打印全文
Processo n.º 14/2018
Recurso penal
Recorrentes: A e B
Recorrido: Ministério Público
Data da conferência: 27 de Abril de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Métodos proibidos de prova
- Contradição insanável da fundamentação
- Erro notório na apreciação da prova

SUMÁRIO
1. Os meios enganosos referidos na al. a) do n.º 2 do art.º 113.º do CPP só devem ser considerados proibidos quando causarem efectivamente perturbação da liberdade de vontade ou decisão do agente, afectando esta liberdade.
2. A “idoneidade” do meio enganoso para atingir a liberdade de vontade ou decisão deve ser aferida, naturalmente, no circunstancialismo do caso concreto, em conjugação com os elementos apurados no caso.
3. Há que distinguir os casos em que a actuação do agente policial cria uma intenção criminosa, até então inexistente, dos casos em que o arguido já está implícito ou potencialmente inclinado a delinquir, sendo que a actuação do agente policial apenas põe em marcha aquela decisão.
4. E os actos de investigação não se podem tornar em impulso ou instigação para a prática da actividade criminosa. Há que distinguir com rigor entre proporcionar uma ocasião para descobrir um crime que já existe daquela em que se provoca uma intenção criminosa que ainda não existia.
5. A contradição insanável da fundamentação consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada e tem de se apresentar insanável ou irredutível, ou seja, que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.
6. Existe erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 17 de Outubro de 2017, A e B, 1.º e 2.º arguidos nos presentes autos, foram ambos condenados, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão.
Inconformados com a decisão, recorreram os dois arguidos para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu negar provimento ao recurso, confirmando a decisão posta em causa.
Vêm agora os arguidos recorrer para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
Sobre Contradições Insanáveis e Erros Notórios
a) Nos factos provados, o Tribunal a quo afirmou que o segundo Recorrente enviou a encomenda do Canadá no dia 2 de Dezembro de 2016 e depois desse envio deslocou-se para Macau;
b) Na motivação da matéria de facto, o Tribunal a quo afirma que o segundo Recorrente se deslocou para Macau e que após essa deslocação um terceiro enviou a encomenda;
c) O Tribunal a quo dá simultaneamente como provado que a encomenda foi enviada pelo segundo Recorrente antes de este se deslocar para Macau e por um terceiro após o segundo Recorrente ter abandonado o Canadá;
d) As duas narrativas sustentadas pelo Tribunal a quo não podem ser logicamente compatibilizadas;
e) O Tribunal a quo dá como provadas duas versões alternativas dos factos.
f) Não é processualmente admissível dar como provados factos numa relação de alternatividade;
g) O Tribunal a quo limita-se a afirmar que não deve ser excluída a possibilidade de a encomenda ter sido enviada por terceiro a pedido do segundo Recorrente, o que, estando em causa uma mera possibilidade, corresponde a uma violação do princípio do in dubio pro reo;
h) O alegado envio da encomenda a partir do Canadá foi o único acto de execução imputável ao segundo Recorrente;
i) A sentença padece de uma contradição insanável da fundamentação e de um erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 400.º, n.º 2, alíneas b) e c), do CPP;
Da Inadmissibilidade da Valoração do Conteúdo da Encomenda Apreendida
j) A operação de reenvio da alegada encomenda de cannabis interceptada pelas autoridades alfandegárias de Hong Kong e apreendida pela PJ de Macau não tem acolhimento legal, pelo que se trata de um método oculto de obtenção da prova atípico;
k) O MP e o Tribunal a quo defendem que não houve violação do sigilo da correspondência, pois a encomenda já se encontrava aberta no momento da apreensão e, por isso, já não constituía correspondência;
l) A tese do MP e do Tribunal a quo é incongruente, pois confere relevância jurídica à interrupção do processo de transporte da encomenda e, em seguida, nega a relevância da sua recolocação no circuito postal;
m) A recolocação da encomenda no circuito postal, após esta ter perdido a qualidade de correspondência, significa que a PJ passou a ser o novo remetente da encomenda;
n) A expedição da encomenda pela PJ após a apreensão consubstancia um acto de execução do crime de tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas;
o) A interpretação do artigo 112.º do CPP defendida pelo MP e pelo Tribunal a quo é improcedente pois conduz a situações de fraude à lei;
p) O artigo 112.º do CPP não dá cobertura ao uso de meios ocultos de obtenção da prova atípicos;
q) Logo, a prova obtida através do referido método é nula, por força do disposto no artigo 113.º, n.ºs l e 2, alínea a), do CPP;
r) O que tem como consequência a nulidade da restante prova obtida no presente processo, por força do efeito-à-distância das proibições de prova, na medida em que consubstanciam actos dependentes, nos termos do artigo 109.º, n.º 1, do CPP;
s) Impondo-se a absolvição dos Recorrentes do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas;
Da Medida das Penas
t) O Tribunal a quo baseou a manutenção da medida da pena na ideia de que o tráfico de droga prejudica especialmente a saúde das gerações mais jovens;
u) Esta afirmação não tem suporte factual;
v) Os dados mais recentes do Instituto de Acção Social do Governo da RAEM indicam que o consumo de drogas nos alunos dos ensinos secundário e superior se encontra em queda;
w) Não existe qualquer especial urgência de prevenção geral que justifique uma pena tão elevada;
x) Existem vários elementos que militam a favor de uma pena mais leve;
y) Os Recorrentes são infractores primários;
z) O mero decorrer do processo anulou o risco de reincidência, tornando desnecessária a aplicação de uma pena tão gravosa;
aa) A cannabis, alegadamente, foi vendida a um círculo muito pequeno de compradores;
bb) Os Recorrentes encontram-se social, familiar e profissionalmente integrados.

Respondeu o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões:
1. Os recorrentes alegam: a existência de contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova entre os factos provados nos pontos 4 e 5 e o juízo de facto constantes no acórdão da 1ª Instância.
2. Analisado o acórdão da 1ª Instância, não é difícil de verificar que, dito de maneira mais simples, no acórdão reconheceu que o 2º arguido, no dia 02/12/2016, enviou do Canadá, a encomenda em causa, ao 1º arguido.
3. O acórdão da 1ª Instância aquando expôs a fundamentação no reconhecimento deste facto indicou: não exclui a hipótese de o 2º arguido ter incumbido alguém para enviar a encomenda, feito a análise dos registos das conversas telefónicas entre os 1º e 2º arguidos, apurou-se que a encomenda apreendida foi enviada pelo 2º arguido ao 1º arguido.
4. O MP entende que no acórdão da 1ª Instância sobre o teor concreto no reconhecimento do facto em relação ao ponto 4 foi: o 2º arguido enviou por correio, a encomenda apreendida, ao 1º arguido. Certamente, admitimos que no reconhecimento deste facto, o acórdão de 1ª Instância não expôs com clareza quem enviou por correio a encomenda em causa, se foi o 2º arguido pessoalmente ou se foi através de terceiro. Que por sua vez causou entendimento diferente sobre o facto constante no ponto 4.
5. Entende o MP que “contradição insanável da fundamentação” disposto no art.º 400.º, n.º 2, al. b) do CPP, deve indicar situações de contradição e incompatibilidade entre o reconhecimento dos factos pelo Tribunal e a fundamentação probatória da matéria de facto, isto é, entre os quais, um tem de ser verdadeiro e outro tem de ser falso.
6. Neste caso propriamente dito, caso existisse a situação de “contradição insanável da fundamentação” alegada pelos dois recorrentes, quer dizer que surgiu uma situação contraditória: foi provado que o 2º arguido enviou por correio a encomenda em causa ao 1º arguido e provou-se também que o 2º arguido não enviou por correio a encomenda em causa ao 1º arguido.
7. Contudo, o MP considera que não surgiu esta situação.
8. Aliás estamos perante a situação de: o Tribunal reconheceu que foi o 2º arguido quem enviou por correio a respectiva encomenda ao 1º arguido, na sua fundamentação de facto confirmou-se este ponto. A única questão que surgiu é, no aludido acórdão não indicou com clareza o modo como foi enviado a encomenda; se foi o 2º arguido pessoalmente ou se foi através de alguém que o praticou?
9. Quanto a isto, a resposta dada pelo MP face ao acórdão da 1ª Instância, referiu que da análise feita, podia ter existido eventualmente várias circunstâncias, no acórdão da 1ª Instância expôs a sua fundamentação sobre essas eventuais circunstâncias. Mas, quer seja o 2º arguido pessoalmente ou através de terceiro quem enviou a encomenda, não permite alterar o reconhecimento do facto de ter sido o 2º arguido, quem enviou por correio a encomenda em causa ao 1º arguido. Por outras palavras, não existe no acórdão recorrido situação contraditória de haver “simultaneamente verdadeiro e falso”.
10. Assim sendo, o MP para além de concordar com a posição inicial, anteriormente tomada pelo magistrado do MP e pelos dois Tribunais, sobre a questão envolvida no processo, pretende ainda acrescentar que no acórdão recorrido não expôs com precisão suficiente e de forma completa os factos (talvez o facto constante no ponto 4 seria mais correcto afirmar “através da organização do 2º arguido, a supracitada encomenda, enfim, foi enviada por correio ao 1º arguido”), não constitui “contradição insanável da fundamentação”.
11. Sobre “contradição insanável da fundamentação”, o acórdão penal do TUI n.º 9/2015 indicou: “A contradição insanável da fundamentação é um vício intrínseco da decisão, que consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível, que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.”
12. Consultada a supracitada jurisprudência do TUI e feito análise global do acórdão recorrido, entende o MP que, em primeiro lugar, não existe de facto oposição entre a fundamentação de facto e os factos reconhecidos no acórdão, isto é “contradição”. Razão porque, tanto os factos reconhecidos como a fundamentação de facto, confirmou-se que o 2º arguido enviou por correio a encomenda ao 1º arguido. De resto, se bem que no acórdão recorrido não reportou com precisão e de forma completa o facto, mas esse “vício” não se trata de contradição insanável da fundamentação, porque não afectou o reconhecimento do facto básico de ter sido “o 2º arguido quem enviou a encomenda por via postal ao 1º arguido”. Em síntese, podemos conforme o teor global do acórdão e as regras das experiência comum concluir que “o 2º arguido enviou por correio a encomenda em causa ao 1º arguido”.
13. Quanto ao alegado pelos recorrentes de existir “erro notório na apreciação da prova”, o MP torna a citar o entendimento do acórdão do TUI supracitado: Existe erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.”
14. Analisado o acórdão recorrido, tal como foi dito anteriormente, não acha que aquando da apreciação da prova se retirou algum facto uma conclusão inaceitável.
15. Pelo contrário, no acórdão recorrido reconheceu o facto de ter sido “o 2º arguido quem enviou por correio a encomenda ao 1º arguido” foi com base na análise de diversas provas produzidas em audiência, enfim obteve tal conclusão.
16. Sobre a apreciação das provas propriamente dita, o presente MP não verifica a existência de qualquer situação que se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova.
17. Com base nas provas produzidas, o acórdão recorrido julgou provado o crime cometido pelos recorrentes não violou “o princípio do in dúbio pro reo”.
18. No acórdão recorrido vê-se nitidamente que o Colectivo não pôs em questão a condenação dos dois recorrentes pela prática em co-autoria do crime de tráfico da droga. Assim sendo, os dois recorrentes alegam de existir erro notório na apreciação da prova, carece de fundamento.
19. É de salientar aqui que, do nosso entendimento, face ao reconhecimento da conduta dos dois recorrentes, é necessário considerar sinteticamente todos os factos reconhecidos no acórdão. Para além do facto da “encomenda” em causa, deve também e especialmente conjugar com os factos contantes no ponto 9, 10 e 11 do acórdão recorrido. Tais factos, do mesmo modo, bem como, esclarece suficientemente o papel dos 2º e 1º arguidos de terem sido condenados pela prática em co-autoria do crime em causa.
20. Com base nesta análise, o MP julga improcedentes os fundamentos apresentados no recurso interposto pelos recorrentes, de que o acórdão recorrido padece dos vícios de “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”.
21. Quanto ao alegado pelos recorrentes de que neste processo foi adoptada prova proibida, isto é, a questão da “droga extraída da encomenda apreendida é prova ilegal”, o MP torna a reportar o ponto de vista do MP na fase processual, ao mesmo tempo, é de realçar que a “encomenda” que contém a droga “Cannabis”, foi recebida legalmente pela PJ das mãos dos Serviços de Alfândega de Hong Kong. Não obstante tal encomenda, inicialmente, foi enviada por via postal do Canadá para Macau, porém foi legalmente aberta em Hong Kong, que por sua vez descobriu ser droga e depois de entregar legalmente à polícia de Macau, tal prova (a encomenda com droga) deixou de ser a encomenda original. Por outras palavras, a “quebra” do dever de sigilo de correspondência em HK foi legal – tal como uma carta aberta legalmente em Macau por quebra de sigilo de correspondência para servir de prova.
22. É de referir com clareza que no presente processo, a PJ recebeu, de facto, droga que inicialmente estava escondida num pacote por via postal e não uma “correspondência” que nunca foi aberta e protegida por lei. Nestes termos, no presente processo não existe “correspondência” protegida por lei e que foi aberta ilegalmente.
23. Quanto à questão apresentada pelos recorrentes sobre a legalidade do acto de detenção efectuada pela PJ, entende o MP que carece de fundamento.
24. No caso em apreço, o pessoal da PJ recebeu dos Serviços de Alfandega de Hong Kong, a encomenda que foi descoberta de ser droga, soube a sua origem e o seu destinatário. Nos termos da lei, a PJ tem obrigação de efectuar diligências para detenção dos exequentes envolvidos com a respectiva droga.
25. Dos factos reconhecidos no acórdão recorrido, de facto referiu: a PJ procedeu a detenção dos dois arguidos depois dos mesmos levantar a encomenda.
26. Isto quer dizer, a detenção resultou absolutamente da conduta dos recorrentes, eles conforme planeado foram levantar a encomenda que continha droga enviada do Canadá para Macau. Assim sendo, não pode impugnar que a PJ, aquando da recolha de prova, usou meio “enganoso” para obter prova proibida.
27. A PJ face à detenção dos dois recorrentes adoptou medida de investigação secreta. Esta medida de investigação secreta foi efectuada em conformidade com as exigências do princípio de segredo de justiça. Isto é absolutamente diferente à da prova proibida obtida por meio enganoso.
28. Do entendimento do acórdão penal do TUI n.º 17/2015 sobre prova proibida: “1. Os meios enganosos eventualmente usados pela Polícia só devem ser considerados proibidos quando causarem efectivamente perturbação da liberdade de vontade ou decisão, afectando esta liberdade, não sendo bastante para o efeito a alegação sobre a utilização de qualquer meio enganoso. 2. Há que distinguir os casos em que a actuação do agente policial cria uma intenção criminosa, até então inexistente, dos casos em que o arguido já está implícito ou potencialmente inclinado a delinquir, sendo que a actuação do agente policial apenas põe em marcha aquela decisão.”
29. Compilados os factos provados no processo, os dois recorrentes, antes da actuação da PJ, já em conluio e distribuição de tarefas executaram o tráfico da droga. A PJ depois de receber a droga entregue pelos Serviços de Alfândega de Hong Kong, montou operação de detenção em secreto, tal operação com certeza que não podia informar com antecedência aos arguidos, isto é do senso comum. Se entender tal como prova proibida por ter usado meio “enganoso”, então qualquer que seja a medida de investigação tinha de primeiro informar o arguido. Ora isto é contra o senso comum e proibido por lei.
30. De facto, no processo em apreço, todas as medidas de investigação, designadamente a recolha de prova e a operação de detenção dos dois recorrentes, nunca foram por meio de perturbação da liberdade de vontade ou de decisão de ambos os recorrentes que já inicialmente tinham a ideia de traficar droga.
31. A operação da PJ nunca fez criar aos dois recorrentes uma intenção criminosa, até então inexistente, a PJ apenas fez mostrar a sua intenção criminosa já existente. Isto é completamente diferente à prova proibida por lei de ter sido obtida por meio “enganoso”.
32. Com base na análise supracitada, não vemos a prova obtida e a operação montada pela PJ violou o art.º 113.º do CPP. Assim sendo, o alegado pelos recorrentes de ter adoptado método de prova proibida que por sua vez violou o previsto no art.º 112.º do CPP, não deve apoiar.
33. Na motivação do recurso, os dois recorrentes salientaram que ambos são primários, a possibilidade de tornar a cometer crime é baixa, portanto não há necessidade eminente de prevenção geral para apoiar a condenação de 8 anos e 6 meses de prisão.
34. De acordo com o previsto e punido no art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, a moldura penal do crime de tráfico é entre 3 a 15 anos de prisão, o Colectivo a quo condenou os dois recorrentes a pena de 8 anos e 6 meses de prisão.
35. Feito a análise global das circunstâncias provadas para determinação da medida da pena, designadamente os recorrentes cometeram crime transfronteiriço, negaram a prática do crime e não demonstram arrependimento, o grau de ilicitude é alto, a quantidade da droga é elevada, entende o MP que, não obstante os dois arguidos são primários, porém, tendo em conta o grau da culpa dos dois recorrentes, o crime de droga surge múltiplas vezes e é muito prejudicial, pelo que no presente processo, as exigências da prevenção especial e geral do crime têm de ser mais altas, a condenação recorrida reflecte adequadamente as exigências da prevenção geral e especial do crime, a pena foi proporcional, pois não existe o vício alegado pelos dois recorrentes de a pena ser excessiva.
36. Entende o MP que na parte da fundamentação constante no acórdão recorrido valorou suficientemente as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis aos dois recorrentes. Não consideramos que os dois recorrentes apresentaram fundamento razoável para apoiar a redução da pena condenada.
37. Nos termos do art.º 65.º, n.º 1 do CP, o julgador na determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal. O acórdão recorrido cumpriu exactamente essas exigências, é que determinou a medida da pena.
38. O MP entende que, quer seja pela necessidade de prevenção especial derivada da culpa e das circunstâncias pessoais dos recorrentes, quer seja pela necessidade de prevenção geral por motivo da frequência e vulgaridade do crime de droga, a pena condenada já é leve, portanto não há lugar à redução.
39. É do entendimento do TUI que a determinação da pena, “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada.”
40. Uma vez que a condenação pelo Tribunal a quo não se verifica de que tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada, assim sendo, não cabe ao TUI imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena.
41. Pelo exposto, o fundamento apresentado pelos dois recorrentes, de que a pena é excessiva, julga improcedente.

Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição já assumida na resposta à motivação do recurso.
Foram corridos vistos.
Cumpre decidir.

2. Os Factos
Nos autos foram apurados os seguintes factos:
1. No ano de 2016 (em data não apurada), o 1º arguido A e o 2º arguido B através de acordo mútuo, distribuição de tarefas e conjugação de esforços, decidiram através de encomenda enviar a droga “Cannabis” por via postal a Macau para ser vendida, que por sua vez podiam obter vantagens monetárias.
2. O 2º arguido B encarregava de enviar por via postal a droga “Cannabis” do estrangeiro para Macau; o 1º arguido A encarregava de receber em Macau a droga “Cannabis” empacotada.
3. O 1º arguido A depois de receber a encomenda da droga enviada pelo 2º arguido B, vendia parte dessa droga a terceiros, o 1º arguido A e o 3º arguido C, vendiam, separadamente, a droga em Macau.
4. No dia 02/12/2016, o 2º arguido B, em nome de uma companhia do Canadá designada por “XXXXXXXXXX”, enviou por “correio rápido DHL”, uma encomenda com referência n.º XXXXXXXXXX para Macau, cujo destinatário era o 1º arguido A.
5. Posteriormente, o 2º arguido B regressou do Canadá a Macau para se encontrar com o 1º arguido.
6. No dia 15/12/2016, a PJ recebeu comunicação dos Serviços de Alfândega de Hong Kong, soube que o 2º arguido enviou droga por via postal do estrangeiro para Macau, sendo o destinatário o 1º arguido A, devido ao facto, a PJ iniciou a pista e vigilância do respectivo caso.
7. Em 15/12/2016, a PJ obteve conhecimento de que o 2º arguido B enviou uma encomenda por via postal do Canadá para Macau, com referência n.º XXXXXXXXXX, tal encomenda foi apreendida pelos Serviços de Alfândega de Hong Kong, por descobrir que se tratava da droga “Cannabis”. Devido ao facto, em 17/12/2016, a PJ, conforme procedimento legal, recebeu e apreendeu a encomenda remetida pelos Serviços de Alfândega de Hong Kong, bem como, extraiu no total de 32.1g dessa planta para submeter a exame laboratorial.
8. Seguidamente, a PJ montou vigilância com câmara de visionamento à respectiva encomenda apreendida, assim como, organizou pessoal para ficar dentro da companhia “Correio Rápido DHL”, a fim de aguardar o aparecimento do 1º arguido para levantar a tal encomenda.
9. No dia 21/12/2016, cerca das 14H56, o 1º arguido A e o 2º arguido B chegaram juntos no exterior do “Correio Rápido DHL”, sita na Avenida do Conselheiro Ferreira de Almeida. O 2º arguido B ficou de pé a vigiar no exterior do “Correio Rápido DHL”, quanto ao 1º arguido A, este entrou na aludida companhia para levantar a encomenda enviada pelo 2º arguido B do Canadá para Macau com referência n.º XXXXXXXXXX.
10. O 1º arguido A depois de levantar, com sucesso, a encomenda, saiu do “Correio Rápido DHL” para ter com o 2º arguido B, bem como, entregou ao 2º arguido B a aludida encomenda; em seguida, o 2º arguido B munido do tal pacote, juntamente com o 1º arguido A dirigiram em direcção à Avenida do Coronel Mesquita, acto contínuo, o pessoal da PJ, interceptou os dois para investigação.
11. O pessoal da PJ procedeu in loco a vistoria ao 2º arguido B, tendo encontrado no seu corpo um pacote branco tipografado o n.º “XXXXXXXXXX” e as letras “DHL”, na superfície constava as letras “PROFORMA”, no interior do pacote havia os seguintes objectos (vide detalhes no auto de apreensão de fls.56 a 57 e o auto de notícia de fls. 149 dos autos):
1. Um saco de plástico fechado com zipper de cor branca, suspeito de ser a droga Flor de Cannabis, de tamanho cerca de 25cm*25cm, com peso líquido de 236g (no qual foi extraído cerca de 8g, suspeito de ser a droga “Cannabis”, para submeter a exame pelo Departamento de Ciência Forense);
2. Um saco de plástico fechado com zipper de cor azul, suspeito de ser a droga Flor de Cannabis, de tamanho cerca de 25cm*25cm, com peso líquido de 235.3g (no qual foi extraído cerca de 8g, suspeito de ser a droga “Cannabis”, para submeter a exame pelo Departamento de Ciência Forense);
3. Um saco de plástico fechado com zipper de cor amarela, suspeito de ser a droga Flor de Cannabis, de tamanho cerca de 25cm*25cm, com peso líquido de 234.9g (no qual foi extraído cerca de 8g, suspeito de ser a droga “Cannabis”, para submeter a exame pelo Departamento de Ciência Forense);
4. Um saco de plástico fechado com zipper de cor amarela, suspeito de ser a droga Flor de Cannabis, de tamanho cerca de 25cm*25cm, com peso líquido de 236.1g (no qual foi extraído cerca de 8.1g, suspeito de ser a droga “Cannabis”, para submeter a exame pelo Departamento de Ciência Forense);
5. Um forro de plástico-bolha;
6. Um saco de papel alumínio, de tamanho cerca de 48cm*33cm;
7. Dois sacos de plástico transparente, de tamanho cerca de 50cm*28cm.
12. Após exame laboratorial às duas amostras extraídas e à quantidade total apreendida, apurou-se que as plantas empacotadas nos 4 sacos de plástico fechados com zipper, retirados do pacote com referência n.º XXXXXXXXXX, se tratavam de “Cannabis”, substância abrangida na tabela I-C anexa à Lei n.º 17/2009, respectivamente com peso líquido de 31.1g e 865.5g (vide relatório pericial de fls. 679 a 686 e 700 a 707 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)
13. Nas instalações da PJ, o pessoal da PJ encontrou no corpo do 1º arguido A, um telemóvel de cor preta, um carregador para telemóvel de cor de prata com fio eléctrico. Tal telemóvel era utilizado pelo 1º arguido A como instrumento de comunicação para o exercício da actividade de tráfico da droga (vide detalhes no auto de apreensão de fls. 160 dos autos).
14. O pessoal da PJ levou o 1º arguido A à sua residência, sita na [Endereço(1)], para proceder a busca domiciliária, tendo encontrado os seguintes objectos (vide detalhes no auto de apreensão de fls. 164 a 165 dos autos);
Foi encontrado dentro da mala preta que estava por cima do armário de plástico do quarto:
1. Duas caixas com folhas de tabaco, na superfície constam as letras “RIZLA+.”;
Foi encontrado dentro da gaveta do guarda roupas:
2. Um telemóvel de cor branca e uma bateria, ambos da marca “SAMSUNG”.
Foi encontrado dentro da gaveta de plástico da mesa de toalete:
3. Um telemóvel de cor branca da marca “SAMSUNG”;
4. Uma notificação com as letras “Departamento Policial de Macau da PSP”.
5. Um maço de cigarros da marca “MAVIUS”, no interior continha duas caixas com folhas de tabaco, na superfície consta as letras “RIZLA+.”;
6. Uma planadora para cannabis feito de metal, de forma redonda, de cor branca e vermelha.
15. A planadora para cannabis feito de metal, de forma redonda, de cor branca e vermelha referido no n.º 6 e as 4 caixas com folhas de tabaco referidos nos n.ºs 1 e 5 do ponto 14, eram utensílios usados pelo 1º arguido para acabamento da cannabis.
16. Nas instalações da PJ, o pessoal da PJ encontrou no corpo do 2º arguido, um telemóvel de cor de prata. Este telemóvel era utilizado pelo 2º arguido B como instrumento para o exercício da actividade de tráfico da droga (vide auto de apreensão de fls. 194 dos autos).
17. O pessoal da PJ levou o 2º arguido B à sua residência, sita na [Endereço(2)], para busca domiciliária, tendo encontrado os seguintes objectos (vide auto de apreensão de fls. 198 dos autos).
1. Um bilhete de avião da “EVA AIR”;
2. Uma apólice de seguro da “LLOYD´S”;
3. Um cartão com as letras “RE/MAX”;
4. Numerário no valor de nove mil e quinhentas patacas (MOP$9500.00).
18. No dia 21/12/2016, cerca das 20H00, o pessoal da PJ interceptou o 3º arguido C perto da Avenida do COTAI e conduziu-o às instalações da PJ para colaborar na investigação. O Pessoal da PJ encontrou no corpo do 3º arguido C um telemóvel, cuja parte da frente é de cor preta e atrás é de cor de prata. Este telemóvel era utilizado pelo 3º arguido C como instrumento para o exercício da actividade de tráfico da droga (vide auto de apreensão de fls. 220 dos autos).
19. O pessoal da PJ levou o 3º arguido C à sua residência, sita no [Endereço(3)], para busca domiciliária, tendo encontrado os seguintes objectos (vide auto de apreensão de fls. 224 e 225 dos autos).
20. Foi encontrado na mesa de computador do quarto do 3º arguido C:
1. Um frasco de vidro com tampa de cor de prata, no interior continha uma espécie parecida com Flor de Cannabis, esta planta suspeita de ser Flor de Cannabis tem peso líquido cerca de 4.5g;
2. Uma caixa azul com folhas de tabaco, na superfície consta as letras “Blueberry Skunk”;
3. Duas caixas cinzentas com folhas de tabaco, na superfície constam as letras “RIZLA +.”;
4. Um telemóvel cuja parte da frente é de cor preta e a parte de trás é de cor de carvão cinzento.
5. Um frasco de vidro com tampa de cor de prata, no interior continha uma espécie parecida com Flor de Cannabis, esta planta suspeita de ser Flor de Cannabis tem peso líquido cerca de 19.1g;
6. Um frasco de vidro com tampa de cor de prata, no interior continha uma espécie parecida com “Cannabis”, esta planta suspeita de ser flor de cannabis tem peso líquido cerca de 0.4g;
7. Uma caixa de plástico com tampa verde, no interior continha ramos secos parecidos com “Cannabis”, estes ramos secos suspeitos de ser “Canábis” tem peso líquido cerca de 7.7g.
Foi encontrado na mesa-de-cabeceira do quarto do 3º arguido:
8. Um telemóvel de cor preta.
21. Após exame laboratorial, a planta contida no frasco referido no n.º 1 do ponto 20, trata-se de “Cannabis”, substância abrangida na tabela I-C anexa à Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 4.303g; a planta contida no frasco referido no n.º 5 do ponto 20, trata-se de “Cannabis”, substância abrangida na tabela I-C anexa à Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 18.884g; a planta contida no frasco referido no n.º 6 do ponto 20, trata-se de “Cannabis”, substância abrangida na tabela I-C anexa à Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 0.362g; os ramos secos parecidos com “Cannabis” contidos no frasco referido no n.º 7 do ponto 20, trata-se de “Tetrahidrocannabinol(THC)”, substância abrangida na tabela II-B anexa à Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 7.548g; (vide auto de relatório pericial de fls. 688 a 695 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
22. As 2 caixas com folhas de tabaco referidos nos n.ºs 2 e 3 do ponto 20 eram utensílios usados pelo 3º arguido para acabamento da cannabis. Os dois telemóveis referidos nos n.º 4 e 8, eram utilizados pelo 3º arguido C como instrumento de comunicação para o exercício da actividade de tráfico da droga.
23. O pessoal da PJ conduziu o 3º arguido C ao seu veículo MN-XX-XX, estacionado na Rampa do Padre Vasconcelos, para busca, tendo encontrado no interior uma caixa preta com folhas de tabaco, na superfície constam as letras “LIBELLA”. Tais folhas de tabaco eram utilizadas pelo 3º arguido para acabamento da “Cannabis” (vide detalhes no auto de apreensão de fls. 228 dos autos).
24. Em meados do ano 2016 (em data não apurada), o 1º arguido A forneceu de graça a droga “Cannabis” ao D para consumo.
25. No mês de Agosto de 2016 (em data não apurada), o 1º arguido A vendeu, com sucesso, a droga “Cannabis” ao E, pelo preço de duas mil e quinhentas HK dólares (HKD2,500.00).
26. Entre os meses de Setembro a Novembro de 2016 (em data não apurada), o 1º arguido A vendeu várias vezes, com sucesso, a droga “Cannabis” ao F, cada vez lhe cobrava o preço entre cinco mil (HKD5,000.00) a sete mil HK dólares (HKD7,000.00)
27. Entre os meses de Outubro a Dezembro de 2016 (em data não apurada), o 1º arguido A vendeu várias vezes, com sucesso, a droga “Cannabis” ao G, cada vez lhe cobrava o preço entre duas mil (HKD2,000.00) a três mil HK dólares (HKD3,000.00).
28. Em meados do ano 2016 (em data não apurada), o 3º arguido C forneceu várias vezes de graça a droga “Cannabis” ao H para consumo.
29. Entre os meses de Agosto a Outubro de 2016 (em data não apurada), o 3º arguido C vendeu várias vezes, com sucesso, a droga “Cannabis” ao I, cada vez lhe cobrava o preço de dezenas de milhares.
30. Entre os meses de Setembro a Outubro de 2016 (em data não apurada), o 3º arguido C vendeu várias vezes, com sucesso, a droga “Cannabis” ao J, cada vez lhe cobrava o preço de mil HK dólares (HKD1,000.00).
31. Entre os meses de Outubro a Dezembro de 2016 (em data não apurada), o 3º arguido C vendeu várias vezes, com sucesso, a droga “Cannabis” ao K, cada vez lhe cobrava o preço de mil e tal HK dólares.
32. Os 3 arguidos sabiam perfeitamente a natureza e as características da respectiva droga.
33. Os 3 arguidos livres, consciente, voluntariamente e com dolo praticaram a supracitada conduta.
34. O 1º e 2º arguidos através de acordo mútuo e colaboração de esforços, bem sabendo que não podiam enviar do estrangeiro, droga controlada por lei, para traficar em Macau, contudo, sendo o 2º arguido B, o remetente da droga do estrangeiro para Macau e o 1º arguido A, o recebedor da droga em Macau, que após era o 1º arguido A quem vendia tal droga ao 3º arguido C e a outros indivíduos desconhecidos. O 3º arguido C depois de adquirir a droga “Cannabis” junto do 1º arguido A, revendia a terceiros.
35. Os 3 arguidos bem sabiam que essa conduta é proibida e punida por lei.
Além disso, foi provado o seguinte:
36. Conforme o CRC do 1º arguido, ele tem antecedente:
No processo CR3-16-0174-PSM, o 1º arguido foi condenado, no dia 27/10/2016, pelo Tribunal de Base, a prática de 1 crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 3 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de 200 patacas, na quantia total de 18,000 patacas, ou em alternativa de 3 meses de prisão. Além disso, foi condenado a inibição de condução pelo período de 1 ano. O 1º arguido já pagou a multa, a pena já foi totalmente cumprida.
37. Conforme o CRC dos 2º e 3º arguidos, eles são primários
38. O 1º arguido declarou que tem como habilitações literárias o curso universitário completo, era gerente de promoção de mercado, auferia o salário mensal de 24,000 patacas, tem a cargo a esposa e um filho.
39. O 2º arguido declarou que tem como habilitações literárias o curso universitário completo, era agente de imobiliário no Canadá, auferia o salário mensal, convertido em 20,000 patacas, não tem encargos familiares e económicos.
40. O 3º arguido declarou que tem como habilitações literárias a 5ª classe do ensino primário, é condutor de autocarro turístico, auferia o salário mensal de 14,000 patacas, tem a cargo a mãe, esposa e um filho.

3. O direito
Suscitam os recorrentes as seguintes questões:
- Contradição insanável da fundamentação e erro notória na apreciação da prova;
- Inadmissibilidade da valoração do conteúdo da encomenda apreendida; e
- Medida concreta da pena
Vamos começar pela apreciação da segunda questão, que se prende com a valoração da prova.

3.1. Inadmissibilidade da valoração do conteúdo da encomenda apreendida
Alegam os recorrentes que a operação de reenvio da alegada encomenda de cannabis interceptada pelas autoridades alfandegárias de Hong Kong e apreendida pela PJ de Macau não tem acolhimento legal, pelo que se trata de um método oculto de obtenção da prova atípico, sendo que a prova obtida através deste método é nula, por força do disposto no art.º 113.º n.ºs l e 2, al. a) do CPP.
Desde logo, é de notar que, no recurso interposto para o Tribunal de Segunda Instância, à mesma operação desencadeada pela PJ imputaram os recorrentes o vício de nulidade da prova assim obtida por força do art.º 113.º n.º 3 do CPP. E o TSI julgou improcedente o recurso, nesta parte.
Vamos ver se assiste razão aos recorrentes que invocam agora a disposição do art.º 113.º n.ºs l e 2, al. a) do CPP.
Quanto aos métodos proibidos de prova, dispõe o art.º 113.º do CPP o seguinte:
Artigo 113.º
(Métodos proibidos de prova)
1. São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral da pessoa.
2. São ofensivas da integridade física ou moral da pessoa as provas obtidas, mesmo que com consentimento dela, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3. Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
4. Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos no presente artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.

Na nossa interpretação, com a indicação da al. a) do n.º 2 do art.º 113.º do CPP, pretendem os recorrentes referir à perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de utilização de meios enganosos, atento o circunstancialismo do caso concreto.
Na realidade, decorre dos elementos constantes nos autos o seguinte:
- Em 15/12/2016, a PJ recebeu uma mensagem mandada pelos Serviços de Alfândega de Hong Kong, informando que esta autoridade tinha interceptado uma encomenda que contém objectos suspeitados de ser “Cannabis”, enviada do Canadá para Macau, sendo o destinatário o 1.º recorrente. (fls. 4 e 5)
- Os Serviços de Alfândega de Hong Kong e PJ procederam conjuntamente à entrega controlada da mesma encomenda, já aberta por aquela autoridade, tendo a encomenda sido entregue à PJ e posteriormente apreendida nos autos. (fls. 33, 48 a 57)
- A PJ recolheu amostras do conteúdo da encomenda para fazer exame laboratorial e depois empacotou de novo a encomenda com vista à sua entrega controlada. (fls. 59 a 61, 119 e 120)
- O pessoal da PJ levou a encomenda às instalações da companhia DHL e montou a vigilância, aguardando que tal encomenda fosse levantada.
- No dia 21/12/2016, os recorrentes compareceram juntos fora da companhia, tendo o 1º recorrente entrou na companhia e levantou a encomenda, enquanto o 2º recorrente ficou fora a fazer vigilância. E ambos foram depois interceptados pela PJ.
Ora, a entrega da encomenda pelos Serviços de Alfândega de Hong Kong foi previamente autorizada pelo Departamento de Justiça de Hong Kong. Tanto a autoridade de Hong Kong como a de Macau pretenderam assegurar, e asseguraram, a integridade e a originalidade do objecto bem como o cumprimento das leis respeitantes à entrega. (fls. 33, 48 e 49)
E não se vê quais normas jurídicas foram violadas com a actuação da PJ em colocar a encomenda na companhia DHL com vista à interceptação do agente, sendo este que chegou a levantar a encomenda.
Não se percebe como e em que medida podem os recorrentes qualificar a actuação da PJ como “método oculto de obtenção da prova”, que implica até a violação do disposto na al. a) do n.º 2 do art.º 113.º do CPP.
Na realidade, a encomenda tem a sua origem no Canadá, enviada pelo 2.º recorrente (embora pode não por ele próprio), com destino para Macau, sendo destinatário o 1.º recorrente. Encontrava-se já no caminho e na circulação quando foi detectada pela autoridade de Hong Kong, que abriu a encomenda, fez a análise laboratorial do seu conteúdo e depois procedeu à entrega controlada à PJ de Macau.
E para a interceptação do destinatário, a PJ decidiu tomar medidas, colocando a encomenda na companhia DHL até ela ser levantada.
Onde está o “engano” manipulado pela Polícia?
Mesmo existindo, os meios enganosos referidos na al. a) do n.º 2 do art.º 113.º do CPP só devem ser considerados proibidos quando causarem efectivamente perturbação da liberdade de vontade ou decisão do agente, afectando esta liberdade, o que certamente não sucedeu no nosso caso concreto.
A “idoneidade” do meio enganoso para atingir a liberdade de vontade ou decisão deve ser aferida, naturalmente, no circunstancialismo do caso concreto, em conjugação com os elementos apurados no caso.
Há que distinguir os casos em que a actuação do agente policial cria uma intenção criminosa, até então inexistente, dos casos em que o arguido já está implícito ou potencialmente inclinado a delinquir, sendo que a actuação do agente policial apenas põe em marcha aquela decisão.1
E os actos de investigação “não se podem tornar em impulso ou instigação para a prática da actividade criminosa. Há que distinguir com rigor entre proporcionar uma ocasião para descobrir um crime que já existe daquela em que se provoca uma intenção criminosa que ainda não existia”.2
Decorre da factualidade provada nos autos que, com a expedição da encomenda no Canadá, que passou a entrar na circulação, os recorrentes começaram a dedicar-se às actividades que integram na prática do crime de tráfico da droga.
A “interrupção” pela actuação da autoridade competente do processo de transporte e da circulação normal da encomenda não implica a desistência por parte dos recorrentes das actividades criminosas nem contribui e muito menos provoca a prática das actividades criminosas, que na realidade já se encontram em execução.
Afigura-se-nos admissível a actuação policial em causa, com finalidade de acolher mais provas e/ou detectar e interceptar criminosos que se dedicam às actividades ilícitas já em curso, não se vislumbrando onde está a provocação ou engano susceptível de constituir método proibido de prova.
E manifestamente também não assiste razão aos recorrentes, que alegam que a actuação do pessoal da PJ consubstancia um acto de execução do crime de tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.
Por outro lado, ao comando do art.º 112.º do CPP, são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.
Uma vez concluído pela sem razão dos recorrentes quanto à invocada nulidade da prova por força do disposto no art.º 113.º n.ºs l e 2, al. a) do CPP, e não se vislumbrando a violação de outras normas respeitantes à proibição de prova, é de julgar improcedente a questão suscitada pelos recorrentes.

3.2. Contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova
Na tese dos recorrentes, ao afirmar, nos factos provados e na motivação da matéria de facto, respectivamente, que o 2.º recorrente enviou a encomenda do Canadá no dia 2 de Dezembro de 2016, após o qual se deslocou para Macau e que o 2.º recorrente se deslocou para Macau e que após essa deslocação um terceiro enviou a encomenda, o Tribunal a quo dá simultaneamente como provado que a encomenda foi enviada pelo 2.º recorrente antes de este se deslocar para Macau e por um terceiro após o 2.º recorrente ter abandonado o Canadá.
Alegam que as duas narrativas sustentadas pelo Tribunal a quo não podem ser logicamente compatibilizadas, pelo que a sentença posta em causa padece dos vícios previstos nas al. b) e c) do n.º 2 do art.º 400.º do CPP.
Ora, como se sabe, e tal como têm entendido os tribunais de Macau, a contradição insanável da fundamentação “consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada” e verifica-se “quando de acordo com um raciocínio lógico típico, seja de concluir que a fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se conclua que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente dada a colisão entre os fundamentos invocados”.
E “a contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível, ou seja, que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum”.3
No caso ora em apreciação, ficou provado que:
“4. No dia 02/12/2016, o 2º arguido B, em nome de uma companhia do Canadá designada por ‘XXXXXXXXXX, enviou por ‘correio rápido DHL’, uma encomenda com referência n.º XXXXXXXXXX para Macau, cujo destinatário era o 1º arguido A.
5. Posteriormente, o 2º arguido B regressou do Canadá a Macau para se encontrar com o 1º arguido.”
E decorre da motivação da matéria de facto feita no acórdão de 1.ª instância que a data de envio da encomenda revelada no respectivo recibo foi posterior à de regresso do 2.º recorrente do Canadá a Macau, tendo o Tribunal Judicial de Base considerado que não fica excluída a possibilidade de a encomenda ter sido enviada por um terceiro a pedido do 2.º recorrente.
À primeira vista, parece que existe a contradição no toante às datas de reenvio do pacote no Canadá e de regresso do 2.º recorrente a Macau bem como ao autor que enviou o pacote em causa.
No entanto, face às considerações jurisprudenciais acima tecidas sobre o vício, não se nos afigura que tal contradição, mesmo verificada, configura o vício invocada de contradição insanável da fundamentação.
Com a invocação deste vício, pretendem os recorrentes afastar a responsabilidade penal do 2.º recorrente.
Tal pretensão não pode ter sucesso.
Na realidade, os elementos constantes dos autos, nomeadamente os documentos respeitantes à encomenda, respectivamente oferecidos pela companhia DHL e pelo 2.º recorrente ao 1.º recorrente, que contêm o mesmo número P.O. XXXXX (fls. 454 e 140 dos autos) e os registos das conversas telefónicas feitas entre os dois recorrentes sobre o envio da mesma encomenda (mensagens constantes dos autos de fls. 442 a 449) revelam sem dúvida que o pacote foi mandado pelo 2.º recorrente ao 1.º recorrente, mesmo com colaboração de um terceiro.
E a consideração sobre a possibilidade de o 2.º recorrente ter incumbido alguém para enviar o pacote não viola as regras de experiência comum.
Resumindo, não se vislumbra a verificação do vício apontado pelos recorrentes, pois a contradição indicada não se apresenta insanável ou irredutível, podendo ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.
Por outro lado, também não se vê verificado o vício de erro notório na apreciação da prova, que só existe quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova.4
Constata-se nos autos que o Tribunal de 1.ª instância formou a sua convicção com base na análise e apreciação de todas as provas produzidas, incluindo as declarações prestadas pelos testemunhas em audiência de julgamento, as provas documentais e os apreendidos nos autos, tendo exposto no seu acórdão a motivação da matéria de facto provada, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.
Não se vê a violação das regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada nem das regras da experiência ou das legis artis na apreciação da prova.
E também não assiste razão aos recorrentes quanto à invocação de violação do princípio in dúbio pro reo.
Improcede o recurso, nesta parte.

3.3. Medida concreta da pena
Entendem os recorrentes que a pena de 8 anos e 6 meses de prisão é manifestamente excessiva, pretendendo a redução da pena.
Nos termos do art.º 40.º n.º 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.º 2 do mesmo artigo.
O crime pelo qual foram condenados os recorrentes é punível com a pena de 3 a 15 anos de prisão.
No caso sub judice, não resultam dos autos quaisquer circunstâncias que militem a favor dos recorrentes, com excepção de ser o 1.º recorrente delinquente primário.
Não houve confissão por parte dos recorrentes, que em audiência de julgamento mantiveram silêncio.
Decorre da factualidade provada que os recorrentes agiram de comum acordo, através de distribuição de tarefas e conjugação de esforços, com finalidade lucrativa, tendo o 1.º recorrente enviado por via postal a droga apreendida nos autos para o 2.º recorrente a fim de ser vendida por este.
A factualidade assente revela que é intenso o dolo dos recorrentes, na medida em que agiram livre, voluntária e conscientemente e são graves os factos ilícitos.
No que tange às finalidades da pena, são prementes, sem dúvida, as exigências de prevenção geral, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que é ainda frequente em Macau e põe em risco a saúde pública e a paz social. E há que atender ainda ao carácter transfronteiriço dos factos praticados pelos recorrentes.
Salienta-se que a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
Ponderado todo o circunstancialismo do caso concreto, nomeadamente as circunstâncias referidas no art.º 65.º do Código Penal de Macau, tais como a intensidade do dolo dos recorrentes, o grau de ilicitude dos factos, o modo de execução do crime, o tipo e a quantidade da droga apreendida bem como a situação pessoal dos recorrentes, não se nos afigura excessiva a pena de 8 anos e 6 meses de prisão aplicada aos recorrentes pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, que foi encontrada dentro da moldura penal fixada para o crime em causa.
Tal como tem entendido este Tribunal, “Ao Tribunal de Última Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”5, pelo que se não se estiver perante essas situações, como é no caso vertente, o Tribunal de Última Instância não deve intervir na fixação da dosimetria concreta da pena.
Os recorrentes não chegaram a alegar a violação das regras de experiência por parte do Tribunal recorrido, que na realidade não se verificou.
É de concluir pela improcedência do recurso.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, com a taxa de justiça fixada em 8 UC.

Macau, 27 de Abril de 2018

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

1 Cfr. Ac. do STJ de Portugal, de 6 de Maio de 2004.
2 Cfr. Ac. do TUI, de 27-6-2002 e 9-10-2002, Proc. n.ºs 6/2002 e n.º 10/2002.
3 Cfr. Ac. do TUI, de 22-11-2000, no proc. n.º 17/2000; Acs. do TSI, de 13-2-2003, no proc. n.º 181/2002 e de 20-3-2003, no proc. n.º 90/2002, entre outros.
4 Ac. do TUI, de 30-1-2003, 15-10-2003 e 16-2-2004, Proc. n.ºs 18/2002, 16/2003 e 3/2004, entre muitos outros.
5 Acórdãos do TUI, de 23 de Janeiro de 2008, 19 de Setembro de 2008, 29 de Abril de 2009 e 28 de Setembro de 2011, nos Processos nºs 57/2007, 29/2008, 11/2009 e 35/2011, respectivamente.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




39
Processo n.º 14/2018