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Processo n.º 1127/2017 Data do acórdão: 2018-3-15
(Autos em recurso penal)
Assuntos:
– prazo legal de apresentação do cheque a pagamento
– art.o 1239.o do Código Comercial
– art.o 1240.o do Código Comercial
– art.o 214.o do Código Penal
S U M Á R I O
1. Ante os art.os 1239.o e 1240.o do Código Comercial, fica nítido que o prazo legal de oito dias para apresentação a pagamento de um cheque emitido e pagável em Macau começa a contar-se do dia indicado no próprio cheque como data da sua emissão, sem prejuízo da possibilidade de o cheque ser apresentado a pagamento antes do dia indicado como a data da emissão.
2. Assim sendo, o facto de um cheque emitido e pagável em Macau ter sido apresentado a pagamento no prazo legal, previsto no acima referido art.o 1240.o do Código Comercial, de oito dias contado da data indicada no próprio cheque como sendo data da sua emissão já satisfaz a exigência, plasmada na norma incriminadora do art.o 214.o do Código Penal, de o cheque ser “apresentado a pagamento nos termos e no prazo legalmente fixado”, mesmo que não se tenha apurado qual a data concreta em que o cheque tenha sido emitido, no caso de não ser emitido no dia indicado no próprio cheque como data de emissão.
3. Outrossim, ao abrigo e por aval do art.o 1239.o, n.o 2, do Código Comercial, o facto de um cheque emitido e pagável em Macau ter sido apresentado a pagamento antes do dia indicado no próprio cheque como a data da sua emissão também não pode deixar de satisfazer aquela mesma exigência do art.o 214.o do Código Penal de o cheque ser “apresentado a pagamento nos termos e no prazo legalmente fixado”.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 1127/2017
(Autos de recurso penal)
  Recorrente: A







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão final proferido a fls. 1510 a 1547 do Processo Comum Colectivo n.° CR2-17-0204-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material, na forma consumada, de um crime de burla em valor consideravelmente elevado (contra o ofendido B), p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do Código Penal (CP), na pena de cinco anos de prisão, de um outro crime de burla em valor consideravelmente elevado (contra o ofendido C), na pena de seis anos de prisão, de um outro crime de burla em valor consideravelmente elevado (contra o ofendido D), em quatro anos de prisão, de um outro crime de burla em valor consideravelmente elevado (contra o ofendido E), em três anos de prisão, de um outro crime de burla em valor consideravelmente elevado (contra o ofendido F) (mas com pena especialmente atenuada), em um ano e nove meses de prisão, de um outro crime de burla em valor consideravelmente elevado (contra o ofendido G), em três anos de prisão, de um outro crime de burla em valor consideravelmente elevado (contra o ofendido H), em três anos de prisão, de um crime de burla em valor elevado (contra o ofendido I), p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 3, do CP (mas com pena especialmente atenuada), em um ano de prisão, e de oito crimes de emissão de cheque sem provisão em valor consideravelmente elevado, p. e p. sobretudo pelo art.o 214.o, n.o 2, alínea a), do CP, na pena de um ano e seis meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico, finalmente na pena única de doze anos de prisão, para além de ser condenado no pagamento de indemnizações pecuniárias arbitradas oficiosamente a seis dos ofendidos acima referidos (em MOP7.000.000,00 ao ofendido C, em HKD970.000,00 e em MOP887.800,00 ao ofendido D, em MOP600.000,00 ao ofendido E, em MOP170.000,00 ao ofendido F, em HKD205.500,00 ao ofendido G e em MOP200.350,00 ao ofendido H), com juros legais contados desde a data desse acórdão até integral e efectivo pagamento (sem prejuízo do desconto, em sede de execução do julgado, com os montantes indemnizatórios pagos pelo arguido).
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), expondo e rogando o seguinte como objecto do seu recurso (cfr. em mais detalhes, a motivação de fls. 1561 a 1613 dos presentes autos correspondentes):
– na esteira do entendimento veiculado no acórdão do TSI, de 17 de Março de 2011, no Processo n.o 913/2010, é aplicável, in casu, a figura de crime continuado, pelo que violou o Tribunal recorrido o art.o 29.o, n.o 2, do CP, devendo as condutas de burla praticadas contra cada um dos oito ofendidos referidos no ponto 2 do dispositivo do acórdão recorrido ser punidas como integrando tantos crimes continuados de burla quantos esses ofendidos, sendo certo que no respeitante ao ofendido G, como os montantes burlados a este não foram, em cada acto de burla praticado contra o mesmo, superiores a 150 mil patacas, há que passar a condenar o próprio arguido pela autoria material de um crime continuado de burla em valor elevado (e não em valor consideravelmente elevado) contra esse ofendido, e o mesmo se deve dizer igualmente em relação aos actos de burla praticados contra o ofendido H e o ofendido F, sendo de frisar também que a respeito deste ofendido Pao, até houve erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal sentenciador ao julgar por provados os factos provados 134, 135 e 141;
– como há aplicação da figura de crime continuado, a medida da pena deve passar a ser feita de acordo com o art.o 73.o do CP, sendo de salientar que houve também erro notório na apreciação da prova no respeitante ao apuramento de quais os montantes concretos de dinheiro burlado aos ofendidos E, B, C e H (sendo, por outro lado, de aplicar ao arguido o disposto no art.o 221.o e 201.o, n.o 1, do CP em relação ao crime continuado praticado contra esse ofendido H);
– outrossim, a pena do crime de burla contra o ofendido C deve ser atenuada especialemente também, ao abrigo do art.o 66.o, n.os 1 e n.o 2, alínea c), do CP;
– entende o recorrente que se deve passar a condená-lo como autor material, na forma consumada, de:
– um crime continuado de burla em valor consideravelmente elevado (contra o ofendido E), p. e p. pelos art.os 211.o, n.o 4, alínea a), e 29.o, n.o 2, do CP, na pena de dois anos e seis meses de prisão;
– um crime continuado de burla em valor consideravelmente elevado (contra o ofendido B), p. e p. pelos art.os 211.o, n.o 4, alínea a), e 29.o, n.o 2, do CP, na pena de três anos de prisão;
– um crime continuado de burla em valor consideravelmente elevado (contra o ofendido C), p. e p. pelos art.os 211.o, n.o 4, alínea a), e 29.o, n.o 2, do CP, com atenuação especial da pena nos termos do art.o 66.º, n.os 1 e 2, alínea c), do CP com fundamento no sincero arrependimento, na pena de dois anos de prisão;
– um crime continuado de burla em valor consideravelmente elevado (contra o ofendido D), p. e p. pelos art.os 211.o, n.o 4, alínea a), e 29.o, n.o 2, do CP, na pena de dois anos e seis meses de prisão;
– um crime continuado de burla em valor elevado (contra o ofendido F), p. e p. pelos art.os 211.o, n.o 3, e 29.o, n.o 2, do CP, com atenuação especial da pena devido ao pagamento parcial da indemnização, na pena de um ano de prisão;
– um crime continuado de burla em valor elevado (contra o ofendido G), p. e p. pelos art.os 211.o, n.o 3, e 29.o, n.o 2, do CP, na pena de um ano e três meses de prisão;
– um crime continuado de burla em valor elevado (contra o ofendido H), p. e p. pelos art.os 211.o, n.o 3, e 29.o, n.o 2, do CP, com atenuação especial da pena devido ao pagamento integral da indemnização, na pena de um ano de prisão;
– um crime de burla em valor elevado (contra o ofendido I), p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 3, do CP, com atenuação especial da pena devido ao pagamento total da indemnização, na pena de um ano de prisão;
– e a respeito dos oito crimes de emissão de cheque sem provisão em valor consideravelmente elevado, estes devem ser considerados como já absorvidos pelos crimes de burla dos quais são meros meios, daí que deve ser o recorrente absolvido desses mesmos oito crimes de emissão de cheque sem provisão;
– assim sendo, e em cúmulo jurídico das penas acima pretendidas a ser feito em sede do art.o 71.o do CP, dentro da moldura penal única de três a catorze anos e três meses de prisão, deve ser o recorrente punido com pena única de prisão não superior a seis anos e seis meses;
– e se se entendesse que não estariam absorvidos os crimes de cheque sem provisão pelos de burla, os dois crimes de cheque de que é ofendido E também deveriam ser absolvidos, porquanto tendo o recorrente entregue em 30 de Outubro de 2015 a esse ofendido dois cheques em questão, esse ofendido os deveria ter apresentado a pagamento no prazo legal de oito dias contado da dita data da entrega dos cheques, ou seja, apresentado a pagamento até 7 de Novembro de 2015, e não nos dias 30 de Novembro de 2015 e 30 de Dezembro de 2015 (como os dois cheques foram datados);
– e sobre os três crimes de cheque de que é ofendido B, como ficou provado que em data não apurada o recorrente emitiu três cheques, todos datados de 2 de Julho de 2016, a favor desse ofendido, isto implica que não se sabe ao certo qual a data concreta da emissão dos mesmos cheques, e como tal, nem se pode saber ao certo qual a data limite para a apresentação dos mesmos cheques a pagamento, pelo que por força do princípio de in dubio pro reo, deveriam ser absolvidos esses três crimes de cheque, por vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e fosse como fosse, nunca teria o recorrente agido com dolo na emissão desses três cheques sem provisão (porque, inversamente, ele foi coagido a emitir esses cheques);
– as penas de um ano e seis meses de prisão aplicadas no acórdão recorrido aos restantes três crimes de emissão de cheque sem provisão de que é ofendido D seriam manifestamente excessivas, ao arrepio dos critérios da medida da pena do art.o 65.o, n.os 1 e 2, do CP, penas essas que deveriam passar a ser apenas de um ano de prisão por cada;
– assim sendo, se se levasse em conta essas três penas de um ano de prisão, então a pena única final, dentro da moldura de três a dezassete anos e três meses de prisão, deveria ser inferior a sete anos e seis meses de prisão;
– e, por fim, sobre os montantes indemnizatórios arbitrados oficiosamente no acórdão recorrido:
– quanto ao ofendido C a favor do qual foi arbitrada oficiosamente a indemnização de MOP7.000.000,00, antes de o recorrente estar preso preventivamente, o montante total de dívida para com esse ofendido não excedeu MOP3.769.624,00, e depois de ficar preso preventivamente até antes da data da audiência de julgamento, o recorrente já pagou a esse ofendido MOP245.000,00, tudo conforme com a documentação já junta aos autos;
– quanto ao ofendido F a favor do qual foi arbitrada oficiosamente a indemnização de MOP170.000,00, o montante total de dívida para com esse ofendido foi cerca de MOP187.000,00, e com o acordo entre o recorrente e esse ofendido, foi convencionado o montante de MOP200.000,00 como montante total indemnizatório, e como o recorrente já lhe pagou MOP88.000,00, só ficava em dívida o montante de MOP112.000,00, tudo conforme a documentação já junta aos autos, tendo esse ofendido reconhecido na audiência de julgamento que a dívida era só de MOP112.000,00;
– quanto ao ofendido G a favor do qual foi arbitrada oficiosamente a indemnização de HKD205.500,00, antes de o recorrente estar preso preventivamente, o montante total de dívida para com esse ofendido não excedeu HKD205.500,00, e depois de ficar preso preventivamente até antes da data da audiência de julgamento, o recorrente já pagou a esse ofendido HKD31.000,00, tudo conforme com a documentação já junta aos autos;
– quanto ao ofendido H a favor do qual foi arbitrada oficiosamente a indemnização de MOP200.350,00, antes de estar preso preventivamente, o recorrente já não deveu qualquer montante a esse ofendido;
– daí que houve erro notório na apreciação da prova aquando da fixação dos montantes de indemnização acima referidos, não devendo o recorrente ser condenado a pagar qualquer montante ao ofendido H, e devendo os montantes indeminzatórios a pagar aos ofendidos C, F e G passar a ser de MOP3.524.624,00, MOP112.000,00 e HKD174.500,00, respectivamente.
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido (a fls. 1637 a 1642) no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 1653 a 1655v), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar, e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão ora recorrido encontra-se proferido a fls. 1510 a 1547 dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. O Tribunal sentenciador deu inclusivamente por provado o seguinte:
– (como facto provado 25:) em 30 de Outubro de 2015, o arguido (ora recorrente) emitiu a favor do ofendido E uma livrança no valor de HKD950.000,00, para garantia da dívida (cfr. o teor de fl. 334 dos autos);
– (segundo o facto provado 26:) no mesmo dia, o arguido emitiu a favor do ofendido E um cheque, datado de 30 de Novembro de 2015, no valor de HKD950.000,00, e um cheque, datado de 30 de Dezembro de 2015, no valor de HKD301.350,00 (já apreendidos nos autos, e cfr. o teor de fls. 404 e 405), para garantia da dívida);
– (segundo o facto provado 27:) ao emtir esses cheques, o arguido sabia claramente que na conta bancária respectiva não existia dinheiro depositado suficiente para pagamento dos mesmos;
– (segundo os factos provados 28 e 29:) em 30 de Novembro de 2015 e 30 de Dezembro de 2015, o ofendido E apresentou os dois cheques referidos a pagamento, tendo os mesmos devolvidos por banco com fundamento na insuficiência de dinheiro depositado (cfr. o teor de fls. 404 a 405);
– (segundo facto provado 64:) em data não apurada, quando o ofendido B perguntou ao arguido sobre a situação de entrega de mercadorias, o arguido emitiu a favor desse ofendido três cheques, datados de 2 de Julho de 2016, no valor de MOP200.000,00 (cfr. o teor de fl. 698 dos autos), de MOP600.000,00 (cfr. o teor de fl. 699) e de HKD215.000,00 (cfr. o teor de fl. 700 dos autos), respectivamente;
– (segundo o facto provado 65:) ao emtir esses cheques, o arguido sabia claramente que nas contas bancárias respectivas não existia dinheiro depositado suficiente para pagamento dos mesmos;
– (segundo os factos provados 66 e 67:) em 7 de Junho de 2016, o ofendido entregou os três cheques referidos a outro indivíduo de apelido Leong, o qual, em 8 de Junho de 2016, os apresentou a pagamento no banco, tendo os mesmo sido devolvidos por insuficiência de dinheiro depositado.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Na sua motivação do recurso, o arguido começou por invocar o art.o 29.o, n.o 2, do CP para sua defesa, mas, para aos olhos do presente Tribunal ad quem, em vão.
Em diversos acórdãos de recurso penal do TSI (de entre os quais se conta o acórdão, referido na motivação do recurso em causa, de 17 de Março de 2011 do Processo n.o 913/2010), já foram citados, como pertinentes, para efeitos do entendimento do sentido e alcance próprios da figura de crime continuado plasmada no art.o 29.o, n.o 2, do CP, os preciosos ensinamentos doutrinários do PROFESSOR EDUARDO CORREIA in DIREITO CRIMINAL, Volume II, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, reimpressão, páginas 208 e seguintes.
Sucede que a factualidade provada no acórdão ora recorrido não é subsumível a qualquer um dos “exemplos da escola” referidos na página 210 do Volume II da Obra citada. Na verdade, não se descortina, na factualidade provada em primeira instância, qualquer “situação exterior que diminua consideravelmente a culpa” do recorrente no cometimento dos crimes de burla em questão, como já foi entendido pelo Tribunal autor do aresto ora recorrido.
Assim sendo, naufraga toda a pretensão de condenação do recorrente em sede de crime continuado.
Por outra banda, entendeu o recorrente que houve erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal sentenciador, mormente na matéria descrita como provada nos factos provados 134, 135 e 141 (a respeito do ofendido F), e também no respeitante à verificação de quais os montantes concretos de dinheiro burlado aos ofendidos E, B, C, H e G.
Entretanto, vistos todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação probatória do acórdão recorrido, não se vislumbra que o resultado do julgamento da matéria de facto a que chegou o Tribunal sentenciador tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova ou quaisquer leges artis a observar na tarefa jurisdicional de julgamento de factos, pelo que não se pode sindicar a factualidade já julgada como provada pelo Tribunal recorrido.
E sendo de respeitar assim essa factualidade provada, há que improceder, sem mais, não só a tese de aplicação, em relação ao crime de burla cometido contra o ofendido H, do disposto nos art.os 221.o e 201.o, n.o 1, do CP, como também a tese de atenuação especial da pena (ao abrigo do art.o 66.o, n.os 1 e 2, alínea c), do CP) correspondente à conduta de burla contra o ofendido C.
Sobre o pedido do arguido, com alegado fundamento na absorção pelos crimes de burla, de não punição dos seus oito crimes de emissão de cheque sem provisão por que vinha condenado no acórdão recorrido, a resposta fica a descontento dele, porque tutelando os tipos-de-ilícitos de burla e de emissão de cheque sem provisão bens jurídicos distintos, há concurso real efectivo entre estes dois tipos legais de crime.
Pediu o recorrente, subsidiariamente, que fosse absolvido dos crimes de emissão de cheque sem provisão de que foram ofendidos E e B.
A propósito, e desde já, sobre a problemática do prazo de apresentação dos cheques a pagamento de que foram ofendidos E e B:
O art.o 1239.o do Código Comercial dispõe que:
“1. O cheque é pagável à vista. Considera-se como não escrita qualquer menção em contrário.
2. O cheque apresentado a pagamento antes do dia indicado como a data da emissão é pagável no dia da apresentação.”
E o art.o 1240.o do mesmo Código prescreve que:
“1. O cheque emitido e pagável em Macau deve ser apresentado a pagamento no prazo de oito dias.
2. […]
3. Os prazos acima indicados começam a contar-se do dia indicado no cheque como data da emissão”.
Ante estes dois artigos, fica nítido que o prazo legal de oito dias para apresentação a pagamento (de um cheque emitido e pagável em Macau) começa a contar-se do dia indicado no próprio cheque como data da sua emissão, sem prejuízo da possibilidade de o cheque ser apresentado a pagamento antes do dia indicado como a data da emissão.
Por outro lado, reza o art.o 214.o do CP (incriminador da conduta de emissão de cheque sem provisão) que “Quem emitir um cheque que, apresentado a pagamento nos termos e no prazo legalmente fixados, não for integralmente pago por falta de provisão é punido com pena de …”.
Assim sendo, o facto de um cheque (emitido e pagável em Macau) ter sido apresentado a pagamento no prazo legal, previsto no acima referido art.o 1240.o do Código Comercial, de oito dias contado da data indicada no próprio cheque como sendo data da sua emissão já satisfaz tal exigência, plasmada na norma incriminadora do art.o 214.o do CP, de o cheque ser “apresentado a pagamento nos termos e no prazo legalmente fixado”, mesmo que não se tenha apurado qual a data concreta em que o cheque tenha sido emitido, no caso de não ser emitido no dia indicado no próprio cheque como data de emissão.
Outrossim, ao abrigo e por aval do art.o 1239.o, n.o 2, do Código Comercial, o facto de um cheque (emitido e pagável em Macau) ter sido apresentado a pagamento antes do dia indicado no próprio cheque como a data da sua emissão também não pode deixar de satisfazer aquela mesma exigência do art.o 214.o do CP de o cheque ser “apresentado a pagamento nos termos e no prazo legalmente fixado”.
Daí que fica irremediavelmente comprometida toda a posição exposta pelo recorrente na sua motivação acerca não só da alegada inobservância do prazo legal de apresentação a pagamento dos dois cheques então por ele emitidos a favor do ofendido E, como também da alegada tese de absolvição, por in dubio pro reo ou ainda por entendido vício, também impropriamente invocado na motivação, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, dos três crimes de emissão de cheque sem provisão de que foi ofendido B. E da matéria de facto já julgada como provada pelo Tribunal recorrido sem erro notório na apreciação da prova (como já se analisou acima), resulta já fundada a verificação do dolo do recorrente na prática dos três crimes de emissão de cheque sem provisão de que foi ofendido B (sendo de notar que esse Tribunal explicou na fundamentação probatória do acórdão recorrido, concretamente no 2.o parágrafo da página 67 do respectivo texto a fl. 1543 dos autos, que por falta de prova era demasiado fraca a tese de o arguido ter sido coagido para emitir os cheques).
O recorrente insurgiu-se também contra a medida da pena dos seus restantes três crimes de emissão de cheque sem provisão de que foi ofendido D.
Pois bem, vistas todas as circunstâncias já apuradas em primeira instância, com pertinência à medida da pena aos critérios mormente vertidos nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1, do CP, não se afigura que haja qualquer injustiça notória na determimação concreta das penas desses três crimes. Aliás, todas as outras penas parcelares e a pena única de prisão como tal já achadas no acórdão recorrido também não se mostram injustas mesmo à luz do art.o 71.o, n.os 1 e 2, do CP.
Por fim, no respeitante ao pedido de alteração dos montantes indemnizatórios dos ofendidos C, F, G e H (já inclusivamente arbitrados oficiosamente no acórdão recorrido), como já se decidiu acima que não houve erro notório na apreciação da prova, sendo até favorável ao arguido, tal como já concluiu o Digno Procurador-Adjunto no seu douto parecer emitido, o critério usado pelo Tribunal recorrido na verificação das quantias indemnizatórias, qual seja, o de considerar apenas os montantes burlados como tal reconhecidos pelo próprio arguido na audiência de julgamento, com desconsideração, pois, de toda a parte excedente alegada pelos respectivos ofendidos (cfr. o penúltimo parágrafo da página 66 do texto do acórdão recorrido, a fl. 1542v dos autos), não pode proceder o pedido de correcção dos ditos montantes indemnizatórios.
No fundo, o que o Tribunal recorrido considerou, aquando do apuramento de quais os prejuízos pecuniários causados pelo arguido aos ofendidos, foram os prejuízos alegados pelos ofendidos mas concretamente reduzidos aos montantes reconhecidos como tal pelo arguido, daí que se utilizou a expressão “pelo menos” na descrição da matéria de facto tida por provada no acórdão recorrido. E a partir desses montantes reconhecidos pelo arguido na audiência, o Tribunal recorrido arbitrou a respectiva indemnização, mas ao mesmo tempo não afastou a possibilidade de, em sede de execução de sentença, desconto desses montantes arbitrados com os montantes eventualmente pagos pelo arguido para efeitos de reparação de danos, daí que fez o mesmo Tribunal a seguinte ressalva: “sem prejuízo do desconto, em sede de execução do julgado, com os montantes indemnizatórios pagos pelo arguido”.
Improcede, pois, o recurso, sem mais abordagem, por desnecessária ou prejudicada pela análise acima feita das coisas.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Pagará o arguido as custas do recurso, com doze UC de taxa de justiça na parte penal.
Comunique aos oito ofendidos identificados no dispositivo do acórdão recorrido.
Macau, 15 de Março de 2018.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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