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Processo nº 77/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 01 de Março de 2018
Descritores:
- Sentença do exterior
- Revisão de sentença
- Divórcio

SUMÁRIO:

I. Uma sentença proferida pelo tribunal competente, já transitada em julgado, que declara nulo o certificado de casamento entre requerente e requerida tem reflexos sobre os direitos privados de cada um, pelo que pode ser objecto de revisão, nos termos do art. 1199º, nº1, do C.P.C..

II. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

Proc. nº 77/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A, do sexo feminino, divorciada, da nacionalidade chinesa, endereço de contacto: XXX, Macau;
Requereu contra -----
B, do sexo masculino, da nacionalidade chinesa, divorciado, endereço de contacto: XXX, Hong Kong. (Doravante designado simplesmente por “Requerido”) -----
Revisão de sentença proferida em 12/10/2011 do Tribunal Distrital da RAEHK que decretou o divórcio entre ambos.
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Não houve contestação.
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O digno Magistrado do MP opinou no sentido de não haver obstáculo à revisão e confirmação peticionada.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - Autora e réu contraíram casamento civil na Conservatória do Registo de Macau em 24 de Agosto de 1995.
2 - O réu instaurou na RAEHK, onde residia, a acção de divórcio contra a ora autora.
3 – No dia 12 de Outubro de 2011 no Tribunal Distrital da RAEHK foi proferida decisão provisória (Processo nº FCMC 9691 de 2011) que decretou a ordem provisória de dissolução de casamento do casamento entre a autora e o réu, com o seguinte teor:
“Região Administrativa Especial de Hong Kong
Tribunal Distrital
Causa matrimonial nº FCMC 9691 de 2011
B Peticionante
E
A Contestante
Julgada pelo MMo Juiz Deputado G. Own do Tribunal Distrital
Ordem Provisória de Divórcio
Em 12 de Outubro de 2011
O Juiz confirma que a Peticionante e o contestante têm vivido em separação há mais de dois anos antes da apresentação do pedido e o seu casamento foi contraído em 24 de Agosto de 1995 na Conservatória do Registo Civil (nº de registo: 1360/1995/CO).
O casamento entre
B Peticionante
E
A Contestante
é irremediavelmente quebrado, assim decreta-se a ordem provisória de
dissolução do casamento entre as partes, a menos que o Tribunal receba, no
prazo de seis semanas, contado a partir da prolação desta ordem, motivo
atendível para que a ordem não transite em julgado.
Aos 12 de Outubro de 2011”.
4 – Esta decisão viria a ser tornada definitiva conforme certidão de conversão, que segue:
“Formulário 6
Certificado da conversão da decisão de autorização temporária em absoluta (divórcio)
Na RAEHK
Tribunal Distrital
Processo de casamento n.º FCMC9691/2011
Entre
B, o requerente
e
A, a ré,
Segundo a decisão proferida no presente processo aos 12 de Outubro de 2011, no qual foi decidido que o casamento celebrado aos 24 de Agosto de 1995 na Conservatória do Registo Civil, da Região Administrativa Especial de Macau,
Entre
B, o requerente
e
A, a ré,
foi dissolvido, a não ser que motivo suficiente fosse mostrado ao tribunal no prazo de 6 semanas a contar do proferimento da decisão, explicando a razão pela qual a decisão não deveria ser convertida em absoluta. Como não se mostrou tal motivo, ora certifica-se que a decisão acima mencionada se tomou final e absoluta aos 9 de Dezembro de 2011 e o casamento referido foi pela qual dissolvido.
Aos 12 de Dezembro de 2011”.
***
IV – O Direito
1 - Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos - de revisão formal - não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos previstos no artigo 1200º do C.P.C..
Os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pela requerente. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão do Tribunal competente da Região Administrativa Especial de Hong Kong.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º do C.C.). Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do C.P.C..
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, também resulta da documentação dos autos que a decisão judicial já transitou.
Acrescenta-se ainda que a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na RAEHK e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Proc. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do C.P.C.).
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão de proferida pelo Tribunal Distrital da RAEHK de 12/10/2011,nos exactos termos acima transcritos.
Custas pela requerente.
T.S.I., 01 de Março de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
77/2017 8