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Processo n.º 18/2018. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: Ministério Público.
Recorrido: A.
Assunto: Homicídio qualificado. Motivo fútil. Especial censurabilidade ou perversidade do agente.
Data do Acórdão: 25 de Abril de 2018.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I - A integração do facto num dos exemplos-padrão do n.º 2 do artigo 129.º do Código Penal não é bastante para assegurar a qualificação do homicídio e a não integração do facto num dos mesmos exemplos também não assegura a não qualificação.
II - O exemplo-padrão constante da alínea c) do n.º 2 do artigo 129.º do Código Penal é estruturado com apelo a elementos estritamente subjectivos, relacionados com a especial motivação do agente.
III – Por qualquer motivo torpe ou fútil, da alínea c) do n.º 2 do artigo 129.º do Código Penal, significa que o motivo da actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais da comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 13 de Outubro de 2017, condenou o arguido A, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de homicídio voluntário, previsto e punível pelo artigo 128.º do Código Penal, na pena de 15 (quinze) anos de prisão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 25 de Janeiro de 2018, negou provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, que pretendia a condenação do arguido pelo crime de homicídio qualificado, pelo qual fora acusado.
Recorre, novamente, o Ministério Público para este Tribunal de Última Instância (TUI), defendendo a condenação do arguido pelo crime de homicídio qualificado, por entender que agiu por motivo fútil.


II – Os factos
Os factos provados são os seguintes:
1. A (1º arguido) é residente de Macau e tem licença de pescador. Do registo de entrada e saída do arguido, fornecido pela PSP, resultou que o mesmo saiu da Região através do Posto Fronteiriço das Portas de Cerco em 29 de Novembro de 2008, a partir daí, não se encontrando o registo de sua entrada em Macau. Na realidade, tal arguido entrava e saía de Macau utilizando a sua licença de pescador.
2. O arguido A e a vítima B eram amigos de longa data, convivendo e bebendo sempre juntos. Às vezes discutiram entre eles, mas nunca brigaram.
3. O arguido A, e a vítima B costumavam cear, tomar um copo e conversar na loja de massas de fita “X”, que se situa na loja da [Endereço (1)], Horta da Mitra, sem precisar de combinar entre si. C, D e E, clientes habituais da mesma loja, também conheciam os dois. A referida loja de massas de fita situa-se na esquina da Rua de Horta e Costa com a Rua da Colina, portanto, foi colocada num lado da Rua da Colina uma banca ambulante de massas de fita.
4. A 18 de Setembro de 2016, cerca das 23H00, a vítima e D, como habitualmente, deslocaram-se à loja acima referida. Seguidamente, chegaram o arguido A, E e C. Estas pessoas sentaram-se numa mesa colocada fora da entrada da loja.
5. No convívio as pessoas acima indicadas beberam cerveja, whisky ou vinho tinto levado pela vítima. Cada um deles divertiu-se da sua maneira: C jogou às cartas com E, a vítima jogou às cartas com o empregado da loja de massas de fita F, o arguido A sentou-se ao lado de C e conversou com este, D sentou-se no outro lado de C a ver televisão, tendo estas pessoas conversado ocasionalmente entre si .
6. Na conversa o arguido A gozou com a vítima, alegando que a vítima não tinha dinheiro mas gostava de jogar e perdia sempre dinheiro. O arguido disse à vítima “chamo sempre atenção a ti, mas não te corriges, não me ouves”, “eu vim cá para ver se tu ainda cá estás”. A vítima respondeu ao arguido A “deixa-me em paz”, “sou assim, o que tem a ver contigo, deixa-me em paz”, “não vens cá mais se não gostares”, “eu não peço para tu vires, tu é que queres vir”.
7. Até às 2H10 de 19 de Setembro de 2016, o arguido A ainda proferiu repetidamente as expressões supra referidas. No princípio, a vítima respondeu calmamente ao arguido A. No fim, ambas as partes falaram com voz alta e usaram palavras tom agressivos. Naquela altura, o arguido A já tomara quatro a cinco garrafas de cerveja.
8. A resposta e atitude da vítima irritaram o arguido, este dirigiu-se à banca de venda de massas colocada fora da referida loja de massas, da qual retirou uma concha de sopa em aço e bateu com força, por duas vezes, a cabeça da vítima com a parte exterior da concha.
9. Tendo sido atacado, a vítima levantou-se e agarrou as duas mãos do arguido A com as suas mãos, interpelando ao arguido A da seguinte foram, “tás maluco, o que tem contigo”. Os dois, a seguir, agarraram um a outro. Durante disso, o arguido A pegou numa garrafa de vinho em vidro e abanou-a dirigindo à cabeça e pescoço da vítima. E a vítima andou sempre para trás e usou duas mãos para evitar o ataque de A.
10. Visto isso, C e E aproximaram-se logo do arguido A e a vítima para separarem os dois. O arguido A deitou a garrafa de vinho em vidro para chão e foi-se embora na direcção de Cheok Chai Un. Seguidamente, as demais pessoas (incluindo a vítima) sentaram-se nos lugares onde estavam.
11. Cerca das 2h19 do mesmo dia, o arguido A descobriu ficar aleijado depois de lutar com a vítima, ficando assim muito zangado. Então, aproximou-se duma tenda de venda na rua, que ficou perto da referida loja de massas de fita, dela retirou uma faca metal para cortar frutas, escondeu-a na mala de ombro que trazia com ele e regressou à loja de massas de fita “X”, com intenção de atacar a vítima com aquela faca.
12. A referida faca para cortar frutas tinha ponta aguçada. O arguido A explicou que a faca só para assutar a vítima.
13. E notou que o arguido A voltou munido de uma faca para cortar frutas e correu na direcção da vítima com olhar agressivo, suspeitando que o mesmo arguido ia atacar outra vez a vítima, portanto, aproximou-se do arguido para calmá-lo, mas foi empurrado pelo arguido A.
14. Neste momento, a vítima também já notou a má intenção do arguido A, correu logo para a Rua da Colina, onde estava a banca ambulante de massas de fita, para se esconder.
15. O arguido A retirou uma garrafa de vinho tinto vazio da loja e andou rapidamente para a Rua da Colina com intenção de atacar a vítima.
16. A vítima retirou uma concha de sopa da dita banca ambulante de massas de fita e brandiu-a à frente de si própria, com vista a impedir que o arguido A se aproximasse dele. Mas o arguido A não parou de correr para a vítima e agarrou o corpo superior da mesma. Seguidamente, os dois entraram em luta corporal, agarrando um a outro. Durante a luta, o arguido A esfaqueou, pelo menos uma vez, o corpo superior da vítima com a faca empunhada na mão direita.
17. Na altura, saíram da Rua da Colina barulhos provocados pelo embate entre objectos metálicos e som de vidro quebrando. As outras pessoas tinham medo de entrar na Rua da Colina. C e E só ficaram fora da Rua da Colina a gritar “não lutem mais”, “parem” e “chama a polícia”.
18. Em seguida, a vítima fugiu da Rua da Colina e o arguido A continuou a correr atrás dele. O arguido A ainda estava com a faca na sua mão direita no memento. E a vítima estava com lesões sangrando na cabeça e no lado direito do peito.
19. Depois, o arguido A lutou outra vez com a vítima no cruzamento das ruas à frente da referida loja de massas de fita. A vítima colocou as suas mãos no peito do arguido A na parte perto dos ombros deste, de modo a empurrar o mesmo arguido. E o arguido A colocou as suas mãos nos dois lados do pescoço da vítima para evitar que esta fugisse. Enquanto estavam a lutar, o arguido A, com a faca de cortar frutas empunhada na mão direita, desferiu à vítima uma facada no lado esquerdo do pescoço, torcendo a faca depois de espetá-la. O sangue espirrou logo em grande quantidade do lado esquerdo do pescoço da vítima e depois, o sangue começou a espirrar também na boca dele.
20. O arguido A retirou a dita faca de cortar frutas do lado esquerdo do pescoço da vítima e alargou-a, fugindo a correr do local na direcção do Mercado da Horta da Mitra (cfr. auto de visionamento de vídeo de fls. 330 a 337 do processo de inquérito, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). Na altura, a parte de mãos do arguido A e a roupa que trajava ficaram manchadas com sangue e o arguido deitou fora, no caminho da fuga, a faca de cortar frutas que utilizou na sua actividade criminosa. A faca não foi encontrada até à data.
21. No decurso da investigação policial realizada no local do crime, a polícia encontrou muitos vestígios de sangue, tendo levado do local uma garrafa de vinho tinto quebrada no gargalo com vestígios de sangue, vários fragmentos de vidro, duas caixas de cigarros, um banco redondo de cor cinzenta cheio de manchas de sangue, onze beatas de cigarro, um isqueiro, um relógio de pulso e um telemóvel, entre os quais foram apreendidos nos autos a garrafa de vinho, caixas de cigarros, fragmentos de vidro (fls. 3v do processo de inquérito e auto de apreensão de fls. 1652).
22. O exame realizado pelo Departamento de Ciências Forenses da PJ revela que foi encontrado o ADN, que é provavelmente da vítima, no relógio de pulso, garrafa de vinho, banco redondo, uma parte dos fragmentos de vidro e vestígios de sangue encontrados no chão. E no telemóvel foram encontrados vestígios de ADN que são, provavelmente, da vítima e do arguido A. (cfr. relatório pericial de fls. 1144 a 1162 e 1806 a 1812 do processo de inquérito, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
23. A vítima foi transportada ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário no mesmo dia, cerca das 2H34, e morreu no mesmo dia, pelas 2H57, após recebido tratamento urgente.
24. Realizado o exame pericial médico-legal, foram encontradas as seguintes lesões no corpo da vítima:
- uma ferida perfurante com 2 cm de comprimento e da forma “<” na parte superior esquerda da região temporal;
- uma ferida incisiva com 4 cm de comprimento na linha mediana da parte esquerda do pescoço, duas feridas incisivas com 2 cm e 1 cm de comprimento, respectivamente, no lado esquerdo do músculo esternocleidomastóideo e verificam-se veias completamente cortadas nas partes externa e interna do lado esquerdo do pescoço e artéria quase completamente cortada no lado esquerdo do pescoço;
- uma abrasão linear horizontal com 7 cm de comprimento no lado lateral esquerdo da parede torácica, a 3 cm do mamilo esquerdo;
- uma ferida perfurante com 2,5 cm de comprimento na parte mediana inferior da clavícula direita, uma laceração com 1 cm de comprimento na veia por baixo da clavícula direita;
- duas feridas por contusão com tamanhos de 3x2 cm e 2x2 cm, respectivamente, no lado lateral interno do dorso da mão esquerda e na região de articulação metacarpofalangeana no lado lateral da mão esquerda;
- uma ferida incisa superficial com 2 cm de comprimento no dorso da mão direito próximo, na região de articulação falange proximal do terceiro dedo acompanhada duma ferida por contusão de tamanho de 2x1,2 cm e uma ferida por contusão de tamanho de 1x0,8 cm na região de articulação falange proximal do quarto dedo;
- uma contusão de tamanho de 13x13 cm da forma redonda na parte inferior da parede torácica anterior que corresponde à contusão originada por tratamento urgente; verificam-se vestígios de injecção nos dois cotovelos e no lado lateral externo do carpo esquerdo.
25. A vítima foi atacada por arma branca, o que lhe causou lesões em veias no pescoço, consequentemente, a sua morte pela hemorragia. O relatório de autópsia revela que as feridas perfurantes e incisivas correspondem às feridas feitas por arma branca ou objecto equiparado. Verificam-se feridas causadas por resistência nas mãos da vítima. Dos dados fornecidos pela polícia e relatório de autópsia, trata-se de um caso de homicídio (cfr. relatório de autópsia de fls. 721 a 723 do processo de inquérito, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
26. Do exame pericial efectuado pelo Departamento de Ciências Forenses da PJ, resultou que foi encontrado na palma da mão direita da vítima o ADN que é provavelmente do arguido A. (cfr. relatório pericial de fls. 1806 a 1812 do processo de inquérito, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
27. O arguido A fugiu do local até ao local próximo do Edf. Administração Pública na Rua do Campo. O mesmo queria apanhar um táxi mas, talvez por causa das manhas de sangue na sua roupa, nenhum condutor de táxi parou para transportá-lo. (cfr. Auto de visionamento de vídeo de fls. 401 a 403v do processo de inquérito, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
28. Depois, o arguido A despiu a roupa manchada com sangue, só assim é que conseguiu apanhar um táxi, cuja matrícula não foi apurada, em local próximo do viaduto de peões na Rua do Campo. O arguido foi de táxi para a sua residência sita na Taipa, no [Endereço (2)]. O arguido deitou fora a roupa com vestígios de sangue debaixo do viaduto de peões na Rua do Campo. O paradeiro de tal roupa é desconhecido.
29. Voltando para a referida habitação, o arguido A foi logo limpar os vestígios de sangue no seu corpo e deitou fora as calças manchadas com sangue no quarto de lixo do [Endereço (2)].
30. Na madrugada do mesmo dia, pelas 3H02, o arguido saiu da referida habitação e dirigiu-se à habitação sita na [Endereço (3)] à procura do seu amigo G (2º arguido). (cfr. auto de visionamento de vídeo de fls. 338 a 340v e 405 a 420 do processo de inquérito, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
31. O apartamento sito no [Endereço (3)] era a habitação do arguido G, que arrendou um quarto da habitação a H. O arguido G estava a jogar mahjong com amigos no apartamento quando chegou o arguido A.
32. O arguido A contou ao arguido G que “tinha brigado com B” (a vítima), “espetei duas vezes B”. E notava-se claramente uma ferida recente na cara do arguido A.
33. O arguido G também conhecia a vítima. O mesmo arguido sabia bem, mediante as expressões do arguido A acima indicadas, o seu tom e a ferida recente na sua cara, que a vítima foi atacada pelo arguido A com arma branca e estava provavelmente ferida. No entanto, o arguido G, para impedir que o arguido fosse submetido a pena, consentiu que o arguido A se refugiasse na referida habitação dele.
34. Por volta das 13H00 do mesmo dia, o arguido A teve conhecimento, mediante telejornal, de que a vítima morreu por causa das agressões feitas por ele. O mesmo arguido contou logo a notícia ao arguido G.
35. Ainda que o arguido G soubesse que o arguido A foi suspeito de matar a vítima e estava a ser procurado pela polícia, ele não informou a polícia do paradeiro do arguido A, ao contrário, continuou a deixar o arguido A esconder-se no dito apartamento, com propósito de impedir que o arguido fosse capturado pela polícia e submetido a pena. Além disso, proporcionava comida ao arguido A e devolveu, deliberadamente, uma parte do dinheiro que lhe foi emprestado pelo arguido A, no valor de cinquenta mil dólares de Hong Kong (HKD50.000) para suportar as despesas diárias e com o transporte do arguido A.
36. Escondendo-se até 21 de Setembro de 2016 no dito apartamento no [Endereço (3)], o arguido A achava que o apartamento não era seguro, tendo medo que fosse encontrado pela polícia, portanto, perguntou ao arguido G se tivesse outro local para ele se refugiar.
37. Por volta das 20H00 do mesmo dia, o arguido G saiu da referida habitação no [Endereço (3)] conjuntamente com o arguido A.
38. O arguido G, naquela altura, não estava habilitado para conduzir mota, ao qual nunca foi concedida a licença de condução de mota. O referido ciclomotor de matrícula de CM-XXXXX pertencia a I, que emprestara a mota ao arguido G, tendo este a chave do referido veículo.
39. O arguido G e o arguido A deslocaram-se juntos ao “Casino”, com propósito de encontrar com o indivíduo que organizasse o transporte ilegal do arguido A para o Interior da China. Porém, uma vez que estava muito ventoso naquela noite, não foi realizado o transporte pretendido.
40. Na mesma noite, cerca das 23H46, os dois voltaram para o apartamento no [Endereço (3)].
41. Na mesma noite, cerca das 23H48, o arguido G levou o arguido A do [Endereço (3)] para uma habitação sita na [Endereço (4)], para que o arguido A se refugiasse neste apartamento.
42. Antes de se ir embora da dita habitação, o arguido G proporcionou ao arguido A um telemóvel já com cartão SIM, para os dois comunicarem um a outro.
43. O apartamento sito no [Endereço (4)] foi adquirido em Setembro de 2016 por J, filha dum primo do arguido G, a qual incumbiu o arguido G de tratar as obras de decoração da fracção, pelo que o arguido G tinha a chave da porta da habitação.
44. J nunca esteve na referida fracção enquanto o arguido A se escondeu alí.
45. Até a 22 de Setembro de 2016, cerca das 18H00, o arguido G não levou na hora combinada comida ao arguido A e este recebeu uma mensagem telefónica do arguido G dizendo “a tua mãe mandou-te pagar o dinheiro emprestado”. Isto insinuou que a polícia estava à procura do arguido A.
46. Receando que a polícia encontrasse o local onde se escondeu, o arguido A abandou logo a habitação e pegou um táxi em rumo à Ilha de Coloane, a fim de alí se encontrar com o indivíduo com quem combinou o transporte ilegal.
47. Por volta das 23H00 do mesmo dia, com o auxílio do indivíduo supra indicado o arguido A rumou, de barco, para Zhuhai, China, partindo de um sítio na beira mar na Ilha de Coloane que não era posto de controlo de entrada e saída da RAEM. Pelo transporte ilegal, pagou um montante de sete mil dólares de Hong Kong (HKD7.000).
48. Nos primeiros dias em Zhuhai, o arguido pernoitou na pensão ou loja de massagem que não exigiu a exibição de documento de identificação para a permanência. Depois, alugou, com a ajuda de outrem, para se refugiar, uma fracção no [Endereço (5)] da cidade de Zhongshan, China, pela renda mensal de mil e trezentos renminbi (RMB1.300).
49. A 23 de Setembro de 2016, a polícia efectuou, nos termos da lei, uma busca na residência do arguido A, sita na Taipa, no [Endereço (2)], onde encontrou e apreendeu seis telemóveis (três dos quais estava com um cartão SIM), dois cartões SIM e um lenço de papel com vestígio de sangue (cfr. auto de busca e apreensão de fls. 376 a 384 do processo de inquérito, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
50. O exame pericial efectuado pelo Departamento de Ciências Forenses da PJ mostra que o referido lenço de papel continha o ADN pertencente, provavelmente, ao arguido A (cfr. relatório pericial de fls. 1806 a 1812 do processo de inquérito, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
51. Posteriormente, a polícia encontrou o arguido K (3º arguido).
52. O arguido A e o arguido K são amigos. O arguido A chamava o arguido K de “XXX”, este tinha pedido ao arguido A, em Junho de 2016, o dinheiro prestado no valor de cem mil e tal dólares de Hong Kong, montante este nunca foi liquidado.
53. Em dia não apurado de Outubro de 2016, o arguido K recebeu, via o seu telemóvel (XXXXXXXX), um telefonema de um homem, cuja identificação é desconhecida, dizendo ser incumbido por uma pessoa de lhe entregar um telemóvel. O arguido K sabia, na altura, que o arguido A foi suspeito de matar a vítima B e estava a ser procurado pela polícia, sabendo que tal homem não conhecido foi incumbido pelo arguido A.
54. No mesmo dia, mais tarde, como ficou combinado o arguido K encontrou com o referido homem, cuja identificação não se logrou apurar, próximo do Banco Luso Internacional na Praia Grande em Macau, e obteve do homem um telemóvel que foi posto no seu carro a seguir.
55. Decorridos alguns dias, o arguido A ligou para o telemóvel do arguido K (853-XXXXXXXX). Na conversa telefónica mantida, o arguido A disse ao arguido K que estava em Zhuhai, China e exigiu ao arguido K o reembolso urgente do dinheiro emprestado, a fim de pagar as despesas diárias dele.
56. Para que o arguido A não fosse capturado pela polícia e submetido a pena, o arguido deslocou-se para Zhuhai, China, alguns dias depois e entregou deliberadamente ao arguido A uma parte do dinheiro em dívida no valor de dez mil e tal dólares de Hong Kong (HKD10.000+) que se destinou a pagar as despesas diárias do mesmo.
57. Aproximadamente um mês depois (em dia não apurado), o arguido A telefonou outra vez ao arguido K (853-XXXXXXXX), exigindo o arguido a continuar a pagar o dinheiro em dívida.
58. Para que o arguido A não fosse capturado pela polícia e submetido a pena, o arguido deslocou-se, mais tarde, no mesmo dia para Zhuhai, China, entregando deliberadamente, mais uma vez, ao arguido Ama parte do dinheiro em dívida no valor de cinco mil dólares de Hong Kong (HKD5.000), que se destinou a pagar as despesas diárias do mesmo.
59. A 14 de Outubro de 2016, o arguido K recebeu, através do seu telemóvel (853-XXXXXXXX), uma mensagem enviada dum telefone do Interior da China (XX-XXXXXXXXXXX), dizendo “XXX” qual é a situação actual, o teu telefone está sob escuta”. Depois disso, o arguido K respondeu à outra parte com a seguinte mensagem: “já está na minha mão, sei que está sob escuta” e, a seguir, ao arguido K a outra parte respondeu “OK” (cfr. fls. 5 a 8 do Anexo 14 do processo de escuta nº X-XXXXX/XXXX/XX, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
60. A 22 de Novembro de 2016, o arguido K manteve uma conversa telefónica, através do telemóvel nº 853-XXXXXXXX, com um homem cuja identificação é desconhecida, dizendo à outra parte “quanto ao “V”, é preciso…ir lá levar dinheiro para ele”, “sim, não se pode levar telefone, ele deu…ele deu-me…ele tinha…me dado…aquele…tinha dado o telefone da China Continental…” (cfr. fls. 12 a 13 do Anexo 14 do processo de escuta nº X-XXXXX/XXXX/XX e fls. 1210 a 1215 do relatório policial, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos).
61. A 22 de Novembro de 2016, o arguido K mandou, via o telefone 853-XXXXXXXX, ao telefone da China nº XX-XXXXXXXXXXX a seguinte mensagem: “acabei de chegar a Macau de Hong Kong, XXXXXXXX é o número do meu telefone novo. Se o patrão quer contactar-me, liga para este telefone”. (cfr. fls. 14 do Anexo 14 do processo de escuta nº X-XXXXX/XXXX/XX, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
62. A 3 de Janeiro de 2017, o arguido K, na conversa mantida com a sua mulher, disse-lhe que “…fode-se “U”, “levou o telefone de uso exclusivo de “V” que estava no nosso carro”, “…depois “V”…não o vi por vários dias. Também achei estranho, onde foi? O telefone é um a um”, “e ele levou-o para usar”, ““V” telefonou-me, disse que “W” telefonou-me hoje. Eu disse porque “V” te telefonou. Ele estava com o meu telefone. Eu disse o que é isso, eu falei contigo e tu ficas maluco e ralha comigo, “U”, depois “V” ficou maluco a me telefonar”, “…fodes-te vai trocar o telefone, filho da mãe “U”. Falo contigo, caso aconteça algo com “V”, ele vai procurar-te, fode-se, eu garanto”, “…o telefone é meu, “V” deu-me o telefone só para eu usar, para eu comunicar com ele”, “filho da mãe levou o telefone para usar, ele disse que “V” me telefonou, eu disse porque Tai…te telefonou”, “…ficou furioso “V”, “traz já o telefone, limpa todas as chamadas, pode ser acustado”, “…ouves caso aconteça alguma coisa com “V”, tás lixado, digo eu”. (cfr. fls. 11 a 12 do Anexo 40 do processo de escuta nº XX-XXXXX/XXXX/XX e fls. 1461 a 1462 do relatório policial , cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos).
63. Em 2017, logo depois do Ano Novo Chinês (a data concreta não foi apurada), o arguido A ligou outra vez para o telemóvel (853-XXXXXXXX) do arguido K, exigindo-lhe que continuasse a pagar o dinheiro em dívida e a ajuda para vender o automóvel “BMW” de matrícula MQ-XX-XX, de modo a obter dinheiro para sustentar a sua vida quotidiana enquanto se encontrava foragido.
64. O referido automóvel foi registado sob nome L, mulher do arguido A, mas quem realmente usava o carro era o arguido A. O automóvel estacionava no silo próximo da residência do mesmo arguido no [Endereço (2)].
65. A fim de ajudar o arguido A a vender o automóvel supra dito, no sentido de obter dinheiro para sustentar as despesas diárias daquele arguido quando se estava a refugiar, o arguido K telefonou, em 5 de Fevereiro de 2017, a L, dizendo “daqui a poucos dias vou aí buscar a chave…ai você não…usa o carro, não? O BMW”, “sim, Ah Lou…Lou…Ah Fei Chai disse para eu abordá-lo. Então vou aí daqui a poucos dias, está bem?”. Posteriormente, os dois comunicaram-se várias vezes por este assunto (cfr. fls. 16 a 17 do Anexo 14 do processo de escuta nº X-XXXXX/XXXX/XX e fls. 1516 a 1517 do relatório analístico de escuta telefónica (3), cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos).
66. Segundo os registos das escutas telefónicas efectuadas pela polícia, encontram-se três contactos entre o telemóvel (853-XXXXXXXX ou 853-XXXXXXXX) do arguido K e o número de telefone do Interior da China (XX-XXXXXXXXXXX). Ainda, segundo o registo de saída/entrada do território do arguido K, este entrou e saiu de Macau muitas vezes no período entre 22 de Outubro de 2016 e 27 de Fevereiro de 2017 (cfr. Registo de saída/entrado de fls. 1212 a 1215, 1339 a 1343 e 1521 a 1526 do processo de inquérito). Da investigação e análise policiais, resultou que tal número telefónico do Interior da China foi utilizado pelo arguido A (cfr. o relatório policial de fls. 1503 a 104 do processo de inquérito).
67. Com o consentimento do arguido K, a polícia apreendeu um telemóvel encontrado na sua posse e outro no automóvel dele de matrícula ML-XX-XX (ambos os telemóveis estavam com um cartão telefónica SIM) (cfr. Auto de busca e apreensão a Fls. 1590 a 1593v e auto de busca e apreensão a fls. 1595 a 1597 do Processo de Inquérito, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.)
68. O arguido A foi capturado em 27 de Fevereiro de 2017, em Zhuhai, pela polícia do Interior da China, e foi transferido à autoridade policial da Macau em 16 de Março de 2017.
69. Antes disso, o arguido K nunca informou a polícia do paradeiro do arguido A.
70. O arguido A agrediu violentamente a vítima, sabendo que o ataque podia provocar a morte da segunda, o que também quis, com o propósito de pôr termo à vida da vítima.
71. Ainda, o arguido A tinha na sua posse, sem ter justificação para tal, uma faca e utilizou-a como arma para agredir a vítima.
72. O arguido G e o arguido K tentaram evitar que o arguido A, que praticou um crime, fosse submetida a pena, tendo ajudado, respectivamente, o arguido A a se esconder e no transporte do mesmo ou lhe proporcionado as necessidades para manter a vida quotidiana (incluindo dinheiro ou alimentos), com intenção de impedir, total ou parcialmente, actividade probatória ou preventiva de autoridade competente.
73. Os três arguidos agiram de forma voluntária, livre e consciente, praticando deliberadamente os actos supra descritos e  bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.

Provaram-se os seguintes factos constantes do pedido de indemnização civil e da contestação:
74. A vítima B faleceu aos 55 anos de idade.
75. A vítima foi transportada ao hospital onde foi submetido a tratamento urgente, de que resultaram despesas médicas no valor MOP1.316, que foram pagas pela 1ª requerente civil.
76. As despesas do funeral da vítima são, em total, de MOP50.675,70.
77. Na altura do falecimento da vítima, o 3º requerente civil estava a frequentar o 3º ano do ensino superior na Universidade de São José, frequentando o 4º ano em Setembro de 2017.
78. As despesas com o estudo e as despesas diárias do 3º requerente civil eram suportadas pelos seus pais. A propina anual era de MOP41.000/mês e as despesas diárias de MOP2.000/mês.
79. Até à conclusão do curso superior do 3º requerente civil, a vítima necessitaria de pagar alimentos no valor de MOP32.500.
80. A vítima mantinha boa relação com a mulher e os dois filhos.
81. O falecimento da vítima é, para os três requerentes civil, a perda de um membro familiar e o facto de não poderem ver a vítima por última vez causou-lhes dor espiritual.

Mais se provaram os seguintes factos:
82. Embora o 1º arguido alegasse ter antecedente criminal, mas, segundo o seu registo criminal, não tem antecedente criminal, sendo delinquente primário.
83. O 3º arguido não tem antecedente criminal, conforme o seu registo criminal.
84. Do registo criminal do 2º arguido resulta que o mesmo tem os seguintes antecedentes criminais:
(1) O 2º arguido foi condendo em 28 de Novembro de 1996, no âmbito do processo de querela 707/96 – 2º Juízo, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 18 meses de prisão e na multa de $5000, convertível na pena de prisão de 80 dias. Ao arguido foi concedida liberdade condicional e, após a liberdade condicional concedida, foi o mesmo libertado definitivamente. A pena aplicada neste processo foi extinta.
(2) Foi o mesmo arguido condenado em 21 de Novembro de 2001, no âmbito do processo PCC-051-01-6, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 12 anos de prisão e na multa de $10.000, convertível na pena de prisão de 66 dias. Ao arguido foi concedida liberdade condicional e, após a liberdade condicional concedida, foi o mesmo libertado definitivamente. A pena aplicada neste processo foi extinta.
(3) No âmbito do processo CR3-15-0456-PCS, por sentença proferida em 12 de Novembro de 2015, pelo Tribunal Judicial de Base, foi condenado o arguido pela prática de um crime de empréstimos ilícitos, p.p. pelo artº 13º, nº 1 da Lei nº 8/96/M, na pena de um ano de prisão, suspensa a sua execução pelo período de três anos. Foi ainda condenado na pena acessória de interdição de entrada em casinos pelo período de três anos. Tal decisão transitou em julgado em 3 de Dezembro de 2015, sendo que, não terminou ainda o período de suspensão de execução da pena aplicada ao arguido.
85. O 1º arguido alegou ser bate-ficha, auferindo MOP20.000/mês e ter a seu cargo a mulher e um filho. Tem  como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade.
86. O 2º arguido alegou auferir um rendimento mensal de MOP22.000 a MOP25.000 e ter a seu cargo dois filhos e a mãe. Tem  como habilitações literárias o 8º ano de escolaridade.
87. O 3º arguido alegou auferir um rendimento mensal de MOP15.000 a MOP20.000 e ter a seu cargo a mulher e os sogros. O mesmo estudou até ao 11º ano, sem o ter concluído.

Factos não provados:
Não ficaram provados os seguintes factos: os restantes factos que constam da acusação, do pedido de indemnização cível e contestações cível, designadamente:
1. Não ficou provado: o ofendido contrapôs ao arguido A que “Se eu morrer pelo menos tenho filhos para me enterrar”.
2. Não ficou provado: a faca de frutas supracitada tem 16 centímetros de comprimento, a lâmina tem 6 a 8 centímetros de comprimento e 1.5 centímetros de largura.
3. Não ficou provado: no mesmo dia, por volta das 20H00 da noite, o arguido G conduziu um motociclo com chapa de matrícula n.º CM-XXXXX, carregando o arguido A, deixaram da residência acima referida situada no [Endereço (3)].
4. Não ficou provado: na circunstância de não estiver legalmente habilitado, o arguido G conduziu o motociclo na via pública.
5. Não ficou provado: O arguido A agiu por motivo fútil e agrediu violentamente o ofendido.
6. Não ficou provado: Antes da sua morte, o estado físico do ofendido era muito bom.
7. Não ficou provado: Antes da sua morte, o ofendido exerceu a actividade de bate-fichas no casino.
8. Não ficou provado: O ofendido B pagou mensalmente de 6 mil patacas como encargos da vida familiar, a fim de pagar o empréstimo bancário e as despesas diárias da família.

Quanto à apreciação da prova, o tribunal a quo prestou a seguinte fundamentação na convicção:
“Tendo analisado, de forma rigorosa, objectiva, sintética e crítica, as declarações prestadas pelos arguidos e pelas testemunhas na audiência de julgamento, conjugado com as provas documentais, os objectos apreendidos e as demais provas apreciadas na audiência, este Tribunal Colectivo reconhece os factos acima expostos, em particular:
O 1º arguido fez a declaração na audiência de julgamento e confessou os factos criminosos fundamentais. O 1º arguido declarou que: o ofendido não disse que “Se eu morrer pelo menos tenho filhos para me enterrar”. O arguido descobriu ficar ferido, por isso, regressou ao local, empunhado uma faca, com apenas uma intenção de intimidar o ofendido, no entanto, como estado de embriaguez naquela altura, o arguido não se lembrou dos actos de apuamento descontrolados praticados ao ofendido, mas o arguido não esfaqueou directamente na direcção do pescoço do ofendido. Quanto aos factos relacionadas ao 2º arguido e ao 3º arguido, o 1º arguido manteve o silêncio e não respondeu as respectivas perguntas, o 1º arguido só declarou que naquele dia foi o 1º arguido que conduziu o motociclo, não foi o 2º arguido que conduziu o motociclo, poderiam verificar o facto por via dos vídeos.
O 2º arguido fez a declaração na audiência de julgamento e declarou que: naquele momento, o 2º arguido estava a jogar “Mahjong” com os amigos na casa, o 1º arguido chegou à casa do 2º arguido, no estado de embriaguez, disse ao 2º arguido que tinha participado na rixa com B, o 2º arguido não deu consideração ao 1º arguido nem descobriu ficar ferido o 1º arguido, o 1º arguido deitou-se num quarto por ele próprio; e depois, o 2º arguido recebeu uma chamada de alguém, esta pessoa queria devolver a quantia em dívida ao 2º arguido, como o 2º arguido deveu o dinheiro ao 1º arguido, por isso, o 1º arguido solicitou o directo reembolso do dinheiro, nesta situação, o 1º arguido e o 2º arguido foram ao Casino para receber o dinheiro em vez de encontrar com a pessoa que planeou o auxílio à imigração clandestina ao 1º arguido; na altura, foi o 1º arguido que conduziu o motociclo; o 2º arguido pediu emprestado o motociclo, para que o filho que acabou de adquirir a licença de condução pudesse utilizar o motociclo; depois de ter recebido o dinheiro, o 1º arguido e o 2º arguido separaram-se, o 2º arguido voltou primeiramente à casa de morada de família, logo depois, o 1º arguido voltou à casa de morada de família do 2º arguido; no dia seguinte, o 2º arguido conheceu que o 1º arguido matou o ofendido, por isso, exigindo-lhe que saísse da casa, pois houve a outra mulher que alugou um quarto da casa do 2º arguido, para além disso, a mãe do 2º arguido também veio frequentemente à casa, nesta situação, o 2º arguido transportou o 1º arguido à casa da prima; e depois, um amigo do 2º arguido pediu emprestado o telemóvel que pertenceu ao 2º arguido e emitiu a respectiva mensagem ao 1º arguido, mas este amigo do 2º arguido não queria testemunhar contra o 1º arguido; o 2º arguido assentiu com a hospedagem do 1º arguido na própria noite, no dia seguinte, exigindo-lhe que saísse da casa, o 2º arguido comprou com frequência as comidas com serviços de take away, mas nunca comprou as comidas com serviços de take away para o 1º arguido.
Como se observou uma flagrante contradição entre a declaração do 2º arguido na audiência de julgamento e a declaração feita no Ministério Público, na audiência de julgamento, o tribunal colectivo efectuou a leitura de declaração feita pelo 2º arguido no Ministério Público, vide o teor registado no 2º parágrafo da página 445-v ao 1º parágrafo da página 446 do auto, aqui se dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais.
O 3º arguido fez a declaração na audiência de julgamento e declarou que: o 3º arguido tinha pedido emprestado o dinheiro ao 1º arguido, naquele momento, sob a solicitação (reembolso do dinheiro) do 1º arguido, como tinha medo do 1º arguido, o 3º arguido fez o que o 1º arguido lhe tinha dito; o 1º arguido entregou um telemóvel ao 3º arguido, isto é, o 1º arguido constituiu um indivíduo desconhecido, este indivíduo desconhecido poderia telefonar directamente ao 3º arguido na circunstância de não inquirir previamente a identidade do 3º arguido, como o 3º arguido conheceu a anterior prática do 1º arguido, além disso, com base no acto de entrega do telemóvel feito pelo 1º arguido naquele dia, o 3º arguido tinha medo de que o 1º arguido faria mal a ele e à família; além disso, o 3º arguido declarou que não conheceu que o 1º arguido esteva a ser seguido pela polícia, de seguida, o 3º arguido notificou ao 1º arguido o perseguimento da polícia por via da mensagem, a fim de cortar o contacto com o 1º arguido; seguidamente, o 3º arguido notificou ao 1º arguido o novo número de telemóvel, para explicar que, como o 1º arguido deixou o telemóvel no carro do 3º arguido, ao mesmo tempo, um indivíduo chamado “U” pediu emprestado o mesmo carro do 3º arguido por via da mulher do 3º arguido, nesta situação, o 1º arguido não poderia contactar com o 3º arguido; e depois, o 3º arguido explicou o assunto supracitado à mulher por via do telemóvel.
Como se observou uma flagrante contradição entre a declaração do 3º arguido na audiência de julgamento e a declaração feita no Ministério Público, na audiência de julgamento, o tribunal colectivo efectuou a leitura de declaração feita pelo 3º arguido no Ministério Público, vide o conteúdo registado nas linhas 8-11 da página 1583 do auto, aqui se dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais.
A testemunha C declarou na audiência de julgamento que: a testemunha bebeu muita cerveja naquele dia, mas a testemunha não podia afirmar com certeza o que aconteceu, só se lembrou dos jogos de Poker, na altura, o 1º arguido e o ofendido estavam a beber cerveja e vinho tinto e logo depois encontraram-se as desavenças entre o 1º arguido e o ofendido, a testemunha não conheceu a causa da agressão, não se lembrou das concretas palavras ditas pelas partes, não viu que o 1º arguido agrediu o ofendido com a faca.
Na audiência de julgamento, a testemunha M narrou de forma objectiva o decurso do acidente. A testemunha declarou que: naquela dia, fora da banca de venda de massas, o 1º arguido, o ofendido e outras 2 pessoas beberam no total de 4 a 5 garrafas de cerveja e 1 garrafa de vinho tinto, mais tarde, o 1º arguido despoletou uma briga com o ofendido, as partes agrediram um ao outro com uma concha de sopa, as pessoas da mesma mesa convenceram o 1º arguido e o ofendido a que parassem a briga, nesta situação, o 1º arguido saiu do local, mas, logo depois, o 1º arguido regressou ao local, o ofendido tentou fugir da agressão do 1º arguido, mas foi interceptado pelo 1º arguido, o 1º arguido agrediu primeiramente o ofendido com a garrafa do vinho tinto, e depois, envolveu-se em confronto físico com o ofendido, na altura, o 1º arguido empunhou uma faca e esfaqueou a faca no pescoço do ofendido, ainda torceu a faca, mas a testemunha não viu que o 1º arguido puxou a faca, pelo que naquele momento, tendo ambos se envolvido em confrontos físicos.
A testemunha H declarou na audiência de julgamento que: a testemunha residiu na casa do 2º arguido, na vida quotidiana, a testemunha auxiliou o 2º arguido na limpeza da casa, alguns dias, a testemunha viu que o senhorio dormiu no sofá da sala de estar, e uns dias depois, o senhorio voltou a dormir no quarto dele, a testemunha viu a figura vista por trás dum homem, mas não conheceu a identidade do homem; o filho do 2º arguido também residiu na casa do 2º arguido, durante este período, às vezes, os amigos do 2º arguido foram à casa do 2º arguido para jogar “Mahjong”; o 2º arguido comprou frequentemente as comidas com serviços de take away.
Os investigadores da P.J. N, O e P fizeram as declarações na audiência de julgamento, narrando de forma objectiva o decurso do acidente. Segundo as declarações dos investigadores, a polícia não conheceu a causa concreta com que o 1º arguido matou o ofendido, devido à ligação às sociedades secretas do 1º arguido, muitas pessoas têm receios, o 2º arguido e o ofendido são amigos por anos, é possível que o 1º arguido foi irritado pelas expressões verbalizadas do ofendido B, mas isto é apenas uma suspeita da polícia; segundo os vídeos, não conseguiram observar claramente a cara do condutor do motociclo, após a ocorrência do assunto, o 2º arguido declarou que foi ele que arrancou com o motociclo, mas foi o 1º arguido que conduziu o motociclo.
As testemunhas do pedido de indemnização civil F, Q e R testemunharam na audiência de julgamento, a 1ª testemunha fez o depoimento quanto à condição física após ter sofrido as lesões do ofendido B, outras 2 testemunhas fizeram o depoimento quanto à condição de trabalho e de família antes do falecimento do ofendido B, as testemunhas declararam que, após o aposentamento, o ofendido B exerceu a actividade de bate-fichas no casino, tinha o empréstimo bancário e um filho que ainda está na escola a seu cargo.
A mulher do 3º arguido H, o amigo do 2º arguido S e o filho do 2º arguido T fizeram as declarações na audiência de julgamento.
O relatório social do 1º arguido analisou descritivamente as condições de vida e a personalidade do arguido, vide o relatório registado a fls. 329 a 331 do auto, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais.
Segundo os vídeos e as fotografias deles extraídas, demonstraram que o 1º arguido agrediu o ofendido B.
Segundo o relatório de escuta e os dados de comunicação, demonstraram os contactos realizados entre o 1º arguido, o 2º arguido e o 3º arguido.
Embora o 2º arguido e o 3º arguido não confessassem integralmente, porém, face aos elementos probatórios constantes dos autos, o tribunal colectivo entende que pode se provar que os 2 arguidos praticaram os factos acusados: o 2º arguido conheceu ainda que, especialmente, pelo menos, no momento de organizou o 1º arguido a esconder-se na casa da sobrinha, naquela altura, o 2º arguido bem sabia o que aconteceu no 1º arguido, mas, ainda colaborou com o 1º arguido para realizar a escondedura; o 2º arguido bem sabia que ele colaborou com o 1º arguido para realizar a escondedura, o 3º arguido tinha medo de que o 1º arguido ameaçou por meios de violência contra as suas famílias, o tribunal entende decaído o alegado do 3º arguido de “faria mal a si e à sua família”, pelo que não pode excluir a ilicitude do acto, o acto não vai constituir a dispensa da punição.
*
No presente caso, não se encontraram a faca usada pelo 1º arguido, não se concluíram a especificação da respectiva faca segundo as lesões encontradas no ofendido B, com apenas os depoimentos das testemunhas, também não se puderam determinar o comprimento da respectiva faca.
Segundo as declarações do 1º arguido, do 2º arguido e dos investigadores da PJ, bem como os respectivos vídeos, existe a insuficiência de prova, não se podem reconhecer que o 2º arguido efectuou a condução sem licença.
Como não se conheceu o concreto motivo de homicídio com que o 1º arguido matou o ofendido, assim, não se podem reconhecer que o arguido A agiu por motivo fútil.


III - O Direito
1. A questão a resolver
Trata-se de saber se o arguido praticou o crime de homicídio ou o de homicídio qualificado, neste caso como pretende o Ministério Público, designadamente por aquele ter sido determinado por motivo fútil.

2. Homicídio qualificado. Motivo fútil. Especial censurabilidade ou perversidade do agente.
A Parte Especial do Código Penal contém cinco tipos de homicídios voluntários. Em três deles participam especiais circunstâncias atenuantes, concretamente, nos homicídios privilegiado e a pedido da vítima e no infanticídio, previstos nos artigos 130.º, 132.º e 131.º, respectivamente.
Nos outros dois tipos de homicídios voluntários, prevê-se um tipo base, em que não avultam especiais atenuantes, como nos mencionados anteriormente, nem especiais circunstância agravantes, o previsto no artigo 128.º e um outro o homicídio qualificado, previsto no artigo 129.º do Código Penal, quando a morte foi produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente.
Efectivamente, dispõem os artigos 128.º e 129.º do Código Penal:
“Artigo 128.º
(Homicídio)
 Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos.

Artigo 129.º
(Homicídio qualificado)
 1. Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com pena de prisão de 15 a 25 anos.
 2. É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:
 a) Ser descendente, ascendente, adoptado ou adoptante da vítima;
 b) Empregar tortura ou praticar acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima;
 c) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou por qualquer motivo torpe ou fútil;
 d) Ser determinado por ódio racial, religioso ou político;
 e) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime;
 f) Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum;
 g) Agir com frieza de ânimo ou com reflexão sobre os meios empregados, ou ter persistido na intenção de matar por mais de 24 horas; ou
 h) Ter praticado o facto contra funcionário, docente, examinador público, testemunha ou advogado, no exercício das suas funções ou por causa delas”.

Como se sabe, a técnica de construção do crime de homicídio qualificado, com base na norma correspondente (artigo 132.º) do Código Penal português de 1982, foi a de formulação de um tipo com uma “cláusula geral da especial censurabilidade ou perversidade, concretizada de acordo com um elenco de circunstâncias não automático e não taxativo”1. Combinou-se “um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica chamada dos exemplos-padrão. … Por outras palavras, a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a do agente referida no n.º 1; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplificativamente elencados no n.º 2. Elementos estes assim, por um lado, cuja verificação não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não impede que se verifiquem outros elementos substancial e teleologicamente análogos … aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador”2.
Quer isto dizer que a integração do facto num dos exemplos-padrão do n.º 2 do artigo 129.º do Código Penal não é bastante para assegurar a qualificação e que a não integração do facto num dos mesmos exemplos também não assegura a não qualificação. Dito de outra maneira: a integração num dos exemplos do n.º 2 do artigo 129.º não é nem necessária nem suficiente para garantir a qualificação do homicídio.
Vejamos, então, se o arguido foi determinado por motivo fútil.
Como explicam JORGE DE FIGUEIREDO DIAS e NUNO BRANDÃO, referindo-se à alínea correspondente do Código Penal português, “o exemplo-padrão constante da alínea e)3 é, diferentemente do que sucede com os anteriores, estruturado com apelo a elementos estritamente subjectivos, relacionados com a especial motivação do agente”4.
“Por significa que o motivo da actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito”5.
Quanto ao motivo do crime, a única coisa que resulta dos factos é que o crime terá sido praticado como reacção a palavras da vítima, que terão desagradado ao arguido. Embora, ao que pareça, terá sido o arguido a iniciar a troca de palavras desagradáveis com a vítima.
Mas a entender-se assim, como não pode deixar de ser face aos factos apurados, não se pode dizer que o motivo do arguido tenha sido fútil. A reacção do arguido pode explicar-se, eventualmente, também, com a ingestão de bebidas alcoólicas. Provou-se que entre as cerca das 23 horas e as 2:10 do dia seguinte, o arguido bebeu 4 ou 5 garrafas de cerveja, sabendo-se que, em Macau estas garrafas têm, normalmente, conteúdo líquido de 330 ml ou 640 ml.
É manifesto que, mesmo que o arguido tivesse ingerido apenas 4 garrafas com o menor conteúdo de cerveja (1.32 l), com 4,7% ou 5% de álcool, estaria certamente, pelo menos, embriagado parcialmente, ou seja, com embriaguez incompleta.
Podemos, dizer, portanto, seguramente, que se não provou que o arguido tenha sido determinado por motivo fútil.
Ponderemos, agora, se a conduta do arguido pode integrar os conceitos indeterminados da cláusula geral qualificadora do n.º 1 do artigo 129.º.
Recorrendo, ainda a JORGE DE FIGUEIREDO DIAS e NUNO BRANDÃO, podemos dizer que “O especial tipo de culpa do homicídio doloso é em definitivo conformado através da verificação da de que o facto se reveste. À primeira vista dir-se-ia que, traduzindo-se a culpa jurídico-penal em último termo em um juízo de censura, apelar tipicamente para uma especial censurabilidade só poderia ter o significado tautológico e, como tal, inútil e equívoco, de apelar para uma culpa especial. Parece ser outro, todavia, o pensamento da lei e, na verdade, o de pretender imputar à “especial censurabilidade” aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à “especial perversidade” aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas.
A morte da vítima aconteceu num quadro de convívio de pessoas de estrato social modesto, numa pequena loja de comidas e bebidas, em que os 5 ou 6 amigos se reuniam diariamente para cear, a partir das 23 horas. Após cerca de 3 horas, e após ingestão por todos, de bebidas alcoólicas, o arguido começou a desconversar com a vítima, que lhe respondeu com palavras que não agradaram ao primeiro. O arguido envolveu-se então numa luta de corpo a corpo com a vítima, tendo sido separados pelos amigos. O arguido retirou-se, para voltar, poucos minutos depois, munido de uma faca de cortar fruta, que tirou de uma banca de fruta situada próxima. Com o que agrediu a vítima, acabando por lhe provocar a morte.
Não podemos considerar que a morte foi produzida em circunstâncias que revelam especial perversidade do agente, por nada ter sido provado quanto à personalidade do arguido.
E também não se pode entender que a morte foi produzida em circunstâncias que revelam especial censurabilidade, porque não se detecta na realização do facto circunstâncias especialmente desvaliosas.
Em conclusão, a conduta do arguido não integra a cláusula geral do n.º 1 do artigo 129.º do Código Penal, pelo que o homicídio praticado não foi o previsto e punível pelo artigo 129.º, mas antes o previsto e punível pelo artigo 128.º do Código Penal.
O recurso é, assim, improcedente.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Sem custas.
Macau, 25 de Abril de 2018.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
     1 PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário ao Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2.ª edição, 2010, p. 400.
     2 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS e NUNO BRANDÃO, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 2.º Edição, 2012, p. 49.
     3 Alínea c) do Código Penal de Macau.
     4 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS e NUNO BRANDÃO, Comentário…, Tomo I, p. 62.
     5 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS e NUNO BRANDÃO, Comentário…, Tomo I, p. 62.
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2
Processo n.º 18/2018

35
Processo n.º 18/2018