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Processo n.º 1107/2017 Data do acórdão: 2018-3-15
(Autos em recurso penal)
Assuntos:
– tráfico de estupefaciente
– tráfico de menor gravidade
– art.o 11.o, n.o 2, da Lei n.o 17/2009
– quantidade de referência de uso diário
S U M Á R I O
Na consideração do quíntuplo da quantidade de consumo diário da droga, para efeitos de aplicação, ou não, do tipo legal do art.o 11.o da Lei n.o 17/2009, é de observar unicamente o fixado no n.o 2 desse art.o 11.o, que manda atender especialmente ao critério de a droga encontrada na disponibilidade do agente não exceder “cinco vezes a quantidade constante do mapa da quantidade de referência de uso diário” anexo a esta Lei.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 1107/2017
(Autos de recurso penal)
  Recorrente: 1.o arguido A






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão final proferido a fls. 306 a 316 do Processo Comum Colectivo n.° CR3-17-0155-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o 1.o arguido A ficou condenado pela autoria material de um crime consumado de tráfico ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 8.o, n.o 1, da Lei n.o 17/2009 (na sua redacção anterior à dada pela Lei n.o 10/2016), na pena de sete anos e onze meses de prisão, e de um crime consumado de consumo ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 14.o da Lei n.o 17/2009, na pena de dois meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de oito anos de prisão, com declaração de perdimento dos objectos apreendidos.
Inconformado, veio esse arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), colocando concreta e materialmente as seguintes questões e pretensões como objecto do seu recurso (cfr. a respectiva motivação apresentada a fls. 325 a 337 dos presentes autos correspondentes):
– há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada como vício previsto no art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), porquanto toda a droga apreendida a ele se destinava ao seu consumo próprio e não houve nos autos prova concreta a apontar que ele andava a fornecer droga a outrem;
– e o mais importante, o Tribunal sentenciador não levou em consideração suficiente a quantidade apreendida ao próprio arguido, o hábito dele no consumo de droga e a quantidade concreta de consumo de droga dele (pois sendo ele um consumidor de droga desde há cerca de um ano, a quantidade de consumo dele era de 1 a 2 gramas em cada vez, e uma vez por semana);
– sendo certo que no caso dos autos, os elementos de prova existentes não dão para se dar por provado que a droga detida por ele seria para ser vendida ou fornecida a outrem;
– e mesmo que a quantidade total de droga detida por ele fosse superior a cinco vezes da quantidade diária de consumo, ainda não haveria certeza de que a quantidade de droga destinada à venda excedesse ou não o quíntuplo da quantidade diária de consumo, pelo que em prol do princípio de in dubio pro reo, por insuficiência da prova, deveria ser convolado o crime de tráfico ilícito de estupefacientes para o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.o 11.o, n.o 1, alínea 1), da Lei n.o 17/2009;
– e mesmo que assim não se entendesse, sempre entenderia ele que a pena achada no acórdão recorrido para o crime de tráfico ilícito de estupefacientes, é manifestamente excessiva;
– por fim, é ilegal a decisão de declaração de perdimento de uma mala de mão apreendida nos autos, contendo a mesma no seu interior RMB3.500,00, USD1.800,00, HKD38.100,00, MOP25.770,00 e EUR950,00, devido à falta de prova suficiente a apontar que esses numerários sejam destinados a transacção de droga ou sejam lucros da transacção de droga, estando, pois, violado o disposto no art.o 101.o, n.os 1 e 2, do Código Penal (CP), devendo ser restituídos ao próprio recorrente os ditos numerários nos termos do art.o 171.o, n.o 2, do CPP.
Ao recurso respondeu o Digno Delegado do Procurador junto do Tribunal recorrido no sentido de improcedência do recurso (cfr. a resposta de fls. 340 a 343v dos autos).
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 357 a 358v), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão ora recorrido encontra-se proferido a fls. 306 a 316 dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. Ante a matéria de facto dada por provada nesse acórdão, sabe-se, nomeadamente, o seguinte:
– em 25 de Agosto de 2016, o pessoal da Polícia Judiciária encontrou no corpo do arguido ora recorrente quatro saquinhos plásticos transparentes contendo pó no seu interior (substância contida essa que conforme o resultado do exame laboratorial ulteriormente feito é cocaína, com 0,903 grama líquido de quantidade no seu estado puro);
– e depois, na residência do recorrente, foram encontrados, dentro de bolsos de dois casacos pertencentes ao recorrente, um total de dezassete saquinhos plásticos transparentes contendo pó no seu interior (substância contida essa que conforme o resultado do exame laboratorial ulteriormente feito é cocaína, com 5,25 (2,41+2,84) gramas líquidos de quantidade no seu estado puro) (sendo, no caso, de 0,03 grama a quantidade de referência de uso diário), bem como foi encontrada uma mala de mão contendo no seu interior, inclusivamente, algumas dezenas de saquinhos plásticos transparentes, RMB3.500,00, USD1.800,00, HKD38.100,00, MOP25.770,00 e EUR950,00;
– o recorrente sabia claramente que os saquinhos plásticos transparentes com pó no seu interior continham cocaína, e sabia claramente a sua natureza e características, excedendo muito a quantidade líquida da cocaína por ele detida o quíntuplo da quantidade de referência de uso diário da mesma substância;
– o recorrente tem por hábito consumir a droga uma vez por semana, e a droga acima referida e por ele detida foi por ele comprada a um indivíduo de identidade desconhecida em Hong Kong, e levada por ele próprio para Macau, sendo a pequena parte dessa droga para o seu consumo próprio, e a grande parte da mesma para ser destinada à venda a outrem;
– os numerários acima referidos e apreendidos eram dinheiro destinado pelo recorrente às transacções de droga ou lucros resultantes das transacções de droga;
– o recorrente agiu livre, consciente e voluntariamente, sabendo que a sua conduta era ilegal e punível por lei.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Na sua motivação, o recorrente invocou impropriamente o vício nominado no art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do CPP, pois a argumentação tecida concretamente por ele para sindicar da legalidade da decisão condenatória do crime de tráfico ilícito de estupefacientes tem a ver com a alegada insuficiência ou até falta de prova, questão essa que é do foro do vício nominado na alínea c) do n.o 2 desse art.o 400.o: vício de erro notório na apreciação da prova.
Aborda-se, assim, se há erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal sentenciador:
Pois bem, vistos todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação probatória do acórdão recorrido, não se vislumbra que o resultado do julgamento da matéria de facto a que chegou o Tribunal sentenciador tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova ou quaisquer leges artis a observar na tarefa jurisdicional de julgamento de factos, pelo que não se pode sindicar a factualidade já julgada como provada pelo Tribunal recorrido.
Segundo essa factualidade provada: o recorrente deteve um total de 6,153 (0,903+2,41+2,84) gramas líquidos de cocaína no estado puro, previamente comprada em Hong Kong e levada para Macau, para ser consumida por ele próprio em pequena parte e ser vendida a outrem em grande parte.
Embora não se tenha especificado na factualidade provada em primeira instância qual a quantidade concreta ou precisa da dita “pequena parte” nem da dita “grande parte”, é de considerar, por se mostrar mais favorável à posição do recorrente, que a dita “grande parte” corresponde à quatidade imediatamente superior a 50% daquela quantidade total de 6,153 gramas.
E mesmo 50% desses gramas líquidos de cocaína no seu estado puro (6,153 gramas/2=3,0765 gramas) já excedem muito a quantidade de referência de uso diário de cocaína (que é de 0,03 grama no caso dos autos).
Portanto, não se pode convolar o crime de tráfico ilícito de estupefaciente para o crime de tráfico de menor gravidade, sendo certo que na aferição do quíntuplo da quantidade de referência de uso diário da droga em causa, só é de atender à quantidade de referência como tal fixada no Mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à Lei n.o 17/2009, pois é o n.o 2 do próprio art.o 11.o desta Lei que manda atender especialmente ao critério de a droga encontrada na disponibilidade do agente não exceder “cinco vezes a quantidade constante do mapa da quantidade de referência de uso diário” anexo a esta Lei.
Frisa-se que para efeitos de condenação no crime de tráfico ilícito de estupefacientes, não é necessário provar que o seu agente anda a vender ou fornecer a droga detida a outrem. Basta provar que o agente detém a droga com o fim de vender ou fornecer a outrem.
E agora da medida da pena do crime de tráfico ilícito de estupefacientes: vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal sentenciador, não se afigura que aos padrões da medida da pena dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, haja injustiça notória na aplicação de sete anos e onze meses de prisão ao crime de tráfico ilícito de estupefacientes do recorrente, pelo que não é de alterar essa pena concreta de prisão.
Por fim, quanto à declaração judicial de perdimento dos numérarios contidos na mala de mão apreendida nos autos, não assiste razão ao recorrente, uma vez que como já se concluiu acima que não houve erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal recorrido, fica mantida a factualidade como tal provada e descrita no acórdão recorrido, a qual dá para sustentar, sob a égide do art.o 101.o, n.o 1, do CP, a declaração, constante do dispositivo do aresto recorrido, de perdimento, inclusivamente, dos diversos numerários contidos na mala de mão em causa.
Naufraga, assim, o recurso, sem mais indagação, por ociosa ou prejudicada pela análise feita.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo o julgado recorrido.
Custas pelo recorrente, com quatro UC de taxa de justiça.
Macau, 15 de Março de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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