打印全文
Proc. nº 445/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 15 de Março de 2018
Descritores:
- Inventário
- Relação de bens

SUMÁRIO:

Existindo divergência quanto à existência de bens no acervo da herança, haverá que convidar os interessados à respectiva prova, nos termos dos arts. 986º, nº3 e 981º, nº2, do CPC.


Proc. nº 445/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
No processo de inventário que corre termos no T.J.B. (nº CV1-91-0006-CIV) por falecimento de A, e em que são interessados a viúva B (entretanto falecida, razão pela qual nele se procede também a inventário cumulado pelo seu óbito) e os filhos C, D, E, F, G, bem como a herdeira preterida H (entretanto falecida), veio o cabeça de casal D apresentar a relação de bens dos autores da herança A e B.
Os interessados I, J e K apresentaram reclamação contra a relação de bens, tendo o Ex.mo Juiz proferido o despacho de fls. 334-337, que foi no sentido de a julgar procedente, em consequência do que determinou que à relação fossem aditados três novas verbas (80.000,00, 70.000,00 e 170.000,00, correspondentes ao valor da alienação de dois veículos ligeiros e de uma fracção autónoma, respectivamente).
*
Contra este despacho – na parte em que ele se refere aos dois veículos automóveis - vieram C (falecido, representado pelos herdeiros L e M), E, D, F e G recorrer jurisdicionalmente, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
«1. Salvo o devido respeito pelo entendimento da decisão recorrida, os recorrentes entendem que a decisão recorrida é nula, devendo ser anulada, cujos fundamentos de facto e de direito são os seguintes.
2. Os recorridos apresentaram por via de fax em 14 de Abril de 2016 a reclamação contra a relação de bens, solicitando ao tribunal recorrido o aditamento de várias verbas à relação de bens. As verbas 6, 7 e 8 cujo aditamento foi requerido são respectivamente as seguintes:
i) “VERBA 6 - Fracção autónoma (...) com o valor matricial de MOP54.000,00;
ii) VERBA 7 - Veículo automóvel ligeiro MC-3X-XX (...); e
iii) VERBA 8 - Veículo automóvel ligeiro MC-1X-XX (...). (negritos e sublinhados nossos)
3. Porém, a decisão recorrida determinou aditar à relação de bens “5) valor do veículo automóvel ligeiro MC-3X-XX (...); 6) valor do veículo automóvel ligeiro MC-1X-XX (...); 7) preço de venda da fracção autónoma (...) que corresponde a MOP$170.000,00 (negritos e sublinhados nossos, cfr. último parágrafo de fls. 336v a 1.º - 4.º parágrafos de fls. 337 dos autos).
4. Dado que as verbas aditadas à relação de bens determinadas pela decisão recorrida não são as verbas requeridas pelos recorridos, nos termos do artigo 571.º n.º 1 alínea e) do Código de Processo Civil, a decisão recorrida não deve condenar em objecto diverso do pedido, pelo que, a decisão recorrida enferma do vício de nulidade.
5. Caso os MM.ºs Juízes assim não entendam (trata-se apenas de uma hipótese, não implica que os recorridos concordam com isso), os recorrentes entendem que a decisão recorrida deve ser anulada por existir erro na comprovação dos factos do presente processo e erro na aplicação da lei, cujos fundamentos de facto e de direito são os seguintes.
6. A decisão recorrida apontou que “Do simples cotejo dessa relação de bens inicial, com aquela que o cabeça de casal apresenta na sequência da anulação da partilha, verifica-se que de facto estão a ser omitidas as verbas n.ºs 2, 3 e 4, o que, segundo argumento o cabeça de casal e os interessados seus irmãos, se justificará por que tais bens já foram vendidos a terceiros.” (cfr. decisão recorrida, vide último parágrafo de fls. 355 e 1.º parágrafo de fls. 355v dos autos).
7. Por outras palavras, a razão pela qual o tribunal recorrido proferiu a decisão recorrida é que o tribunal recorrido entendeu que o cabeça-de-casal e outros interessados invocaram que os bens descritos nas verbas n.ºs 2, 3 e 4 foram vendidos a terceiros, porém, no ponto 4 da referida resposta, o cabeça-de-casal referiu expressamente que “(...) o ano de fabrico dos referidos dois bens (veículos automóveis ligeiros de matrícula MC-3X-XX e MC-1X-XX) é de 1988 e de 1987, respectivamente. Quando o cabeça-de-casal apresentou a relação de bens, os referidos dois bens já tinham naturalmente perecido (...)”.
8. Nos autos também não há quaisquer elementos que demonstram que os referidos veículos automóveis ligeiros de matrícula foram alienados a terceiros.
9. Dado que a decisão recorrida foi proferida com base nos factos erradamente provados (isto é, a decisão recorrida provou erradamente que o cabeça-de-casal e outros interessados invocaram que os veículos automóveis ligeiros de matrícula MC-3X-XX e MC-1X-XX foram vendidos a terceiros), a decisão recorrida deve ser anulada.
10. Aliás, a decisão recorrida referiu que “A consequência fundamental da anulabilidade é a reposição da situação no statu que ante, ou seja, como se não se tivessem produzido os efeitos jurídicos da partilha, ficando cada um dos interessados obrigado a restituir tudo aquilo que recebeu. Ora, se relativamente às verbas n.ºs 2 e 3 da relação de bens de fls.16 dos autos (veículo automóvel ligeiro MC-3X-XX no valor de MOP$80.000,00 e veículo automóvel ligeiro MC-1X-XX, no valor de MOP$70.000,00) não se suscitarão quaisquer dúvidas que devem ser esses os valores a relacionar (...)” (cfr. decisão recorrida, 2.º e 3.º parágrafo de fls. 336 dos autos).”
11. O ano de fabrico dos veículos automóveis ligeiros de matrícula MC-3X-XX e MC-1X-XX é de 1988 e de 1987, respectivamente. Quando o cabeça-de-casal apresentou a relação de bens, os referidos dois bens já tinham naturalmente perecido. Ao abrigo do artigo 1194.º n.º 1 ex vi aplicável do artigo 282.º n.º 3 do Código Civil, com as adaptações necessárias, os interessados de boa fé que adquiriram os veículos automóveis ligeiros de matrícula MC-3X-XX e MC-1X-XX por partilha realizada em 1991 só respondem pela perda ou deterioração da coisa se tiverem procedido com culpa.
12. O ano de fabrico do veículo ligeiro de matrícula MC-3X-XX é de 1998 enquanto o de matrícula MC-1X-XX é de 1987. Por outras palavras, já decorreram quase 30 anos desde a data do fabrico dos referidos dois veículos até agora.
13. Conforme as regras de experiência comuns, independentemente de qualquer boa conservação feita pelos possuidores para os veículos, é impossível que os veículos automóveis ligeiros com quase 30 anos desde a sua data de fabrico ainda Choi Veng existem.
14. Dado que os referidos dois veículos automóveis ligeiros já tinham naturalmente perecido e os possuidores dos dois veículos não têm culpa pelo seu perecimento natural, nos termos do artigo 1194.º n.º 1 do Código Civil, os interessados que adquiriram os veículos automóveis ligeiros de matrícula MC-3X-XX e MC-1X-XX por partilha realizada em 1991 não necessitam de responder pelo perecimento dos referidos dois veículos e, em consequência, a decisão recorrida não devia incluir os valores dos veículos automóveis de matrícula MC-3X-XX e MC-1X-XX na relação de bens.
15. Mesmo que se entenda que os interessados que adquiriam os veículos automóveis ligeiros de matrícula de MC-3X-XX e MC-1X-XX por partilha realizada em 1991 exercem a posse de má fé (trata-se apenas de uma hipótese, não implica que os recorrentes concordam com isso), nos termos do artigo 1194.º n.º 2 ex vi aplicável do artigo 282.º n.º 3 do Código Civil, com as adaptações necessárias, os interessados também não necessitam de responder pela perda ou deterioração da coisa desde que provem que a perda ou deterioração da coisa se teria dado de igual modo, ainda que o bem tivesse estado na posse do seu legítimo titular.
16. Conforme as regras de experiência comuns, independentemente de qualquer boa conservação feita pelos possuidores para os veículos, é impossível que os veículos automóveis ligeiros com quase 30 anos desde a sua data de fabrico ainda existem, ao abrigo do artigo 1194.º n.º 2 do Código Civil, os interessados que adquiriram os veículos automóveis ligeiros de matrícula MC-3X-XX e MC-1X-XX por partilha realizada em 1991 também não necessitam de responder pelo perecimento dos referidos dois veículos automóveis e, em consequência, a decisão recorrida não devia incluir os valores dos veículos de matrícula MC-3X-XX e MC-1X-XX na relação de bens.
17. Mais ainda, mesmo que se suponha que os referidos dois veículos ligeiros ainda não perecessem (trata-se apenas de uma hipótese, não implica que os recorrentes concordam com isso), independentemente de qualquer boa conservação feita pelos possuidores para os veículos, é impossível que o valor actual dos referidos dois veículos ainda se mantém no valor descrito na relação de bens apresentada em 1991, isto é, MOP$80.000,00 e MOP$70.000,00. Isto também é evidente.
18. Ao aplicar o artigo 282.º do Código Civil, a decisão recorrida não aplicou simultaneamente o n.º 1 ou n.º 2 do artigo 1194.º do Código Civil, pelo que, a decisão recorrida aplicou erradamente a lei, devendo ser anulada.
Pelos acima expostos, solicitam que os MM.ºs Juízes:
1. Julguem nula a decisão recorrida e anulem-na nos termos do artigo 571.º n.º 1 alínea e) do Código de Processo Civil; ou
2. Anulem a decisão recorrida e excluam as verbas n.ºs 5) e 6) da relação de bens, cujo aditamento foi determinado pela decisão recorrida por erro nos pressupostos de facto e lei (sic).».
*
Não houve resposta ao recurso.
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
Apresentada reclamação contra a relação de bens, foi proferido o seguinte despacho, ora impugnado:
«Reclamação à relação de bens de fls. 271 a 274:
Procedeu-se a inventário por morte de A, falecido em 28 de Maio de 1991, tendo a respectiva partilha sido declarada anulada por sentença transitada em julgado a 07 de Julho de 2015.
Nesse inventário foram (e são) interessados a viúva B (que entretanto faleceu, razão pela qual se procede também nestes autos a inventário cumulado pelo seu óbito), e os filhos C, D, E, F, G, sendo ainda interessada a herdeira preterida H (entretanto falecida).
Na sequência da anulação da partilha veio o cabeça de casal apresentar a relação de bens, que mereceu reclamação pelos interessados K, I e J.
A reclamação fundamenta-se no facto de terem sido omitidos os seguintes bens da herança de A:
1) os lucros e dividendos gerados pela quota social descrita na verba n.º 1;
2) a fracção autónoma denominada I R/C;
3) o veículo automóvel de matrícula MC-3X-XX;
4) o veículo automóvel de matrícula MC-1X-XX;
O cabeça de casal respondeu à reclamação conforme melhor se colhe do teor do respectivo articulado que, por brevidade de exposição, aqui se dá por reproduzido, mas onde foi defendida a sua improcedência por já não existirem tais bens no acervo hereditário.
*
Dado que os factos com interesse para a apreciação da reclamação apresentada estão provados documentalmente importa, apenas, considerar o direito aplicável.
Deparamo-nos com um inventário cuja partilha foi homologada por sentença transitada em julgado em 1991 e que entretanto foi anulada conforme supra se mencionou.
Ora, os bens que o inventariado A deixou foram descritos na relação de bens inicial, a fls. 16 deste inventário, sendo os seguintes:
1) Uma quota de MOP $1.125.000,00 (um milhão cento e vinte e cinco mil patacas) que o inventariado tinha na “Companhia de Combustíveis e Comércio Geral O, Limitada”, com sede em Macau, na XXXX, n.º.11, matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móvel sob o n.º XXXX SO (verba 1 da relação de bens).
2) Um veículo automóvel ligeiro MC-3X-XX da marca Volvo, modelo 360GLE, com o número do motor XXXX, de cor azul e do ano de fabrico de 1988 (verba 2 da relação de bens), no valor de MOP80.000,00;
3) Um veículo automóvel ligeiro MC-1X-XX da marca Audi, modelo 100CD, com o nº do motor XXXX, de cor castanha, do ano de fabrico de 1987 (verba 3 da relação de bens), no valor de MOP70.000,00;
4) Fracção autónoma designada por Apartamento “I”, do XXXXXX, e nºs. 19,19A a 19F da XXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX do Livro B29, registada a favor do inventariado conforme e inscrição n.º XXXXX do Livro G57, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º XXXXX (verba 4 da relação de bens), com o valor matricial de MOP54.000,00,
5) Fracção autónoma designada por moradia “A2” do XXXX com prédio com os nºs 33, 33A e 33B da XXXXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX do Livro B29, registada a favor do inventariado conforme e inscrição n.º XXXXX do Livro G47, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º XXXXX (verba 5 da relação de bens) com o valor matricial de MOP84.000,00, e,
6) Fracção autónoma designada por “AAR/C” do prédio com os nºs 1, 1A e 1B da XXXXXX, com portas laterais Nos. 24C a 24 H da XXXXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXX do Livro B-25, registada a favor do inventariado conforme e inscrição n.º XXXXX do Livro G34, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º XXXXX (verba 6 da relação de bens), com o valor matricial de MOP129.600,00.
Do simples cotejo dessa relação de bens inicial, com aquela que o cabeça de casal apresenta na sequência da anulação da partilha, verifica-se que de facto estão a ser omitidas as verbas n.ºs 2, 3 e 4, o que, segundo argumenta o cabeça de casal e os interessados seus irmãos, se justificará porque tais bens já foram vendidos a terceiros.
Não assiste, no entanto, razão ao cabeça de casal dado que se os bens já não fazem parte do acervo hereditário, porque foram vendidos a terceiro, então na relação de bens deverá ser relacionado o respectivo valor.
A declaração de ineficácia global da partilha judicial tem como consequência fazer extinguir, retroactivamente ao momento da abertura da sucessão, os efeitos próprios da partilha hereditária, repondo a situação de indivisão hereditária que só poderá ser superada com nova partilha, como ensina Rabindranath Capelo de Sousa1.
E esta nova partilha far-se-á em obediência ao que dispõe o artigo 282.º do Código Civil, uma vez que os efeitos da anulabilidade são os previstos para a generalidade dos negócios jurídicos.
Para melhor compreensão do que se acaba de expor transcreve-se, pois, esse regime legal:
1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
2. Tendo alguma das partes alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, e não podendo exigir-se ou tornar-se efectiva essa restituição contra o adquirente, nem se podendo tornar efectiva contra o alienante a restituição do valor dela, fica o adquirente obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento.
3. É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1194.º e seguintes.
Significa, isto, que o cabeça de casal para além de relacionar os bens que os interessados mantiveram no seu património e que herdaram do inventariado, tem de relacionar todos os outros bens que existiam na herança à data do óbito do inventariado, ou não sendo tal possível (como parecem aceitar os reclamantes) deve relacionar o valor que lhes corresponde, repondo-se, desta forma, a situação de indivisão hereditária que a sentença anulatória originou.
A consequência fundamental da anulabilidade é a reposição da situação no statu quo ante, ou seja, como se não se tivessem produzido os efeitos jurídicos da partilha, ficando cada um dos interessados obrigado a restituir tudo aquilo que recebeu2.
Ora, se relativamente às verbas n.ºs 2 e 3 da relação de bens de fls. 16 dos autos (veículo automóvel ligeiro MC-3X-XX no valor de MOP80.000,00 e veículo automóvel ligeiro MC-1X-XX, no valor de MOP70.000,00) não se suscitarão quaisquer dúvidas que devem ser esses os valores a relacionar, em cumprimento do citado artigo 282.º, já quanto à fracção autónoma designada por I/RC, uma vez que a mesma foi alienada a terceiros (venda essa que não foi posta em causa, nem, naturalmente, saiu afectada pelos efeitos da anulação da partilha), importa definir qual é o valor que lhe corresponde, uma vez que a restituição em espécie também já não é possível.
Ressalvando sempre melhor juízo, havendo nos autos prova documental autêntica no sentido de que essa fracção autónoma foi vendida, em 25.09.1992, à Companhia de Combustíveis e Comércio Geral O, Limitada, por MOP170.000,00, deve ser este o valor a relacionar, devendo ponderar-se eventualmente em sede de prestação de contas, qual foi a remuneração que esse capital teve (ou poderia ter tido) para a herança, desde 1992 até à actualidade. Com efeito, na situação dos autos, a restituição em singelo do preço obtido pela venda da fracção poderia originar uma vantagem patrimonial para o interessado que, desde 1992, pôde dispor desse montante, reinvestindo-o ou remunerando-o.
Idêntica conclusão se extrai relativamente aos lucros e dividendos da quota social detida pelo inventariado na Companhia O. Esses montantes, apesar de fazerem parte da herança (cf. artigo 1907.º do Código Civil), não carecem de ser relacionados dado que as quotas em sociedades relacionam-se pela individualização da empresa e montantes da respectiva participação 3, sendo certo que o direito ao dividendo se transmitirá com a quota social; sem prejuízo, claro está, dos direitos que assistem aos interessados reclamantes – quer de exigir a entrega de rendimentos, nos termos do artigo 1930.º do Código Civil, quer de exigir a prestação de contas anuais, tal como resulta do artigo 1931.º da mesma codificação, devendo, no entanto, fazê-lo pelo meio processual próprio e não através desta reclamação.
Em face do que se deixou exposto, decide-se julgar procedente a reclamação apresentada por I, J e P e, em consequência, determinar que sejam aditadas à relação de bens as seguintes verbas:
5) Valor do veículo automóvel ligeiro MC-3X-XX, que corresponde a MOP80.000,00;
6) Valor do veículo automóvel ligeiro MC-1X-XX, que corresponde a MOP70.000,00
7) Preço de venda da Fracção autónoma designada por Apartamento “I”, do r/c, do prédio com os nºs 11, 11A a 11E da XXXX, e nºs. 19,19A a 19F da XXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXXXX do Livro B29, que corresponde a MOP170.000,00;
Mais se decide indeferir o pedido de inclusão, na relação de bens, dos lucros e dividendos da quota social relacionada como verba n.º 1, devendo essa matéria ser decidida no competente incidente de prestação de contas, caso venha a ser requerido.
Notifique e adite em conformidade.».
***
III – O Direito

1 – Os recorrentes C (falecido, representado pelos herdeiros L e M), E, D, F e G, interessados no referido processo de inventário, recorrem do despacho impugnado.
Em primeiro lugar, imputam-lhe a nulidade prevista no art. 571º, nº1, al. e), do CPC, em virtude de, alegadamente, o tribunal ter mandado aditar as verbas acima aludidas (dois veículos e uma fracção habitacional), procedendo, desse modo, a uma “condenação” em objecto diverso do pedido.
Segundo depreendemos da alegação, a ideia dos recorrentes é a de que o tribunal não podia mandar aditar as verbas 5), 6) e 7), em valor, tal como consta no despacho acima transcrito, visto que aquilo que os contra-interessados I, J e K, enquanto reclamantes e aqui recorridos, haviam requerido era o aditamento das verbas propriamente ditas, enquanto bens para partilhar. Ou seja, a nulidade residiria no facto de ter sido mandado aditar os ditos valores, contra o que fora pedido, como se os bens tivessem sido vendidos, o que não é exacto, pelo menos em relação aos veículos automóveis.
Apreciando.
Efectivamente, o despacho em crise disse a dado passo que os bens em causa “já não fazem parte do acervo hereditário, porque foram vendidos a terceiro, então na relação de bens deverá ser relacionado o respectivo valor”.
Contudo, é preciso lembrar que a primeira partilha de bens neste inventário fora anulada. E na segunda relação de bens apresentada na sequência da referida anulação foram omitidos três bens (que correspondiam às verbas 2), 3) e 4) da relação inicial), ou seja, dois veículos automóveis e uma fracção autónoma (“apartamento “I”). Segundo o cabeça de casal, tais bens teriam sido vendidos a terceiros.
Cremos, no entanto, que a nulidade não se verifica.
Se o objectivo da reclamação contra a relação de bens era que aqueles fossem relacionados, o juiz limitou-se a dar como boa a afirmação de que tais bens não existem no acervo hereditário. E, julgando acolher a melhor solução que decorreria da anulação judicial (art. 282º do Código Civil), e suportado em doutrina que cita, aceitou que a única forma de respeitar o desiderato, bem como o conflito instalado entre os diversos interessados, era que as ditas verbas deveriam ser relacionadas, não pela sua substância ou materialidade física, visto que a restituição em espécie à relação não seria possível, mas pelo valor de cada uma, tanto em relação aos veículos automóveis, como à dita fracção autónoma (em relação a outra verba, que eram os lucros e dividendos, o despacho indeferiu a sua inclusão na relação de bens).
Sendo assim, nós pensamos que a decisão sindicada não ofendeu a pretensão dos reclamantes (que, inclusive, aceitaram o despacho em apreço sem o impugnarem). Pelo contrário, acolheu a sua pretensão, embora na única vertente que entendeu possível nesta fase (sucedâneo em valor).
Saber, se a decisão está correcta em relação a todos os três bens referidos é outra questão, que analisaremos no ponto seguinte.
Improcede, pois, a invocada nulidade.
*
2 – Insurgem-se os recorrentes ainda pelo facto de o despacho impugnado ter mandado aditar as verbas respeitantes aos dois veículos de matrícula MC-3X-XX e MC-1X-XX. E isto por entenderem que pereceram e por defenderem que o valor atribuído de MOP$ 80.000,00, MOP$ 70.000,00, respectivamente, não corresponde à realidade.
Explicando. Os ditos automóveis não teriam sido alienados a terceiros, e, em vez disso, teriam perecido.
De resto, e mesmo que tal não tivesse acontecido (o que, no entanto, não reconhecem), jamais a sua relacionação poderia ser feita por aquele valor, atendendo ao ano de fabrico de cada um deles (1988 e 1987, respectivamente), portanto, com mais de 30 anos cada um.
Ou seja, para os recorrentes a causa da sua indignação prende-se com aquilo a que chamaram “erro na comprovação dos factos”, bem como a violação dos arts. 282º e 1194º do Código Civil.
Vejamos.
Para nós a questão é muito simples. E, antes que seja de direito, ela é de facto. Pergunta-se: Os automóveis pereceram? Acabou realmente a sua vida útil? Foram destruídos? Foram vendidos? A quem? Para a sucata? Foram entregues gratuitamente para destruição? Foram abatidos e, portanto, deixaram de existir enquanto tais?
Ou ainda existem no acervo, embora com reduzido valor, dado o seu estado de conservação?
Tudo gira à vota disto.
Cremos, pois, que esta é uma questão prioritária cuja elucidação se impõe antes de tudo.
É que, segundo a posição de alguns interessados, eles teriam que ser relacionados por terem sido vendidos a terceiros, ao passo que para outros, os aqui recorrentes, eles deixaram de existir, mas por perecimento.
Ora, os autos não fornecem dados que levem o tribunal a concluir pela verificação de uma ou outra das posições acerca da verdade dos factos. Persiste a dúvida, então.
Então, cremos que só há uma maneira de a eliminar: é proceder à prova, tal como parece decorrer da conjugação do disposto nos arts. 986º, nº3 e 981º, nº2, do CPC.
Só depois de se apurar, verdadeiramente, se os bens existem é que se poderá passar à fase seguinte, que é a sua relacionação e a atribuição de um valor.
Para isso, será necessário que as partes sejam notificadas para fazerem prova do que alegam, de acordo com o ónus que a cada uma caiba.
É o que aqui se vai determinar, nos termos que nos é facultado no âmbito do art. 629º, nº4, do CPC.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em anular o despacho em crise e determinar que os autos voltem à 1ª instância a fim de se proceder à prova nos moldes acima referidos.
Custas pela parte vencida a final.
T.S.I., 15 de Março de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong




1 In Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 3.ª Edição Renovada, Coimbra Editora, 202, pág. 243.
2 Neste sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição Actualizada, Coimbra Editora, 1986, páginas 616 e seguintes.
3 Lopes Cardoso, ob. Cit. pág. 517,
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

445/2017 5