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Processo n.º 568/2016 Data do acórdão: 2018-3-1
(Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
A decisão condenatória penal ora recorrida não padece do vício de erro notório na apreciação da prova aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal, quando não se vislumbra qualquer violação, por parte do tribunal a quo, de alguma norma jurídica sobre o valor legal das provas, de alguma regra da experiência da vida humana quotidiana, ou ainda de quaisquer leges artis, na tarefa de julgamento da matéria de facto.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 568/2016
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 148 a 152v do Processo Comum Colectivo n.° CR3-15-0128-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base que o condenou como autor material de um crime consumado de sequestro, p. e p. pelo art.o 152.o, n.o 2, alínea a), do Código Penal (CP), em três anos e seis meses de prisão, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando a essa decisão condenatória o vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” (por entender ele, na sua essência, que esse Tribunal sentenciador não tinha chegado a especificar se as “oito horas” do dia 27 de Novembro de 2014 e as “doze horas” do dia 29 de Novembro de 2014 como tal mencionadas na matéria de facto descrita como provada fossem da manhã ou da tarde das respectivas datas em questão, pelo que não se podia dar por comprovado o crime de sequestro (de duração por mais de dois dias) da alínea a) do n.o 2 do art.o 152.o do CP, com a achega de que também não houve, nos autos, quaisquer outros elementos probatórios a comprovar as horas correctas durante as quais a pessoa ofendida tivesse ficado privado efectivamente da sua liberdade de locomoção, não se podendo, assim, condenar o próprio recorrente por tal crime qualificado de sequestro), para rogar a convolação do crime de sequestro qualificado por que vinha condenado para o crime de sequestro simples do art.o 152.o, n.o 1, do CP, com nova medida da pena, ou, pelo menos, o reenvio do processo para novo julgamento em primeira instância, e, fosse como fosse, a suspensão da execução da pena de prisão (cfr. com mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 176 a 191 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador (a fls. 193 a 196) no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 209 a 211v), pugnando também pela improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão recorrido encontra-se proferido a fls. 148 a 152v dos autos, cuja fundamentação fáctica (incluindo a probatória) e jurídica se dá por aqui integralmente reproduzida.
2. O arguido ora recorrente não chegou a apresentar contestação, e o Tribunal Colectivo ora recorrido deu materialmente por provada toda a matéria de facto imputada pelo Ministério Público ao arguido no libelo de fls. 80 a 80v.
3. O Tribunal recorrido afirmou, na fundamentação probatória da sua decisão condenatória, que julgou por provada a matéria de facto (descrita como provada no seu acórdão) com base também na análise, rigorosa, objectiva, em global, e crítica, das declarações prestadas pelo arguido na audiência de julgamento (o qual confessou os factos básicos do crime), dos depoimentos prestados na audiência de julgamento pelo guarda da Polícia de Segurança Pública n.o 342901 (que falou da situação em que o ofendido tinha pedido auxílio no Posto Fronteiriço da Porta do Cerco) e pelo guarda da mesma Polícia n.o 201921, e do conteúdo das declarações prestadas pelo ofendido B para memória futura, lidas na audiência de julgamento.
4. Essas declarações do ofendido ficaram registadas no auto de fls. 27 a 28 dos autos, já dado por integralmente reproduzido no segundo parágrafo da fundamentação probatória (na página 5 do texto) do acórdão recorrido (a fl. 150 dos autos).
5. De acordo com o teor desse auto de fls. 27 a 28, o ofendido declarou aí confirmar o teor das suas declarações então prestadas à Polícia de Segurança Pública (e registadas a fl. 7 a 7v dos autos), em tudo que não fosse excepcionado pelos esclarecimentos prestados nas próprias declarações para memória futura.
6. No referido auto de inquirição do ofendido pela Polícia de Segurança Pública de fls. 7 a 7v dos autos, as (cerca de) “oito horas” do dia 27 de Novembro de 2014 foram da manhã desse dia, e as (cerca de) “onze horas” do dia 29 de Novembro de 2014 (altura em que o arguido chegou a sair do quarto onde o ofendido ficava vigiado e depois voltou ao mesmo quarto para aí devolver ao ofendido o salvo-conduto e o cartão de identidade do próprio ofendido) foram da manhã desse dia.
7. As horas assim indicadas nesse auto de inquirição não foram objecto de excepção ressalvada pelo ofendido nas suas declarações para memória futura.
8. Segundo a matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido:
– cerca das oito horas do dia 27 de Novembro de 2014, o arguido e dois outros indivíduos levaram o ofendido B para um quarto de hotel para vigiarem o mesmo ofendido;
– em 29 de Novembro de 2014, cerca das onze horas, o arguido recebeu um telefonema, segundo o teor do qual o salvo-conduto e o cartão de identidade do ofendido iriam ser entregues ao ofendido e o próprio arguido teria que levar o ofendido para o Interior da China para entregar o ofendido a um outro indivíduo;
– o arguido, cerca das doze horas do mesmo dia 29 de Novembro de 2014, levou o ofendido para o Posto Fronteiriço da Porta do Cerco, onde o ofendido pediu auxílio a guarda da Polícia de Segurança Pública.
9. Segundo a fundamentação jurídica do mesmo acórdão recorrido, o ofendido ficou privado da sua liberdade de locomoção por mais de 48 horas, ininterruptamente, desde cerca das oito horas do dia 27 de Novembro de 2014 até cerca das doze horas de 29 de Novembro de 2014 (cfr. o primeiro parágrafo da página 7 do texto do acórdão recorrido, a fl. 151 dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
É de notar, de antemão, que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Começou o recorrente por assacar à decisão condenatória recorrida o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, como tal nominado no art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP).
Contudo, a argumentação concretamente tecida por ele para sustentar a verificação desse vício não tem a ver com esse vício (e mesmo que assim não se entendesse, sempre se diria que não tendo o arguido apresentado contestação, todo o objecto probando em tudo que lhe fosse desfavorável já ficou delimitado pelo acervo dos factos imputados a ele no libelo acusatório, e como todos esses factos imputados já ficaram dados por provados pelo Tribunal recorrido, não pode a decisão condenatória ora recorrida padecer do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada), mas sim está no foro do vício de erro notório na apreciação da prova aludido na alínea c) do n.o 2 do mesmo art.o 400.o.
Pois bem, vista a fundamentação probatória exposta pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido, é patente que esse Tribunal não errou notoriamente na apreciação da prova, ao dar por provados os factos já descritos como provados no texto do aresto proferido.
É que, de facto, não se vislumbra qualquer violação, por parte desse Tribunal a quo, de alguma norma jurídica sobre o valor legal das provas, de alguma regra da experiência da vida humana quotidiana, ou ainda de quaisquer leges artis vigentes na tarefa de julgamento da matéria de facto. Antes pelo contrário, é perfeitamente razoável, lógico e congruente o raciocínio do Tribunal sentenciador na formação da sua livre convicção sobre os factos, sob aval do art.o 114.o do CPP.
Não pode, pois, vir o recorrente fazer impor o seu ponto de vista pessoal sobre o julgamento dos factos, dizendo que não há quaisquer provas a comprovar as horas durante as quais o ofendido ficou privado efectivamente da liberdade de locomoção.
É certo que na matéria de facto provada não empregou o Tribunal recorrido as expressões da “manhã” nem da “tarde”, mas lida toda a fundamentação do aresto recorrido, fica claro que o Tribunal sentenciador deu materialmente por provado, sem qualquer dúvida razoável (e, portanto, sem qualquer violação do princípio de in dubio pro reo), que o ofendido ficou privado da sua liberdade de locomoção por mais de 48 horas, ininterruptamente, desde cerca das oito horas da manhã do dia 27 de Novembro de 2014 até cerca das doze horas do meio-dia de 29 de Novembro de 2014.
Sobre a problemática da rogada suspensão da execução da pena (a propósito da qual invocou o arguido na sua motivação, mas impropriamente, um conjunto de normas jurídicas do CP respeitantes à escolha da espécie da pena e à medida da pena: art.os 66.o, n.os 1 e 2, alínea d), 67.o, 40.o, n.os 1 e 2, e 64.o do CP):
Por decorrência da análise acima feita, há que manter a condenação do arguido pelo crime de sequestro qualificado por que já vinha condenado.
E sendo este crime já punido no acórdão recorrido com pena de três anos e seis meses de prisão, é inviável o pedido de suspensão da execução dessa pena (cfr. o critério formal plasmado na parte inicial do n.o 1 do art.o 48.o do CP).
Em suma, é de manter o julgado, sem mais indagação por ociosa.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo arguido recorrente, com três UC de taxa de justiça.
Macau, Primeiro de Março de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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