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Processo n.º 23/2018. Recurso jurisdicional em matéria penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Horas do dia. Manhã. Tarde. Medida concreta da pena.
Data do Acórdão: 27 de Abril de 2018.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – Quando num documento oficial, como a sentença de um tribunal de Macau, se insere a expressão 8 horas, sem se referir se é de manhã ou à noite, tem de entender-se que é de manhã, a menos que resulte outra coisa do contexto do mesmo documento, já que para as 8 horas da noite se utiliza a expressão 20 horas.
II – Em recurso o Tribunal de Última Instância altera a medida concreta da pena, desde que tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, ou quando a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada.

O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
I – Relatório
  O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 27 de Maio de 2016, condenou o arguido A, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de sequestro, previsto e punível pela alínea a) do n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 1 de Março de 2018, negou provimento ao recurso interposto pelo arguido.
  Recorre, novamente, o arguido A para este Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
  - Provou-se que o arguido e outros privaram da liberdade a vítima desde as 8 horas do dia 27 de Novembro de 2014 até às 12 horas do dia 29 de Novembro de 2014, mas fica sem se saber se eram 8 horas da manhã ou da tarde ou 12 horas da manhã ou da tarde, o que é relevante em termos da incriminação pela qual foi condenado;
  - Não há provas do tempo exacto da privação efectiva da liberdade de movimento da vítima;
  - O Tribunal não atendeu ao facto de o arguido não ter praticado qualquer actividade criminosa desde 2014 e de o arguido se ter reintegrado na sociedade e aplicou erradamente pena efectiva ao arguido, pena essa que devia ser suspensa na sua execução.

II – Os factos
Os factos provados são os seguintes:
  Em 27 de Novembro de 2014, pelas 6 horas, o arguido recebeu a chamada de “B”, que o exigiu a procurar “C” na sala de VIP do Casino. Após a chegada à referida sala de VIP, o arguido encontrou com “C”, e este exigiu ao arguido a vigiar D que deveu dinheiro a “C”, entregando ao arguido HKD$2.000,00 como remuneração.
  No mesmo dia, pelas 8 horas, o arguido, “C” e um indivíduo não identificado levaram D para um quarto no Hotel para vigiá-lo; pelas 12 horas do mesmo dia, o arguido, “C” e um indivíduo não identificado levaram D para um quarto e continuaram a vigiá-lo; posteriormente, pelas 12 horas do dia 28 de Novembro de 2014, o arguido, “C” e um indivíduo não identificado levaram D para um quarto na para vigilância.
  Após a entrada no quarto, o arguido e “C” apressaram, constantemente, D a liquidar a respectiva dívida, senão, iriam proibir D de sair do quarto.
  As referidas condutas do arguido foram praticadas contra a vontade de D, e privaram a liberdade de movimento deste.
  No dia 29 de Novembro de 2014, pelas 11 horas, o arguido recebeu a chamada de “B” e dirigiu-se ao Club, onde um indivíduo não identificado entregou ao arguido o Salvo-conduto da RPC para deslocações a Hong Kong e Macau e o bilhete de identidade de residente da China de D, mandando o arguido levar D ao Interior da China e entregar a “E”.
  A seguir, o arguido voltou para o quarto acima referido e entregou os supracitados documentos a D. No mesmo dia, pelas 12 horas, quando o arguido levou D para o Posto Fronteiriço das Portas do Cerco para entrar no Interior da China, D participou e pediu ajuda aos guardas do CPSP.
  Os guardas do CPSP interceptaram de imediato o arguido, e levou-o ao CPSP para investigação, encontrando na sua posse 1 telemóvel e MOP$600 em numerário.
  O aludido telemóvel era instrumento de comunicação utilizado pelo arguido para praticar as referidas condutas criminosas e o dinheiro foi a sua remuneração.
  O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar dolosamente as supracitadas condutas.
  O arguido sabia bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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  Mais se provou:
  De acordo com o CRC, o arguido não tem antecedente criminal.
  Na audiência de julgamento, o arguido alegou ser motorista assalariado, tem como habilitações literárias o 3º ano do ensino secundário, aufere mensalmente RMB¥5.000,00 a RMB¥6.000,00, e tem a seu cargo a tia.
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  Factos não provados:
  Não há outros factos por provar que se mostrem relevantes para a decisão.
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  Convicção do Tribunal:
  Na audiência de julgamento, o arguido prestou declarações confessando francamente a prática dos factos criminosos fundamentais. O arguido declarou que não tinha proibido a vítima de sair dos quartos do hotel, mas tinha seguido a vítima sob instruções dadas por “B”.
  Foi lida pelo Colectivo na audiência de julgamento a declaração para memória futura prestada pela testemunha D, que relatou objectivamente o decurso dos factos. A declaração dessa testemunha consta das fls. 27 e 28 dos autos, incluindo as fls. 7 e v dos autos transcritas nela, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
  O guarda do CPSP n.º XXXXXX prestou declarações na audiência de julgamento, relatando objectivamente como é que a vítima pediu ajuda ao sair de Macau através do posto fronteiriço das Portas do Cerco.
  O guarda do CPSP n.º XXXXXX prestou declarações na audiência de julgamento, relatando objectivamente o decurso da investigação do caso.
  Tendo analisado, de forma rigorosa, objectiva, sintética e crítica, as declarações prestadas pelo arguido e pelas outras testemunhas na audiência de julgamento, a declaração para memória futura da testemunha D lida na audiência, conjugadas com as provas documentais, os objectos apreendidos e as demais provas apreciados na audiência, este Tribunal Colectivo reconhece os factos acima expostos.


III - O Direito
1. A questão a resolver
Trata-se de conhecer das questões suscitadas pelo recorrente.

2. Horas do dia
  Alega o recorrente que se provou que o arguido e outros privaram da liberdade a vítima desde as 8 horas do dia 27 de Novembro de 2014 até às 12 horas do dia 29 de Novembro de 2014, mas fica sem se saber se eram 8 horas da manhã ou da tarde ou 12 horas da manhã ou da tarde, o que é relevante em termos da incriminação pela qual foi condenado.
  Mas não é assim.
  Nos países anglo-saxónicos, as horas de um dia, em termos formais, são contadas em dois períodos, de 12 horas, sendo um período de manhã e outro à tarde (am e pm).
  Já na generalidade dos restantes países e regiões, incluindo Macau, Interior da China e Portugal, por exemplo, em termos formais, as horas de um dia são contadas desde 0 até às 24 horas, sem prejuízo de, em termos coloquiais ou informais, se usar também os dois períodos de 12 horas, esclarecendo-se se se trata de manhã ou de tarde. Mesmo em termos coloquiais, por exemplo, numa carta ou num e-mail se se refere apenas 8 horas, sem se dizer se é de manhã ou de tarde, está implícito que é de manhã, a menos que do contexto resulte que é à tarde ou à noite.
  Ora o texto que nos importa foi escrito na língua chinesa, na sentença de um tribunal de Macau, dando como provado o que já constava da acusação do Ministério Público, também escrita em chinês. Tratando-se de um texto oficial e referindo-se 8 horas e 12 horas, sem se dizer que é de manhã ou de tarde, tem de entender-se, sem margem para dúvidas, que se quis referir à parte da manhã.
  E que foi esse o entendimento do Tribunal Colectivo resulta da parte jurídica da fundamentação e da decisão da sentença, que condenou o arguido por ter privado a vítima da liberdade por mais de 2 dias, nos termos alínea a) do n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal, o que conduz ao entendimento inequívoco que quis referir-se ao início da privação da liberdade da vítima às 8 horas da manhã do dia 27 de Novembro de 2014. Se fosse às 8 horas da noite deste dia a privação da liberdade teria durado menos de 2 dias. Quanto às 12 horas, se se tratasse da meia-noite do dia 29 de Novembro de 2014, em vez das 12 horas desse dia, ainda agravaria mais a posição do arguido, por ser maior o período de sequestro da vítima.
  Improcede a questão suscitada.

3. Livre convicção do tribunal de 1.ª instância
  Entende o recorrente que não há provas do tempo exacto da privação efectiva da liberdade de movimento da vítima.
  Mas desde que o recorrente não imputa à sentença o vício do erro notório na apreciação da prova (por não alegar factos que configurem este vício da sentença) e, não tendo o Tribunal de Última Instância de poder de cognição em matéria de facto (n.º 2 do artigo 47.º da Lei de Bases da Organização Judiciária), improcede, sem mais, esta alegação.

4. Suspensão da pena. Medida da pena
Quanto à questão da medida da pena, a fixação dela em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, tem este Tribunal considerado que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada” (Acórdãos de 19 de Setembro de 2008 e 23 de Janeiro de 2008, respectivamente, nos Processos n. os 29/2008 e 57/2007).
  Atendendo a que a penalidade varia entre 3 e 12 anos de prisão, para o crime de sequestro, previsto e punível pela alínea a) do n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal, não se afigura desproporcionada a pena mencionada pela prática, como autor material, do mencionado crime.
O recorrente, por outro lado, não alegou qualquer violação de vinculação legal na fixação da pena.
Ora, a pena em questão não pode legalmente ser suspensa na sua execução (n.º 1 do artigo 48.º do Código Penal).
Improcede a questão suscitada.


IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC.
Macau, 27 de Abril de 2018.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai



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