercial.
   Mesmo que assim não se entendesse, a interpretação da Autora também não é de acolher.
   Sobre a administração da sociedade por quota, diz o n°1 do art°383° do Código Comercial que “A sociedade por quotas é gerida e representada por um ou mais administradores que podem ser ou não sócios”. Por outro lado, preceitua-se o art°386°, n°1 do mesmo Código que “Existindo um só administrador, considera-se a sociedade obrigada pelos actos praticados, em nome dela, por esse administrador, dentro dos limites dos seus poderes.”
   Consoante o preceituado do art°383° e 386° do Código Comercial, os actos da sociedade são praticados pelos seus administradores, os quais são vinculados à sociedade. No caso de existir um só administrador, basta a intervenção deste para fazer obrigar a sociedade.
   Essa é a regra geral aplicável à sociedade quanto à forma de administração e de obrigação da sociedade.
   No caso em causa, segundo o estatuto da sociedade da 1ª Ré (cláusula 3ª), a sociedade pode constituir mandatários. No momento da prática dos actos referidos pela Autora, a 1ª Ré só tinha um gerente M e a forma de obrigar da sociedade era apenas a assinatura desse gerente (relativo ao período de 25 de Novembro de 2005 a 07 de Março de 2008).
   Assim, conjugados o estatuto social e os preceitos acima citados, para a constituição dos mandatários, basta a assinatura de um gerente para obrigar a sociedade.
   A regra geral é que a gerência da sociedade cabe à administração da sociedade. De facto, o nosso legislador estabelece alguns desvios a essa regra, que é o caso previsto no n°3 do art°235° do Código Comercial. Ou seja, a sociedade pode, mediante a autorização do assembleia geral ou do conselho de administração, propor gerentes para o desempenho de algum ramo de negócio ou nomear auxiliares para a representar em determinado acto.
   Para a Autora, com esse preceito, pretende o legislador restringir o poder de gerência dos administradores no sentido de que a prática desses actos só podem ser feitos com a autorização da assembleia geral ou do conselho de administração.
   Não se afigura essa ser a adequada interpretação desse preceito.
   Para já, com a previsão desse normativo, o legislador não afasta a prática dos mesmos actos pelos administradores, pois a lei diz “pode” e não “deve”, com a palavra “pode”, parece o que o legislador pretender é atribuir também à assembleia geral ou ao conselho de administração o poder de gerência para a prática de determinados actos, sendo, portanto, faculdade alternativa e não dever. Se o legislador fosse no sentido de afastar os administradores a prática desses actos, teria expressamente previsto a exclusão desse poder da mão dos administradores, o que não foi feito.
   Assim, a melhor interpretação não pode deixar de ser o seguinte: para além dos administradores, também admite a intervenção da assembleia geral ou do conselho de administração a prática dos mesmos actos.
   Pelo que, a constituição do procurador pelo administrador não carece de autorização da assembleia geral da sociedade.
   Nestes termos, não estando a procuração ferida de vício de nulidade, o E, munido de tal procuração, tem legitimidade para intervir nos contratos-promessa de 18 de Janeiro de 2007 e de 16 de Março de 2007, na qualidade de procurador da 1ª Ré.
   Assim, falece também o argumento de nulidade do contrato-promessa requerido pela Autora.

Ora, para nós, a questão foi ai bem apreciada e decidida, pois foram demonstradas com raciocínio tão inteligível as razões tão sensatas e convincentes, justificativas da decisão no sentido de improcedência do pedido da declaração de nulidade da procuração. Assim, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui esta parte da fundamentação da sentença recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para os Doutos fundamentos ai invocados, julgando improcedente o recurso nessa parte.

3. Da nulidade por não especificação dos poderes na procuração outorgada a favor de E

A recorrente entende que, face ao disposto do citado artº 235º/3 do Código Comercial, a procuração outorgada a favor de E para intervir nos contratos-promessa de 18JAN2007 e de 16MAR2007 é nula uma vez que não foram especificados os actos ou a categoria de actos para cuja prática a E foram conferidos poderes.

Sendo nula que é a procuração, são nulos os contratos-promessa de 18JAN2007 e de 16MAR2007.

Não tem razão a recorrente.

O texto da procuração consta das fls. 370 a 372 dos presentes autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Estamos convencidos de que quem deu uma vista de olhos ou até fez uma leitura diagonal do teor da procuração, salta logo à vista que foram especificados de forma exaustiva quais os poderes foram conferidos a E relativamente ao imóvel objecto dos contratos-promessa.

Improcede esta parte do recurso.

4. Da arguição da nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a nulidade do contrato-promessa de 16MAR2007, por extinção do mandato

A recorrente imputa à sentença recorrida a nulidade por omissão de pronúncia sobre a nulidade do contrato-promessa de 16MAR2007, por extinção do mandato, alegadamente já suscitada na petição inicial da acção.

Bom, ao contrário do que alega a recorrente, acontece que na petição inicial não foi formulado o pedido de declaração da nulidade do contrato-promessa com fundamento na extinção do mandato conferido a E.

Ou seja, não se pode imputar ao Tribunal a quo a omissão de pronúncia sobre este fundamento de direito, que não é de conhecimento oficioso, e só trazido ex novo por via de recurso aos autos, mas não invocado na petição inicial para sustentar a pretendida declaração da nulidade do contrato-promessa, ai já peticionada mas fundada em fundamentos de direito diversos.

Inexistindo assim a imputada omissão da pronúncia, é de rejeitar essa parte do recurso por falta de objecto.

5. Da revogação tácita do contrato de 18JAN2017

Para nos inteiramos do assunto, é de lembrar parte da matéria de facto assente.

Ora, ficou provado que:

- Em 18 de Janeiro de 2007 a 1ª e a 2ª Rés celebraram um contrato, nos termos do qual, pelo preço de HK$188.300.000,00 00 (cento e oitenta e oito milhões e trezentos mil dólares de Hong Kong), a primeira prometeu vender à segunda, e esta prometeu comprar àquela, o prédio atrás referido. (alínea C) dos factos assentes)
- Em 16 de Março de 2007 a 1ª a e a 2ª Rés celebraram um contrato, nos termos do qual a primeira voltou a prometer vender à segunda, e esta voltou a prometer comprar àquela, o referido prédio pelo preço de HK$188.300.000,00 (cento e oitenta e oito milhões e trezentos dólares de Hong Kong), correspondentes a MOP$194.231.450,00 (cento e noventa e quatro milhões duzentas e trinta e uma mil e quatrocentas e cinquenta patacas). (alínea D) dos factos assentes)
- Em 16 de Março de 2007, a requerimento da 2ª Ré e a seu favor, como titular activa, foi efectuado um registo provisório de aquisição do prédio na Conservatória do Registo Predial, conforme Apresentação n° 77 daquela data com base no contrato-promessa de compra e venda referido em D). (alínea E) dos factos assentes)
- Em 10 de Janeiro de 2009, por escritura pública lavrada no Cartório do Notário Privado N, a 1ª Ré vendeu à 2ª Ré o prédio objecto mediato dos dois referidos contratos-promessa, indicando que o fazia pelo preço de HK$188.300.000,00, equivalentes a MOP$194.231.450,00 (cento e noventa e quatro milhões duzentos e trinta e um mil quatrocentas e cinquenta patacas) (alínea F) dos factos assentes)
- Em 16 de Fevereiro de 2009, com base nessa escritura, a pedido da 2ª Ré, foi requerida a conversão em definitivo do registo provisório de aquisição do prédio na Conservatória do Registo Predial, conforme Apresentação nº 31 daquela data, pedindo e obtendo a rectificação da data do contrato-promessa de compra e venda em que se baseou o registo provisório de modo a passar a constar que a mesma é a de 18 de Janeiro de 2007. (alínea G) dos factos assentes)
- O pedido de rectificação foi instruído com o primeiro dos dois referidos contratos-promessa celebrados entre a 1ª Ré e a 2ª Ré. (alínea H) dos factos assentes)
- Quando o contrato-promessa referido em C) foi celebrado, estava em vigor um registo provisório de aquisição do mesmo imóvel a favor de D, registo pedido na Conservatória do Registo Predial pela Apresentação n° 48 de 03 de Novembro de 2005 feito com base em contrato-promessa pelo qual a 1ª Ré B havia prometido vender a D, e este prometido comprar àquela, o mesmo imóvel e pelo mesmo preço de HKD$188.300.000,00. (alínea I) dos factos assentes)
- O cancelamento de tal registo provisório referido na alínea anterior foi pedido pela Apresentação n° 83 de 14 de Março de 2007. (alínea J) dos factos assentes)


Vemos, neste segmento da matéria assente, que, com base no contrato-promessa de 18JAN2007, a 2ª Ré C pediu e obteve a rectificação da data do registo provisório

A fim de destruir a retroacção, por via de rectificação da data do registo provisório do contrato-promessa, de 16MAR2007 para 18JAN2007, a recorrente vem dizer que o contrato-promessa de 18JAN2007 em que se baseou a rectificação, foi tacitamente revogado pelo contrato-promessa de 16MAR2007, uma vez que, tendo ambos os contratos-promessa sido celebrados entre as mesmas partes e relativos ao mesmo bem e tido regulamentações de interesses essencialmente iguais, o contrato de 18JAN2007 deve ser tido por revogado pelo posterior contrato de 16MAR2007, dada a “incompatibilidade sucessiva das suas regulamentações pelas partes”.

Para o tribunal a quo, a celebração do segundo contrato-promessa em 16MAR2007 não revogou o contrato de 18JAN2007.

Na óptica do Tribunal a quo, como o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (artº 400º do CC), a revogação é uma das formas da extinção do negócio jurídico que consiste na declaração dos próprios contraentes, é necessária a vontade expressamente manifestada nesse sentido pelas contraentes, o que não acontece.

Para reforçar a sua posição, o Tribunal a quo diz que tendo sido julgado por não provado o quesito de que “ao celebrarem o segundo contrato, a 1ª e 2ª Rés pretenderam, por mútuo acordo, revogar ou distratar o contrato-promessa celebrado entre ambas em 18 de Janeiro de 2007”, não pode ser por isso considerar que as partes queriam mesmo revogar o contrato-promessa e negócios jurídicos anteriormente celebrados.

Então vejamos.

Foi levado à base instrutória o quesito 18º em que se pergunta “ao celebrarem o segundo contrato, a 1ª e 2ª Rés revogaram, por mútuo acordo, ou distrataram o contrato-promessa entre ambas celebrado em 18 de Janeiro de 2007?”.

Simplesmente foi julgado não provado.

Para a recorrente, o tal quesito não contém matéria de facto, mas sim matéria de direito, portanto, o quesito e a sua resposta devem ser dados por não escritos, e o simples facto de este quesito ter sido julgado não provado não quer dizer que é dado provado o facto oposto.

Concordamos que a matéria de direito deve ser dada por não escrita e a resposta negativa a um quesito não comprova o facto contrário ao quesitado, e que o quesito 18º contém matéria de direito.

Na formulação de Alberto dos Reis, é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, e é questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei– in Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 206-207.

Para o Mestre os quesitos não devem pôr factos jurídicos, devem pôr unicamente factos materiais. Entende por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens; e por factos jurídicos os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito – ibidem pág. 209.

Ora, pergunta se ao celebrarem o segundo contrato, a 1ª e 2ª Rés revogaram, por mútuo acordo, ou distrataram o contrato-promessa entre ambas celebrado em 18 de Janeiro de 2007 é pôr uma questão de direito, pois a “revogação” são terminologia jurídica em que se enquadram os factos materiais que representam a forma de extinção de um negócio jurídico por manifestação de vontade, ou por acordo entre as partes (no caso de contratos), ao passo que o “distrate” significa a extinção de um negócio por acordo das partes que o celebraram, v. g. distrate da hipoteca. Em ambas as situações, “revogação” e “distrate”, são qualificações de factos materiais vistos à luz dos critérios do direito.

Portanto, o teor do quesito 18º deve ser tido por não escrito e não deve ser atendido.

Todavia, nem por isso, aceitamos que o contrato de 18JAN2007 foi tacitamente revogado pelo contrato de 16MAR2007, tal como defende a recorrente.

Ora, tal como diz a própria recorrente, ambos os contratos-promessa foram celebrados entre as mesmas partes e relativos ao mesmo bem e tido regulamentações de interesses essencialmente iguais.

O que foi dito pela recorrente já afasta a tese, por ela, defendida, de que estamos perante uma revogação tácita.

Pois, falando-se da revogação, significa que algo novo substitui o conteúdo originário, fazendo desaparecer ou extinguir este conteúdo e passando a pôr em vigor o novo conteúdo, que terá de ser diverso do conteúdo originário, pois de outro modo, não faria sentido falar da revogação.

Ao celebrarem o novo contrato de conteúdo essencialmente idêntico ao anterior, as partes contraentes estão a repetir e reafirmar o anterior, e nunca extinguí-lo.

Não é acolher a tese de revogação tácita.

Portanto, é de reiterar aqui o que por nós dito supra na apreciação da questão de simulação absoluta.

Ai concluímos que no segundo contrato-promessa celebrado em 16MAR2007, não houve divergência entre a vontade e a declaração, muito menos intencionalidade da divergência por parte das Rés e que, no fundo as Rés pretenderam modificar o contrato-promessa de 18JAN2007 mediante a feitura de um novo contrato-promessa em 16MAR2007, cujo teor sendo embora essencialmente igual ao do contrato de 18JAN2007, se apresente diferente em vários aspectos para como o primeiro.

Esta tese por nós defendida em nada fica abalada pela recorrente.

Improcede assim esta parte de recurso.

6. Da irretroactividade do registo da aquisição do direito de propriedade pela 2ª Ré C à data do registo provisório em 16MAR2007

Na petição inicial, a Autora, ora recorrente, pediu a declaração da irretroactividade do registo da aquisição do direito de propriedade pela 2ª Ré C à data do registo provisório em 16MAR2007, com três fundamentos distintos, invocados na relação da subsidiariedade, quais são:

a) Falta de declaração de vontade nesse sentido da 1ª Ré B enquanto titular do direito;
b) Falta de legitimidade para o efeito do requerente do registo; e
c) Não correspondência entre os conteúdos do contrato-promessa de compra e venda e o contrato de compra e venda (vide os artºs 160º a 202º da p.i.)

Sobre estes três fundamentos, invocados subsidiariamente na petição, para rogar a pretendida irretroactividade do registo, o Tribunal a quo já se pronunciou nas pág. 35 a 39 da sentença ora recorrida.

Só que, para além de suscitar questões que de algum modo estão relacionados com estes três fundamentos, vem agora a recorrente invocar mais um fundamento, não invocado na petição inicial e diverso dos três já invocados, e acusa o Tribunal a quo de omissão de pronúncia sobre ele.

É o que alegou na página 22 das alegações, sob a alínea b) que se denomina “Irretroactividade do registo de rectificação da data do primeiro registo provisório por se tratar de um registo novo e não de uma rectificação”.

De duas uma, ou a recorrente pretende alterar ou ampliar unilateralmente o pedido e causa de pedir, ou pretende que o Tribunal de recurso conheça de um fundamento do pedido não alegado e portanto não apreciado pelo Tribunal a quo.

Na primeira hipótese, é de rejeitar esta pretensão uma vez que não estamos perante qualquer das situações da modificação do pedido e da causa de pedir na falta de acordo prevista no artº 217º do CPC, que reza:

(Modificação do pedido e da causa de pedir na falta de acordo)
1. Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor.
2. O pedido pode também ser alterado ou ampliado na réplica; pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em primeira instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
3. Se a modificação do pedido for feita na audiência de discussão e julgamento, fica a constar da acta respectiva.
4. O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 333.º do Código Civil, pode ser deduzido nos termos da segunda parte do n.º 2.
5. Nas acções de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em primeira instância, a condenação do réu nos termos do artigo 561.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.
6. É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida
Na segunda hipótese, é de rejeitar também a pretensão da recorrente, pois a recorrente vem agora alegar uma nova causa de pedir para rogar a irretroactividade do registo.

Não se tendo mostrado cumprido o ónus de especificar na petição inicial em relação a esta nova causa de pedir nem se tratando de conhecimento oficioso, esta causa de pedir não podia ser objecto do conhecimento pelo Tribunal a quo.

Inexistindo assim a invocada omissão da pronúncia, é de julgar improcedente a arguição da nulidade da sentença.

Então passemo-nos a debruçar sobre os três fundamentos.

Comecemos pela alegada irretroactividade do registo por ineficácia e nulidade dos contratos-promessa.

No fundo, a recorrente está a reiterar o que foi dito nos artºs 169º e 170º da petição inicial.

A procedência desse pedido depende necessariamente da procedência de pelo menos um dos pedidos de declaração da nulidade dos contratos-promessa ou do contrato prometido.

Todavia, pelo que vimos supra, nenhuma das teses sobre a invocada nulidade dos contratos foi por nós acolhida, o conhecimento desse fundamento fica prejudicado.

Depois a recorrente invocou a irretroactividade em consequência da nulidade do registo provisório de aquisição por nulidade da procuração concedida da 1ª Ré B enquanto titular do direito.

Vem agora nas alegações de recurso, vem repetir o fundamento invocado nos artº 171º a 179º da petição inicial, ou seja, pede a declaração da nulidade do registo provisório com fundamento na alegada nulidade da procuração outorgado pela 1ª Ré B, enquanto titular do direito, a favor de E, uma vez que, na óptica da recorrente, face ao disposto no artº 235º/3 do C. Comercial, a tal procuração não confere os poderes especiais a E para o efeito, por os tais poderes especiais não terem sido mencionados no seu texto.

Quanto à alegada inobservância do artº 235º/3 do C. Comercial, já demonstramos a sem razão da recorrente quando tratámos da questão da nulidade dos contratos-promessa celebrados em 18JAN2007 e 16MAR2007, por falta de autorização da assembleia geral para a constituição de procurador da 1ª Ré B.

Portanto, nada mais temos de fazer senão remetermos para o que foi dito por nós supra acerca desta questão.

Quanto à falta da menção dos poderes especiais, tal como sensatamente destacado pelo Tribunal a quo, a simples leitura do próprio texto da procuração, ora constantes das fls. 370 a 372, já nos leva a concluir que a recorrente não tem razão nenhuma, pois ali está expressamente mencionado sob a alínea j) “requerer quaisquer actos de registo predial, matricial, provisórios ou definitivos, cancelamentos e averbamentos ……”

Improcede este fundamento do recurso.

Finalmente para rogar a irretroactividade do efeito do registo do contrato de compra e venda à data do registo provisório, a recorrente defende que, in casu, a celebração entre as Rés do contrato de compra e venda em 10JAN2009 não pode sido tida como do cumprimento dos contratos-promessa, pois não há correspondência entre os conteúdos do contrato-promessa e do contrato prometido.

Para sustentar a sua tese, a recorrente invoca essencialmente que na escritura pública que titula a compra e venda do imóvel foi declarado o preço de apenas HKD$188.300.000,00, que é muito inferior ao preço estabelecido no contrato-promessa, uma vez que no contrato-promessa de 16MAR2007, para além do pagamento em dinheiro a ser feito directamente à 1ª Ré B, no valor de HKD$188.300.000,00, foram acordados, como contrapartida exigida à 2ª Ré C pela aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel, diversos pagamentos a favor de vários credores para saldar as dívidas que a 1ª Ré tinha perante estes credores.

Bom, sobre esta questão já suscitada na petição inicial, o Tribunal a quo já se pronunciou nos termos seguintes:

   A terceira razão invocada pela Autora para a não retroactividade do registo ancora-se na inferioridade do preço estipulado no contrato de compra e venda em relação ao estipulado nos contratos-promessa, defendendo que foi acordado no contrato-promessa que a 2ª Ré pagou à 1ª Ré, como contrapartidas, a quantia de HKD188.300.000,00, mais com diversos pagamentos feita pela 2ª Ré a credores da 1ª Ré, entre os quais o Banco O e a F Limited, sendo o total da quantia da dívida da 1ª Ré B acerca de MOP$700.000.000,00.
   Não se acolhe a posição da Autora.
   Em primeiro lugar, conforme os factos tidos como assentes, nos dois contrato-promessa de 18 de Janeiro de 2007 e de 16 de Março de 2007, foi estipulado pelas partes o preço de venda do terreno em HK$188.300.000,00. Enquanto na escritura pública de compra e venda outorgada pelas Rés em 10 de Janeiro de 2009, o preço de aquisição do terreno também foi fixado em HK$188.300.000,00
   Ou seja, segundo a letra dos contratos-promessa e do contrato de compra e venda, o preço acordado pelos seus outorgantes é mesmo, HK$188.300.000,00
   De facto, vem provado que as partes acordaram que as contrapartidas exigidas à 2ª Ré nos dois contratos-promessa aludidos seriam realizadas por duas parcelas: uma através do pagamento de quantia certa e outra mediante o pagamento por parte da 2ª Ré a credores da 1ª Ré da dívida desta.
   Mas, este não deixa de ser o modo de pagamento da contraprestação devida pelo promitente-comprador, ora 2ª Ré.
   Mesmo que se entendesse que esses pagamentos fizessem parte do teor dos contratos-promessa, não se pode olvidar que com a celebração do contrato definitivo entre as Rés, à 2ª Ré foi transmitida a propriedade do prédio em causa tal qual como se encontrava à data do registo provisório da aquisição.
   De facto, o preço estipulado no contrato de compra e venda é de HK$188.300.000,00, mas no momento da outorga da escritura pública e da conversão do registo em definitivo, o terreno em causa estar ainda onerado com a penhora/hipoteca a favor do Banco O e um arresto a favor da F, pelo que o preço do terreno estipulado pelos comprador e vendedor não poderia não ter tomado em conta os valores das dívidas garantidas por esses ónus reais, pois se não fosse realizado o pagamento a esse credores da 1ª Ré, estes poderiam executar o prédio para obter satisfação do seu crédito.
   Pelo que, ao adquirir um prédio com ónus reais, o adquirente terá sempre em mente de assumir o pagamento dessas garantias reais, sob pena de execução coerciva incidida sobre o prédio em causa, assim, o preço real da transmissão do prédio será sempre a quantia entregue pela 2ª Ré à 1ª Ré mais o valor das respectivas garantias reais.
   Olhando as coisas desta perspectiva, o preço de transmissão da propriedade do terreno acordado pelos contraentes quer nos dois contratos-promessa quer no contrato definitivo de compra e venda é, na substância, igual, não havendo divergência substancial.
   Nestes termos, não se entende que existe divergência do conteúdo do contrato-promessa e do contrato definitivo, não assiste razão a Autora a não retroactividade do registo definitivo da aquisição à data do registo provisório.
   Assim, esse pedido da Autora não pode proceder.

A questão foi bem apreciada e decidida.

Na verdade, no momento da transmissão da propriedade do imóvel em causa, operado pelo contrato de compra e venda de 10FEV2009, o bem vendido à 2ª Ré C está onerado com uma hipoteca constituída a favor do Banco O.

Assim, independentemente da vontade da 2ª Ré C, a hipoteca sobre o imóvel constituída pela 1ª Ré B a favor do Banco O para a garantia de uma dívida aquela tem perante esse, é sempre oponível à 2ª Ré C que veio posteriormente adquirir o imóvel – 682º/1 do CC.

Ou seja, a dívida garantida pela hipoteca é sempre um encargo que a 2ª Ré C, enquanto terceiro adquirente, tem que assumir perante o credor hipotecário.

Portanto, a contrapartida da venda do imóvel estipulada no contrato-promessa de 16MAR2007 é idêntica à contrapartida estabelecida no contrato prometido de 10FEV2009.

Não há portanto divergência entre os preços, lato sensu, estipulados em ambos os contratos.

Desta maneira, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a fundamentação e a decisão recorrida nesta parte, e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para as sensatas e convincentes razões a este propósito expostas pelo Tribunal a quo, e ora reproduzido supra, para julgar improcedente o recurso nesta parte.

7. Da sub-rogação da Autora no direito de crédito da 1ª Ré B resultante do contrato de compra e venda do imóvel; e

8. Da assunção cumulativa pela 2ª Ré das dívidas da 1ª Ré para com a Autora

Sobre estas duas questões, consideramos que ambas já foram devidamente apreciadas e correctamente decididas na sentença ora recorrida, portanto, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a decisão recorrida nesta parte, e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para os Doutos fundamentos ai invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso na parte respeitantes a estas duas questões.



Em conclusão:

9. São elementos integradores do conceito de simulação: a) Intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; b) Acordo entre declarante e declaratário (acordo simulatório), o que, evidentemente, não exclui a possibilidade de simulação nos negócios unilaterais; e c) Intuito de enganar terceiros. Portanto, demonstrando-se que não houve divergência entre a vontade e a declaração, nem intencionalidade da divergência, não estamos perante simulação.

10. Nos termos do disposto no artº 400º/1 do CC, o contrato pode modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes. Assim, em vez de acordarem na modificação parcial do contrato-promessa anteriormente celebrado através do simples averbamento incorporado no texto do contrato, as contraentes podem perfeitamente acordar em celebrar de novo a promessa visando obter, não a destruição total da promessa já assumida no instrumento de 18JAN2007, mas apenas a modificação e rectificação de determinados aspectos da promessa, de modo a regular a acordada promessa nos termos que elas entendem mais convenientes e apropriados para a prossecução dos seus interesses.

11. Reza o artº 235º/3 do Código Comercial que independentemente de autorização expressa nos estatutos, a sociedade pode, mediante autorização da assembleia geral ou do conselho de administração, caso exista, propor gerentes para o desempenho de algum ramo de negócio que se integre no seu objecto ou nomear auxiliares para a representar em determinados actos ou contratos ou, por instrumento notarial, constituir procuradores para prática de determinados actos ou categoria de actos. O segmento da norma “a sociedade pode, mediante autorização da assembleia geral, por instrumento notarial, constituir procuradores para prática de determinados actos ou categoria de actos” não deve ser interpretado no sentido de que a constituição de um mandatário é sempre precedida da autorização da assembleia geral e é feita por via do instrumento notarial. Pois, segundo a letra do n°3 do artº 235º do Código Comercial, esse normativo deve ser entendido com dois segmentos: 1) a sociedade pode propor gerentes determinados para o desempenho de algum ramo de negócio ou nomear auxiliares para a representar em determinados actos, mediante autorização do assembleia geral ou do conselho de administração; 2) a sociedade pode constituir procuradores para prática determinados actos ou categoria dos actos por instrumento notarial. Assim, no último caso, para a constituição da procuração, basta que o acto seja realizado por instrumento notarial, não sendo necessária a autorização da assembleia geral.

12. Não se pode imputar ao Tribunal a quo a omissão de pronúncia sobre um fundamento de direito, só trazido ex novo por via de recurso aos autos, mas não invocado na petição inicial para sustentar a pretendida declaração da nulidade do contrato-promessa, ai já peticionada mas fundada em fundamentos de direito diversos, desde que aquele novo fundamento de direito não seja de conhecimento oficioso.

13. No julgamento de facto, a resposta negativa a um quesito não comprova o facto contrário à matéria do quesito não provada.

14. É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, e é questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei.

15. Os quesitos da base instrutória não devem pôr factos jurídicos, devem pôr unicamente factos materiais. Entende por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens; e por factos jurídicos os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito.

16. Pergunta se ao celebrarem o segundo contrato, a 1ª e 2ª Rés revogaram, por mútuo acordo, ou distrataram o contrato-promessa entre ambas anteriormente celebrado é pôr uma questão de direito, pois a “revogação” são terminologia jurídica em que se enquadram os factos materiais que representam a forma de extinção de um negócio jurídico por manifestação de vontade, ou por acordo entre as partes (no caso de contratos), ao passo que o “distrate” significa a extinção de um negócio por acordo das partes que o celebraram, v. g. distrate da hipoteca. Em ambas as situações, “revogação” e “distrate”, são qualificações de factos materiais vistos à luz dos critérios do direito.

Tudo visto, resta decidir.

IV

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente in totum o recurso, e confirmando na íntegra a decisão da sentença recorrida.

Registe e notifique.

RAEM, 08FEV2018







Enquanto Relator do processo, apresento desde já a minha declaração de voto de parcialmente vencido nos termos seguintes:

Submeti à apreciação pelo Colectivo o projecto do Acórdão.

Após a discussão, os dois Colegas Adjuntos concordaram apenas com a fundamentação e as soluções que eu propus para decidir as 1ª a 6ª questões tratadas no Acórdão antecedente, não tendo todavia acompanhado a decisão por mim proposta sobre a 7ª questão que se prende com a invocada sub-rogação da Autora no direito de crédito da 1ª Ré B resultante do contrato de compra e venda do imóvel.

Assim, fiquei vencido na parte respeitante a esta 7ª questão, nos exactos termos constantes do Projecto do Acórdão na parte correspondente à 7ª questão, cujo teor passo a transcrever integralmente infra:


7. Da sub-rogação da Autora no direito de crédito da 1ª Ré B resultante do contrato de compra e venda do imóvel

Na hipótese da improcedência de todos os pedidos, com fundamentos diversos, deduzidos cumulativa e subsidiariamente, para rogar a declaração da nulidade dos contratos-promessa e do contrato de compra e venda, e da nulidade do registo provisório e da irretroactividade do registo da aquisição da propriedade do imóvel à data do registo provisório, a Autora A, ora recorrente, pediu, a título subsidiário, que lhe fosse reconhecida a legitimidade de se substituir à 1ª Ré B, enquanto credora da 2ª Ré C, no exercício, contra a 2ª Ré C C, do direito ao crédito correspondente ao remanescente do sinal e ao preço fixados em dinheiro da compra e venda do imóvel em causa, que fica por pagar, estipulados nos contratos-promessa e no contrato prometido, a fim de fazer entrar no património da 1ª Ré B o tal crédito, para que, ela, Autora, em última análise, pudesse atacar o património da 1ª Ré B com vista à satisfação do seu crédito sobre a 1ª Ré B.

Tendo sido julgados improcedentes todos os pedidos da declaração da nulidade dos diversos actos jurídicos, é de conhecer agora esta questão que se denomina na lei e na doutrina sub-rogação do credor ao devedor, regida nos artºs 601º e s.s. do CC.

A propósito de tipos de direitos susceptíveis de sub-rogação, o artº 601º do CC reza que:

1. Sempre que o devedor o não faça, tem o credor a faculdade de exercer, contra terceiro, os direitos de conteúdo patrimonial que competem àquele, excepto se, por sua própria natureza ou disposição da lei, só puderem ser exercidos pelo respectivo titular.

2. A sub-rogação, porém, só é permitida quando seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor.

Ora, in casu, o fundamento invocado, quer em sede da acção quer no recurso, pela Autora, ora recorrente, é o alegado não pagamento pela 2ª Ré C a favor da 1ª Ré B, da parte da contrapartida pecuniária, da compra e venda do imóvel, estipulada nos contratos-promessa e no contrato prometido. Ou seja, na óptica da recorrente, a 1ª Ré B continua a ser credor da 2ª Ré C, e ao abrigo do citado artº 601º do CC, a Autora poderá substituir-se à 1ª Ré B B, sua devedora, no exercício do direito ao crédito, de que B é titular, contra a 2ª Ré C.

O fundamento assim delineado não foi acolhido pelo Tribunal a quo que, tendo analisado todas as vicissitudes, integradas nos factos comprovados na 1ª instância, que precederam à celebração do contrato prometido de compra e venda em 10FEV2009, nomeadamente, o facto de ter sido estipulado no contrato prometido apenas o preço fixado em dinheiro, que é HKD$188.300.000,00 e não também a contrapartida que consiste no pagamento por parte da 2ª Ré C das diversas dívidas de que era devedora a 1ª Ré B, perante os seus credores Banco O e F Ltd., garantidas pela hipoteca e pelos arrestos, respectivamente; o facto de que na escritura pública de 10JAN2009, consta expressamente que a 1ª Ré B já recebeu o preço ai exarado no montante de HKD$188.300.000,00; assim como a circunstância de a soma da quantia paga pela 2ª Ré C C à 1ª Ré B e da quantia paga por conta e interesse da 1ª Ré B no processo de execução atinge o montante de MOP$696.980.704,35 (HKD$110.000.000,00, correspondente a MOP$113.465.000,00 + MOP$583.515.704,35), que é bem superior à soma da totalidade do preço pecuniário e do valor das dívidas cujo pagamento era garantido pela hipoteca sobre o imóvel.

Contra este entendimento do Tribunal a quo, a recorrente vem deduzir vários argumentos, com vista a convencer este Tribunal de recurso do seguinte:

1. A contrapartida do negócio de compra e venda do imóvel consiste pelo menos em duas prestações, quais são:

i) pagamento em dinheiro, no valor de HKD$188.300.000,00, pela 2ª Ré C a favor da 1ª Ré B; e

ii) pagamento, pela 2ª Ré C a favor do Banco O, da totalidade de uma dívida, incluindo o capital e os juros e demais encargos da acção executiva, contraída pela 1ª Ré B ao Banco O, garantida pela hipoteca constituída sobre o imóvel.

2. Tendo sido provado que a 2ª Ré C pagou à 1ª Ré B a quantia de HKD$110.000.000,00, imputada à prestação em dinheiro no valor de HKD$188.300.000,00; e

3. Tendo sido provado que a 2ª Ré C pagou ao Banco O a quantia de HKD$583.515.704,35 para saldar a dívida contraída pela 1ª Ré B ao Banco O, garantida pela hipoteca constituída sobre o imóvel;

4. A totalidade dessa quantia de HKD$583.515.704,35, paga pela 2ª Ré C ao Banco O visa apenas ao cumprimento da obrigação assumida pela 2ª Ré C de cumprir o pagamento que constitui a 2ª prestação e nenhuma parte dessa quantia é imputável à 1ª prestação em dinheiro no valor de HKD$188.300.000,00.

Então vejamos.

Ora, globalmente interpretada toda a matéria de facto provada, nomeadamente as vicissitudes que precederam à celebração do contrato de compra e venda do imóvel entre as Rés B e C em 10FEV2009, assim como o valor do imóvel no mercado no momento dos factos (em Fevereiro de 2007, o valor de mercado do prédio era de MOP$503.000.000,00 – respostas aos quesitos 7º e 8º da base instrutória), é de concluir, para nós, que o preço do imóvel acordado entre as Rés não se limitou à quantia de HKD$188.300.000,00, mas sim pelo menos acrescida da quantia necessária para saldar a dívida contraída pela 1ª Ré B B ao Banco O, garantida pela hipoteca constituída sobre o imóvel.

In casu, ao considerar que houve excesso do cumprimento pela 2ª Ré C C na liquidação da dívida da 1ª Ré B para com o Banco O e entender que essa parte excedente deveria ter sido imputada à prestação em dinheiro à 1ª Ré B, o Tribunal a quo está a contradizer a sua tese de que o verdadeiro preço da transmissão do imóvel é apenas o preço no valor de HKD$188.300.000,00, estipulado na escritura pública outorgada em 10FEV2009, que titula o contrato prometido de compra e venda do imóvel.

Para nós, o facto de ter sido apenas mencionado na escritura de 10FEV2009 o preço no valor de HKD$188.300.000,00 pode ser explicado pela circunstância de que, de acordo com a matéria de facto provada, no momento de outorga da escritura, a 2ª Ré C já saldou a dívida que a 1ª Ré B tinha para com o Banco O (pagou em 15MAR2007 – cf. fls. 725 dos autos). Olhando as coisas sob outro prisma, a liquidação dessa dívida pela 2ª Ré C pode ser perfeitamente tida como a verificação de uma condição de que dependia a conclusão do negócio de transmissão do imóvel, cremos ser, por isso, compreensível a não menção, ou a falta de menção, no próprio texto de escritura pública que titula o negócio de compra e venda do imóvel, dessa obrigação de saldar a dívida para com o Banco O.

Quanto ao excesso da quantia paga para liquidar a dívida, não nos parece ser de acolher a tese do Tribunal a quo, de que sendo o montante máximo garantido pela hipoteca constituída a favor do Banco O apenas de MOP$493.520.000,00, a 2ª Ré C não tinha obrigação de pagar mais do que esta quantia e que tendo sido pago o valor de MOP$581.000.000,00. Tendo havido assim um excesso do cumprimento, a parte excedente seria descontada e contabilizada na prestação em dinheiro a prestar à 1ª Ré B.

Pois de acordo com a redacção da respectiva cláusula nos contratos-promessa, a liquidação pela 2ª Ré C da dívida que a 1ª Ré B tinha para com o Banco O é configurada como integrante no objecto da transmissão da 1ª Ré B para a 2ª Ré C, que abrange todos os direitos, interesses, ónus e obrigações relacionados com o imóvel.

E não mencionou nos contratos-promessa que a dívida é apenas garantida até ao valor de MOP$493.520.000,00, conforme se vê no registo da hipoteca sobre o imóvel.

Portanto, para nós, as obrigações de saldar as dívidas que a 1ª Ré B tinha perante o Banco O, que a 2ª Ré C assumiu nos contratos-promessa, quer como parte do preço da transmissão da propriedade do imóvel, quer como condição necessária à conclusão do negócio prometido, não se limitam ao valor constante do registo da hipoteca, que é de MOP$493.520.000,00, mas sim o valor a apurar no momento da liquidação das dívidas, incluindo o próprio capital, os juros de mora assim como as despesas resultantes do recurso aos meios judiciais pelo Banco O para o reembolso do empréstimo.

Assim, é de proceder o pedido de sub-rogação, formulado na acção e agora reiterado no recurso, com fundamento no argumento de que a 2ª Ré C fica ainda por pagar HKD$73.300.000,00 (HKD$183.300.000,00 - HKD$110.000.000,00) à 1ª Ré B.

O que nos dispensa de conhecer os restantes fundamentos invocados, a título subsidiário, para pedir que lhe fosse reconhecida a legitimidade para se substituir à 1ª Ré B B na sub-rogação do crédito contra a 2ª Ré C C.

Chegamos aqui, é altura para apreciar se podemos autorizar a Autora A a substituir-se à 1ª Ré B, exercendo, no lugar dela, o direito à parte do remanescente do preço da venda do imóvel, no valor de HKD$73.300.000,00, contra a 2ª Ré C C, com vista à satisfação dos dois créditos, identificados em A) da matéria assente e nas respostas aos quesitos 1º a 5º, que tem sobre a 1ª Ré B.

Para a procedência da acção sub-rogatória, é preciso que se verifiquem os seguintes requisitos:

1. A existência dos direitos que competem ao devedor, já adquiridos, e não a mera possibilidade de os adquirir;

2. A natureza patrimonial dos direitos que competem ao devedor;

3. A possibilidade, legal ou por natureza, de serem exercidos pelo credor os direitos que competem ao devedor; e

4. A essencialidade do exercício dos direitos que competem ao devedor à satisfação ou garantia do direito do credor.

In casu, dúvidas não restam de que se verificam os requisitos referidos nos nºs 1 a 3, pois estamos perante um crédito já adquirido pela 1ª Ré B por força do contrato de compra e venda do imóvel, que se traduz no direito a uma prestação pecuniária, que por natureza pode ser perfeitamente exercido, por via de substituição, pela ora Autora.

Quanto ao requisito no nº 4, diz-se essencial o exercício do direito quando a inacção implica não só um risco de insolvência, mas sim uma insolvência efectiva ou o agravamento da insolvência – Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, I, 4ª ed., pág. 623.

Ficou provado que com a venda do imóvel, a 1ª Ré B deixou de ter qualquer bem e pelo menos, a partir de 2007, a 1ª Ré B deixou de ter qualquer actividade económica – respostas aos quesitos 23º e 24º.

Perante esses factos provados, cremos que podemos concluir tranquilamente que a inacção por parte da 1ª Ré B determina inevitavelmente a diminuição do activo da 1ª Ré B, que dificulta, senão impede a satisfação dos créditos da Autora.

No aspecto processual, mostra-se assegurado o contraditório exigido pelo artº 603º do CC, à luz do qual sendo exercida judicialmente a sub-rogação, é necessária a citação do devedor, pois o devedor é justamente a 2ª Ré C, que foi efectivamente citada para contestar todos os pedidos formulados na presente acção.

Verificando-se todos os requisitos previstos no artº 606º e s.s. do CC, exigidos para a procedência da acção sub-rogatória, subsidiariamente inserida pela Autora na presente acção em que se mete um grande pluralidade de pedidos, formulados cumulativa e/ou subsidiariamente, e na verdade, não sendo justo obrigar a Autora a suportar as consequências da inacção da 1ª Ré B, é de autorizar a Autora a substituir-se à 1ª Ré B, no exercício do direito ao crédito consistente no remanescente do preço que fica por pagar pela 2ª Ré C, na medida necessária à satisfação dos créditos identificados em A) da matéria assente e nas respostas aos quesitos 1º a 5º.

Procedendo o pedido subrogatório, fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pela recorrente a título subsidiário nos pontos 64 a 72 das conclusões do requerimento de recurso e torna inútil a apreciação do requerimento formulado pela recorrente pedindo a “restrição” do âmbito do recurso.

Em conclusão:

1. ……

2. ……

3. ……

4. ……

5. ……

6. ……

7. ……

8. ……

9. Para a procedência da acção sub-rogatória, é preciso que se verifiquem a existência dos direitos que competem ao devedor, já adquiridos, e não a mera possibilidade de os adquirir; a natureza patrimonial dos direitos que competem ao devedor; a possibilidade, legal ou por natureza, de serem exercidos pelo credor os direitos que competem ao devedor; e a essencialidade do exercício dos direitos que competem ao devedor à satisfação ou garantia do direito do credor.

Tudo visto, resta decidir.

IV

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso:

* Declarando, ao abrigo do disposto no art.º 601º e s.s. do CC, a Autora sub-rogada no exercício do direito ao crédito consistente no remanescente do preço que fica por pagar pela 2ª Ré C, na medida necessária à satisfação dos créditos identificados em A) da matéria assente e nas respostas aos quesitos 1º a 5º;

* Declarando transmitida à Autora, a quantia necessária à satisfação dos créditos identificados em A) da matéria assente e nas respostas aos quesitos 1º a 5º; e

* Condenando a 2ª Ré C a pagar à Autora A a quantia necessária à satisfação dos créditos identificados em A) da matéria assente e nas respostas aos quesitos 1º a 5º.

Custas em ambas as instâncias pela 1ª Ré B, e custas da acção pela 2ª Ré C.



Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
1 A versão chinesa do mesmo artigo é claro nesse sentido.
2 Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5ª ed.Vol. II, 3ª, pg.450
3 A versão chinesa do mesmo artigo é claro nesse sentido.
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