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Processo nº 50/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em 15.06.2011, proferiu o Colectivo do T.J.B. o seguinte Acórdão:

“1. RELATÓRIO
Arguido: B, masculino, nascido em XX/XX/19XX na Província de Hubei, China, filho de A e de C, solteiro, electricista, portador do BIRM nº 73XXXXX(X), residente na Rua da ...... nº ..., edf. ......, ...º andar ..., Macau, tel. 66XXXXXX.
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Factos e crime acusados:
   O MP acusa o arguido pelos factos seguintes:
   Em Março de 2007, o ofendido D contratou o arguido B para trabalhar nas obras de construção do terreno da companhia de Construção E, sita na Rua de ...... da Taipa.
   Por volta das zero horas do dia 14/04/2007, o arguido dirigiu-se à entrada do terreno e entrou no interior através de um buraco por baixo do portão do aludido terreno, chegado à porta do armazém desse terreno, ele usou a chave que tinha colocado por cima da porta do armazém para abrir a tal porta, em seguida, colocou 15 rolos de cabo eléctrico de 2.5mm numa carinha de mão e transportou-os até perto do portão de entrada do terreno, a fim de, chegada a hora de expediente, levá-los embora através de camião e vendê-los. O arguido saiu escalando do mesmo buraco do portão do terreno, este acto do arguido foi visto pelo guarda de segurança do terreno chamado F, o qual participou o caso à polícia.
   Os 15 rolos de cabo eléctrico pertencem ao ofendido, cada rolo custou no valor de oitocentas e oitenta e cinco HK dólares, sendo o valor total, treze mil duzentas e setenta e cinco HK dólares (HKD$13, 275.00).
   Feito a avaliação, os 15 rolos de cabo eléctrico podiam revender para reciclagem pelo preço de seis mil setecentas e cinquenta patacas (MOP$6750.00) (vide auto de avaliação de fls. 51 dos autos).
   O arguido B praticou, livre, consciente, voluntariamente e com dolo, a conduta supracitada, com intenção de apropriar para si bens móveis pertencentes a terceiro, ele introduziu ilegitimamente no terreno do ofendido, usando uma chave para abrir o armazém, a fim de apoderar os bens móveis que bem sabia que pertenciam ao ofendido e obter vantagem ilegítima.
   O arguido sabia perfeitamente que a sua conduta é proibida e punida por lei.
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Com base no exposto, o MP acusa:
O arguido B pela prática, em autoria material e na forma consumada de 1 crime de furto qualificado p.p.p. artº 198º, nº 2, em conjugação com o artº 196º, al. f), nº 2 do CP.
Contestação: o arguido não apresentou contestação.
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Audiência de julgamento: o arguido desapareceu durante o procedimento do presente processo. O Tribunal, nos termos legais, notificou o arguido por edital para ele comparecer na audiência.
Mantém-se inalterados os pressupostos processuais. O julgamento procedeu-se com observância do devido formalismo e na ausência do arguido.
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2. Factos
Factos provados:
   Em Março de 2007, o ofendido D contratou o arguido B para trabalhar nas obras de construção do terreno da companhia de Construção E sita na Rua de ...... da Taipa.
   Por volta das zero horas do dia 14/04/2007, o arguido dirigiu-se à entrada do terreno e entrou no interior através de um buraco por baixo do portão do aludido terreno, chegado à porta do armazém desse terreno, ele usou a chave que tinha colocado por cima da porta do armazém para abrir a tal porta, em seguida, colocou 15 rolos de cabo eléctrico de 2.5mm numa carinha de mão e transportou-os até perto do portão de entrada do terreno, a fim de, chegada a hora de expediente, levá-los embora através de camião e vendê-los. O arguido saiu escalando do mesmo buraco do portão do terreno, este acto do arguido foi visto pelo guarda de segurança do terreno chamado F, o qual participou o caso à polícia.
   Os 15 rolos de cabo eléctrico pertencem ao ofendido, cada rolo custou no valor de oitocentas e oitenta e cinco HK dólares, sendo o valor total, treze mil duzentas e setenta e cinco HK dólares (HKD$13, 275.00).
   Feito a avaliação, os 15 rolos de cabo eléctrico podiam revender para reciclagem pelo preço de seis mil setecentas e cinquenta patacas (MOP$6750.00) (vide auto de avaliação de fls. 51 dos autos).
   O arguido B praticou, livre, consciente, voluntariamente e com dolo, a conduta supracitada, com intenção de apropriar para si bens móveis pertencentes a terceiro, ele introduziu ilegitimamente no terreno do ofendido, usando uma chave para abrir o armazém, a fim de apoderar os bens móveis que bem sabia que pertenciam ao ofendido e obter vantagem ilegítima.
   O arguido sabia perfeitamente que a sua conduta é proibida e punida por lei.
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Mais se provou:
Conforme o CRC do arguido, ele não é primário:
Nos anos de 1992 e 1993, o arguido foi condenado, várias vezes, por crimes de furto qualificado e outros crimes (sumário nº 223/92-2º, sumário nº 384/93-3º, Correccional 443/93-1º, sumário nº 497/93-2º e Correccional nº 652/93-3º).
O arguido no processo querela nº 327/96-1º, foi condenado a prática de 2 crimes de furto qualificado, feito o cúmulo, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão; em 07/07/1998, no processo querela 138/98/-5º, foi condenado a prática de 1 crime de furto qualificado, na pena de 3 anos de prisão. Em concurso de crimes dos dois processos, o arguido foi condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva.
O arguido cumpriu a pena de prisão, no dia 24/05/2002, o Tribunal de Instrução Criminal do TJB deferiu o seu pedido de liberdade condicional, a pena terminou em 29/08/2009.
O arguido no processo querela nº PQR-066-02-5º, foi condenado a prática de 1 crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa a sua execução pelo período de 3 anos. Durante a suspensão, o arguido tornou a cometer crime.
No processo CR1-07-0147-PCC, o arguido foi acusado da prática de 2 crimes de roubo, respectivamente nos dias 12/08/2005 e 24/10/2005, o qual foi condenado a cada um dos crimes, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, em cúmulo, na pena única de 1 ano e 9 meses de prisão; o arguido inconformado interpôs recurso ao TSI, tendo proferido acórdão no dia 18/11/2010, manteve a decisão da primeira Instância, o acórdão do TSI foi transitado em julgado no dia 02/12/2010, o arguido ainda não cumpriu a totalidade da pena deste processo.
Desconhece a situação pessoal e formação do arguido.
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O pessoal da PSP encontrou os objectos furtados pelo arguido que já foram devolvidos ao ofendido.
O ofendido declara que não deseja procedimento de responsabilidade de indemnização civil contra o arguido.
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Factos não provados:
Não há factos relevantes no acórdão por provar.
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Juízo de facto:
Desconhece o paradeiro do arguido.
O ofendido compareceu na audiência de julgamento, descreveu objectivamente a ocorrência do furto praticado pelo arguido.
O Pessoal da PSP prestou declarações na audiência de julgamento, descreveu claramente a ocorrência do facto.
Feito a análise objectiva das declarações prestadas pelas testemunhas na audiência de julgamento, em conjugação com as provas documentais, os apreendidos e demais provas produzidas em audiência, o Tribunal reconheceu os factos supracitados.

3. Qualificação e medida da pena
Qualificação:
   Dos factos provados, o arguido B praticou, livre, consciente, voluntariamente e com dolo, a conduta supracitada, com intenção de apropriar para si bens móveis pertencentes a terceiro, ele introduziu ilegitimamente no terreno do ofendido, usando uma chave para abrir o armazém, a fim de apoderar os bens móveis que bem sabia que pertenciam ao ofendido e obter vantagem ilegítima.
   O arguido na altura não tinha permissão de usar a chave em causa para entrar no armazém, assim sendo, é punido nos termos do artº 196º, al. f), nº2 do CP, de uso de chave falsa.
   O arguido já tinha transportado os objectos para fora do armazém, bem como já se encontravam no âmbito da sua posse e controlo, nestes termos, a conduta do arguido constitui crime consumado.
   Com base no exposto, o arguido, em autoria material e na forma consumada cometeu 1 crime de furto qualificado p.p.p. artº 198º, nº 2, em conjugação com o artº 196º, al. f), nº 2 do CP, pode ser condenado entre 2 a 10 anos de prisão.
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Medida da pena:
As finalidades da punição visam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
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A determinação da pena nos termos dos artºs 40º e 65º dp CP.
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, além disso tem de considerar o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este e demais circunstâncias,
No presente processo, o grau de ilicitude da conduta é alto, a intensidade do dolo é acentuada, trata-se de dolo directo, ao mesmo tempo, tendo em conta que a conduta criminosa do arguido causou influências negativas à paz social e aos bens do ofendido, assim como, ponderadas as demais circunstâncias na determinação da pena, entende o presente Tribunal ser adequada condenar ao arguido pela prática de 1 crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
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Nos termos do artigo 48.° do CP, tendo em conta a personalidade do arguido, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, conclui-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
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Concurso de crimes do presente processo com os outros processos:
O arguido foi condenado em vários processos, apenas o proc. CR1-07-0147-PCC preenche as exigências do cúmulo das penas previstas no artº 72º, nº 1 do CP.
Nos termos do artº 72º, nº 1 do CP, se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se provar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, isto é: “o previsto e punido no artº 71º do CP”
Dos factos provados, o arguido deste processo cometeu o crime antes do trânsito em julgado do processo CR107-0147-PCC, bem como, a pena ainda não foi totalmente cumprida, assim sendo, é feito o cúmulo das penas dos dois processos, condenando numa pena única.
Nos termos do artº 71º, nº 2 do CP, ao cúmulo das penas, é condenado numa única pena, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Em concurso de crimes e cúmulo das penas dos dois processos, a moldura penal é entre 2 anos e 6 meses a 5 anos de prisão.
Feito a análise global das circunstâncias no cometimento do crime e da personalidade do arguido, nos termos do artº 71º do CP, condena o arguido na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão.
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Indemnização:
Nos termos do artº 477º do CC,
Aquele que violar ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado.
Nos termos do artº 74º CPP, não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal respectivo ou em acção cível separada, nos termos dos artigos 60.º e 61.º, o juiz arbitra na sentença, ainda que absolutória, uma quantia como reparação pelos danos causados, quando: a) Ela se imponha para uma protecção razoável dos interesses do lesado; b) O lesado a ela se não oponha; e c) Do julgamento resulte prova suficiente dos pressupostos e do quantitativo da reparação a arbitrar, segundo os critérios da lei civil.
No presente processo, o ofendido desistiu do pedido de indemnização Civil, assim sendo, o Tribunal não vai arbitrar na sentença.
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4. Decisão
Nos termos expostos, o Tribunal Colectivo julga provados os factos acusados, por provados condena:
O arguido B pela prática, em autoria material e na forma consumada de 1 crime de furto qualificado p.p.p. artº 198º, nº 2, em conjugação com o artº 196º, al. f), nº 2 do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva.
Em concurso de crimes do presente processo com o proc. CR1-07-0147-PCC, feito o cúmulo das 3 penas, condena o arguido, na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão efectiva.
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Condena o arguido no pagamento de 4 UC de taxa de justiça e em custas do processo.
Honorários do defensor no montante de mil e quinhentas patacas (MOP$1,500.00) a suportar pelo arguido. Dado que o arguido não compareceu na audiência de julgamento, os honorários são adiantados pelo GPTUI.
Mais necessita de pagar o arguido, quinhentas patacas (MOP$500,00) para protecção às vítimas de crimes violentos, nos termos do art.º 24.º, n.º 2 da Lei n.6/98/M, publicada em 17 de Agosto de 1998.
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Após transitado em julgado a sentença, ficam extintas as medidas aplicadas ao arguido (nos termos do artº 198º, nº 1, al. d) do CPP)
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Nos termos do artº 101º, nº 1 do CP, são declarados perdidos a favor da RAEM, os objectos utilizados à prática do crime.
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Notifique.
Boletim do registo criminal à DSIM
Notifique o acórdão aos intervenientes, inconformado com o presente acórdão, pode interpor recurso no prazo de 10 dias ao TSI.
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Notifique o arguido nos termos do artº 317º, nº 2 do CPP.
Após transitado em julgado o presente processo, comunique o processo CR1-07-0147-PCC.
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Macau, aos 15/06/2011
Os juízes
(…)”; (cfr., fls. 237 a 241 e tradução a fls. 429 a 440 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Apreciando do recurso do assim decidido, em 06.10.2017 proferiu este T.S.I. aresto declarando o supra transcrito Acórdão do T.J.B. nulo por “falta de fundamentação”; (cfr., fls. 349 a 354).

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Devolvidos os autos ao T.J.B., proferiu o Colectivo de Juízes e seguinte Acórdão:

“Em cumprimento do decidido pelo Tribunal de Segunda Instância, foi acrescentado conteúdo complementar no Juízo de facto, (nas fls. 238 verso, contado de ordem inversa da linha 6 a 1) o Juízo de facto inicial substituiu-se pelo seguinte:
Juízo de facto:
Desconhece o paradeiro do arguido.
O ofendido compareceu na audiência de julgamento, descreveu objectivamente a ocorrência do furto praticado pelo arguido.
O Pessoal da PSP prestou declarações na audiência de julgamento, descreveu claramente a ocorrência do facto.
Nas fls. 15 dos autos demonstra o local do incidente:
- Na figura do meio do lado direito de fls. 15 dos autos demonstra que a porta do armazém estava trancada, apenas permite abrir com chave ou destruição da fechadura ou arrombamento.
- Na figura do meio do lado esquerdo de fls. 15 dos autos: existe um buraco na vedação do terreno que pode introduzir rastejando ou por escalamento;
   Nas altas horas da noite, o armazém estava completamente fechado e trancado, no processo não existe contra prova a indicar que nas altas horas da noite o armazém continua destrancado.
   No processo não consta provas a indicar que a fechadura do armazém foi forçada ou o portão foi forçado.
Não existe provas de que alguém utilizou chave não correspondente ou outro instrumento para abrir a porta do armazém.
Feito a conclusão das declarações do guarda da PSP e dos elementos constantes nos autos: o queixoso é guarda de segurança do terreno chamado F, este, logo no local, denunciou que o arguido escalou para dentro do terreno; o polícia, em flagrante, interceptou o arguido e completou o procedimento de constituição de arguido.
Conforme as provas constantes nos autos e de acordo com as regras de experiências, não foi encontrado outra forma possível de o arguido entrar no terreno e no armazém, assim sendo, o facto acusado ao arguido foi provado.
Feito a análise sintética e objectiva das declarações prestadas pelas testemunhas, em conjugação com as provas documentais, dos apreendidos e demais provas produzidas em audiência, o Tribunal reconheceu os factos supracitados.
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Notifique.
Macau, aos 20/11/2017
Os juízos
(…)”; (cfr., fls. 386 a 386-v e tradução a fls. 441 a 442).

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Após prolação, da nova decisão pelo T.J.B., (cfr., fls. 386 e 386-v), traz o arguido o presente recurso, onde, em conclusões, diz o que segue:

“A - DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO ou INSUFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO
I - Na nova fundamentação da matéria de facto dada como provada o tribunal “a quo” limitou-se a acrescentar o seguinte:
“治安警員在審判聽證中作出聲明,清晰陳述了調查案件的經過。
卷宗第15頁顯示了現場環境︰
— 第15頁右中圖片顯示倉庫門鎖上之,只能用鎖匙或破門或破所而入;
— 第15頁左中圖和有一圖顯示︰地盤圍欄有空隙,可以鑽入或攀爬進入。
在深夜時分,地盤倉庫完全關閉及上鎖,卷宗無反證顯示該倉庫門在深夜時分仍然沒有上鎖。
卷宗無證據顯示倉庫門鎖被撬開或鐵門被撬開。
無證據顯示倉庫門被他人使用了不匹配的鎖匙或其他工具開啟。
綜合治安警員的聲明及卷宗資料︰報案人為地盤保安員F,F即場向治安警員指證嫌犯攀爬進入地盤;警員當場截查嫌犯並完成將之設立成為嫌犯之程序。
根據本案所得之證據,依照經驗法則,未發現嫌犯以其他形式進入地盤及倉庫的可能性,因此,嫌犯被控告的事實得以證明屬實。”
II - O que, na verdade, não acrescenta nada à fundamentação, pois enumerar fotografias existentes nos autos, sem se dizer para prova de que factos contribuíram, dizer que o queixoso (que nunca foi ouvido em audiência) era o guarda do local da obra e que comunicou ao agente policial que o arguido rastejando entrou no local da obra e que o agente deteve o arguido e completou o procedimento de constituição de arguido, não se pode considerar como fundamentação no sentido em que o artigo 355° n° 2 do CPP a define.
III - Não se entende a utilidade para a prova da matéria de facto das seguintes afirmações constantes da fundamentação:
“在深夜時分,地盤倉庫完全關閉及上鎖,卷宗無反證顯示該倉庫門在深夜時分仍然沒有上鎖。
卷宗無證據顯示倉庫門鎖被撬開或鐵門被撬開。
無證據顯示倉庫門被他人使用了不匹配的鎖匙或其他工具開啟。”
IV - Deduzir na fundamentação que o armazém estava fechado porque no processo não existe prova de que o não estivesse, ou dizer que no processo não existe prova de que a porta tivesse sido arrombada ou ainda de que no processo não existe prova de que a porta foi aberta por chave diferente da verdadeira ou por outro instrumento, não constitui qualquer raciocínio lógico-dedutivo que sirva para fundamentar os factos dados como provados.
V - Não explicitou, pois, o Tribunal “a quo” qual a relevância que tiveram cada um desses elementos (ou documentos) na formação da sua convicção e para prova de que factos serviram.
VI - Continua o acórdão a não conter uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, nem o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, violando assim o disposto no artigo 355° n° 2 do CPP.
VII - Ora, o dever de fundamentar as decisões encontra-se consagrado no artigo 87° n° 4 do CPP, sendo que os requisitos de fundamentação da sentença, que constitui o acto decisório por excelência, estão contidos no artigo 355° n° 2 do CPP, o qual dispõe que: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa (breve, resumida, mas precisa), dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
VIII - Donde decorre que a fundamentação da sentença penal é composta por dois segmentos:
A) - Enumeração dos factos provados e não provados;
B) - Uma exposição completa, mesmo que concisa (ou seja, mesmo que breve, resumida, mas precisa, de forma a perceber-se ao que se refere) dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
IX - Como refere o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18.1.2011, Processo 1670/07.4TAFUN-A-L1-5, disponível em http://www.dgsi.pt que acrescenta ainda “A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa mas tem que ser concisa, contendo a enunciação das provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal … bem como a análise critica de tais provas. Esta análise critica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada.”
X - E acrescenta ainda o referido acórdão que “A fundamentação deve revelar as razões da bondade da decisão, permitindo que ela se imponha, dentro e fora do processo, sendo uma exigência da sua total transparência já que através dela se faculta aos respectivos destinatários e à comunidade, a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador. Mas é ainda através da fundamentação da sentença que é viabilizado o controlo da actividade decisória pelo tribunal de recurso designadamente, no que respeita à validade da prova, à sua valoração, e à impugnação da matéria de facto.”
XI - Ora, no acórdão recorrido não estão indicados de forma completa e individualizada quais as provas em que o tribunal fundou a sua convicção;
XII - Nem refere que concretos documentos (ou elementos) relevaram e para que efeitos, designadamente para que concretos factos provados contribuíram, quer directa ou indirectamente, para a formação da convicção do tribunal.
XIII - Nem dele se alcança qualquer exame crítico das provas que fundaram a convicção do tribunal recorrido.
XIV - O que o tribunal “a quo” não pode fazer é extrair presunções de factos não provados pelo arguido para afirmar como provados factos que competia provar à acusação, como seja o concluir que a porta estava fechada por não se ter provado que não estava fechada ou de a porta não ter sido arrombada por não se ter provado que o foi, como se os factos constantes da acusação se presumissem verdadeiros até prova do contrário.
XV - Não tendo o tribunal “a quo” recolhido, em julgamento, prova directa dos factos, pois nenhuma das testemunhas ouvidas em julgamento os presenciou, era imperioso que tivesse exposto, de forma concisa, todo o seu raciocínio lógico-dedutivo, incluindo a necessária articulação dos meios de prova que valorou e porquê, que conduziu a sua convicção no sentido de ter considerado provado que o arguido cometeu os factos constantes da acusação.
XVI - E não o tendo feito, violou o disposto no artigo 355° n° 2 do CPP, o que, nos termos do artigo 360° n° 1 do CPP consubstancia uma nulidade da sentença.
B - CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO ou ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA
XVII - Da fundamentação da matéria de facto agora dada pelo colectivo de juízes do Tribunal “a quo” não se vislumbra quais dos elementos ali referidos (depoimentos ou documentos) que serviram para fundar a decisão de matéria de facto dada como provada.
XVIII - Aliás, não se vê em que elementos se fundou o tribunal “a quo” para dar como provado que o arguido entrou no terreno e se dirigiu à porta do armazém abrindo a porta com a chave que lá se encontrava, se nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência presenciou os factos, apenas tendo prestado depoimento sobre o que lhes foi contado por outrem.
XIX - Nem em que elementos se fundou o mesmo tribunal para dar como provado que o arguido transportou os cabos eléctricos até próximo do portão do local da construção com o fim de os poder transportar para fora daquele local, nas horas de funcionamento, para eventual venda.
XX - Nem se alcança também em que elementos se fundou o tribunal “a quo” para dar como provado que “toda a acção do arguido foi observada pelo gerente das obras F (F) …”, pois esta testemunha não chegou sequer a ser ouvida em audiência de julgamento.
XXI - O que o tribunal “a quo” fez, e não podia, foi uma inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre o arguido o ónus de provar o contrário do que vem acusado pelo Ministério Público, e isso está bem patente da fundamentação agora apresentada quando refere que

“在深夜時分,地盤倉庫完全關閉及上鎖,卷宗無反證顯示該倉庫門在深夜時分仍然沒有上鎖。
卷宗無證據顯示倉庫門鎖被撬開或鐵門被撬開。
無證據顯示倉庫門被他人使用了不匹配的鎖匙或其他工具開啟。”
XXII - Ou seja, o tribunal “a quo”, sem que se tivesse feito qualquer prova em audiência, deu como assente que o arguido entrou no estaleiro da obra, e a partir daí com base em presunções que extraiu do facto de o arguido não ter provado o contrário, deu como provados os restantes factos da acusação.
XXIII - No que incorreu numa flagrante contradição entre a fundamentação e a matéria dada como provada, nomeadamente quando na fundamentação se afirma que
“卷宗無證據顯示倉庫門鎖被撬開或鐵門被撬開。
無證據顯示倉庫門被他人使用了不匹配的鎖匙或其他工具開啟。”
XXIV - Violando ainda um dos princípios basilares do Direito Penal de Macau, o princípio da presunção de inocência, cuja consagração legal e expressa se encontra no artigo 29° parágrafo 2° da Lei Básica da RAEM.
C - DA NULIDADE POR INADMISSIBILIDADE DE DEPOIMENTOS INDIRECTOS (ou de ouvir dizer) GERADORA DE INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
XXV - A prova produzida em audiência reduziu-se a depoimentos indirectos (de ouvir dizer) nos quais o Tribunal se baseou para considerar provados os factos constantes da acusação.
XXVI - A única testemunha que terá presenciado os factos [o sr. F (F)] cujo depoimento no inquérito se encontra a fls. 38 e 38v, não chegou a ser ouvida em audiência de julgamento.
XXVII - Tanto o ofendido como o agente policial, não podiam ter referido em audiência, que presenciaram o arguido a entrar nas instalações, nem a pegar na chave para abrir a porta do armazém e nem sequer a transportar os cabos eléctricos.
XXVIII - O ofendido, porque não presenciou os factos descritos na acusação, apenas podia ter testemunhado aquilo que lhe foi relatado pela testemunha F (F).
XXIX - E o agente policial, que apenas ali compareceu após a denúncia apresentada no posto policial, tão só podia testemunhar sobre o que lhe foi comunicado pela testemunha supra referida e, para além disso, que viu o arguido próximo do local dos factos, a afastar-se, e que o interceptou por indicação da referida testemunha.
XXX - Pois testemunhar sobre o que lhe foi declarado pelo arguido em declarações prestadas no posto policial, estava-lhe vedado, de acordo com o que dispõe o artigo 337° n° 7 do CPP.
XXXI - Os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, porque indirectos ou de ouvir dizer, só poderão servir como meio de prova se não for possível a inquirição da pessoa de quem se ouviu, por algum dos motivos referidos no n° 2 do art. 116° CPP.
XXXII - E para que tais declarações possam ser valoradas, terá sempre de ser lido em audiência de julgamento, o depoimento prestado, no Inquérito, pela testemunha que presenciou os factos, pois a isso obriga o disposto no artigo 336° do CPP e que, quanto às testemunhas, o artigo 337° do CPP permite, o que não aconteceu.
XXXIII - A inobservância dos normativos citados supra é incompatível com a estrutura acusatória do processo penal, e viola o princípio da imediação e a possibilidade de contra-interrogatório na fase de julgamento.
XXXIV - Resulta dos autos que a única testemunha que presenciou os factos e que os podia explicar, com toda a precisão, não chegou a ser ouvida na audiência de julgamento.
XXXV - Nem o seu depoimento foi lido nessa audiência de julgamento como se impunha, desde que verificados os requisitos do artigo 337° do CPP.
XXXVI - Nem mesmo a circunstância do arguido, nas declarações prestadas perante o Ministério Público, ter admitido a prática dos factos podia servir para fundar a convicção do Tribunal, pois tal contraria o disposto no artigo 336° do CPP, uma vez que o arguido, que não esteve presente na audiência de julgamento, não consentiu na leitura dessas declarações em audiência de julgamento.
XXXVII - Nem também consta da acta que as mesmas tivessem sido lidas.
XXXVIII - Tendo o tribunal “a quo”, aquando da formação da sua convicção, valorado quer os depoimentos das testemunhas, que foram depoimentos indirectos, quer as declarações do arguido prestadas no Inquérito em flagrante violação do disposto no artigo 336° do CPP, o acórdão enferma de nulidade.
XXXIX - E não podendo essas provas ser valoradas, inexiste qualquer prova firme de que tivesse sido o arguido a praticar os factos descritos na acusação, impondo-se, por isso, a sua absolvição.
D - DA ERRADA QUALIFICAÇÃO JURIDICA DO CRIME
XL - O tribunal “a quo” fez uma errada qualificação jurídica do crime porque o arguido vinha acusado.
XLI - O Ministério Público acusou o arguido da prática de um crime de furto qualificado p. p. pelo artigo 198° n° 2, al. e) conjugado com o artigo 196° alínea f), inciso (2), ambos do Código Penal.
XLII - Considerando que o arguido usou uma chave falsa para entrar no armazém onde se encontravam os cabos eléctricos.
XLIII - Resulta ainda dos autos, designadamente das declarações prestadas pelo ofendido a fls 5, aquando da apreensão da chave utilizada pelo arguido, que a mesma se encontrava por cima da porta do armazém, propositadamente, para facilitar a sua utilização pelos seus funcionários do ofendido.
XLIV - Ou seja, a chave com que o arguido terá aberto a porta não foi colocada, nem fortuita nem sub-repticiamente, fora do poder do legítimo proprietário do armazém, pois foi ele mesmo que a colocou ali para ser utilizada por todos os seus funcionários.
XLV - Com efeito, a chave encontrava-se no local onde o ofendido a tinha colocado, o que era do conhecimento de todos quantos para ele trabalhavam, como era o caso do arguido.
XLVI - Aliás, da fundamentação agora constante dos autos, diz-se que “無證據顯示倉庫門被他人使用了不匹配的鎖匙或其他工具開啟。”, o que permite concluir que a chave utilizada foi a verdadeira chave e não qualquer chave falsa.
XLVII - Não podendo, por isso, preencher o conceito de chave-falsa, a circunstância de alguém abrir a porta de um armazém com a chave verdadeira que se encontrava por cima da mesma porta, disponível para quem lá tivesse que se deslocar, o que acontecia com o arguido no desenvolvimento da relação laboral que mantinha com o ofendido.
XLVIII - Deixar a chave disponível, por cima da porta, não é diferente de deixar a porta aberta, pelo menos para quem, como o arguido e demais empregados do ofendido, conhecia tal facto.
XLIX - Pelo que, não podia o tribunal “a quo” condenar o arguido pela prática do crime de furto qualificado p. p. pelo artigo 198° n° 2, alínea e), conjugado com o artigo 196° alínea f), inciso (2), ambos do Código Penal,
L - Antes se impondo a qualificação do crime como de furto simples p. p. pelo artigo 197° do Código Penal.
LI - Ora, como não existe ainda acórdão condenatório transitado em julgado, sobre a data da prática dos factos já decorreram mais que os 5 anos previstos no artigo 110° n° 1 alínea d) do Código Penal.
LII - E, mesmo considerando que ocorreu interrupção da prescrição com a prolação do despacho que designou dia para julgamento – artigo 113° n° 1, alínea d) do CPP, o n° 2 do mesmo preceito legal dispõe que se começa a contar novo prazo a partir dessa data.
LIII - Como desde a data do despacho que designou dia para julgamento já decorreu o prazo normal de prescrição, de 5 anos, acrescido de metade, ou seja já decorreram mais de 7 anos e 6 meses, a prescrição tem sempre lugar, conforme dispõe o n° 3 o citado preceito, o que se invoca.
LIV - Subsidiariamente, e para a hipótese de a tese supra defendida não proceder, o que não se concebe, sempre se dirá o Tribunal “a quo” errou ao qualificar a conduta do arguido como integradora da prática do crime de furto na forma consumada.
LV - É que, dos factos dados como provados o Tribunal “a quo” considerou provado que o arguido transportou o trólei com os cabos eléctricos até junto do portão do local da construção, com o fim de os transportar, com uma camioneta, para fora daquele local, nas horas de funcionamento, para eventual venda.
LVI - E considerou ainda provado que posteriormente o arguido se dirigiu novamente ao local onde se encontrava a abertura na vedação, por onde saiu e abandonou o local.
LVII - Ou seja, foi dado como provado pelo Tribunal “a quo” que o arguido abandonou o local sem ter levado consigo os cabos eléctricos retirados do armazém.
LVIII - Pois os mesmos foram deixados no trólei do lado de dentro da vedação.
LIX - Pelo que a conduta do arguido deve ser qualificada como integradora do crime de furto na forma tentada, e não na forma consumada.
LX - Pois, a consumação de um crime dá-se quando estão já preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo.
LXI - Aliás, como já decidiu o TUI no seu acórdão de 11 de Outubro de 2017, Processo 49/2017 “I - No crime de furto a subtracção traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção. II - A subtracção só se efectiva quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima”.
LXII - Acresce que, apesar de se ter dado como provado que o arguido colocou os cabos eléctricos junto ao portão com o fim de os transportar, com uma camioneta, para fora daquele local, nas horas de funcionamento, para eventual venda, em nenhuma paragem da fundamentação aparece demonstrado, em raciocínio lógico, como chegou o Tribunal “a quo” aquela conclusão.
LXIII - Pelo que se deve considerar que o arguido desistiu voluntária e espontaneamente do prosseguimento da execução do crime.
LXIV - Os actos antes praticados não são mais que actos de execução de um crime que o arguido a certa altura desistiu de cometer.
LXV - Tentativa que ao abrigo do disposto no artigo 23° n° 1, 1ª parte do Código Penal, e ao contrário do que preceitua o n° 2 do artigo 197° do Código Penal, deixa de ser punível em face da desistência voluntária e espontânea do arguido ao abandonar o local sem levar consigo qualquer dos objectos retirados do armazém.
LXVI - E mesmo a considerar-se punível a tentativa, terá que o ser com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada, como dispõe o artigo 22° n° 2 do Código Penal.
LXVII - Devendo o limite máximo da pena ser reduzido de um terço, tal como preceitua o artigo 67° n° 1, alínea a) do Código Penal.
LXVIII - Impondo-se, pois, uma redução da medida da pena concretamente aplicável”; (cfr., fls. 392 a 406-v).

*

Respondeu o Ministério Público, considerando que o recurso merecia parcial provimento; (cfr., fls. 408 a 411).

*

Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Em recurso interposto do acórdão condenatório de 15.06.2011, do 3.° juízo criminal, exarado a fls. 237 e seguintes, suscitou o arguido, B, entre outras, a questão da nulidade da decisão, por falta dos elementos exigidos em sede de fundamentação pelo artigo 355.°, n.° 2, do Código de Processo Penal.
Por acórdão de 6 de Outubro de 2017, inserto a fls. 349 e seguintes, este Tribunal de Segunda Instância deu provimento ao recurso, acolhendo a tese da nulidade por falta de fundamentação e mandando baixar os autos para sanação pelo tribunal colectivo a quo.
Em consequência, viria o colectivo a quo a complementar a fundamentação daquele acórdão de 15.06.2011 pela forma que consta de fls. 386 e verso.
Recorre novamente o arguido, voltando a trazer à liça todas as questões que anteriormente colocara em sede de recurso, agora com ligeiras diferenças de roupagem, mas acrescentando duas novas questões, a da integração da conduta na tentativa do crime de furto e a da desistência da tentativa.
Na sua resposta, o Ministério Público pronuncia-se pela improcedência dos demais fundamentos do recurso, concedendo, quanto à forma do crime, que a matéria tida por assente se coaduna melhor com a figura da tentativa, em detrimento da tese da consumação, à luz da qual se operou a punição.
Temos para nós que é correcta a abordagem efectuada pelo Ministério Público em primeira instância, na sua contraminuta de recurso.
Desde logo, não se detectam motivos relevantes para continuar a imputar ao acórdão o défice de fundamentação que anteriormente levou à declaração da sua nulidade.
Como dele globalmente resulta, agora que tem incorporado o complemento constante de fls. 386 e verso, de 20.11.2017, estão elencados os factos provados e esclarecido que não há factos relevantes não provados, estão explanadas as razões fácticas e de direito do decidido, há referência às provas e até é possível surpreender algum confronto crítico – posto que, tal como o Ministério Público salienta na sua resposta, a versão normativa em vigor ao tempo do acórdão não demandasse essa análise crítica, o que apenas passou a ser obrigatório após as alterações de 2013 –, do que tudo resulta perceptível a forma como o tribunal formou a sua convicção.
Não padece, pois, o acórdão da apontada insuficiência de fundamentação, pelo que improcede este fundamento do recurso.
Quanto aos fundamentos que constituem um retomar dos demais argumentos já anteriormente esgrimidos contra o acórdão, temos por bem dar aqui por reproduzido, data venia, o parecer que sobre o assunto se encontra exarado a fls. 340 a 341 verso, mostrando-se, pois, o recurso também improcedente nessa parte.
Resta analisar as duas novas questões agora suscitadas, a saber, a da integração da conduta na tentativa do crime de furto e a da desistência da tentativa.
Como ressuma da matéria apurada, o recorrente introduziu-se num armazém, abrindo a porta com a chave própria dessa porta, mas da qual se apossou em circunstâncias que não lhe conferiam o direito de a usar, e após ter galgado uma cerca/vedação metálica que delimitava o terreno circundante ao armazém. Do interior desse armazém retirou 15 rolos de cabo eléctrico, que transportou num carrinho de mão e colocou junto do portão de acesso ao terreno, agindo deste modo com o fito de, mais tarde, após a abertura do portão na hora de expediente, levar dali esse material e vendê-lo. Quando transpunha a vedação, para sair dali, foi descoberto pelo guarda das instalações, que comunicou o caso à polícia.
Mais resulta do processo que a polícia acorreu logo ao local, onde deteve o recorrente, fazendo-o apresentar, no mesmo dia, ao Ministério Público, que o ouviu e lhe aplicou medida de coacção.
Perante esta súmula, não há fundamento plausível para se falar de furto simples, como pretende o recorrente, valendo aqui todos os considerandos que sobre o assunto já foram expendidos no parecer de fls. 340 a 341 verso. Aliás, se não houvesse lugar à qualificação por força da alínea e) do n.° 2, ela verificar-se-ia por força da alínea f) do n.° 1, do mesmo artigo 198.° do Código Penal. E, porque assim, é descabido equacionar a hipótese de prescrição do procedimento criminal.
Já não se afigura despiciendo trazer à colação a questão da tentativa.
Na verdade, o arguido, ora recorrente, praticou um conjunto de actos integrantes da execução do crime de furto que projectou, mas não logrou consumar a apropriação que tinha em mente, o que saiu gorado por circunstâncias de todo alheias à sua vontade. É que, como se viu, a sua actuação foi descoberta e o arguido foi detido e impedido de consumar, na manhã seguinte, a projectada apropriação.
Daqui pode concluir-se, salvo melhor juízo, que a execução se queda pela tentativa, porquanto o agente da infracção não logrou obter sobre a coisa aquele domínio relativamente estável de que fala o acórdão do Tribunal de Última Instância, de 1 de Novembro de 2016, tirado no processo 76/2016.
E pode ainda concluir-se, com segurança, que o caso não configura qualquer hipótese de desistência relevante susceptível de remover a punibilidade da tentativa. Na verdade, dada a forma como os factos se desenrolaram, não houve qualquer desistência do recorrente no prosseguimento da execução, muito menos a exigível desistência voluntária, não estando preenchidos os pressupostos do artigo 23.° do Código Penal para afastar a punibilidade.
Deparamo-nos então com um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 197.°, n.° 1, 198.°, n.° 2, alínea e), 21.°, 22.°, n.°s 1 e 2, e 67.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Penal, a que cabe uma moldura abstracta de prisão de 1 mês a 6 anos e 8 meses.
Neste contexto, e tendo presentes os demais elementos atendíveis na determinação da pena, apontaríamos para uma pena que rondasse os 18 meses de prisão pelo aludido crime de furto qualificado na forma tentada.
Ante o exposto, e na procedência parcial do recurso, deve condenar-se o recorrente por um crime de furto qualificado, na forma tentada, baixando-se para cerca de 18 meses de prisão a pena anteriormente aplicada, e reformulando-se em conformidade o cúmulo jurídico efectuado”; (cfr., fls. 498 a 500).

*

Colhidos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, passa-se a apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 237-v a 238-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da – nova – decisão prolatada pelo Colectivo do T.J.B., assacando à mesma os vícios de:
- “falta de fundamentação”;
- “contradição insanável da fundamentação”;
- “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”; e,
- “errada qualificação jurídica”.

–– Vejamos, começando pelo vício de “falta de fundamentação”.

Como já tivemos oportunidade de consignar:

“A nova redacção do art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M. “reforçou” o dever de fundamentação, exigindo (agora) o “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal”, suficiente (já) não sendo uma (mera) “enumeração dos elementos probatórios” a que se atendeu com a afirmação (conclusiva) de que se lhes deu crédito.
Evidente é assim que o Tribunal deve também “expor os motivos” que o levaram a atribuir relevo e crédito aos elementos probatórios de que se serviu para decidir a matéria de facto da forma que o fez.
Se é certo que com a nova redacção do art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M. se pretendeu acabar com a chamada “fundamentação tabelar”, igualmente certo é que com a mesma não se quis introduzir a exigência de uma fundamentação “exaustiva” relativamente a todos os pontos, pormenores ou circunstâncias da matéria de facto.
Não se pode esquecer que o comando em questão faz, (continua a fazer), referência a “uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa…”.
A “fundamentação do Tribunal” não é o segmento da sentença ou acórdão com o qual se tenta dar (ou se dá) resposta a toda e qualquer questão ou dúvida que os sujeitos processuais possam (ou venham a) ter, (esgotando-se, em absoluto, o tema e eventuais questões), destinando-se, antes, a expor e a permitir conhecer os “motivos que levaram o Tribunal a decidir (a matéria de facto) da forma como decidiu”, (acolhendo, ou não, uma ou mais versões apresentadas e discutidas em audiência de julgamento), devendo-se ter – sempre – em conta os “ingredientes do caso concreto””; (cfr., o Ac. de 04.06.2015, Proc. n.° 361/2015 e de 23.11.2017, Proc. n.° 913/2017, do mesmo relator deste).

Também o Vdo T.U.I. já considerou que “No que respeita à fundamentação da sentença, não é prático exigir uma apreciação e exame crítico exaustivo de todas as provas produzidas e examinadas em audiência de julgamento”; (cfr., o Ac. de 17.02.2016, Proc. n.° 58/2015).

E, como recentemente decidiu o T.R. de Coimbra de 27.09.2017, Proc. n.° 266/15, (in “www.dgsi.pt”), “Através da fundamentação da matéria de facto da sentença deverá ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal.
O exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo”.

Por sua vez, e como também temos afirmado, é óbvio que se pode não concordar com a fundamentação pelo Tribunal exposta numa sua decisão, porém, tal não equivale a “falta de fundamentação”, (cfr., v.g., os Acs. de 13.12.2012, Proc. n.° 684/2012 e de 02.06.2016, Proc. n.° 1062/2015).

Dito isto, e voltando ao caso dos autos, quid iuris?

Cremos que se mostra de dar como inverificada a assacada “falta de fundamentação”, sendo aqui de se dar como reproduzidas as doutas considerações pelo Ministério Público expostas no seu douto Parecer, sendo de salientar que não se pode olvidar que o arguido foi surpreendido à saída do local onde ocorreu o “furto” dos autos e logo detido, (em flagrante), com a consequente apreensão do “produto do crime”.

E, assim, mais não se mostra de consignar sobre a questão.

Continuemos.

–– Dos vícios relativos à “decisão de matéria de facto”.

Pois bem, tem este T.S.I. entendido que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.10.2017, Proc. n.° 814/2017, de 14.12.2017, Proc. n.° 1081/2017 e de 25.01.2018, Proc. n.° 1149/2017, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).

Como decidiu o T.R. de Coimbra:

“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).

E, como recentemente também considerou o T.R. de Évora:

“A insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso”; (cfr., o Ac. de 26.09.2017, Proc. n.° 447/13).

“Só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”; (cfr., o Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16).

“O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada traduzir-se-á, afinal, na falta de elementos fácticos que permitam a integração na previsão típica criminal, seja por falência de matéria integrante do seu tipo objectivo ou do subjectivo ou, até, de uma qualquer circunstância modificativa agravante ou atenuante, considerada no caso. Em termos sintéticos, este vício ocorre quando, com a matéria de facto dada como assente na sentença, aquela condenação não poderia ter lugar ou, então, não poderia ter lugar naqueles termos.
(…)”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 647/14).

Quanto ao vício de “contradição insanável da fundamentação”, tem-se considerado ser aquele que ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017, de 28.09.2017, Proc. n.° 787/2017 e de 11.01.2018, Proc. n.° 1146/2017).

Em síntese, quando analisada a decisão recorrida se verifique que a mesma contém posições antagónicas, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.

Como (recentemente) se tem igualmente decidido:

“Há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente”; (cfr., o Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16).

E como de uma mera leitura ao Acórdão recorrido se constata, evidente é que não existem os assacados vícios, pois que o Tribunal a quo não deixou de emitir pronúncia sobre “toda a matéria objecto do processo”, (nenhum facto tendo ficado por provar), não se vislumbrando também nenhuma incompatibilidade, (muito menos, insanável), para efeitos de se dar como verificadas as aludidas maleitas.

–– Vejamos agora da imputada “errada qualificação jurídica”.

Foi o arguido condenado pela prática de 1 crime de “furto qualificado”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 2, al. e) e art. 196°, al. f), n.° 2, ambos do C.P.M..

Nos termos do art. 196° do C.P.M.:

“Para efeitos do disposto no presente Código, considera-se:
a) Valor elevado: aquele que exceder 30 000 patacas no momento da prática do facto;
b) Valor consideravelmente elevado: aquele que exceder 150 000 patacas no momento da prática do facto;
c) Valor diminuto: aquele que não exceder 500 patacas no momento da prática do facto;
d) Arrombamento: o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente;
e) Escalamento: a introdução em casa, ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem;
f) Chaves falsas:
(1) As imitadas, contrafeitas ou alteradas;
(2) As verdadeiras quando, fortuita ou sub-repticiamente, estiverem fora do poder de quem tiver o direito de as usar; e
(3) As gazuas ou quaisquer instrumentos que possam servir para abrir fechaduras ou outros dispositivos de segurança;
g) Marco: qualquer construção, plantação, valado, tapume ou outro sinal destinado a estabelecer os limites entre diferentes propriedades, colocado por decisão judicial ou com o acordo de quem esteja legitimamente autorizado para o dar”.

E prescreve o art. 198° do mesmo Código que:

“1. Quem furtar coisa móvel alheia
a) de valor elevado,
b) transportada em veículo, colocada em lugar destinado ao depósito de objectos ou transportada por passageiros utentes de transporte colectivo, mesmo que a subtracção tenha lugar na estação ou cais,
c) afecta ao culto religioso ou à veneração da memória dos mortos e que se encontre em lugar destinado ao culto ou em cemitério,
d) explorando situação de especial debilidade da vítima, de desastre, acidente, calamidade pública ou perigo comum,
e) fechada em gaveta, cofre ou outro receptáculo, equipados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à sua segurança,
f) introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar,
g) com usurpação de título, uniforme ou insígnia de funcionário, ou alegando falsa ordem de autoridade pública;
h) fazendo da prática de furtos modo de vida, ou
i) deixando a vítima em difícil situação económica, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
2. Quem furtar coisa móvel alheia
a) de valor consideravelmente elevado,
b) que possua significado importante para o desenvolvimento tecnológico ou económico,
c) que, por natureza, seja altamente perigosa,
d) que possua importante valor científico, artístico ou histórico e se encontre em colecção ou exposição públicas ou acessíveis ao público,
e) introduzindo-se em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas,
f) trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta, ou
g) como membro de grupo destinado à prática reiterada de crimes contra o património, com a colaboração de pelo menos outro membro do grupo, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.
3. Se na mesma conduta concorrerem mais do que um dos requisitos referidos nos números anteriores, só é considerado, para efeitos de determinação da pena aplicável, o que tiver efeito agravante mais forte, sendo o outro ou outros valorados na determinação da medida da pena.
4. Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de valor diminuto”.

Ponderando na factualidade dada como provada, apresenta-se-nos evidente que a mesma integra o crime pelo qual foi o ora recorrente condenado.

E quanto à sua “forma”, será, como pretende o recorrente, na forma “tentada”?

Pronunciando-se sobre idêntica questão teve já o Vdo T.U.I. oportunidade de considerar que:

“Nos crimes de furto e de roubo, a subtracção traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção.
A subtracção só se efectiva quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima”; (cfr., v.g., os Acs. de 30.09.2014, Proc. n.° 67/2014, de 20.05.2015, Proc. n.° 18/2015, de 01.11.2016, Proc. n.° 76/2016, e, mais recentemente, de 11.10.2017, Proc. n.° 49/2017).

Igualmente, sobre a mesma questão, e no Ac. de 23.01.2014, Proc. n.° 767/2013, (do ora relator) considerou este T.S.I.:

“Tem-se como correcto o entendimento pelo Vdo T.U.I. afirmado no Ac. de 22.05.2013, Proc. n.° 24/2013, (e pelo Ilustre Procurador Adjunto citado), segundo o qual: “no crime de furto a subtracção traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção. A subtracção só se efectiva quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima”; (sobre a matéria, com interesse e com abundante desenvolvimento a nível de direito comparado, vd. o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.11.2009, Proc. n.° 451/08, in “www.dgsi.pt”).
Com efeito, e em resposta à questão de se saber se basta a “posse instantânea” para a consumação do crime de “roubo”, respondia afirmativamente a doutrina tradicional, tendo-se insurgido Eduardo Correia que considerava necessário, para o elemento “subtracção”, a “posse pacífica” da coisa apropriada.
Surgiu, posteriormente, outro critério, menos exigente: o de um “efectivo domínio sobre a coisa durante um espaço de tempo mínimo, de acordo com as circunstâncias do caso”; (cfr., Faria Costa in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, II, pág. 50).
Doutra forma, (como igualmente nota F. Costa), arredado estaria o recurso à “legítima defesa” (própria ou alheia) contra o agente do crime quando este entra em fuga na posse dos objectos apropriados, o mesmo se podendo dizer quanto à “relevância da desistência da tentativa” assim como do “arrependimento activo”, (o que não deixaria de constituir uma incoerência do sistema).
No mesmo sentido, afirma também Paulo Saragoça da Matta que defende que o crime de furto se consuma quando a coisa entra no domínio de facto do agente com “tendencial estabilidade”, por ter sido transferida para fora da esfera do domínio do seu possuidor; (cfr., “Subtracção de Coisa Móvel Alheia – Os Efeitos do Admirável Mundo Novo num Crime «Clássico»”, in Liber Discipulorum para J. Figueiredo Dias, pág. 1026).
Mostrando-se assim adequado considerar que o conceito de subtracção exige uma “apropriação relativamente estável”, como tal podendo considerar-se aquela que consegue ultrapassar os riscos imediatos de reacção por parte do próprio ofendido, das autoridades ou de outras pessoas agindo em defesa do ofendido, (…)”; (notando-se como se salienta do douto Parecer do Ministério Público, que, recentemente, por o Ac. de 11.10.2017, voltou o Vdo T.U.I. a reafirmar este entendimento).

No caso, resultando da factualidade dada como provada que o arguido, ora recorrente, foi “descoberto à saída do estabelecimento, com a carteira da ofendida, e que foi, de imediato, interceptado”, correcta e adequada se nos mostra a solução que se deixou adiantada. (Aliás perante situação também “muito próxima” já decidiu o Ac. deste T.S.I. de 23.07.2009, Proc. n.° 516/2009, onde se consignou que “Há crime tentado se os pretensos clientes numa feira e exposição de jóias, num certo stand pedem para ver um valioso diamante e se, num dado momento, em que pensam ter distraído o empregado, trocam o verdadeiro diamante por um falso, metendo aquele ao bolso e restituindo este, numa situação em que o empregado, atento, deu imediata conta do ocorrido, não os deixando ausentar e chamando a polícia”).

Ora, resultando da factualidade dada como provada que o arguido, ora recorrente, foi surpreendido a saída do armazém, que foi logo detido, em flagrante, e que lhe foi apreendido o produto do crime, cremos que correcto será considerar-se que se está perante uma “tentativa”; (nota-se que a questão não é inteiramente pacífica, existindo entendimentos em sentido oposto, pendente estando recurso extraordinário para fixação de jurisprudência – cfr., o Ac. do Vdo T.U.I. de 24.01.2018, Proc. n.° 84/2017).

–– Quanto à “pena”.

Pois bem, como sabido é, e constatando-se que o crime em questão foi (apenas) cometido na forma “tentada”, imperativa é a “atenuação especial da pena” nos termos do art. 22°, n.° 2 do C.P.M..

E, nesta conformidade, sendo o crime em questão punido com a pena de prisão de 2 a 10 anos, e, dando-se gora aplicação ao estatuído no art. 67° do mesmo Código, confrontamo-nos com uma pena de prisão de 1 mês a 6 anos e 8 meses.

Nesta conformidade, ponderando nos critérios do art. 40° e 65° do C.P.M., e na moldura penal em questão, justa e adequada se nos apresenta a pena de 1 ano e 9 meses de prisão.

Importa agora ponderar na “pena única” a aplicar.

No estatuído no art. 71° do C.P.M., que dispõe que:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”; (sub. nosso).

Abordando idêntica questão à ora em apreciação, e tendo em consideração o teor do n.° 1 do transcrito art. 71°, teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:

“Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade – que se manifesta na totalidade dos factos – devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 03.04.2014, Proc. n.° 178/2014, de 28.09.2017, Proc. n.° 638/2017 e de 11.01.2018, Proc. n.° 1133/2017).

No caso, atentas as penas aplicadas no âmbito do Processo n.° CR1-07-0147-PCC, fixou o Tribunal a quo a pena única de 3 anos e 3 meses de prisão.

Porém, entretanto, por despacho do Mmo Juiz do T.J.B., (cfr., fls. 274), foram as penas decretadas no dito Proc. n.° CR1-07-0147-PCC declaradas extintas desfazendo-se o cúmulo operado com o Acórdão recorrido.

Constatando-se que o assim decidido transitou em jugado, mais não se mostra de consignar sobre a questão, cabendo então ver se se justifica uma suspensão da execução da pena de 1 ano e 9 meses de prisão.

E, ponderando nos antecedentes criminais do arguido ora recorrente, e nos tipos de crimes pelo mesmo (antes e agora) cometidos, muito fortes são as necessidades de prevenção especial e geral, o que, inviabiliza (totalmente) uma (eventual) decisão no sentido de se decretar a suspensão da execução da referida pena de 1 ano e 9 meses de prisão; (cfr., art. 48° do C.P.M.).

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam conceder parcial provimento ao recurso, ficando o arguido condenado pela prática de 1 crime de “furto qualificado”, na forma tentada, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão.

Pelo seu decaimento, pagará o arguido a taxa de justiça de 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$2.000,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 13 de Fevereiro de 2018

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng (com a declaração de que subscrevo a solução do recurso atenta precisamente e factualidade concretamente provada no caso dos autos, sem prejuízo da minha posição jurídica acerca da noção de “subtracção”, já veiculada mormente no acórdão de 13/11/2014 do Processo n.º 543/2014 deste TSI).

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa

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