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Proc. nº 1076/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 01 de Março de 2018
Descritores:
- Notificação judicial avulsa
- Processo urgente
- Denúncia do contrato de arrendamento

SUMÁRIO:

I – O facto de a notificação judicial avulsa se destinar a comunicar ao inquilino a denúncia do contrato de arrendamento com a antecedência mínima de 90 dias prevista no art. 1039º, nº1, al. b), do Código Civil, não a transforma em processo urgente.

II – Mesmo que o juiz titular do processo tenha mandado proceder à notificação avulsa em pleno período de férias judiciais, tal não significa que os prazos para reacção do requerente a alguma diligência processual tenham que decorrer durante as férias.

Proc. nº 1076/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A有限公司, sociedade comercial por quotas, com sede em Macau, na Avenida XX n.º XX, Edifício XX, rés-do-chão “XX”, Taipa, registada na Conservatória do Registo Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 3XXX0 (SO) (doravante a “Requerente”), requereu no TJB (Proc. nº 0541/2017) a notificação judicial avulsa -----
de -----
B, com residência em Macau, na Rua XX n.º XX, XX.º andar, freguesia de XX (doravante a “Requerida”),-----
Alegou ter adquirido a fracção habitacional onde esta requerida reside e pretender denunciar o contrato, não lhe tendo, no entanto, sido possível notificá-la por ela se ter evadido sistematicamente receber as comunicações que lhe são feitas por via postal.
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Nos autos foi lavrada a certidão de fls. 13, na qual, em língua portuguesa foi plasmado que a requerida declarou ao funcionário judicial não existir qualquer contrato de arrendamento entre si e a requerente e que, por isso, se recusou assinar e receber a notificação.
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A requerente dirigiu, então, ao tribunal a peça de fls. 16, requerendo que fique a constar da certidão que a notificanda foi advertida de que o duplicado, que não quis aceitar, se encontra à disposição na secretaria do tribunal e que seja mandada corrigir a frase ali vertida de que “não consegui notificar a Requerida” para “a Requerida foi devidamente notificada”.
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O juiz titular do processo proferiu o despacho de fls. 18, indeferindo esta pretensão.
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A requerente pediu esclarecimento ao despacho, após o que, tendo sido proferido o despacho de fls. 22 e verso, interpôs o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações produziu as seguintes conclusões:
“A. O despacho proferido pelo tribunal a quo a fls. 18, bem como a aclaração do mesmo a fls. 22, não colhe a aquiescência da Requerente, ora Recorrente, porquanto o pedido por si apresentado não foi extemporâneo.
B. A Recorrente requereu a notificação judicial da Requerida, ora Recorrida, para efeitos de comunicação da denúncia de um contrato de arrendamento para o termo do prazo respectivo, ou seja, 30 de Novembro de 2017.
C. Da Certidão no. 1XXXX1/2017, de 1 Agosto de 2017 (e notificada à Recorrente em 7 de Agosto do mesmo ano), consta que a Requerida se recusou a receber a notificação, afirmando que não celebrou qualquer contrato de arrendamento com a Requerente, concluindo o funcionário que lavrou a certidão que a Requerida “não foi notificada”.
D. Não podendo concordar com o teor da Certidão, a Recorrente apresentou um requerimento em 29 de Agosto de 2017, solicitando a correcção da mesma, porquanto a notificação judicial avulsa que não foi oportunamente recebida por culpa do destinatário, que se furtou a recebê-la ou se recusou a inteirar-se do seu conteúdo e a assiná-la, deve considerar-se eficaz.
E. O despacho objecto do presente recurso é a decisão do tribunal a quo em resposta ao mencionado requerimento, considerando que o prazo para suscitar a irregularidade assinalada já teria decorrido, sem apresentar qualquer fundamentação ou norma legal que sustentasse tal posição.
F. Pedida a devida aclaração, o tribunal a quo conclui pela natureza urgente do processo de notificação judicial avulsa.
G. O facto de a notificação da Recorrida para efeitos de denúncia do contrato de arrendamento, com o fim de evitar a sua renovação, revestisse alguma urgência, só por si, não permite concluir que o procedimento, bem como os actos processuais praticados posteriormente à referida notificação seja “por natureza”, um processo de carácter urgente, cujos prazos correm durante as férias judiciais.
H. A lei processual civil é muito clara: o artigo 94º, no. 1, do CPC dispõe que “o prazo processual […] é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias dos tribunais, salvo se [...] se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes”, impondo assim que a natureza urgente de determinado processo deve estar expressamente prevista na lei.
I. Não existe qualquer norma no CPC que estipule a natureza urgente da notificação judicial avulsa ou dos actos processuais praticados no âmbito do mesmo.
J. O próprio despacho recorrido, apesar do pedido de aclaração, também não invocou qualquer norma que imponha a natureza urgente do processo.
K. Um despacho que se baseia em critérios vagos, como na “natureza do processado” ou no facto de o tribunal “normalmente tem tratado esse processado com natureza urgente”, sem qualquer suporte legal, redunda ainda na violação do princípio da segurança jurídica.
L. Como princípio classificador do Estado de Direito, o princípio da segurança jurídica implica um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas, pelo que o despacho recorrido fundado em critérios vagos, cria incerteza e insegurança nos direitos das partes processuais.
M. Ao contrário do que o tribunal a quo pretende sugerir, a Recorrente, na petição da notificação judicial avulsa, não requereu que a mesma fosse processada com urgência, nem que devesse ser efectuada durante as férias judiciais.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, determinada a revogação da decisão recorrida, por violação do art. 94º, no. 1, do CPC, bem como do princípio da segurança e certeza jurídicas, e ordenada a sua substituição por despacho que aprecie e decida o pedido da Recorrente, só assim se fazendo JUSTIÇA!”
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Cumpre decidir.
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II – Os factos
1 - A requerente, por escritura pública de compra e venda celebrada a 19 de Abril de 2011, adquiriu de C o domínio útil do prédio urbano constituído por XX andares com o nºs XX da Rua XX, freguesia de XX, inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º 2XXX5 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 1XX0, a fls. 1XXv, do Livro XX (doc. 1 junto com a p.i.).
2 - De acordo com sentença proferida no processo judicial com o número CV1-12-0208-CPE, o Tribunal Judicial de base confirmou que o 2.° andar do referido prédio urbano foi dado de arrendamento à requerida pelo anterior proprietário C com início a 1 de Dezembro de 1972, mediante a renda mensal de MOP$ 500,00.
3 - Em 24/07/2017 a requerente requereu a notificação judicial avulsa da requerida.
4 - No dia 1/08/2017 foi lavrada a seguinte certidão:
Em língua chinesa:
證明 Certidão 110291/2017
----- 茲證明本人未能成功通知B,本人在澳門XX巷XX號XX大廈地下接觸到B(其聲稱居於澳門XX巷XX號XX大廈XX樓XX座),其聲稱與A有限公司不存在任何租賃合同,所以不願簽署及接收本訴訟以外之通知及相關文件副本。---------------------------------- 據上所述,本人未能作出通知。--------------------------------------------------------------------------------- 作為事實,繕立本證明書並署上日期及簽名。
澳門,於2017年8月1日
初級書記員
E em língua portuguesa:
Certidão 1XXXX1/2017
Certifica que o funcionário do TJB encontrou a requerida B na Travessa XX n.º XX, Edf. XX R/C.
A requerida declarou que morava na Travessa XX n.º XX, Edf. XX, XX andar XX e não existia qualquer contrato de arrendamento entre si e a requerente A有限公司. Portanto, recusou-se a assinar e receber a presente notificação.
5 - A requerente pediu ao tribunal para corrigir a referida certidão, de forma a que nela passe a constar que, nos termos do art. 185º, nº2, do CPC, passe a constar de que a notificanda foi advertida que o duplicado, que não aceitou, se encontra à sua disposição na secretaria, bem assim como se corrija a frase “não consegui notificar a Requerida” a fim de que fique “A Requerida foi devidamente notificada”.
6 - O Juiz do processo proferiu então o seguinte despacho:
«Fls. 16 e 17
Pretende a requerente suscitar a regularidade do teor da certidão da notificação avulsa, efectuada em 1 de Agosto de 2017.
Para a arguição da nulidade ou irregularidade do acto, o prazo geral é 10 dia a contar do conhecimento efectivo ou exigível. (artº151º e 103º do C.P.C.)
A requerente foi notificada da certidão acima referida por carta registada de 2 de Agosto de 2017.
Ao abrigo do disposto do nº2 do artº201º do C.P.C., a requerente será considerada notificada no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil a seguir a esse, quando o não seja. Volvido ao presente caso, a carta regista foi enviada em 2 de Agosto de 2017, será a requerente considerada notificada, no dia 7 de Agosto de 2017.
Portanto, o prazo de arguição decorreu no dia 17 de Agosto de 2017.
Mas, a requerente só apresentou o requerimento em 29 de Agosto de 2017, como é óbvio, o pedido está fora do prazo.
Nestes termos, não é atendido o pedido por intempestividade.
Custas do incidente em 1Uc pela requerente.
Notifique.».
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III – O Direito
1 - Não está em causa no presente recurso indagar até que ponto a notificação está correcta, se ela obedece aos cânones do ritualismo processual observável, se foi feita como manda a lei ou se deveria ter sido corrigida nos moldes em que o pretendia a recorrente, mas sim, e tão somente, se o despacho em crise corresponde a uma boa aplicação do direito adjectivo atendendo ao fundamento nele vertido.
Isto é, verdadeiramente, importa saber se o pedido que a recorrente fez, no sentido de ser corrigida a referida certidão 1XXXX1/2017 acima transcrita é tempestiva ou se, pelo contrário, foi extemporânea, tal como foi decidido no despacho impugnado.
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2 - Pois bem. Apresentado o pedido de notificação avulsa em 24/07/2017, como se disse, o juiz do processo proferiu despacho no dia 25/07/2017. Por outro lado, o termo processual que se lhe seguiu, que verdadeiramente corresponde a uma certidão negativa, foi datada de 1/08/2017, já em plenas férias judiciais de Verão.
De seguida, a requerente foi notificada dessa certidão negativa por carta registada de 2/08/2017, pelo que o titular do processo deu a notificação por consumada no dia 7/08/2017, face ao art. 201º, nº2, do CPC.
Foi por assim ter considerado, que o juiz do processo deu por extemporânea a apresentação da peça de fls. 5, apenas datada de 29/08/2017, em que a requerente pretendia a rectificação da certidão nos moldes acima aludidos. Na opinião do julgador, o prazo de 10 dias para arguição de nulidades ou irregularidades (art. 151º e 103º do CPC), contados de 7/08/2017, terminaria no dia 17/08/2017. E isto porquê? Porque, o objectivo desta notificação concreta era, precisamente, comunicar ao inquilino a denúncia com a antecedência mínima de 90 dias prevista no art. 1039º, nº1, al. b), do Código Civil. Logo, a necessidade de observar esta antecedência levou o tribunal a conferir a esta pretensão de notificação avulsa um carácter urgente. E a urgência assim reconhecida estender-se-ia, em sua óptica, a todos os prazos alusivos a quaisquer actos e diligências que no âmbito deste processo judicial viessem a ser praticados.
A recorrente discorda. Em sua opinião, embora reconheça alguma urgência à notificação avulsa para comunicação de denúncia contratual, atendendo ao art. 1038º, nº1 e art. 1039º, nº1, al. b), do Código Civil, sempre entende, por outro lado, que os prazos posteriores a 1/08/2017 (data da não notificação) não devem ter o mesmo carácter. Daí que defenda ter havido violação do art. 94º, nº1, do CPC.
Apreciando.
Não nos parece que o tribunal “a quo” esteja certo, com todo o respeito, ainda que possamos compreender a sua justificação.
Na verdade, o facto de o interessado requerente estar sujeito à “pressão dos prazos” para comunicação da denúncia só a ele mesmo deve preocupar. Ou seja, a lei fixa uma antecedência mínima para a comunicação e este apertado estabelecimento dos prazos não surge na lei em benefício do senhorio, mas sim do inquilino. Claramente, são normas (as do art. 1039º referido) que surgem em favor da posição jurídico-material da parte mais vulnerável ou desfavorecida, que é o inquilino, a quem por isso é necessário comunicar a denúncia dentro de um período relativamente amplo, de forma a que possa orientar a sua vida particular, nomeadamente em vista da obtenção de um novo locado para viver.
O tribunal, é certo, quis colaborar com o senhorio-requerente, talvez tomado pela dureza ou rigidez do prazo, que estaria a esgotar-se. Isto é, pôs-se ao lado do requerente e, mesmo sem a tal estar obrigado, permitiu que a notificação pudesse realizar-se em férias.
Simplesmente, esta atitude de condescendência do tribunal “a quo” em tratar como urgente esta notificação não tem força suficiente para conferir urgência processual à tramitação deste processo. Se a lei não lhe dá essa natureza, o tribunal também não lha pode reconhecer. Não é porque o tribunal mandou efectuar a notificação com urgência que o processo passa a ter natureza urgente.
Claro está que o requerente beneficiou, em certa medida, desta atitude colaborativa do tribunal, visto que a diligência para notificação - que não tinha que ser efectuada em férias (art. 94º, do CPC) - acabou mesmo por ser realizada já dentro desse período. Mas esse benefício concedido, com que provavelmente nem o requerente contaria, não o pode prejudicar daí em diante no mesmo processo.
Adivinhamos que o recorrente terá acolhido com agrado a realização dessa diligência em férias, quando agora defende, porque tal lhe interessa, que o processo não é urgente e, desse modo, escapar à força implacável do despacho impugnado. Sim, haverá aí alguma deselegância processual, mas não passa disso e não é sinal de má fé processual. O que importa é ver se tem a razão do seu lado, se tem apoio legal. E como vimos, a lei dá cobertura à sua posição. Se a “pressa” do requerente da notificação estava justificada no respectivo pedido – e que o tribunal assumiu – ela prendia-se com a proximidade do limite temporal para a comunicação; mas, a partir do momento em que a diligência de notificação foi apressadamente realizada, tudo tem que passar a ser conduzido dentro da regularidade de uma tramitação processual com natureza normal, que logo desde o início deveria ter tido. Afinal de contas, “pressa pessoal” não significa “urgência processual”.
A ser assim, a recorrente tem razão no recurso.
Logo, a notificação que teve lugar no dia 7/08/2017 não fazia abrir o prazo de 10 dias imediatamente para a arguição de irregularidades ou nulidades (art. 103º e 151º, do CPC), terminando no dia 17/08/2017, mas teria que se ter em conta o disposto no art. 94º, nº1 e 2, do CPC, sendo o termo transferido para o primeiro dia útil, após férias.
É certo que, por este prisma, também o pedido de 29/08/2017 (fls. 16) não teria que ser admitido em férias, por não fazer parte de nenhum processo judicial. E nem teria que ser vertido sobre nenhuma pronúncia judicial. Contudo, foi recebido e foi decidido.
Então, o que faz agora falta é revogar o dito despacho de 30/08/2017 (fls. 18) para que seja dada resposta ao pedido de rectificação nos termos em que ele foi formulado.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que aprecie a pretensão contida no requerimento de fls. 16.
Sem custas.
T.S.I., 01 de Março de 2018
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong

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