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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). -----------------------
--- Data: 16/03/2018 --------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng.---------------------------------------------------------------------------------
Processo n.º 214/2018
(Autos de recurso penal)
Recorrente arguida: A





DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Inconformada com o despacho proferido em 3 de Fevereiro de 2018 pela M.ma Juíza de Instrução Criminal que lhe tinha aplicado, após o seu primeiro interrogatório judicial, a medida coactiva de prisão preventiva, com fundamento na verificação de fortes indícios da prática, pelo menos, de dois crime de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.º 211.o, n.o 4, alínea a), do Código Penal (CP), e de dois crimes de falsificação de documento de especial valor, p. e p. pelo art.º 245.o do CP, com também entendida verificação do perigo de fuga, de perturbação da ordem pública e de continuação da actividade criminosa, veio a arguida A, já melhor identificada nos autos de inqúerito penal em questão, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação desse despacho, tendo alegado, para o efeito, e em essência, na sua motivação ora constante de fls. 3 a 11 do presente processado recursório, que:
– só com base nas declarações dos dois arguidos, nas declarações testemunhais, nos documentos apreendidos em grande quantidade na residência dela, nos saldos bancários apreendidos e nos objectos apreendidos tais como telemóvel e computador, etc., não se pode formar a convicção sobre a existência de fortes indícios que suportem a aplicação da medida coactiva de prisão preventiva, nem sobre a existência de dolo por parte da recorrente no cometimento dos crimes de burla e de falsificação de documento de especial valor, sendo de destacar que os documentos apreendidos em grande quantidade na sua residência não dão para se julgar directamente por verificados os fortes indícios desses crimes;
– violou o despacho recorrido o disposto nos art.os 176.o, 177.o, 178.o, 186.o, n.o 1, alínea a), e 188.o, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal (CPP), até porque nunca teve a recorrente, crescida e residente em Macau, a ideia de sair de Macau, pelo que lhe basta a imposição das medidas coactivas de prestação de caução e de proibição de ausência de Macau.
Ao recurso respondeu o Digno Delegado do Procurador a fls. 17 a 20, no sentido de manutenção da decisão recorrida.
Subido o recurso, a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, opinou, a fls. 1142 a 1143, pelo não provimento do recurso.
Cumpre decidir, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do CPP.
2. Fluem do exame do presente processado recursório os seguintes elementos pertinentes à decisão:
– no despacho judicial recorrido (cujo teor se encontra certificado a fls. 711v a 713 do presente processado), aplicador da prisão preventiva à arguida ora recorrente A (e das medidas coactivas de prestação de caução e de apresentações periódicas a um outro arguido, chamado B, do mesmo processo de inquérito), com fundamento, quanto à recorrente, na verificação de fortes indícios da prática, por ela, pelo menos, de dois crimes de burla em valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art.o 211.o, n.o 4, alínea a), do CP, e de dois crimes de falsificação de documento de especial valor, p. e p. pelo art.o 245.o do CP, com entendido também verificado perigo de fuga, de perturbação da ordem pública e de continuação da actividade criminosa, a M.ma Juíza, para justificar o seu juízo de valor formado a nível de verificação de fortes indícios desses crimes, fez uma súmula das declarações prestadas pela arguida recorrente e por aquele arguido em sede de primeiro interrogatório judicial, confrontando-as, e referiu quais os tipos de documentos apreendidos em grande quantidade pela Polícia na residência da recorrente, tendo afirmado a final que após considerados em conjunto os elementos constantes dos autos, nomeadamente os documentos apreendidos em grande quantidade, os registos bancários e os depoimentos testemunhais, etc., considerou que há fortes indícios da prática pela recorrente, pelo menos, de dois crimes de burla em valor consideravelmente elevado e de dois crimes de falsificação de documento de especial valor.
3. Sempre de diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
A recorrente começou por questionar a convicção formada pela M.ma Juíza a nível da verificação de fortes indícios dos ditos crimes.
Pois bem, após vistos, de modo crítico e em global, à luz das regras da experiência da vida humana em normalidade de situações quotidianas, todos os elementos probatórios referidos no despacho judicial recorrido (nomeadamente o teor de fls. 46 a 47, 62 a 64, 70 a 71, 100 a 101, 102 a 108, 151, 156, 199 a 199v, 517 a 542v, 526 a 558v, 625 a 630, 633 a 642 e 705 a 710 dos autos), não se vislumbra como patente que a M.ma Juíza a quo tenha violado, no processo de formação da sua convicção em sede da verificação indiciária dos factos delinquentes respeitantes aos crimes de burla em valor consideravelmente elevado e de falsificação de documento de especial valor, alguma norma jurídica sobre o valor legal da prova, alguma regra da experiência humana, ou quaisquer leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais, pelo que há que respeitar o juízo de valor da M.ma Juíza a quo no respeitante à entendida já existência de fortes indícios dos referidos quatro crimes dolosos em concreto.
Os casos dos autos têm a ver com a venda, dolosa, de dois imóveis pertencentes a outrem (sendo os verdadeiros proprietários, antes da venda, uma pessoa idosa e uma outra pessoa já falecida), por falsos procuradores, agindo a arguida recorrente e o outro arguido B nessa qualidade, nas transacções respectivas, pois eles se fizeram passar por verdadeiros procuradores de verdadeiros proprietários dos imóveis, através, respectiva e nomeadamente, de uma procuração feita com base em dados identificativos inscritos num cartão de identidade de residente de Hong Kong falsificado (com nome do seu titular, entretanto falsificado, idêntico ao nome daquela dona idosa que não é residente de Hong Kong), e de uma procuração passada por via notarial por pretenso dono do outro dos dois imóveis em questão (mas na realidade já falecido antes da data de outorga da procuração).
Conforme os elementos probatórios até agora carreados aos autos, é de considerar, a nível de fortes indícios, que houve comparticipação dolosa da arguida na conduta do arguido nos actos relativos à venda do outro dos dois imóveis em causa (cujo verdadeiro proprietário é uma pessoa já falecida antes da data daquela procuração).
Este tipo de condutas, respeitantes à venda de imóveis pertencentes a outrem, por falso procurador, provoca, compreensivelmente, grande alarme social, sobretudo quando os ímóveis em Macau têm valido muito dinheiro nos últimos anos, consabidamente. Assim, em razão da natureza e das circunstâncias dos quatro crimes concreto em questão, é de dar por verificado o perigo concreto de perturbação da tranquilidade pública, a que se refere o art.o 188.o, alínea c), do CPP.
Aos dois tipos legais de crime acima referidos, é igualmente aplicável só pena de prisão, cuja moldura, no caso de burla em valor consideravelmente elevado, vai até aos dez anos de prisão.
E atento o bem jurídico que se procura tutelar na norma incriminatória da burla em valor consideravelmente elevado, é jurisprudência dos Tribunais de Macau que mesmo só a prática deste crime doloso, se ulteriormente acusado, e julgado a final como provado em audiência contraditória, já basta para se aplicar, muito provavelmente, a pena efectiva de prisão.
Desta feita, a prisão preventiva é a medida coactiva legal, necessária, adequada e proporcional à situação concreta da recorrente, nos termos do disposto nos art.os 177.o, n.o 2, 178.o, n.os 1 e 3, 186.o, n.o 1, alínea a), e 188.o, alínea c), do CPP.
É, pois, de rejeitar o recurso, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por prejudicada (ou desnecessária, atento o espírito do n.º 2 desse art.º 410.º deste diploma).
4. Nos termos expostos, decide-se em rejeitar o recurso.
Pagará a recorrente as custas do seu recurso, com duas UC de taxa de justiça e quatro UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso).
Macau, 16 de Março de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)


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