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Processo n.º 85/2018 Data do acórdão: 2018-3-1
(Autos em recurso penal)
Assuntos:
– art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal
– conduta anterior do arguido

S U M Á R I O
Embora o crime de roubo não tenha a mesma natureza do crime de consumo ilícito de estupefacientes, sendo também diferentes os bens jurídicos tutelados num e noutro tipos incriminadores, é o próprio art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal que manda atender à “conduta anterior” do arguido para efeitos de ponderação da suspensão, ou não, da execução da pena de prisão, pelo que a prática, pelo ora recorrente, de um crime de roubo no passado não deixa de relevar em desfavor dele em sede da rogada suspensão da execução da pena de prisão do seu crime de consumo de estupefacientes desta vez.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 85/2018
(Autos de recurso em processo penal)
(Reclamação para conferência da decisão sumária do recurso)
Recorrente/reclamante: 1.o arguido A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 566 e seguintes dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR2-17-0153-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), que o condenou como autor material de um crime de consumo ilícito de estupefaciente, p. e p. pelo art.o 14.o da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, em dois meses de prisão, e de um crime de detenção indevida de utensílio, p. e p. pelo art.º 15.º da mesma Lei, também em dois meses de prisão, e, finalmente, em cúmulo jurídico dessas duas penas parcelares, na pena única de três meses de prisão efectiva, veio o 1.º arguido desse processo chamado A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando e pedindo, em suma, que devia ser ele absolvido do crime de detenção de utensílio (por, principalmente falando, o “utensílio” em questão apenas ser constituído por garrafas plásticas, tubos e papéis de estanho, para além de subsistir sempre a tese de concurso aparente entre o crime de consumo de estupefaciente e o de detenção indevida de utensílio) e devia ele merecer a suspensão da pena de prisão, atenta sobretudo a sua idade ainda jovem, nos termos do art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal (CP) (cfr. com mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 738 a 751 dos presentes autos correspondentes, com aditamento de fls. 754 a 755).
Ao recurso respondeu o Digno Delegado do Procurador no sentido de manutenção do julgado (cfr. a resposta de fls. 762 a 764 dos autos).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 784 a 785v), pronunciando-se no sentido de absolvição do crime de detenção de utensílio (por o utensílio em questão não ter carácter específico ou duradouro para consumo de estupefaciente), com manutenção do juízo de valor de aplicação da pena efectiva de prisão ao recorrente pela prática do crime de consumo de estupefacientes.
Por decisão sumária do ora relator (por entender serem de simples solução as questões postas no recurso, nomeadamente por ter havido já reitereada e constante jurisprudência deste TSI sobre a questão jurídica de verificação, ou não, do crime de detenção indevida de utensílio em face da conduta de detenção de objectos não especificadamente destinados ao consumo de estupefaciente – cfr. o art.o 621.o, n.o 2, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do Código de Processo Penal), exarada em 5 de Fevereiro de 2018 (a fls. 787 a 789), foi decidido, para além de outra coisa, manter a condenação do recorrente como autor material de um crime de consumo ilícito de estupefacientes, na pena, já aplicada no acórdão recorrido, de dois meses de prisão efectiva.
Veio agora o recorrente reclamar dessa decisão concreta para conferência, através do correspondente pedido (apresentado a fls. 806 a 813), nele rogando a suspensão da execução dessa pena de prisão, em sede do art.o 48.o, n.o 1, do CP.
A Digna Procuradora-Adjunta opinou (a fl. 815 a 815v) materialmente pela improcedência da reclamação.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
A decisão sumária do recurso (de fls. 787 a 789) tem o seguinte teor essencial:
– <<[…]
2. Do exame dos autos, sabe-se que:
– o acórdão ora recorrido se encontra proferido a fls. 566 a 581v, cujo teor (que inclui a respectiva fundamentação fáctica e jurídica) se dá por aqui inteiramente reproduzido;
– são duas garrafas plásticas com tubos plásticos inseridos, um conjunto de tubos plásticos para ingestão de bebida e um rolo de papel estanho em estanho (cfr. as fotografias constantes de fls. 35 a 37 anexas ao termo de busca e apreensão de fl. 34 a 34v aludido nos factos provados 5 e 6 descritos na fundamentação fáctica do acórdão recorrido) que estão em causa na incriminação do recorrente em sede do crime de detenção indevida de utensílio, garrafas, tubos e rolo de papel de estanho esses que são de uso comum na vida quotidiana das pessoas;
– o recorrente já não é delinquente primário, tendo ficado condenado penalmente em quatro processos, um dos quais já com decisão condenatória de um crime de roubo transitada em julgado.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
O recorrente começa por pretender a absolvição do crime de detenção indevida de utensílio. Procede este pedido, porquanto as duas garrafas plásticas com tubos plásticos nelas inseridos em causa, um conjunto de tubos para ingestão de bebida e um rolo de papel de estanho então apreendidos ao recorrente, sendo de uso comum na vida quotidiana, não podem ser considerados como utensílio especificadamente destinado ao consumo de droga, e como tal não podem suportar a condenação dele em sede do tipo legal de detenção indevida de utensílio.
Quanto à questão de suspensão da pena, é de decidir a descontento do recorrente, por ser inviável formar mais algum juízo de prognose favorável a ele em sede do art.o 48.o, n.o 1, do CP, pois ele já não é um deliquente primário, com condenação, já transitada em julgado, de um crime de roubo no passado, pelo que se crê que a simples censura dos factos e ameaça da execução da pena nesta vez já não conseguirão realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a nível da prevenção especial.
Portanto, procede parcialmente o recurso, sem mais abordagem por desnecessária ou prejudicada.
4. Dest’arte, julga-se parcialmente provido o recurso, absolvendo o 1.o arguido recorrente A do imputado crime de detenção indevida de utensílio, passando a condená-lo apenas como autor material de um crime de consumo ilícito de estupefacientes, na pena, já aplicada no acórdão recorrido, de dois meses de prisão efectiva.
Pagará o recorrente metade das custas do recurso, com uma UC de taxa de justiça devido ao seu decaimento parcial no recurso, e duas mil e oitocentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 5 de Fevereiro de 2018.
[…]>>.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Pois bem, o recorrente pretendeu e continua a pretender a suspensão da execução da sua pena de dois meses de prisão efectiva, já achada pelo Tribunal recorrido para o crime de consumo ilícito de estupefacientes por ele praticado nesta vez.
Entretanto, vistos os elementos processuais pertinentes já referidos no ponto 2 do texto da decisão sumária do recurso, há que manter, nos seus precisos termos, a decisão sumária do recurso na parte ora concretamente sob reclamação, por essa decisão (de não suspensão da execução da pena de prisão do crime de consumo de estupefacientes) estar conforme com tais elementos processuais e o direito aplicável aí aplicado, sendo de notar que embora o crime de roubo não tenha a mesma natureza do crime de consumo de estupefacientes, sendo também diferentes os bens jurídicos tutelados num e noutro tipos incriminadores, é o próprio art.o 48.o, n.o 1, do CP que manda atender à “conduta anterior” do arguido para efeitos de ponderação da suspensão, ou não, da execução da pena de prisão, pelo que a prática, pelo ora recorrente, de um crime de roubo no passado não deixa de relevar em desfavor dele em sede da rogada suspensão da execução da pena de prisão do seu crime de consumo de estupefacientes desta vez.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente a reclamação do recorrente.
Para além das custas e montantes referidos no ponto 4 do texto da decisão sumária, pagará ainda o recorrente as custas do presente processado da reclamação (com duas UC de taxa de justiça e trezentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso).
Macau, Primeiro de Março de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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