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Processo n.º 247/2017
(Recurso em matéria cível)

Data: 1 de Março de 2018

ASSUNTOS:

- Cumprimento de obrigações do contrato de arrendamento
- Consequências de pagamento atrasado de rendas


SUMÁRIO:

I – Em face da mora da locatária, nos termos do disposto no artigo 996º/1 do CC, pode a locadora, optar por uma das duas vias:
  - Exigir as rendas em dívida e a respectiva indemnização, subsistindo e continuando a vigorar o contrato;
  - Pedir a resolução do contrato e o pagamento, em singelo, das rendas em dívida, podendo, neste caso, a locatária obstar à resolução do contrato, mediante o pagamento de prestações em mora e da correspondente indemnização, depositando aquelas e esta.
II – São insubsistentes os depósitos de rendas, se o fundamento invocado for inexacto, como o serão também, se a arrendatária estava em mora quanto às rendas anteriormente vencidas – artigo 996º/1 e 3 do CC.
III – Provado que a arrendatária não pagou pontualmente as rendas, não obstante ter alegado factos para tentar justificar o incumprimento, como não há provas de que a locadora prescindiu das indemnizações resultantes do pagamento atrasado de rendas, são então devidas tais indemnizações.



O Relator,

________________
Fong Man Chong


Processo n.º 247/2017
(Recurso em matéria cível)
Data : 1/Março/2018

Recorrente : A

Recorrida : B


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
*
    I – RELATÓRIO
A, identificada nos autos, Ré do processo CV3-14-0066-CAO, proposta pela Autora B, em que foi condenada por sentença de 4/8/2016, nos seguintes termos (fls. 291 a 307):
1) - Condena-se a Ré A a pagar à Autora B o montante de HKD$1.753.333,32 (um milhão setecentos cinquenta e três mil trezentos e trinta e três dólares de Hong Kong e trinta e dois avos), a título de renda não paga e indemnização pelo atrás no pagamento da renda;
2) - Condena-se a mesma Ré a pagar à Autora o montante de MOP$40.883,33 (quarenta mil oitocentos e oitenta e três patacas e trinta e três avos), a título de condomínio;
3) - Condena-se a Ré no pagamento de juros de mora, à taxa legal calculados desde 15 de Junho de 2013, sobre a quantia de MOP$5.500,00, e sobre a quantia de MOP$35.383,33, a partir da data do trânsito em julgado.
4) - Julga-se improcedente o pedido de litigância de má fé formulado pela Ré contra a Autora.
Contra esta sentença a Ré, ora Recorrente, veio, em 14/09/2016 (fls. 310), interpor o presente recurso com os fundamentos constantes de fls. 319 a 339, tendo formulado as seguintes conclusões:
O presente recurso tem por objecto a matéria de facto dada por provada nos presentes autos e, bem assim, a douta sentença proferida, ambos nos termos que aqui se dão por integramente reproduzidos, para todos os legais efeitos, de que, em síntese, resultou a condenação da Recorrente a pagar à Recorrida, B, o montante de HKD$1.753.333,32 (um milhão setecentos cinquenta e três mil trezentos e trinta e três dólares de Hong Kong e trinta e dois avos), a título de renda não paga e indemnização pelo atraso no pagamento da renda, acrescido do pagamento dos montantes de MOP$40.883,33, respeitante a condomínio, e, ainda, de juros sobre as quantias referidas em c) da douta sentença.
A. Está errada a matéria respeitante aos quesitos 3º a 24º, na medida em que todas as datas de pagamento aí indicadas estão desfasadas, com um atraso de um mês.
B. Impunha-se dar por provado que a renda do mês de Agosto foi paga em 11.08.2011 (e não em 7.09.2011); a renda do mês de Setembro foi paga (essa sim) em 07-09-2011, e assim sucessivamente.
C. Tal facto está documentalmente comprovado nos autos (e foi expressamente referido no artigo 10º da contestação) - cfr. documentos 2 junto com o articulado - , o qual não foi eficazmente impugnado, e cuja força probatória não pode ser obliterada. ,
D. Termos em que está, consequentemente, inquinado o mapa constante da douta sentença Recorrida, e por conseguinte, o montante liquidado a título de indemnização pelo atraso nas rendas.
E. Mas, o certo é que não é devida compensação pelo atraso no pagamento das rendas, quando muito até Julho de 2013:
F. O simples facto da frequência no pagamento da renda com alguns dias de atraso, associado ao tempo decorrido - seja dizer, cinco anos ou mais, - ao longo do qual a prática foi sendo repetida, demonstra inequivocamente que a Autora permitiu tal comportamento por parte da Recorrente.
G. A., Recorrida, teve reacções tácitas aos atrasos no pagamento de algumas das rendas: ao longo de anos não só (i) não declarou nem pretendeu exercer quaisquer direitos potestativos para receber qualquer indemnização pelos atrasos, como (ii) renovou sucessivamente o arrendamento, e (iv) dispunha-se a continuar a relação locatícia com a Recorrente.
H. São comportamentos concludentes que impõem a inequívoca conclusão de que a A. renunciou aos créditos que pudesse deter por via dos atrasos nos pagamentos de algumas rendas. É a conclusão necessária, sob pena de autêntico venire contra factum proprium.
I. Mais do que permissão no pagamento das rendas com atraso, mais do que abuso do direito, o que é de concluir é que houve autêntica e própria renúncia ao direito de crédito indemnizatório por rendas pagas com atraso, por parte da Autora.
J. A Recorrida sempre clamou pelo facto de o locado apresentar sérios problemas no sistema de ar-condicionado.
K. A douta sentença Recorrida deu por demonstrada tal circunstância, sem contudo daí retirar as devidas consequências.
L. O problema do ar-condicionado, que obrigou ao apetrechamento do arrendado com seis aparelhos ventiladores, é por si só suficiente para, numa região como Macau, gerar enorme incómodo e prejuízo, como é notório e por todos sabido. Na verdade, nem precisariam de ser alegados, tais prejuízos e incómodos, nem necessitariam de ser demonstrados, como decorre do disposto no artigo 434º do CPC.
M. Foram alegados tais factos, tanto assim que a Recorrente deduziu reconvenção com base nos mesmos.
N. O aparato gerado pela avaria no sistema de ar-condicionado era ridículo, com transtornos e evidentes prejuízos de imagem.
O. O impasse com a senhoria, Recorrida, não se resolveu em acordo aceitável, e era impensável continuar o arrendamento naquelas circunstâncias.
P. Tudo se resumiu no acordo que ambas, Recorrente e Recorrida, negociavam: a redução do montante da renda, como compensação pelas deficientes condições do locado, estando apenas por aceitar o montante da redução.
Q. As numerosas passagens dos depoimentos, supra referenciados, impunham, portanto, uma resposta positiva aos quesitos 28º a 37º, e, consequentemente, o deferimento da excepção de não cumprimento do contrato, por parte da Recorrida, com as legais consequências.
* * *
Notificada, a B, S.A, ora Recorrida, veio, em 18/01/2017, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 613º do CPC, apresentar as contra-alegações com os fundamento constantes de fls. 351 a 373, pede que seja confirmada a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância.
* * *
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III – FACTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença de primeira instância, importa alinhar os factos que o Tribunal a quo considera assentes com interesse para a decisão da causa, que são os seguintes:
Da Matéria de Facto Assente:
- A Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto o exercício da indústria de seguros e resseguros, bem como todas as actividades conexas e complementares desta actividade. (alínea A) dos factos assentes)
- A Autora é proprietária do imóvel sito na XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXX. (alínea B) dos factos assentes)
- No âmbito dos seus poderes enquanto proprietária, a Autora renovou o arrendamento da fracção autónoma supra descrita a favor da Ré, por vontade e acordo expresso das partes, no dia 11 de Julho de 2008, tudo conforme doc. 3 junto com a p.i. cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos. (alínea C) dos factos assentes)
- O contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e a Ré definia como data do seu termo final o dia 14 de Julho de 2013. (alínea D) dos factos assentes)
- Foi igualmente fixado o valor de MOP40.000,00 (quarenta mil patacas) a título de renda, valor esse que seria renegociado a partir do segundo ano de vigência do contrato, ou seja, a partir de 14 de Julho de 2010 (cfr. Cláusula 3, n.º 2 do Contrato). (alínea E) dos factos assentes)
- A Ré devia também a pagar à Autora uma quantia mensal a título de condomínio, inicialmente fixado em MOP4.500,00 (quatro mil e quinhentas patacas, cfr. Cláusula 5 do Contrato). (alínea F) dos factos assentes)
- As rendas e o condomínio eram pagas pela Ré por crédito na conta bancária da Autora. (alínea G1) dos factos assentes)
- Ficou acordado entre as partes que a renda seria devida no primeira dia útil do mês a que respeita (cfr. Cláusula 4 do Contrato) e que o condomínio seria pago juntamente com a renda (cfr. Cláusula 5 do Contrato). (alínea G) dos factos assentes)
- A Ré entregou também à Autora a quantia de MOP50.000,00, a título de caução. (alínea H) dos factos assentes)
- No dia 25 de Março de 2011, a Autora comunicou à Ré que, a partir de 14 de Julho de 2011, o valor de renda passaria a ser de MOP50.000,00 (cinquenta mil patacas), valor esse que a Ré aceitou. (alínea I) dos factos assentes)
- Na mesma altura foi o condomínio actualizado para MOP5.500,00 (cinco mil e quinhentas patacas). (alínea J) dos factos assentes)
- A Autora, por carta datada de 10.04.2013, comunicou à Ré que “o contrato será renovado automaticamente nos termos e pelo mesmo período no termos do contrato, caso as partes o não denunciem com um pré-aviso escrito de 90 dias à outra parte”. (alínea K) dos factos assentes)
- A Ré acusou a recepção da carta no dia 11 de Abril de 2013. (alínea L) dos factos assentes)
- No dia 22 de Abril de 2013, a Autora enviou nova missiva à Ré, que foi pela Ré recebida no mesmo dia, com os termos propostos para a manutenção da Ré enquanto inquilina da Autora. (alínea M) dos factos assentes)
- Anexa à carta seguia uma minuta do novo Contrato de arrendamento proposto, destacando-se, entre os novos termos propostos, um termo de 4 anos, uma renda mensal de MOP75.000,00, condomínio de MOP6.000,00, sendo a renda e o condomínio actualizáveis a cada 2 anos, com referência a uma avaliador independente. (alínea N) dos factos assentes)
- Após 14 de Julho de 2013 a Ré permaneceu no locado sem proceder ao pagamento de quaisquer rendas e valores correspondentes ao condomínio. (alínea O) dos factos assentes)
- A R. entregou o locado no dia 28 de Janeiro de 2014. (alínea P) dos factos assentes)
- A rendo do mês de Novembro de 2009 foi paga no dia 30.11.2009.
A renda do mês de Junho de 2010 foi paga no dia 30.06.2010.
A renda do mês de Agosto de 2010 foi paga no dia 31.08.2010.
A renda do mês de Novembro de 2010 foi paga no dia 23.11.2010.
A renda do mês de Dezembro de 2010 foi paga no dia 28.12.2010.
A renda do mês de Fevereiro de 2011 foi paga no dia 04.04.2011.
A renda do mês de Março de 2011 foi paga no dia 04.04.2011.
A renda do mês de Abril de 2011 foi paga no dia 04.05.2011
A renda do mês de Maio de 2011 foi paga no dia 30.06.2011.
A renda do mês de Junho de 2011 foi paga no dia 19.07.2011.
A renda do mês de Julho de 2011 foi paga no dia 11.08.2011. (alínea Q) dos factos assentes)
- A R. deixou no locado mobílias velhas e diversos objectos sem valor que a A. terá de remover. (alínea R) dos factos assentes)
- Nunca a A. interpelou a R. para exigir o pagamento de qualquer sanção pelo pagamento tardio das rendas ou despesas e condomínio. (alínea S) dos factos assentes)
    
Da Base Instrutória:
- A A. pagou a título de despesas de condomínio à Administração do Edifício BCM no período que vai de Julho de 2013 a Janeiro de 2014, inclusive, os seguintes valores:
a) MOP17.670,31 para o trimestre de Julho a Setembro de 2013;
b) MOP17.258,01 para o trimestre de Outubro a Dezembro de 2013;
c) MOP16.945,80 para o trimestre de Janeiro a Março de 2014. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- A rendo do mês de Agosto de 2011 foi paga no dia 07.09.2011. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- A renda do mês de Setembro de 2011 foi paga no dia 07.10.2011. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- A renda do mês de Outubro de 2011 foi paga no dia 01.11.2011. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- A renda do mês de Novembro de 2011 foi paga no dia 14.12.2011. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- A renda do mês de Dezembro de 2011 foi paga no dia 12.01.2012. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- A renda do mês de Janeiro de 2012 foi paga no dia 14.02.2012. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- A renda do mês de Fevereiro de 2012 foi paga no dia 23.03.2012. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- A renda do mês de Março de 2012 foi paga no dia 20.04.2012. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- A renda do mês de Abril de 2012 foi paga no dia 15.05.2012. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- A renda do mês de Maio de 2012 foi paga no dia 20.06.2012. (resposta ao quesito 12º da base instrutória)
- A renda do mês de Junho de 2012 foi paga no dia 06.07.2012. (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
- A renda do mês de Julho de 2012 foi paga no dia 02.08.2012. (resposta ao quesito 14º da base instrutória)
- A renda do mês de Agosto de 2012 foi paga no dia 11.09.2012. (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
- A renda do mês de Setembro de 2012 foi paga no dia 15.10.2012. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
- A renda do mês de Outubro de 2012 foi paga no dia 15.11.2012. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
- A renda do mês de Novembro de 2012 foi paga no dia 12.12.2012. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- A renda do mês de Dezembro de 2012 foi paga no dia 03.01.2013. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- A renda do mês de Janeiro de 2013 foi paga no dia 28.02.2013. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
- A renda do mês de Fevereiro de 2013 foi paga no dia 08.03.2013. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
- A renda do mês de Março de 2013 foi paga no dia 15.05.2013. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
- A renda do mês de Abril de 2013 foi paga no dia 15.05.2013. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- A renda do mês de Maio de 2013 foi paga no dia 28.06.2013. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- Ao longo da vigência do contrato de arrendamento, nomeadamente até a renovação de 2008, os pagamentos atrasados das rendas com alguns dias, não mereceram reacção da Autora. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- Com o conduto referida em 26º e S) a R) convenceu-se que a A. tolerava o pagamento atrasado das rendas. (resposta ao quesito 27º da base instrutória)
- Depois de reparação ocorrida em 2009, nenhuma outra diligência foi realizada. (resposta ao quesito 32º da base instrutória)
- Devido ao problema de ar condicional, em Julho de 2013, a R. equipou todo o escritório com três aparelhos de ventilação. (resposta ao quesito 35º da base instrutória)
- Devido ao problema do ar-condicionado a R. reivindicou da A. a redução da renda para metade. (resposta ao quesito 36º da base instrutória).

* * *
IV - FUNDAMENTAÇÃO
A Recorrente vem impugnar a factualidade considerada assente nos termos do disposto no artigo 599º do CPC.
Vamos analisar as questões levantadas parte por parte.

PARTE 1: Erro na apreciação de factos - Atraso no Pagamento das Rendas:
A Recorrente defende que existiu um erro de julgamento no que se refere concretamente no que respeita à decisão quanto aos quesitos 3.º a 24.º, porquanto as rendas que aí se encontram reflectidas se encontram desfasadas em um mês.

A Recorrente alega e argumenta o seguinte:
Detecta-se nesta parte, um erro fulcral que determinou que se julgasse que todas as rendas posteriores a Julho de 2011 foram pagas com atraso, dando-se, pois, por provada a matéria constante dos quesito 3.° (a 24.°).
Nos termos dos quesitos 3.° a 24.°, todas as rendas desde Agosto de 2011 a Maio de 2013, constam como tendo sido pagas com o desfasamento de, precisamente, um mês.
Esta simples circunstância Recorrente explica-se pelo facto de que não foi levado em conta um pagamento efectuado conjuntamente com o pagamento da renda de Julho de 2011. Referimo-nos ao pagamento da renda de Agosto do mesmo ano.
Com efeito,
A Recorrente pagou, na mesma data de 11 de Agosto de 2011, a renda correspondente ao mês de Julho, como especificado no último período da alínea Q dos factos assentes, e, igualmente, pagou a renda do próprio mês de Agosto.
Tal facto está documentalmente comprovado nos autos (e foi expressamente referido no artigo 10.° da contestação) - cfr. docs. 2 junto com o articulado - , o qual não foi eficazmente impugnado, e cuja força probatória não pode ser obliterada.
Como consequência, está errada a matéria respeitante aos quesitos 3.° a 24.°, na medida em que todas as datas de pagamento aí indicadas estão desfasadas, com um atraso de um mês.
Impunha-se dar por provado que a renda do mês de Agosto foi paga em 11.08.2011 (e não em 7.09.2011); a renda do mês de Setembro foi paga (essa sim) em 7-09-2011, e assim sucessivamente.
*
A Recorrida contra-alega o seguinte:
Os Documentos 1 e 2 juntos pela Recorrente com a sua Contestação não se referem ao pagamento das rendas respeitantes aos meses de Julho e Agosto de 2011.
Compulsados os registos contabilísticos da Recorrida, logrou-se verificar que tais talões de depósito dizem respeito, isso sim, ao pagamento da renda correspondente aos meses de Fevereiro de 2009 e Agosto de 2011!
Aliás, basta atentar no valor constante do talão. de depósito junto como Documento 1 com a Contestação da Recorrente, em que figura o montante de MOP44,500.00.
Caso o depósito efectivamente dissesse respeito à renda de Julho de 2011, o valor a depositar deveria ter sido de MOP55,500.00 (MOP50,000.00 a título de renda e MOP5,500.00 a título de condomínio), conforme carta junta como Documento 4 com a P.I. da Recorrida.
De facto, a quantia devida a título de renda do mês de Julho de 2011 foi paga pela Recorrente no dia 11 de Agosto de 2011, conforme igualmente resulta do Documento 8 junto com a Tréplica da Recorrente, documento esse que não só foi junto pela Recorrente, como o seu teor não foi impugnado ou colocado em crise, algo que só por si demonstra a fiel demonstração da realidade que o mesmo traça - i.e., situação do pagamento das rendas do ano de 2011.
De notar ainda que os contornos dessa situação foi sobejamente explicada pela Testemunha da Recorrida, o Sr. C, conforme resulta da gravação da audiência de julgamento "Recorded on 14-Apr-2016 at 15.09.54 (1SA{6-!G00711270)", aos 22m:56s a 24m:42s.
Confrontando os elementos probatórios registados, não é difícil de verificar que as respostas dadas aos quesitos 3º a 24º estão em conformidade com as provas produzidas na primeira instância e os elementos juntos aos autos.
Efectivamente as rendas pagas em Agosto de 2011 referem-se as rendas de Fevereiro de 2009 e Agosto de 2011, conforme o teor dos Documentos 1 e 2 juntos pela Recorrente com a sua Contestação
Aliás, de realçar que, neste recurso, a Recorrente também não carreou novos elementos para infirmar a versão fáctica desenhada pelo Tribunal a quo, o que nos dispensa de tecer mais considerações nesta ordem.

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   PARTE 2: Abuso de direito e da renúncia
Neste ponto, a Recorrente argumenta da seguinte forma:
     “(...) Julgou a douta sentença Recorrida improcedente o abuso de direito relativo ao pedido de pagamento de indemnização pelo atraso no pagamento de rendas, oportunamente deduzido pela ora Recorrente.
     Com o devido respeito, julga-se indefensável que,
     «No caso em apreço, consta dos factos assentes apenas que a Ré efectuou o pagamento das rendas, ao longo do contrato de arrendamento, com atrasos que variavam entre 4 a 62 dias, e que não houve qualquer reacção por parte da Autora sobre esses pagamentos atrasados. Mas não vem comprovado que a Autora permitia à Ré que efectuasse os pagamentos com atrasos.» (Fls. 502, pág. 23 da sentença).
     Precisamente, e se mais não fosse, o simples facto da frequência no pagamento da renda com alguns dias de atraso, associado ao tempo decorrido - seja dizer, cinco anos ou mais, - ao longo do qual a prática foi sendo repetida, demonstra inequivocamente que a Autora permitiu tal comportamento por parte da Recorrente.
     Sobre esta questão versou o douto acórdão da matéria de facto conforme segue:
     «Sobre a tolerância da Autora no pagamento atrasado das rendas pela Ré, a principal testemunha da Autora C admitiu que houve atraso no pagamento das rendas por parte da Ré, pelo comportamento manifestado pela Autora na vigência do contrato de arrendamento, nomeadamente a intenção de renovação do contrato, levamos a convencer-se, apesar do atraso, que não houve reacção por parte da Autora sobre o atraso.» (Acórdão da matéria de facto, a pp. 6 e 7).
     Esta a fundamentação para a resposta dada ao quesito 26.°: «PROVADO que ao longo da vigência do contrato de arrendamento, nomeadamente até a renovação de 2008, os pagamentos atrasados das rendas com alguns, não mereceram reacção da Autora.»
     E que se encadeia com a resposta «PROVADO» dada ao quesito 27: «Com a conduta referida em 26 e S. [«Nunca a A. interpelou a R. para exigir o pagamento de qualquer sanção pelo pagamento tardio das rendas ou despesas de condomínio.»] a R. Convenceu-se que a A. tolerava o pagamento atrasado das rendas?»
     Porém, há a especificar que a A. teve efectivamente uma reacção, ou mais do que uma reacção, seja dizer, reacções tácitas: não só (i) não declarou nem pretendeu exercer quaisquer direitos potestativos para receber qualquer indemnização pelos atrasos, como (ii) renovou sucessivamente o arrendamento, e (iv) dispunha-se a continuar a relação locatícia com a Recorrente!
     São comportamentos concludentes que impõem a inequívoca conclusão de que a A. renunciou aos créditos que pudesse deter por via dos atrasos nos pagamentos de algumas rendas. É a conclusão necessária, sob pena de autêntico venire contra factum proprium.
     É o que resulta do depoimento da testemunha referida na fundamentação do douto acórdão da matéria de facto, senhor C.
     Vejamos,
     A instâncias do ilustre mandatário da Recorrida (transcrito da gravação da audiência de julgamento, "Recorded on 14-Apr-2016 at 15.09.54 (1 SA{6- !G00711270). wav"):
     (17´42´´): «Olhe, e o senhor lembra-se qual é que era, efectivamente, a intenção da Companhia de Seguros? (...) era continuar o arrendamento com a A, era terminar ou era "ou se cumpre com umas determinadas condições ou o contrato tem-se por terminado nos termos do contrato"?
     (18´02´´) «A intenção era de continuar (18´06´´), só que entretanto como as rendas em Macau subiram muito, portanto, o contrato tinha, estava em vigor, que terminou em 2013, tinha sido feito por cinco anos, depois o que fizemos antes foi ajustado a renda, de qualquer maneira estava um bocado abaixo do mercado, e a gente queria negociar uma, uma renda mais favorável, de acordo com o valor do mercado» (18´42´´).
     De salientar que a citada testemunha tinha perfeito conhecimento da vontade da Autora. O senhor C era a voz da B:
     «O Sr. Cruz sabe em profundidade aquilo que estamos aqui a tratar, não é verdade?»
     «Sim, sim» (14´39´´).
     (14´44´´ -15´05´´): «É seguro dizer que tudo, ou praticamente tudo o que rodeava questões que pudessem existir entre a B e a Ré passavam por si, se houve incumprimentos se não houve incumprimentos, se a renda chegou atrasada. se não chegou atrasada, se havia algum problema, o senhor era basicamente o ponto de fulcral?»
     «Sim, como a Aé portuguesa e lá na companhia também sou o único português que trabalha lá, portanto, geralmente era eu o contacto» (15'18").
     Portanto,
     Nunca por nunca se colocou qualquer questão pelo atraso no pagamento (de algumas das rendas, nem tal circunstância alguma vez motivou qualquer interpelação, formal ou informal, por parte da Autora, nem motivou que esta perdesse interesse em continuar o arrendamento com a Recorrente.
     Ainda no depoimento da testemunha supramencionada, a instâncias do ilustre mandatário da Recorrida:
     (26´06´´) «E alguma vez a doutora, alguma vez a Ré lhe disse ou o senhor sabe se a Ré alguma vez comunicou à B que no espírito da mesma existia a crença de que podia pagar a renda com, na data que quisesse, ou nunca houve uma comunicação nesse sentido?»
     (26´30´´), «Não, nunca houve nenhuma comunicação nesse sentido, até porque a gente estava de boa fé, portanto, portanto não, por pagar alguns dias mais atrasado, não sei quê, portanto, não ... quando tudo corre bem, tudo está bem!» (26'49")
     "Tudo está bem" quando tudo está bem! E não quando está meio-bem ou, como correntemente se diz, "assim-assim" ... !
     A Autora nunca, ao longo de anos e anos, exigiu qualquer indemnização por atrasos nas rendas, como nunca interpelou a Recorrente, - o que não era difícil, «como trabalhamos no mesmo edifício, às vezes encontramo-nos» (19'19"), - porque nunca se sentiu lesada e porque era esse o relacionamento consolidado entre as partes (E: 1:09'00-1:09'10"), renunciando aquela ao direito de reivindicar qualquer compensação.
     Assim, e nas doutas passagens citadas na decisão recorrida, «nas palavras do Prof. Baptista Machado, “o ponto de partida é uma anterior conduta de um sujeito jurídico que” objectivamente considera é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira. (Tutela da confiança e "venire contra factum proprium" in RLJ, ano 117 e ss)
     «“O abuso de direito pressupõe a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o direito e o interesse que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito e caso se em que se excede os limites impostos pela boa fé". (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28/11/1996)
     «“este conceito (abuso de direito) é perspectivado em termos objectivos, relevando a verificação de um desajustamento evidente e insuportável entre a invocação ou execução pura e simples de um direito e os efeitos que isso determina na esfera da contraparte, de tal modo que estes sejam repelidos pelo sistema jurídico globalmente apreciado à luz das regras da boa fé." (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02/06/2016).» (A fls. 502).
     Acresce, nos termos analisados supra, que, mais do que permissão no pagamento das rendas com atraso, mais do que abuso do direito, o que é de concluir é que houve autêntica e própria renúncia ao direito de crédito indemnizatório por rendas pagas com atraso, por parte da Autora.
Contra-argumentando a Recorrida, invoca os seguintes argumentos:
“Alega a Recorrente que a Recorrida age contra os ditames da boa-fé e em claro abuso de direito ao vir peticionar as quantias devidas por aquela a título de atraso no pagamento das rendas, porquanto ao longo da vigência do contrato de arrendamento que as vinculava, a Recorrida permitiu à Recorrente que esta realizasse esse mesmo pagamento com atraso.
     Desde logo, nunca é demais ressaltar o efectivo esforço levado a cabo pela Recorrida na tentativa de manter um são e cordial relacionamento com a Recorrente ao longo da vigência do contrato de arrendamento em apreço, procurando, a todos os custos, uma resolução amigável para os vários focos de incumprimento contratual de responsabilidade (única e exclusiva) da Recorrente.
     No entanto, e repetindo aquilo que já foi dito não só em sede de Petição Inicial, como em sede de Réplica, não pode a Recorrida aceitar que a sua mera boa vontade e tolerância sejam à força transformadas num consentimento ou permissão de qualquer índole, repudiando-se expressamente o que a Recorrente vem alegar em sede de recurso.
     Ao contrário do que a Recorrente quer fazer crer, a Recorrida jamais, em tempo algum, consentiu ou permitiu que as rendas fossem pagas fora do seu respectivo prazo.
     Aliás, do depoimento da Testemunha C resulta indubitavelmente o contrário, pelo que se passará a transcrever a passagem da gravação da audiência de julgamento que oferece respaldo a tal consideração (cfr. "Recorded on 14-Apr-2016 at 15.09.54 (1SA{6-!G00711270)", aos 25m:07s a 26m:00s):
     "Advogado da Autora: O senhor sabe se alguma vez a B, face aos alegados atrasos no pagamento das rendas da A, alguma vez disse à A que não havia problema nenhum se ela pagar as rendas em atraso?
     Testemunha: Não. Nunca. Nunca foi dito isso. Portanto, eu várias vezes fui lá ao 17.º andar a lembrar do atraso da renda que ... e geralmente a desculpa era' sempre que estava muito ocupada, que não tinha tempo mas que ia resolver.
     Advogado da Autora: Portanto, nunca houve nenhuma permissão para que a A pagasse ...
     Testemunha: Não, claro que não.
     Advogado da Autora: Olhe, e também não houve nenhuma alteração ao contrato dizendo que não havia qualquer tipo de prazo, de prazo fixo, ou seja, a obrigação tinha o prazo que tinha, como é normal?
     Testemunha: Está no contrato de arrendamento".
     Como bem notou o douto Tribunal a quo, a páginas 23 e 24 da sentença colocada em crise pela Recorrente:
     "No caso em apreço, consta dos factos assentes apenas que a Ré efectuou o pagamento das rendas, ao longo do contrato de arrendamento, com atrasos que variavam entre 4 a 62 dias, e que não houve qualquer reacção por parte da Autora sobre esses pagamentos atrasados. Mas, não vem comprovado que a Autora permitia à Ré que efectuasse os pagamentos com atrasos.
     Dessa (actualidade mais nada pode retirar senão a mera tolerância por parte da Autora dessa situação de mora, no pagamento das rendas. desse comportamento não criou nem poderia criar qualquer expectativa de a Autora não exercer o seu legítimo direito" (sublinhado nosso).

     Em segundo lugar, sempre se dirá que o direito que a Recorrida quer fazer valer é aquele que decorre do atraso no pagamento das rendas por parte da Recorrente, ou seja, a indemnização por mora prevista no artigo 996.º do Código Civil.
     Não se vislumbra, sob qualquer prisma, que tal intenção se configure como ilegítima e/ou constitua abuso de direito, muito menos pelo simples facto de Recorrida ter tolerado que a Recorrente pagasse as rendas em atraso sem exigir, a priori, qualquer indemnização por esse mesmo atraso.
     Aliás, se dúvidas subsistissem, as mesmas ficam irremediavelmente sanadas com a própria letra da lei, mais concretamente na disposição legal ínsita no n.º 4 do artigo 996.º do Código Civil (aplicável por via do artigo 1029.º do mesmo diploma legal), em que o legislador expressamente estatuiu que: “a recepção de novas rendas ou alugueres não priva o locador do direito à resolução do contrato ou à indemnização referida, com base nas prestações em mora”.
     Destarte, verifica-se que foi o legislador que consagrou, de forma expressa e clara, a possibilidade de o senhorio receber novas rendas, no caso de existirem prestações em mora, não querendo com isso dizer que o senhorio se encontra privado do direito à indemnização por mora, para aquilo que nos interessa no presente caso.
     Não existe, in casu, um exercício de um direito de maneira a constituir uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.
     Nem tão-pouco existiu qualquer renúncia por parte da Recorrida aos seus legítimos e consagrados direitos, ao contrário do que a Recorrente vem alegar.
     A Recorrida nunca, em tempo algum, afirmou ou demonstrou perante a Recorrente que abdicava dos seus legítimos direitos, no que à indemnização por a) mora no pagamento das rendas ou b) falta de pagamento das rendas tout court dizia respeito.
     A Recorrida encontra-se, isso sim, a exercer os seus direitos de forma legítima, normal e conforme os ditames da boa-fé, em cumprimento escrupuloso dos imperativos legais que sobre si impendiam, afigurando-se despropositada a invocação de um (inexistente) abuso do direito por parte da Recorrida ao propor a presente acção de condenação contra a Recorrente.
Ora, cabe realçar o seguinte:
- Uma coisa é tolerância, outra coisa é renúncia ao direito. Não há provas que comprovem a “tolerência” falada nos autos representa abdicção do direito assistido à Autora, traduzido em reclamar indemnizações devidas ao atraso no pagamento de rendas.
- Do mesmo modo, uma coisa é abuso de direito, outra é exercer o direito nos precisos limites que o legislador impõe. É regra geral que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e não na perspectiva da existência da “tolerância” de outra parte.
- No caso sub sudice, a Autora exercita os seus direitos de forma legítima, normal e conforme os ditames da boa fé, em cumprimento escrupuloso dos imperativos legalmente fixados.
Esta parte da decisão de primeira instância também não merece censura.
*
   PARTE 3: Excepção de não cumprimento
Continuando, a Recorrente assaca ainda o seguinte vício à sentença:
“A Recorrida sempre clamou pelo facto de o locado apresentar sérios problemas no sistema de ar-condicionado (E: 1:09'12"-1: 10'02").
     A douta sentença Recorrida deu por demonstrada tal circunstância, porém, não a releva para o efeito de conformar incumprimento por parte da senhoria, a Autora, relativamente à obrigação de propiciar o gozo da coisa à Recorrente, inquilina: «havia, efectivamente, problema do ar condicional instalado na fracção autónoma arrendada. No entanto, não foi alegada nem provada matéria fáctica que permite indagar em que medida esse problema do ar condicional privou o seu gozo sobre o imóvel» (fls. 500).
     Verifica-se aqui, salvo o respeito devido, um vício de raciocínio, na medida em que o problema do ar-condicionado, que obrigou ao apetrechamento do arrendado com aparelhos ventiladores, é por si só suficiente para, numa região como Macau, gerar enorme incómodo e prejuízo, como é notório e por todos sabido. Na verdade, nem precisaria de ser alegado, tais prejuízos e incómodos, nem necessitaria de ser demonstrado, como decorre do disposto no artigo 434.° do Código de Processo Civil.
     Contudo, é certo que foram alegados tais factos, tanto assim que a Recorrente deduziu reconvenção com base nos mesmos!
     E julga-se que deveriam ser dados por provados tais factos, em função da prova produzida em audiência de julgamento, como se verá, para além da resposta parcialmente positiva ao quesito 35.°, que dá por demonstrado que a Ré equipou todo o escritório com três aparelhos de ventilação, quando na verdade foram seis aparelhos: os três aparelhos de ventilação e mais três ventoinhas de grande dimensão, como documentado nos autos (documentos nºs. 1, 2 e 3 juntos com a tréplica) e confirmado testemunhalmente, - aparelhos estes, com excepção de uma ventoinha, que se encontram armazenados no actual escritório da Recorrente. (“Recorded on 14-Apr-2016 at 15.09.54 (1SA{6-!G00711270).wav”: F: 1:38'40" a 1:39'10" e 55., 1:39'40", 1:39'50", 1:40'03"; D: 2:08'42"-2:09'25").
     O aparato gerado pela avaria no sistema de ar-condicionado era ridículo, com transtornos e evidentes prejuízos de imagem («falta de dignidade» nas palavras da testemunha D: 2:14'14", 2:14'18", 2:14'25"), com baldes à vista, espalhados pela recepção do escritório, para recolha de água que caía do tecto! (Testemunha E: 1:04'20"-1:04'40", 1:04'45"- 1:04'49", 1:05'20"- 1:05'30", 1:05'55"; testemunha F: 1:40'17"-1:40'40",1:40'46",1:49'50"; D: 2:06'58"-2:07'02", 2-07'03"-2:07'22", 2:07'35", 2:07'41", 2:08'00"-2:08'16"-2:08'31", 2:09'42"-2:09' 48")
     Surpreende-se a Recorrente com a opinião vertida na douta sentença, a fls. 500, no passo onde se diz «em bem verdade, se o problema do ar-condicional era de tal modo grave que privou a Ré do gozo total ou parcial do imóvel, qualquer pessoa normal teria posto fim o contrato de arrendamento no seu termo em 14/07/2013. Ao invés, a Ré optou por renovação do contrato, daí se poderá retirar que, mesmo houvesse problema do ar-condicional e, naturalmente, algum incómodo, isso não teria privado o gozo normal da arrendada por parte da Ré.»!. ..
     Com o devido respeito, detecta-se nesta via de raciocínio alguma ligeireza, na medida em que se esquece que o locado se tratava de um escritório forense, onde a Recorrente exercia a sua actividade há mais de 15 anos! (E: 1:09'00") Onde criou raízes (D: 2:12'30"- 2:12'39"), de que gostava e era conhecido pela sua clientela. Nestas circunstâncias, mudar de instalações é, para além do enorme incómodo, tarefa difícil, e decisão que não se toma de ânimo leve (D: 2:21'35"- 2:21'57"), especialmente numa altura, como por todos conhecido, em que na região o mercado de arrendamento encareceu notavelmente, a níveis especulativos e, não raro, incomportáveis.
     Apesar disso, a verdade é que a Ré não teve outra alternativa! (D: 2:22'00" ~2:22' 48").
     A Ré, Recorrente, efectivamente mudou!
     Forçada pelas circunstâncias (E: 1:07'44"-1:08'10", 1:08'38"-1:08'50"; F: 1:45'42"; Una Sousa: 2:05'25"- 2:06'04", 2:06:06"37").
     Não com a rapidez com que na douta decisão se julga que o cidadão normal mudaria (? …), mas com a rapidez com que, na realidade, o cidadão normal pode fazê-lo (Una Sousa: 2:34'00"-2:34'50"), a não ser que seja bafejado com um golpe de sorte!
     Levou várias semanas a visitar imóveis, intercalado com ausências em Portugal, especialmente no Verão e Outono de 2013, por razões de saúde (E: 1:06'06"-1:07'43", 1:08'27"; Una Sousa: 2:10'00"- 2:12'10", 2:12'46"-2:12'57"), até que encontrou a alternativa onde se instalou em Dezembro de 2013, seu actual escritório.
     Isto porque o impasse com a senhoria, Recorrida, não se resolveu em acordo aceitável, e era impensável continuar o arrendamento naquelas circunstâncias.
     O aludido impasse consistia no seguinte (ainda o mesmo depoimento):
     «Lembra-se se depois de 2009 recebeu mais alguma queixa por parte da Ré, se alguma vez a A lhe disse que havia problema no ar-condicionado?»
     (28'53") «Só talvez aí um mês antes do vencimento do contrato, talvez em meados de Junho, que eu fui lá em cima falar com, para falar com ela, portanto, que não estava, falei com a D. Diana, e ela disse que a Atinha dito que havia alguns aparelhos de ar-condicionado que não funcionavam (29'15"), «e eu disse que primeiro tínhamos que resolver se se renovava a renda ou não, sim, o contrato de arrendamento ou não», (29'25") «porque se não renovasse não valia a pena a gente estar a substituir os aparelhos.» (29'33")
     E, ainda:
     «(...) encontrei também a dona, a A, no elevador, e ela falou do problema do ar-condicionado, e então também lhe disse que, que primeiro tínhamos que resolver o problema de se se renovava o contrato ou não (...)»(33'10").
     Porém, a citada testemunha, silenciou, muito convenientemente, a parte desfavorável à Autora, relativamente ao impasse, que se resumiu no acordo que ambas, Recorrente e Recorrida, negociavam: a redução do montante da renda, como compensação pelas deficientes condições do locado, estando apenas por determinar o montante da redução - E: 1:09'12"-1:10'02", 1:10'06"; D: 2:12'10"-2:12'28", 2:12:58-2:14'00", 2:14'40"- 2:15'12" e 55., 2:15'40"-2:16'53" e ss., 2:35'00"-2:36'20"- 2:36'54" -2:37'08".
     As numerosas passagens dos depoimentos, supra referenciados, impunham uma resposta positiva aos quesitos 28.° a 37.°, e, consequentemente, o deferimento da excepção de não cumprimento do contrato, por parte da Recorrida, com as legais consequências.

     EM CONCLUSÃO:
     Está errada a matéria respeitante aos quesitos 3.° a 24.°, na medida em que todas as datas de pagamento aí indicadas estão desfasadas, com um atraso de um mês.
Perante este “ataque”, a Recorrida oferece o seu “contra-ataque” com os seguintes argumentos:
“Estatui o n.º 1 do artigo 422.º do Código Civil que: "se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo".
     Ora, se atentarmos no caso concreto, verifica-se que o gozo do imóvel por parte da Recorrente ocorreu de forma ininterrupta até ao dia em que a mesma abandonou o locado (ou seja, até ao dia 28 de Janeiro de 2014), motivo pelo qual a prestação do Recorrida foi cumprida.
     Para além disso, conforme denotou - e bem! - o douto Tribunal a quo, não foi alegada, nem ficou provada, qualquer matéria factual que permita aquilatar em que medida o problema no ar-condicionado dado como provado nos Autos privou o gozo do imóvel por parte da Recorrente.
     Quanto a tal problema no ar-condicionado, deparamo-nos com uma contradição entre a versão apresentada pela própria Recorrente, nas suas peças processuais, e a versão apresentada pelas testemunhas arroladas pela mesma, duas delas funcionários da Recorrente e outra uma amiga pessoal da mesma.
     Se para a Recorrente o problema do ar-condicionado se circunscrevia ao calor que suposta e alegadamente se fazia sentir na fracção dada de arrendamento pela Recorrida (veja-se a Contestação e a Tréplica da mesma), já as testemunhas da Recorrente pintaram um quadro calamitoso, em que a esse suposto insuportável calor acrescia ainda água que escorria pelas paredes, danificava papéis, processos e a própria máquina fotocopiadora, alegando ainda que existiam baldes espalhados pelo escritório cuja função era recolher essa mesma água, com todo o transtorno e lesão da boa imagem do escritório de advogados em causa nos presentes Autos ...
     No entanto, caso tais condições descritas pelas testemunhas arroladas pela Recorrente tivessem de facto existido, por certo que as mesmas teriam sido prontamente alegadas pela Recorrente, na altura própria, para colocar em crise as pretensões da Recorrida, ainda para mais tomando em consideração o profundo conhecimento que a Recorrente (Ré nos presentes Autos) e o seu Ilustre Mandatário tinham da situação em apreço nos presentes Autos, visto que ambos exerceram a sua actividade profissional na fracção em causa durante a vigência do correspondente contrato de arrendamento.
     Essa é a única conclusão aceitável face às regras da experiência comum.
     Aliás, dúvidas não existem no espírito da Recorrida de que caso esse problema tivesse, em algum momento, chegado sequer perto da versão apresentada pelas Testemunhas arroladas pela Recorrente, esta teria imediatamente enviado uma comunicação por escrito à Recorrida solicitando a imediata resolução do alegado problema, ou mesmo a resolução do contrato, comunicação essa que não só não consta dos Autos, como nunca existiu, certeza essa que ganha ainda mais consistência tendo em conta a profissão da Recorrente (Advogada).
     O douto Tribunal a quo chegou a essa mesma conclusão, quando na (acertada) sentença recorrida afirma:
     "No entanto, não foi alegada nem provada matéria fáctica que permite indagar em que medida esse problema do ar condicional privou o seu gozo sobre o imóvel.
     (...) Mas, em bem verdade, se o problema do ar-condicional era de tal modo 'grave que privou a Ré do gozo total ou parcial do imóvel, qualquer pessoa normal teria posto em fim o contrato de arrendamento no seu termo em 14/07/2013. Ao invés, a Ré optou por renovação do contrato, daí se poderá retirar que, mesmo houvesse problema do ar-condicional e, naturalmente, algum incómodo, isso não teria privado o gozo normal da arrendada por parte da Ré".
     A verdade é que nenhuma das Testemunhas arroladas pela Recorrente soube explicar o porquê de não existir nenhuma comunicação escrita da parte da Recorrente à Recorrida, em que se expusesse a alegada situação de impossibilidade de manutenção do contrato de arrendamento por suposta falta de condições do locado - cfr. "Recorded on 14-Apr-2016 at 15.09.54 (1SA{6-!G00711270)", aos 1h:15:01 a 1h:15m:30s, 1h:50m:33s a 1h:51m:01s e 2h:31m:10s a 2h:31m:18s).
     Do mesmo modo, nenhuma das Testemunhas arroladas pela Recorrente conseguiu igualmente explicar, de forma convincente, a razão pela qual, face a condições alegadamente tão más, qual o motivo que levou a Recorrente a ficar tanto tempo no locado, tendo ficado mais de seis meses para além da data do termo final do contrato de arrendamento, quando qualquer homem médio, face a tais circunstâncias, tomaria as providências necessárias para abandonar o locado, conforme sublinhou o próprio Tribunal a quo na passagem da sentença recorrida oportunamente citada na página anterior.
     Assim, não se demonstrou que a Recorrente tenha ficado privada do gozo total ou parcial do imóvel (bem pelo contrário, está mais do que demonstrado que a Recorrente usou, de forma contínua ao longo do contrato de arrendamento em apreço nos presentes Autos, a fracção objecto desse mesmo contrato como seu efectivo domicílio profissional), pelo que a excepção de não cumprimento invocada pela Recorrente jamais poderá ser procedente, devendo a mesma ter pautado pelo cumprimento, de forma escrupulosa e tempestiva, das obrigações que sobre si impendiam, algo que não sucedeu.
     Por outro lado, são terminantemente falsas as conclusões que a Recorrente tece nas respectivas alíneas J) e K) constantes das suas alegações de recurso.
     O douto Tribunal a quo considerou que existia um problema no ar-condicionado, mas foi claro ao afirmar que não se sabia a partir de quando esse problema surgiu, nem que a Recorrente tenha dado conhecimento desse mesmo facto à Recorrida (cfr. terceiro parágrafo da página 19 da sentença: recorrida, bem como resposta aos quesitos 28.º a 31.º, todos dados como não provados).
     Alegou ainda a Recorrente que estariam a decorrer negociações para renovação do contrato de arrendamento em causa nos presentes Autos, o que desembocou num impasse entre as partes, porquanto alegadamente a Recorrente exigia uma redução na renda face aos supostos problemas no ar-condicionado, nunca tendo obtido resposta por parte por parte do ponto de contacto entre a Recorrente e a Recorrida - a saber, Senhor C, que figurou como Testemunha da Recorrida.
     Para tentar emprestar força às suas alegações, a Recorrente transcreveu parte do depoimento dessa mesma testemunha, tendo concluído, na página 17 das suas alegações de recurso, que essa mesma testemunha - passa-se a citar - "silenciou, muito convenientemente, a parte desfavorável à Autora, relativamente ao impasse, que se resumiu no acordo que ambas, Recorrente e Recorrida, negociavam: a redução do montante da renda, como compensação pelas deficientes condições do locado, estando por determinar o montante da redução".
     Porém, caso tivesse sido prestada mais atenção ao depoimento da mesma testemunha, logo a seguir onde termina a transcrição feita pela Recorrida ("Recorded on 14-Apr-2016 at 15.09.54 (1SA{6-!G00711270)", aos 33m:01s a 33m:42s), a mesma jamais teria - com certeza - tecido tal conclusão, visto que a testemunha em apreço nega, de forma peremptória, que a Recorrente tivesse sugerido qualquer redução na renda, conforme se passa a transcrever:
     "Testemunha: (...) resolver o problema de se se renovava o contrato ou não e que se renovasse o contrato, a gente iria mandar alguém para verificar o ar-condicionado.
     Advogado da Autora: Certo. E dessa conversa que teve com a A, a Aalguma vez lhe disse: "ah, mas por causa destes problemas eu preciso, precisamos de fazer aqui um acerto na renda"?
     Testemunha: Não, não.
     Advogado da Autora: Fazer aqui uma redução de renda ...
     Testemunha: Não, não ...
     Advogado da Autora: Alguma vez lhe foi dita alguma coisa deste género?
     Testemunha: Não, não. Nunca.
     Advogado da Autora: E na conversa que teve com a secretária da A? Houve alguma abordagem nestes termos?
     Testemunha: Não, também não".
     Mas a testemunha teve ainda oportunidade de responder aos esclarecimentos pedidos pelo Ilustre Mandatário da Recorrente, que ora se passam a transcrever ("Recorded on 14-Apr-2016 at 15.09.54 (1SA{6- !G00711270)", aos 41m:45s a 42m:37s):
     "Advogado da Ré: O senhor respondeu também, a instâncias do meu Ilustre Colega, que encontrou, foi várias vezes ao escritório, encontrou a Atambém, que lhe respondia que ia resolver. Nas comunicações que teve com a A, ela respondia que ia resolver. Portanto, qual era o assunto que estava para se resolver? O que é que ia resolver?
     Testemunha: A renovação do contrato.
     Advogado da Ré: Então e o que é que estava ... essa renovação estava dependente de quê?
     Testemunha: Duma resposta da A. Ou aceitava, ou recusava, ou fazia uma contraproposta. Nós enviámos a carta a propor novas condições...
     Advogado da Ré: E foram aceites as condições?
     Testemunha: Não ... nem foram aceites, nem foram recusadas.
     Advogado da Ré: Porquê?
     Testemunha: Porquê? Não sei. Desconheço".
     Apenas para esclarecimento, a carta a que a Testemunha C se referiu na passagem supra transcrita é a carta que consta dos Autos como Documento n.º 6, oportunamente junto com a Petição Inicial.
     A verdade dos factos é que não existiu qualquer impasse nas negociações para renovação do contrato porque pura e simplesmente não existiu qualquer negociação, pelo menos não uma negociação no sentido de apresentação de duas posições opostas.
     A Recorrida apresentou as condições que a mesma via como legítimas e adequadas para renovação do contrato de arrendamento, ao passo que a Recorrente remeteu-se ao silêncio, relegando para momento posterior uma eventual decisão/pronúncia quanto aos termos negociais propostos na carta datada de (e recebida pela Recorrente em) 22 de Abril de 2013, algo que nunca veio a suceder...
     Aliás, a comunicação mais parecida com uma resposta a essa mesma carta aconteceu no dia 28 de Janeiro de 2014, através da missiva endereçada pela Recorrente à Recorrida, na qual a mesma se limita a comunicar o abandono do locado e da entrega das chaves do mesmo (cfr. Documento 7 oportunamente junto com a Petição Inicial).
     Do mesmo modo, todas as passagens que a Recorrente cita como oferecendo respaldo a essa mesma linha argumentativa (vide página 17 das alegações da Recorrente), encontram -se feridas de morte, porquanto nenhuma das testemunhas assistiu ou ouviu qualquer conversação mantida entre a Recorrente e a Recorrida (ou qualquer seu representante), nem tão pouco têm conhecimento de quaisquer comunicações escritas a esse propósito, sabendo apenas aquilo que lhes era alegadamente relatado pela A, algo que não pôde deixar de relevar (na vertente negativa) aquando da apreciação do real valor probatório de tais depoimentos pelo Tribunal a quo - cfr. as seguintes passagens da gravação da audiência de julgamento, "Recorded on 14-Apr-2016 at 15.0.9.54 (1SA{6-!G00711270)", aos 1h:15m:35s a 1h:16m:00s, 1h:50m:35s a 1h:51m:15s, 2h:29m:10s a 2h:29m:55s e 2h:31m:18s.
Estão em discussão 2 problemas: o de ar condicionado e o de renovação do contrato de arrendamento. Nesta matéria, a posição de ambas as partes eram um pouco ambígua, pois, nenhuma das partes chegou a afirmar peremptoriamente que “não vou pagar renda enquanto não me resolver o problema de ar condicionado”! Ou “Não vou renovar o contrato de arrendamento, Portanto, a partir data X, vou sair do imóvel arrendado!” Cada uma das partes ficou na posição da esperança de que outra partes cedesse um pouco, aceitando a proposta favorável para cada uma das partes. É o conflito de interesses e a tentativa de harmonização dos mesmos. Pela vista, tal não se alcançou.
Mais uma vez, a Recorrente não nos convence com argumentos persuasivos, baseados em factos provados, o que conduz necessariamente à improcedência de todo o recurso.
* * *
Por último, é do nosso entendimento que, em face das considerações e impugnações do ora Recorrente, a argumentação produzida pelo MMo. Juíz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova, razão pela qual é de sustentar e manter a posição assumida na sentença recorrida.
*
Pelo exposto, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
Tudo visto, resta decidir
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão da primeira instância.
*
Custas pela Recorrente (Ré).
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Registe e Notifique.
                 RAEM, 1 de Março de 2018.
                 Fong Man Chong
                 Ho Wai Neng
                 José Cândido de Pinho

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