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Processo n.º 83/2016
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Segurança
Data da conferência: 22 de Março de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Autorização de residência
- Antecedentes criminais
- Princípio da proporcionalidade

SUMÁRIO
1. Para efeitos de concessão da autorização de residência, a lei manda expressamente atender aos antecedentes criminais do interessado, ao comprovado incumprimento das leis da RAEM ou a qualquer das circunstâncias referidas no art.º 4.º da Lei n.º 4/2003, conferindo assim à Administração verdadeiros poderes discricionários.
2. Nos casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
3. O Tribunal de Última Instância tem entendido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.
4. Só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício desse poder constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável.
5. E o acto administrativo recorrido visa obviamente prosseguir um dos interesses públicos, que é precisamente prevenção e garantia da ordem pública e segurança social da RAEM, necessidade esta perante a qual devem ceder os interesses pessoais do interessado.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança proferido em 24 de Julho de 2015 que indeferiu o seu pedido de autorização para fixação de residência na RAEM.
Por Acórdão proferido em 30 de Junho de 2016, o Tribunal de Segunda Instância decidiu julgar improcedente o recurso contencioso.
Inconformado com a decisão, vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as alegações com a formulação das seguintes conclusões:
A. O presente recurso foi interposto do Acórdão que indeferiu o recurso contencioso apresentado do acto administrativo do Exmo. Secretário para a Segurança (que indeferiu o pedido de autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau), no entendimento de que a norma constante da alínea 1), do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003 concede à Administração o poder discricionário de autorizar ou não a residência face aos antecedentes criminais, e que a Administração não cometeu nenhum erro grosseiro e manifesto;
B. Ora, precisamente, sendo uma actividade discricionária da Administração, isso significa que nem todos os casos de existência de antecedentes criminais constituem uma ameaça à segurança e ordem pública do Território e a Administração tem o dever de fundamentar a sua decisão de indeferimento e justificar em que medida é que a situação do requerente coloca em causa esses interesses;
C. A justificação dada pela Administração foi a de que “os crimes cometidos pelo requerente não foram leves”(!?) e daí constituir uma ameaça latente à segurança e ordem pública do Território;
D. Em primeiro lugar, o Recorrente nunca praticou nenhum crime na RAEM (apesar de ter permanecido no Território por inúmeras vezes), mas somente na RAE de Hong Kong quando tinha 17 anos de idade (ou seja, há cerca de 40 anos, quando ainda era menor de idade);
E. O Tribunal a quo reconheceu duas realidades objectivas e indesmentíveis: (i) as penas aplicadas pelo Recorrente eram leves e que (ii) o futuro da vida das pessoas não deveria ficar refém do seu passado longínquo e que bastantes são os casos em que as pessoas emendam a mão e tornam-se pessoal integradas e profissionais reconhecidos no seu meio social;
F. A gravidade de um crime cometido não pode ser avaliado somente à luz dua sua moldura penal abstractamente aplicável, ignorando a particularidade de cada caso concreto;
G. Caso contrário o legislador teria fixado na lei um limite máximo de moldura penal aplicável, ultrapassando a qual o pedido de fixação de residência seria automaticamente indeferido;
H. O Recorrente foi condenado em nenhuma pena privativa da liberdade, não se verificando nenhuma das circunstâncias referidas no artigo 4.º da Lei n.º 4/2003, por remissão da alínea1), do n.º 2 do artigo 9.º da mesma lei;
I. Apesar desta realidade, a Administração entendeu que os crimes cometidos pelo Recorrente não eram leves e que a segurança e ordem pública da RAEM estava em risco, agindo assim em erro grosseiro e manifesto, violando o princípio da proporcionalidade;
J. Cabe à Administração prosseguir o interesse público – é do interesse público que a Administração actue em conformidade com os princípios basilares e fundamentais do nosso ordenamento jurídico, como os de ressocialização do agente, de reabilitação do condenado e de reintegração do agente na sociedade;
K. E não, que a Administração actue cegamente perante situações concretas, sem uma ponderação rigorosa das particularidades de cada caso, rejeitando a autorização de residência em todos os casos em que existem antecedentes criminais (seja na ou fora da RAEM), que é o que aconteceu no presente caso;
L. Embora a reabilitação de direito não tem natureza vinculativa para a Administração na decisão quanto à autorização de residência, é sem dúvida um factor a ter em conta na tomada de decisão, por força dos referidos princípios basilares e fundamentais do nosso ordenamento jurídico;
M. A reabilitação que efectivamente se verificou, o facto de que era menor de idade à data da prática dos factos e o tempo decorrido desde a prática dos crimes são sem dúvida factores que a Administração deve ter em conta ao formular a sua decisão, e no presente caso, foram completamente ignorados pela entidade Recorrida;
N. O Tribunal a quo, ao julgar improcedente o recurso contencioso interposto pelo Recorrente e ao mantendo a decisão da Administração, decidiu mal uma vez que a Administração agiu em erro grosseiro e manifesto;
O. Pelo que deverá o Tribunal a quem, após devida ponderação das alegações que se apresentam, julgar procedente o presente recurso, decidindo pela anulação do Acórdão recorrido, com as legais consequências.

Não contra-alegou a entidade recorrida.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
Nos autos foram considerados os seguintes factos com pertinência:
1 - Em 5 de Fevereiro de 2015, o ora Recorrente requereu a fixação de residência em Macau com o fim de se reunir à sua mulher B (XXXX XXXX XXXX), residente permanente de Macau.
2 - O recorrente entregou todos os documentos necessários à instrução do pedido, nos termos do artigo 15.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003.
3 - Entre esses documentos, encontra-se o certificado de registo criminal emitido pelas autoridades de Hong Kong.
4 - Segundo esse certificado de registo criminal, o Recorrente cometeu os seguintes delitos em Hong Kong:
Data
Denominação do delito
Resultado
1977-09-30
襲擊致造成身體傷害
Assault occasioning actual bodily harm
簽保現金500元,守行為一年
Bound over $500 for 1 year
1978-04-28
A. 盜竊 Theft

B. 違反擔保書 Breach of bond
接受感化2年 On probation 2 years
罪名成立及予以釋放Convicted and Discharged
5 - O caso de ofensas à integridade física ocorreu em 30 de Setembro de 1977, no autocarro da escola, quando um colega do Recorrente começou a agredi-lo na sequência de uma desavença, na altura o Recorrente tinha acabado de completar 17 anos.
6 - Por esse crime, o Recorrente foi apenas condenado ao pagamento de 500.00HKD, pagamento esse que foi suspenso (medida designada pela legislação de Hong Kong como “簽保” ou “binding over”).
7 - O segundo ilícito ocorreu também quando o Recorrente ainda era menor, igualmente com 17 anos de idade, e consistiu num caso de furto de uma peça de roupa interior estendida na via pública do bairro onde o Recorrente residia, cometido pelo Recorrente, claramente, em brincadeira e por curiosidade, sem intenção de causar mal a ninguém.
8 - Na sequência desse furto, foi aplicada ao Recorrente uma medida designada por “感化” (“probation”), tendo-lhe sido imposta a apresentação periódica ao 感化主任 (“probation officer”), durante dois anos, para o acompanhamento da sua conduta.
9 - O Recorrente nunca foi condenado em nenhuma pena privativa da liberdade, ou em qualquer outra pena desde que atingiu a maioridade.
10 - Damos por reproduzido teor dos documentos nºs 3, 4, 5 e 6 juntos com a p.i.
11 - O Recorrente entrou e permaneceu várias vezes em Macau, sem nunca ter cometido nenhum crime.
12 - A chefe substituta dos Serviços de Migração, em 8/07/2015, lavrou a seguinte proposta:
“1. O requerente, do sexo masculino, casado, 54 anos, nascido em Hong Kong, portador do BIR Hong Kong permanente, requer agora concessão de autorização de fixação de residência em Macau, a fim de poder se reunir com o cônjuge portador do BIRM permanente.
2. Segundo o ofício n.º CNCCXXXXXX/15 emitido pelos Serviços Policiais de Hong Kong, está confirmado que o requerente tem os seguintes registos criminais em Hong Kong:
Data
Crime
Resultado
1977/09/30
Ofensa à integridade física por agressão
Com o depósito de HKD$ 500 em numerário, garantia de bom comportamento por um ano
1978/04/28
A. furto

-Liberdade condicional durante 2 anos para o melhoramento dos comportamentos

B. violação da garantia
-Declarado culpado e libertação
3. Nos termos do artigo 9.º, n.º 2, alínea 1) da Lei n.º 4/2003, ao conceder autorização de fixação de residência, é de tomar em conta sobretudo o factor de se o requerente tem “antecedente criminal”. De acordo com o supra número 2, está confirmado que o requerente tem realmente este factor. Portanto, é de indeferir o presente requerimento.
4. Após o processo de audiência escrita (Documento 17), o requerente apresentou alegações escritas e documentos relevantes (vd. em mais detalhes o ponto 3 do Relatório) a este Serviço.
5. Tendo em conta que os crimes cometidos pelo requerente não foram leves, constituindo ameaça latente à segurança e ordem pública do Território (vd. o ponto 4 do Relatório), nos termos do artigo 9.º, n.º 2, alínea 1) (antecedentes criminais) da Lei n.º 4/2003, sugere-se indeferir o presente requerimento de autorização de fixação de residência.
6. À apreciação e consideração do Sr. Comandante”.
13 - O Comandante da PSP emitiu o parecer de concordância com esta proposta.
14 - O Secretário para a Segurança, em 24/07/2015 proferiu o seguinte despacho:
“Indefiro nos termos e com os fundamentos do parecer constante desta informação”.

3. Direito
Ora, constata-se na factualidade provada que a Administração decidiu indeferir o requerimento de autorização de fixação de residência apresentado pelo recorrente, tendo em consideração que os crimes cometidos pelo requerente em Hong Kong não foram leves, constituindo ameaça latente à segurança e ordem pública do Território de Macau, nos termos do art.º 9.º n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003.
Insurgindo-se contra a decisão, imputou o recorrente a violação do disposto na al. 1) do n.º 2 do art.º 9.º da Lei n.º 4/2003 e do princípio da proporcionalidade.
Em sede do recurso contencioso, apesar de reconhecer que os ilícitos imputados ao recorrente foram cometidos há quase 40 anos, numa altura em que ele era jovem (menor de 17 anos), e que foram leves as penas aplicadas ao recorrente, aspectos estes em que concorda com o recorrente, o Tribunal de Segunda Instância decide julgar improcedente o recurso, considerando irrelevante a circunstância de o ordenamento jurídico da RAEM contemplar a reabilitação de direito e que não merece censura o acto administrativo impugnado, sem violação da norma ou do princípio referidos, todos invocados pelo recorrente.
E no recurso interposto para este Tribunal de Última Instância, alega o recorrente que, tendo ignorando completamente a reabilitação que efectivamente se verificou, o facto de que era menor de idade à data da prática dos factos e o tempo decorrido desde a prática dos crimes, que são sem dúvida factores que a Administração deve ter em conta ao formular a sua decisão, a Administração agiu em erro grosseiro e manifesto, violando o princípio da proporcionalidade.
Ora, tal como já foi dito, o acórdão recorrido concordou com o recorrente no tocante ao tempo decorrido desde a prática dos crimes, à então idade do recorrente e ainda à menor gravidade das penas aplicadas. E mesmo assim, julgou improcedente o recurso, considerando irrelevante a circunstância respeitante à reabilitação de direito.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.

Pretende o recorrente fixar residência na RAEM, que carece da autorização da Autoridade local.
Nos termos do art.º 9.º da Lei n.º 4/2003, que estabelece os princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência, “O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM”.
E para efeitos de concessão da autorização de residência, “deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.”
E o art.º 4.º da mesma lei prevê circunstância em que é, ou pode ser, recusada a entrada dos não-residentes na RAEM, incluindo as situações em que os interessados foram condenados “em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior” ou existem “fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes [al.s 2) e 3) do n.º 2 do art.º 4.º], entre as outras.
Daí decorre que, para efeitos de concessão da autorização de residência, a lei manda expressamente atender aos “antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei”, sendo de notar que apenas a existência de fortes indícios da prática de quaisquer crimes pode até determinar a não autorização de residência.

Voltando ao caso sub judice, a decisão administrativa sindicada foi tomada ao abrigo do disposto no art.º 9.º n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003, que permite a Administração indeferir o pedido de autorização de residência do interessado, tendo em consideração os seus antecedentes criminais, para além dos outros elementos aí referidos.
No acórdão proferido em 15 de Dezembro de 2016 e no processo n.º 69/2016, dissemos o seguinte:
«Nota-se que a lei fala nos “antecedentes criminais”, sem ter feito nenhuma referência a local onde o interessado praticou o crime ou foi condenado nem especificado de que antecedentes criminais se trata e de qual a sua gravidade, pelo que são indiferentes o local da prática do crime e da condenação bem como a gravidade do crime.
A gravidade do crime e da pena em que foi condenado o interessado não constitui, evidentemente, obstáculo à não autorização de residência, até porque o legislador manda atender à existência de fortes indícios de ter praticado ou de se preparar para a prática de quaisquer crimes (o sublinhado é nosso).
Por outro lado, o facto de a condenação se encontrar “caduca” nos termos da lei também não obsta a que tal condenação seja considerada para efeitos de concessão da autorização de residência.
No que concerne à questão de reabilitação de direito (figura semelhante à “caducidade” da condenação em Hong Kong) e de reabilitação judicial, este Tribunal de Última Instância tem reiterado que “os requisitos para a concessão de autorização de residência previstos no regime de entrada, permanência e autorização de residência, a Lei n.º 4/2003, têm o seu fundamento diferente que o regime de registo criminal. Naquele relevam mais os interesses de ordem pública e segurança da comunidade da RAEM, neste preocupa com a ressocialização de delinquentes condenados criminalmente na Região através da reabilitação. São diferentes os interesses que se visam proteger. Por isso, não é possível aplicar pura e simplesmente as disposições de um regime para o outro”,1 tendo concluído pela bondade das decisões administrativas que ponderaram os antecedentes criminais para efeitos de concessão da autorização de residência, independentemente da verificação, ou não, da reabilitação de direito ou judicial.
Na realidade, no regime de reabilitação o que se visa é a ressocialização na comunidade dos delinquentes condenados, que é a questão completamente diferente da colocada na matéria de autorização de residência, em que se relevam mais os interesses de ordem pública e segurança social da comunidade da RAEM.
E também não é relevante o tempo decorrido desde a prática do crime e a sua condenação, citando-se a jurisprudência deste Tribunal de Última Instância que tem entendido que “os antecedentes criminais, seja qual for o período já decorrido depois da condenação, são sempre o factor a considerar na apreciação do pedido de autorização de residência”, para além de afirmar que “na óptica do legislador, as condenações criminais anteriores, bem como os fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes susceptíveis de ser motivo de recusa da entrada dos não residentes na RAEM (art.º 4, n.º 2, al. d) da Lei n.º 4/2003), constituem sempre motivo de alarme para a ordem e segurança públicas da Região”.2
Para efeitos de concessão da autorização de residência, o que preocupam mais a Administração são, sem dúvida, os interesses públicos de ordem e segurança sociais, como muito bem se compreende.
E compete à Administração tomar medidas necessárias (incluindo a não concessão da autorização de residência) para evitar quaisquer riscos que se poderá provocar, com a entrada, permanência ou autorização de residência dos não-residentes, para a ordem pública e segurança social da comunidade da RAEM.
A Administração da RAEM não tem obrigação de conceder a autorização de residência a todos e quaisquer interessados que a pretendam, mesmo que eles tenham ligação muito próxima com Macau e a requeiram a título de união familiar, como no caso do ora recorrente. Está em causa a política de imigração que cabe à Administração a definir e fica fora do controlo judicial.
Actua a Administração nesta área no exercício dos poderes discricionários, nada lhe obstando que, atendendo aos antecedentes criminais do interessado, que é um dos elementos ponderosos previstos na lei para efeitos de concessão da autorização de residência na RAEM, faça apreciação do caso e avaliação da situação concreta do interessado, com vista à concessão ou não da autorização de residência.
E nada impede à Administração que tome decisão em não conceder a autorização de residência, tendo apenas em consideração os antecedentes criminais do interessado, se concluir que com a sua conduta se revela risco potencial para a ordem pública e segurança social da comunidade da RAEM.»
Afigura-se-nos que tais considerações valem também para apreciação do presente caso, pelo que é de manter a posição.

Conforme o princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do art.º 5.º do Código de Procedimento Administrativo, “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
De acordo com o princípio da proporcionalidade, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem revelar-se idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelos actos dos poderes públicos.
Impõe-se que o meio utilizado pela Administração seja idónea e necessária à prossecução do objectivo da decisão e proporcional à luz do interesse público em causa.
A aferição da proporcionalidade põe em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto.
Ou seja, exige-se a ponderação e comparação dos bens, interesses ou valores prosseguidos e sacrificados com o acto concreto.
É de entendimento uniforme no sentido de que, na matéria de concessão da autorização de residência, com ponderação das circunstâncias referidas na al. 1) do n.º 2 do art.º 9.º da Lei n.º 4/2003, o legislador confere verdadeiros poderes discricionários à Administração.
Como é sabido, nos casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
E a jurisprudência também entende assim, tendo este Tribunal de Última Instância decidido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.3
Não se nos afigura, no caso ora em apreciação, inaceitável ou intolerável o sacrifício trazido ao recorrente pela não concessão da autorização de residência, tendo em consideração os interesses gerais que se prendem concretamente com a manutenção da ordem pública e segurança de Macau que eventualmente podem ser postos em perigo com aquela autorização.
Há de atender à situação concreta do recorrente, sendo de conhecimento comum que, como residente permanente da região vizinha de Hong Kong, portador de «Hong Kong Permanent Identity Card», o recorrente pode permanecer na RAEM pelo período máximo de um ano (art.º 10.º n.º 1, conjugado com o art.º 5.º n.º 2, al. 3 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003), o que implica menos sacrifício para com o recorrente.
Na realidade, não se descortina no acto administrativo impugnado erro manifesto ou grosseiro no exercício do poder discricionário, sabendo que só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício desse poder constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável [art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC].
E o acto administrativo recorrido visa obviamente prosseguir um dos interesses públicos, que é precisamente prevenção e garantia da ordem pública e segurança social da RAEM, necessidade esta perante a qual devem ceder os interesses pessoais do interessado.
É ainda de reafirmar o entendimento deste TUI no sentido de considerar irrelevantes a gravidade de crime cometido pelo interessado e o tempo decorrido desde a prática do crime e a sua condenação, dado que as condenações criminais anteriores, que constituem motivo de alarme para a ordem e segurança públicas da Região, são sempre o factor a considerar na apreciação do pedido de autorização de residência.
Não se vê como foi intoleravelmente violado o princípio da proporcionalidade.
Se se admitisse que o tribunal se possa substitua ao juízo avaliativo que deve ser feito pela Administração, invadindo a esfera de actuação própria da Administração, implicaria, isso sim, a violação do princípio da separação de poderes.

Concluindo, afigura-se-nos não merecer censura a decisão recorrida.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 UC.

Macau, 22 de Março de 2018

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

   
1 Cfr. Ac. do TUI, de 13-12-2007, 10-6-2011 e 28-1-2015, Proc. n.ºs 36/2006, 13/2011 e 123/2014, respectivamente.
2 Cfr. Ac do TUI, de 13-12-2007, Proc. n.º 36/2006.
3 Cfr. Acórdão do TUI, de 15 de Outubro de 2003, Proc. n.º 26/2003, entre outros.
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