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Processo nº 205/2018 Data: 22.03.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 205/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A ¿, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 63 a 66-v que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 68 a 69).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação (cfr. fls.63 a 66v. dos autos), o recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido e a concessão da liberdade condicional, assacando-lhe o vício de violação do preceito no n.°1 do art.56° do Cód. Penal de Macau, por entender que ele reunir todos os pressupostos.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (vide. fls.68 a 69 dos autos).
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56° do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.°195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (Acórdão do TSI no Processo n.°50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdão do TSI no Processo n.°225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acs. do TSI nos Processos n.°225/2010 e n.°404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.°1 do art.56° dotam aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (Acórdão do TSI no Processo n.°9/2002)
No caso sub judice, quanto à prevenção especial, a MMa Juiz a quo aponta prudentemente: «在特別預防方面,被判刑人屬首次入獄,服刑至今約3年4個月,服刑表現良好,沒有任何違規行為的紀錄。然而,經考慮本案情節,被判刑人利用兩名受害人對其信任而作出巨額詐騙,所涉及金額相當巨大,顯示其守法意識薄弱。另外,儘管被判刑人在信函中對其罪行作出反省並表示悔悟,但根據案中的資料顯示,其在庭上否認控罪,且被判刑人仍未向被害人支付任何賠償,雖然現階段被判刑人在服刑期間表現尚算穩定及提出賠償方案,但被判刑人在服刑期間暫未見有積極的行為,法庭認為現時未具備足夠跡象顯示被判刑人的人格及價值觀已獲得徹底的矯正,現階段尚須更多時間的觀察,方能確信其能抵禦犯罪所帶來的巨大金錢收益的誘惑,踏實地從事正當職業,以對社會負責任的方式生活及不再犯罪。目前為止,法庭認為被判刑人的狀況尚未符合《刑法典》第56條第1款a項的規定。»
A nível da prevenção geral, lá lê-se: «在一般預防方面,本案中被判刑人為本澳居民,作出犯罪行為時年約27歲,其觸犯兩項「相當巨額詐騙罪」,多次以多種詭計令二名被害人對判刑人產生信任而受騙,取得相當巨額財產,對兩名被害人造成嚴重的金錢損失,有關犯罪的不法性甚高。結合本案具體情節,兩名被害人共損失達澳門幣三百萬元以上,受害人至今未獲彌補,亦未見有其他特殊情節足以降低特別預防的要求。倘現時提前釋放被判刑人,極有可能對潛在的不法分子釋出錯誤信息,使彼等錯誤以為犯罪的代價並不高,如此將不利於社會安寧,因此,本法庭認為必須繼續執行刑罰,方能達震懾犯罪及防衛社會之效。基於此,法庭認為本案現階段尚未符合《刑法典》第56條第1款b項的要件。»
Assim, não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, mas, na esteia das persuasivas jurisprudências supra citadas, aderimos, sem reserva, à cristal preocupação da MMa Juiz a quo, no sentido de aquele ainda não preencher, por ora, os pressupostos consagrados no n.°1 do art.56° do CPM. Pois, como bem observou a MMa Juiz a quo, existe ainda a séria dúvida de o recorrente ter já adquirido a estável capacidade de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem ir cometer crime; e prevê-se razoavelmente que a colocação dele em liberdade nesta altura não é compatível com a paz social.
De qualquer modo, importa ter presente que é generalizadamente consabido que em termos comparativos, as sanções penais da ordem jurídica da RAEM são mais benevolentes. Daí que Macau deve tentar todo o esforço para evitar a desastre de ser destino ou “paraíso” de delinquentes.
Nesta linha de perspectiva, não podemos deixar de entender que não tem cabimento o pedido da recorrente, e não merece censura alguma o douto despacho em escrutínio, por este mostrar-se plenamente conforme com o disposto no n.°1 do art.56° do CPM.
(…)”; (cfr., fls. 76 a 77-v).

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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– A, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 18.09.2014, para cumprimento de uma pena única de 5 anos de prisão em que foi condenado pela prática de 2 crimes de “burla de valor consideravelmente elevado”, tendo também sido condenado no pagamento da quantia de MOP$3.519.205,00 e juros aos ofendidos dos autos;
– em 17.01.2018, cumpriu dois terços de tal pena, expiando toda a pena em 17.09.2019;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua família, tencionando trabalhar como motorista em Macau.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 18.09.2014, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 07.12.2017, Proc. n.° 1041/2017, de 14.12.2017, Proc. n.° 1069/2017 e de 25.01.2018, Proc. n.° 14/2018, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Temos para nós que de sentido negativo terá de ser a resposta.

De facto, e independentemente do demais, não se pode olvidar que em causa estão 2 crimes de “burla (agravada)” que causaram um avultado prejuízo, (MOP$3.519.205,00).

Nesta conformidade, ponderando na pena única imposta, na expiada, e no período de tempo que falta cumprir, mostra-se-nos de ponderar na compatibilidade da pretendida libertação com a sua repercussão na sociedade, não se podendo postergar as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”, impondo-se, também por isso, uma reafirmação social mais intensa da validade das normas jurídicas violadas; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106 e o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).

Assim, em face das expostas considerações, e verificado não estando o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. b) do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar improcedente o recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça de 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 22 de Março de 2018
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Choi Mou Pan
Proc. 205/2018 Pág. 16

Proc. 205/2018 Pág. 15