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Proc. nº 767/2016
Recurso contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 26 de Abril de 2018
Descritores:
- Despachos do Relator
- Reclamação para a conferência
- Caducidade preclusiva
- Prorrogação do prazo da concessão
- Actividade vinculada
- Princípios gerais de direito administrativo

SUMÁRIO:

I - Nos termos dos arts. 15º, nº2 e 153º, nº2, do CPAC, do despacho do relator que não admita ou retenha o recurso interposto de decisão do Tribunal de Segunda Instância, cabe reclamação para a conferência e não recurso jurisdicional.

II - As disposições citadas em I concedem à parte interessada uma mera faculdade de impugnar o despacho do relator. Contudo, esta faculdade resume-se à possibilidade de impugnação, não à escolha do meio.

III - A caducidade-preclusiva pelo decurso do prazo geral máximo da concessão impõe-se, inevitavelmente, à entidade administrativa competente. É, pois, um acto vinculado, por ter a sua raiz mergulhada na circunstância de esse efeito caducitário decorrer directamente ope legis, sem qualquer interferência do papel da vontade do administrador. É da lei que advém fatalmente a caducidade.

IV - E se é vinculada a actividade administrativa concernente à caducidade, o mesmo carácter tem a decisão de indeferir o pedido de prorrogação da concessão após o decurso do prazo da caducidade.

V - O princípio da boa fé e da tutela da confiança (cfr. art. 8º, nºs 1 e 2, do CPA) constitui um limite intrínseco à actividade administrativa discricionária e não vinculada.

VI - As decisões tomadas ao abrigo de poderes discricionários só são escrutináveis, no que concerne à violação dos princípios gerais de direito administrativo, nos casos de erro manifesto e grosseiro.

Proc. nº 767/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
“Sociedade de Investimento Imobiliário Hio Keng Van, S.A.”, em chinês晓景灣置業發展股份有限公, com sede em Macau, XXX, ----
Veio interpor recurso contencioso ----
Do despacho de 5 de Setembro de 2016 do Ex.mo Secretário para os Transportes e Obras Públicas,---
Que indeferiu o pedido de prorrogação do prazo da concessão por arrendamento do lote A3 sito na Av. Comercial de Macau, com a área de 4169 m2, com os demais sinais dos autos.
*
Na petição inicial, formulou as seguintes conclusões:
«(i) O acto administrativo recorrido
1. Em 16 de Junho de 2016, a recorrente apresentou requerimento junto do Chefe do Executivo da RAEM, pedindo-lhe a concessão da prorrogação, pelo período de 10 anos, do prazo de arrendamento do lote A3 situado na Avenida Comercial de Macau, com a área de 4.169 m2 e regulado pelo despacho n.º 91/SATOP/94 (doravante designado por lote A3).
2. O Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu despacho em 5 de Setembro de 2016 na proposta n.º 334/DSODEP/2016 no sentido de concordar com o teor desta e indeferir o pedido da recorrente de prorrogação do prazo de concessão por arrendamento.
(ii) Vício de forma – Falta de fundamentação do acto administrativo
3. Ao abrigo do disposto no artigo 21.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), constitui fundamento do recurso o vício de forma do acto administrativo, nele incluindo a falta de fundamentação ou equivalente.
4. O artigo 114.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) prevê o dever de fundamentação dos actos administrativos.
5. Em harmonia com o artigo 115.º do CPA, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
6. O acto administrativo em causa pertence à segunda situação acima referida.
7. Em conformidade com o disposto no artigo 115.º, n.º 2 do CPA,  equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
8. No presente caso, o acto administrativo recorrido padece exactamente do vício de obscuridade, contradição e insuficiência da fundamentação.
9. Um dos fundamentos invocados na proposta para indeferir o pedido de prorrogação do prazo de concessão por arrendamento é o seguinte:
“…Como a natureza improrrogável das concessões provisórias, torna-se inútil apreciar se tais alegados vícios subsistem ou não na declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno no prazo fixado, já que ainda que os mesmos procedessem, nada poderiam alterar o sentido da decisão do indeferimento do pedido de prorrogação do prazo.” (sublinhados nossos)
O ofício n.º 0878/1385.03/DSODEP/2016 da DSSOPT contém a correspondente versão chinesa:
“(Nota do tradutor: este parágrafo é a tradução chinesa da versão portuguesa acima exposta)”
10. Os fundamentos acima referidos são os invocados pelo TSI no processo supra mencionado para julgar improcedente a pretensão da respectiva recorrente de que o acto administrativo padece do erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e da violação dos princípios da boa-fé, da igualdade, da justiça, da tutela da confiança e da proporcionalidade. (Cfr. Acórdão do TSI, processo n.º 434/2015, fls. 50 da versão portuguesa e fls. 47 da tradução chinesa).
Versão portuguesa do acórdão do TSI, processo n.º 434/2015:
“2. Do erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e da violação dos princípios da boa-fé, da igualdade, da justiça, da tutela da confiança e da proporcionalidade:
Os vícios supra identificados só existem nas actividades administrativas discricionárias.


Como o termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida definitiva só por si determina inevitavelmente a caducidade da concessão provisória, torna-se inútil apreciar se tais alegados vícios subsistem ou não na declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno no prazo fixado, já que ainda que os mesmos procedessem, nada poderiam alterar o sentido da decisão do acto recorrido.
…” (sublinhados nossos).
Tradução chinesa do acórdão do TSI, processo n.º 434/2015:
(Nota do tradutor: esta parte é a tradução chinesa da supra referida versão portuguesa)
11. No entanto, “tais alegados vícios” indicados na proposta em causa são quais vícios? Tal proposta não revela.
12. Se “tais alegados vícios” mencionados na proposta forem os mesmos vícios invocados pela recorrente do processo n.º 434/2015, teriam nada a ver com o presente caso.
13. In casu, a recorrente não invocou, no seu pedido de prorrogação do prazo de concessão por arrendamento deduzido em 16 de Junho de 2016, a existência dos vícios acima referidos em qualquer acto administrativo. (vide fls. 1826 a 1831 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
14. São, evidentemente, obscuros e insuficientes os fundamentos invocados na proposta, que por seu lado não explicam nem esclarecem concretamente as razões que levaram à decisão de rejeitar o recurso.
15. Por conseguinte, ao abrigo do disposto no artigo 115.º, n.º 2 e artigo 124 do CPA, deve ser anulado o acto administrativo recorrido, ou seja, o despacho de 5 de Setembro de 2016 proferido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas no sentido de indeferir o pedido da recorrente de prorrogação do prazo de concessão por arrendamento.
(iii) Violação do princípio da boa fé
16. Na actual sociedade de direito, o princípio da boa fé deve ser sempre observado em qualquer relação estabelecida entre a autoridade administrativa e os particulares, bem como nos actos praticados pela aquela a estes.
17. A autoridade administrativa deve observar o princípio da boa fé, quer nas negociações de concessão de terreno, quer no cumprimento do contrato de concessão, na renovação de concessão e no processo de declaração de caducidade de concessão.
18. No presente caso, quanto ao pedido de alteração de finalidade do lote A3, a recorrente sempre manteve boas comunicações e interacções com a DSSOPT. Logo, em 29 de Dezembro de 1999, a DSSOPT emitiu o parecer de viabilidade relativamente ao estudo prévio.
19. Em 20 de Abril de 2005, a DSSOPT notificou a recorrente da prorrogação do prazo de aproveitamento do lote A3 sem aplicação de multa.
20. Segundo o princípio da colaboração entre a Administração e os particulares previsto no artigo 9.º do CPA, a Administração deve responsabilizar-se pelas informações prestadas aos particulares, uma vez que as informações fornecidas pela Administração irão suscitar confiança nos particulares.
21. Dos factos do presente caso resulta que, as respostas, propostas e pareceres emitidos pela DSSOPT à recorrente são todos positivos e no sentido de alterar a finalidade do lote A3, o que suscitou, logo, na recorrente expectativas razoáveis no sentido de o pedido de alteração da finalidade do terreno ser deferido e de desenvolver o terreno.
22. Apesar de ter sido revogados em 2006 os Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande aprovados pela Portarias n.º 69/91/M que titulam o contrato de concessão do lote A3, a recorrente ainda estava convicta que o seu pedido de alteração da finalidade do lote A3 seria deferido e incluído no novo planeamento.
23. Além disso, a DSSOPT nunca se pronunciou sobre o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do lote A3 formulado pela recorrente em 2009, nem o estudo prévio nem o projecto de arquitectura do mesmo lote apresentados em 2011 e 2013.
24. Ainda que a Administração entendesse que tal pedido devia ser rejeitado, deveria comunicar à recorrente de forma escrita e fundamentada conforme o princípio da boa fé.
25. De acordo com os factos expostos in casu e à luz do disposto no artigo 11.º do CPA, o acto da Administração violou o princípio da decisão.
26. Em 14 de Agosto de 2014, o Parecer n.º 79/2014 da Comissão de Terras deferiu a prorrogação do prazo de aproveitamento do lote A3 até 30 de Julho de 2016, o que levou a recorrente a crer que podia realizar de novo o desenvolvimento do lote.
27. Cumpre salientar que, o Parecer n.º 79/2014 da Comissão de Terras também indica expressamente que o prazo de dois anos não basta para que o aproveitamento se conclua. E a DSSOPT levou cerca de um ano (de 9 de Junho de 2015 a 27 de Abril de 2016) para emitir tal planta em relação ao lote A3, e até suspendeu a respectiva apreciação durante o período de investigação do CCAC compreendido entre 25 de Junho de 2015 e 24 de Dezembro de 2015.
28. De acordo com as regras da experiência, a recorrente não conseguiu concluir o aproveitamento do terreno em somente três meses (28 de Abril de 2016 a 30 de Julho de 2016), isto é, o prazo de arrendamento e de aproveitamento remanescente após a emissão da referida planta.
29. Logo, a recorrente formulou junto da Administração o pedido de prorrogação do prazo de arrendamento do terreno de acordo com o formalismo normal.
30. Lamentavelmente, o pedido foi indeferido pela Administração, o que quebrou, sem dúvida, as expectativas razoáveis da recorrente. O acto da Administração violou manifestamente o princípio da boa fé, prejudicando a confiança da recorrente e falhando na protecção dos direitos e interesses da recorrente que mereçam garantia.
(iv) Errada aplicação da Lei de Terras
31. Na proposta n.º 334/DSODEP/2016 de 23, entende-se que ao caso vertente é imediatamente aplicável o artigo 48.º, n.º 1 da Lei de Terras, ou seja, as concessões provisórias não são renováveis, e que: “Como a natureza improrrogável das concessões provisórias, torna-se inútil apreciar se tais alegados vícios subsistem ou não na declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno no prazo fixado, já que ainda que os mesmos procedessem, nada poderiam alterar o sentido da decisão do indeferimento do pedido de prorrogação do prazo.”
32. Do ponto de vista literal do disposto no artigo 48.º, n.º 1 da Lei de Terras, as concessões provisórias não podem ser renovadas, independentemente de a concessionária ter ou não culpa, e de a não conclusão de aproveitamento ser ou não imputável à mesma.
33. Todavia, o pensamento legislativo da Lei de Terras não é a renúncia da observância do princípio da culpa. O Venerando Magistrado do MP referiu expressamente no processo n.º 434/2015 do TSI que: tudo isto não significa que as Leis n.º 6/80/M e n.º 10/2013 se olvidem do princípio da culpa (imputabilidade), ou sejam indiferentes aos princípios da boa fé – sendo este um princípio que penetra e orienta todo o ordenamento jurídico de Macau.
34. No que tange à interpretação da lei, o artigo 8.º do Código Civil estabelece o princípio geral, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
35. Em harmonia com a disposição supra aludida, a fim de conhecer o pensamento legislativo do artigo 48.º, n.º 1 da Lei de Terras, deve o intérprete ter em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
36. No tangente à unidade do sistema jurídico, como refere o supra citado Magistrado do MP, a Lei de Terras prevê muitas vezes que, quando “não se verificar imputabilidade do concessionário/o concessionário não ter culpa”, o Chefe do Executivo tem “o poder discricionário para avaliar e determinar se for ou não justificado o motivo alegado pelo mesmo.”
37. Quanto às circunstâncias em que foi elaborada a lei, de acordo com o Parecer n.º 3/IV/2013 elaborado pela 1a comissão permanente da Assembleia Legislativa da RAEM em relação à Lei de Terras, há deputados que suscitaram questões sobre as circunstâncias em que a não conclusão do aproveitamento de terreno foram inimputáveis aos concessionários, e o proponente respondeu no sentido de esses casos concretos poder ser tratados de forma excepcional de acordo com a Lei de Terras.
38. O pensamento legislativo do artigo 48.º, n.º 1 da Lei de Terras nada deve ser entendido como negar, indiscriminadamente, renovações às concessões provisórias. Tendo em conta a unidade do sistema jurídica e as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições do tempo em que é aplicada, a interpretação correcta do disposto em causa deve ser: se o aproveitamento não for concluído dentro do prazo de arrendamento pelo motivo imputável ao concessionário, a concessão provisória não pode ser renovada.
39. A fim de aplicar a lei de forma correcta, a Administração deve realizar uma audiência justa, legal e adequada para avaliar se a não conclusão de aproveitamento no prazo de arrendamento é imputável ou não à parte; e esclarecer as questões de imputabilidade de acordo com o resultado da audiência antes de proferir a decisão. No caso vertente, todavia, a Administração obviamente não o fez.
40. Mesmo que não se possa tirar a aludida conclusão através da interpretação da lei, um escrupuloso e prudente operador de Direito também poderia descobrir a existência de lacuna na Lei de Terras.
41. A lacuna de lei é uma circunstância em que os factos juridicamente relevantes não são regulados pelo legislador.
42. De acordo com o disposto no artigo 41.º da Lei de Terras, a concessão de terrenos rege-se, subsidiariamente, pela lei civil aplicável. Logo, os princípios fundamentais relativos ao cumprimento contratual previstos no Código Civil de Macau, designadamente os princípios da culpa e da boa fé, ainda podem aplicar-se aos contratos de concessão de terreno.
43. Segundo o princípio da culpa, só pode considerar-se haver incumprimento de contrato por parte do devedor quando este faltar culposamente ao cumprimento das obrigações contratuais, quer dizer que há dolo ou culpa.
44. É da responsabilidade da lei o regulamento das condições em que o incumprimento dos deveres pelo devedor não seja imputável a este para garantir os direitos e interesses do mesmo.
45. Quanto às situações em que a não conclusão de aproveitamento de terreno no prazo de arrendamento seja inimputável ao concessionário, a Lei de Terra não prevê regulamentos no sentido de se o prazo de arrendamento pode ou não ser suspenso ou prorrogado, o que constitui uma lacuna da lei.
46. O artigo 9.º do CCM prevê os meios da integração das lacunas da lei: I. aplicação analógica; II. norma criada pelo próprio intérprete.
47. O legislador da Lei de Terras estabelece que o prazo de aproveitamento de terreno pode ser suspenso ou prorrogado quando a não conclusão de desenvolvimento do terreno no respectivo prazo resultar de factores exteriores e de força maior, não sendo imputável ao concessionário. Isso visa exactamente prevenir a existência de situações injustas para o concessionário.
48. A situação supra referida é análoga à situação em que a falta de aproveitamento de terreno no termo do prazo de arrendamento é inimputável ao concessionário.
49. Salvo melhor entendimento, a Administração pode aplicar analogicamente o artigo 104.º, n.º 5 da Lei de Terras de acordo com o artigo 9.º, n.º 2 do CCM.
50. Por outras palavras, quanto à situação acima mencionada, ainda que seja expirado o prazo de arrendamento, a entidade competente ainda poderia usar o seu poder discricionário para suspender ou prorrogar o prazo, para que o concessionário possa cumprir as suas obrigações, construindo prédios contratualmente estipulados.
51. Mesmo que assuma uma postura reservada em relação à viabilidade da aplicação analógica do artigo 104.º, n.º 5 da Lei de Terras às situações de prazo expirado, a Administração deveria, de acordo com o artigo 9.º, n.º 3 do CCM e o espírito do legislador, determinar uma abordagem específica para a integração da respectiva lacuna da lei.
52. Se o legislador reparar que a falta de aproveitamento de terreno não é imputável ao concessionário, aquele, baseando-se nos princípios do equilíbrio e da justiça, vai determinar essa abordagem: conceder um prazo razoável ao concessionário, para que este possa concluir o aproveitamento do terreno nesse prazo e, após a conclusão do aproveitamento e a emissão da licença de utilização, tornar a concessão provisória do terreno para a definitiva.
53. A Administração não aplicou analogicamente o disposto no artigo 104.º, n.º 5 da Lei de Terras nem determinou abordagem específica conforme o espírito legislativo para resolver a situação em que o aproveitamento do terreno não foi concluída no prazo de arrendamento por motivo não imputável à recorrente. No caso vertente, a Administração até entende que “torna-se inútil apreciar se tais alegados vícios subsistem ou não na declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno no prazo fixado.”
54. Razão pela qual, deve entender-se que a Administração aplicou erradamente o artigo 48.º, n.º 1 da Lei de Terras.
55. O Digno Magistrado do MP manifestou o seguinte entendimento no processo n.º 434/2015 do TSI: o legislador estabelece a regra de ser obrigatória e inevitável a caducidade de qualquer concessão provisória por arrendamento se o aproveitamento não se concluir no prazo de concessão por arrendamento de 25 anos , salvo a existência da circunstância prevista no artigo 104.º, n.º 5, onde o prazo de concessão não expirará antes do prazo de aproveitamento.
56. Isto quer dizer que, se houver mora inimputável ao concessionário, o prazo de concessão provisória não expira imediatamente, mas pode ser, excepcionalmente, prorrogado.
57. Daí que o despacho de 5 de Setembro de 2016 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas erradamente aplicou as respectivas disposições da Lei de Terras, nomeadamente a do artigo 48.º, n.º 1.
(v) Violação da protecção do direito à propriedade privada pela Lei Básica
58. A protecção dos direitos adquiridos pelas pessoas singulares é expressamente estabelecida pelo disposto nos artigos 6.º, 103.º e 120.º da Lei Básica, nomeadamente o artigo 120.º, que estipula que a Região Administrativa Especial de Macau reconhece e protege, em conformidade com a lei, os contratos de concessão de terras legalmente celebrados antes do retorno e os direitos deles decorrentes.
59. In casu, invoca-se na proposta os seguintes fundamentos:
“4. Quanto à concessão provisória de terreno, a Lei de Terras não estipula qualquer situação em que a concessão possa ser renovada, salvo a prevista no artigo 48.º, n.º 2 desta Lei. O presente caso, porém, não pertence a essa excepção.
5. Como a natureza improrrogável das concessões provisórias, torna-se inútil apreciar se tais alegados vícios subsistem ou não na declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno no prazo fixado, já que ainda que os mesmos procedessem, nada poderiam alterar o sentido da decisão do indeferimento do pedido de prorrogação do prazo.”
60. Ainda que o artigo 48.º da Lei de Terras não regule expressamente os meios de abordagem relativamente à renovação das concessões provisórias, imputável e inimputável ao concessionário, o pensamento legislativo desse artigo não deve, de jeito nenhum, ser entendido como a negação indiscriminada de renovação das concessões provisórias. Tendo em conta a unidade do sistema jurídica e as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições do tempo em que é aplicada, a interpretação correcta do disposto em causa deve ser: se o aproveitamento não for concluído dentro do prazo de arrendamento pelo motivo imputável ao concessionário, a concessão provisória não pode ser renovada. No que tange à situação inimputável ao concessionário, deve optar-se pela abordagem distinta da prevista no artigo 48.º da Lei de Terras.
61. Já que, atento o teor do Parecer n.º 3/IV/2013 (fls. 102) elaborado pela 1a comissão permanente da Assembleia Legislativa da RAEM em relação à Lei de Terras, vislumbra-se que o legislador também reconhece que podem existir, na realidade, situações em que a não conclusão de aproveitamento de terreno no prazo de arrendamento seja inimputável ao concessionário, casos esses que podem receber tratamentos específicos em conformidade com a Lei de Terras.
62. Razão pela qual, a Administração, antes de aplicar o disposto no artigo 48.º da Lei de Terras, fica obrigada a apurar claramente se o motivo de falta de desenvolvimento no prazo de aproveitamento é imputável à concessionária para determinar se tal artigo pode ou não ser aplicado.
63. Dos fundamentos invocados (fundamentos da proposta) pelo acto administrativo recorrido resulta, manifestamente, que a Administração proferiu diretamente a decisão de indeferimento sem que tivesse realizado, de modo qualquer, apuramento relativamente a se o acto da recorrente lhe é imputável.
64. O resultado do acto incorre em errada compreensão e aplicação das respectivas disposições da Lei de Terra, pelo que é o próprio resultado do acto (em vez da Lei de Terra) que está em contradição com as disposições da Lei Básica relativas à protecção da propriedade privada, dos contratos de concessão de terras legalmente celebrados ou aprovados antes do retorno e dos direitos deles decorrentes.
65. Pelo exposto, o acto administrativo do Sr. Secretário para os Transportes e Obras Públicas que, erradamente entendendo e aplicando a Lei de Terras, indefere o pedido da recorrente de prorrogação do prazo de arrendamento do lote A3, viola, com efeito, o disposto nos artigos 6.º, 103.º e 120.º da Lei Básica e lesa o direito à propriedade privada da recorrente protegido pela Lei Básica.
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A entidade recorrida apresentou contestação, apresentando as seguintes conclusões:
1ª A recorrente interpôs recurso contencioso do despacho de “concordo” do STOP, exarado na proposta n.º 334/DSODEP/2016, que indeferiu o pedido de prorrogação do prazo de concessão por arrendamento do Lote A3, situado na Península de Macau, no empreendimento designado por “Fecho da Baía da Praia Grande”.
2ª O prazo deste arrendamento era de 25 anos, válido até 30 de Julho de 2016, por força do disposto no artigo 215.º da Lei de terras, que prevê que o prazo da concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato, não podendo exceder 25 anos, sendo que esse prazo não se suspende em circunstância alguma.
3ª A concessão é dada, inicialmente a título provisório, convertendo-se em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento (artigos 44.º e 47.º n.º1 da Lei de terras), sendo que findo o prazo de vigência, estas concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras, operando, por isso, a caducidade, de forma automática, como consequência do decurso do prazo, independentemente de haver ou não culpa do concessionário.
4ª Neste caso trata-se de uma caducidade preclusiva, pelo que, uma vez decorrido o prazo da concessão provisória, sem que esta tenha sido convertida em definitiva, verifica-se sempre a caducidade desta concessão, na medida em que, dada a sua natureza preclusiva, a respectiva causa constitui um facto em si mesmo extintivo e de comprovação objectiva, que opera por força da lei.
5ª Nas concessões provisórias, verificado o não aproveitamento de um terreno dentro do prazo clausulado, cabe à Administração declarar a caducidade, tratando-se de um acto legalmente vinculado e, por isso, aquela, não pode praticar qualquer outro acto em alternativa.
6ª A fundamentação visa dar conhecimento ao administrado de quais são as razões de facto e de direito que serviram de base à decisão administrativa, para que este possa optar entre aceitar ou impugnar o acto, daí a exigência de fundamentação prevista nos artigos 114.º e 115.º do CPA.
7ª A fundamentação do indeferimento do pedido de prorrogação do prazo de concessão encontra-se expressa, de forma clara, congruente e racional na Proposta n.º 334/DSODEP/2016, que constitui a base que suporta a decisão, por conseguinte, o despacho de concordância do STOP apropriou-se dos fundamentos e absorveu a motivação constante daquela proposta, a qual refere expressa e claramente os motivos do indeferimento da pretensão da recorrente (natureza improrrogável das concessões provisórias e caducidade preclusiva da concessão).

8ª Não assiste, pois, qualquer razão à recorrente, impugnando-se os artigos 57.º, 63.º, 71.º e 72.º do recurso por esta interposto, que está destinado a improceder, pela falta de vício que o fundamente.
9ª Apesar de o acto recorrido não ser a declaração de caducidade da concessão, quando este foi praticado já estávamos na presença de uma situação de caducidade preclusiva, na medida em que o acto foi praticado em 5 de Setembro de 2016 e o prazo de arrendamento expirou em 30 de Julho de 2016, pelo que, foi a verificação deste facto que serviu de fundamento ao indeferimento do pedido formulado pela recorrente.
10ª O indeferimento da pretensão da recorrente é uma actividade administrativa vinculada, sendo que o vício de violação dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança nunca é operante, por só poder ocorrer nas actividades administrativas discricionárias, logo, toma-se irrelevante esta alegada violação.
11ª Aquando da transmissão da concessão foi fixado um prazo para o aproveitamento e mantido o prazo da concessão, por isso, a recorrente sabia que era nesse quadro de constrangimentos temporais que teria que efectivar o aproveitamento do terreno e que se o prazo da concessão se esgotasse sem que o aproveitamento estivesse feito, a concessão, por ser provisória, caducaria, deste modo não existe qualquer expectativa legítima ou que deva ser juridicamente tutelada.
12ª Razões pelas quais se impugnam os artigos 79.º a 81.º, 88.º a 98.º e 105.º da petição de recurso apresentada.
13ª Alega a recorrente que o correcto entendimento do n.º 1 do artigo 48.º da Lei de terras é de que a concessão provisória pode ser renovada, quando a falta de aproveitamento se fica a dever a factos não imputáveis ao concessionário, constituindo mais uma excepção à natureza não renovável e improrrogável destas concessões.
14ª A concessão de terrenos visa a satisfação do interesse público e a ele está subordinada, justificando-se, por este motivo, que se imponha um prazo para o aproveitamento do terreno e que, findo esse prazo, sem que o aproveitamento se mostre concluído, tratando-se de uma concessão provisória, esta caduque.
15ª Por isso, a renovação da concessão provisória só é possível caso o terreno da concessão se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto, sendo esta a única excepção que a lei prevê (n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras), não admitindo outros casos excepcionais de renovação da concessão provisória. Como, aliás ficou patente no parecer n.º 3/IV/2013, da 1ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa.
16ª Ora, o facto exposto pela recorrente é inútil para a possibilidade de renovação da concessão provisória, pois não tem cabimento legal, sendo erróneo o seu entendimento, na medida em que, independentemente de se tratar de prorrogação ou renovação, conforme a terminologia por si adoptada, sempre que os efeitos passem por manter o contrato de concessão em vigor para além do seu termo, haverá desconformidade legal.

17ª A admitir-se a possibilidade de prorrogação do prazo de concessão, esta só podia ter lugar mediante um acto administrativo da competência do Chefe do Executivo, no exercício de poderes administrativos legalmente previstos, porém, não existe norma legal que preveja essa possibilidade, constituindo, mais um obstáculo ao deferimento da pretensão da recorrente a inexistência de previsão normativa, legal ou regulamentar.
18ª A concessão provisória caduca e extingue-se no termo do seu prazo, sem possibilidade de renovação, não havendo possibilidade de extensão do prazo de uma concessão já extinta. Aliás, se a caducidade se produz ex lege, pelo decurso do prazo, não pode a Administração, unilateralmente ou por acordo com o concessionário, impedi-la, prorrogando o contrato.
19ª A Lei de terras não prevê a possibilidade da prorrogação do prazo da concessão provisória, apenas prevê a possibilidade de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno (n.º 5 do artigo 104.º), pelo que, tendo o intérprete de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, o sentido desta imprevisão só pode ser o de que aquela prorrogação do prazo da concessão não é legalmente viável.
20ª Impugna-se, por conseguinte, os artigos 113.º, 132.º, 135.º e 136.º do recurso apresentado.
21ª Contrariamente ao alegado pelo recorrente, o acto praticado pela recorrida não violou os artigos 6.º,103.º e 120.º da Lei Básica, nem prejudicou o seu direito à propriedade privada.
22ª O acto recorrido limitou-se a aplicar a Lei de terras e esta não afronta a protecção do direito à propriedade privada, garantido pela Lei Básica, não se entende, por isso, de que forma é que o acto que indeferiu a prorrogação de uma concessão provisória já extinta possa ter beliscado as normas da Lei Básica e os princípios que lhes estão associados, que garantem a protecção da propriedade privada e o reconhecimento dos contratos de concessão de terrenos celebrados antes do estabelecimento da RAEM.
23ª Impugna-se, deste modo, os artigos 142.º, 145.º e 151.º da petição de recurso apresentada pela recorrente.
Nestes termos e nos melhores de direito, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser considerado improcedente, por não verificação de quaisquer dos alegados vícios, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.»
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O relator, por despacho de fls. 140 ordenou a notificação das partes para apresentação de alegações facultativas, nos termos do art. 63º do CPAC, por entender não haver necessidade de produção de prova testemunhal.
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A recorrente apresentou a peça de fls. 142 (cópia do original, por este ter sido mandado desentranhar), pretensamente de reclamação contra tal despacho.
Contudo, logo a seguir (fls. 150), a mesma recorrente veio pedir o desentranhamento dessa peça e a sua substituição por outra de recurso jurisdicional (fls. 152) contra o dito despacho, invocando ser essa a sua intenção impugnativa.
Face a esta posição, o relator proferiu o despacho de fls. 153, não admitindo o recurso jurisdicional.
Contra este mesmo despacho veio, então, a recorrente apresentar reclamação para a conferência, nos termos do articulado de fls. 183-184.
A entidade recorrida não se pronunciou sobre a reclamação, mas o digno Magistrado do MP tomou posição no sentido do seu indeferimento.
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O processo prosseguiu, entretanto, para alegações facultativas, tendo a recorrente reiterado, no essencial, a fundamentação vertida na petição inicial.
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A entidade recorrida limitou-se a reafirmar o teor da sua contestação, insistindo no sentido da improcedência do recurso.
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O digno Magistrado do MP, no seu parecer final, pronunciou-se do seguinte modo:
«I. Quanto à reclamação:
“Sociedade de Investimento Imobiliário Rio Keng Van S.A.” reclama para a conferência do despacho do relator, a fls. 153 dos autos, que não admitiu o recurso interposto do despacho de 1 de Novembro de 2017, exarado a fls. 140, o qual rejeitara a produção da prova testemunhal requerida na petição de recurso.
Fá-lo ao abrigo do artigo 15.º, n.º 2, do Código de Processo Administrativo Contencioso, o que, só por si, se revela algo contraditório com a interpretação que defende para a expressão “cabe reclamação” inserta na norma em causa. Poderia/deveria tê-lo feito ao abrigo da norma específica prevista para o indeferimento do recurso pelo relator - artigo 153.º, n.º 2, do Código de Processo Administrativo Contencioso - e, todavia, ter-se-ia deparado com vocábulos de idêntico teor: “cabe reclamação”.
Não assiste razão à reclamação formulada pela recorrente.
Nos termos do artigo 15.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Administrativo Contencioso, compete ao relator ordenar as diligências instrutórias necessárias, aqui se incluindo, naturalmente, a produção de prova testemunhal. E dos despachos do relator - com excepção dos de mero expediente e daqueles que admitam recursos de acórdãos - cabe reclamação para a conferência, conforme ressuma do aludido artigo 15.º, n.º 2.
A expressão “cabe reclamação” comporta, no contexto em que se insere, como aliás sucede, por via de regra, em direito administrativo, um sentido que habilita naturalmente à faculdade de reclamar ou não, mas que substancia necessariamente um ónus para quem queira impugnar a decisão do relator. Ou seja, a decisão do relator não pode ser objecto de recurso jurisdicional imediato, apenas podendo ser sindicada, em via de recurso, a decisão que a conferência venha a adoptar sobre a matéria. É por isso que, congruentemente, em matéria de contencioso administrativo, quer o Código de Processo Administrativo Contencioso, quer a Lei de Bases da Organização Judiciária, apenas prevêem recurso de acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, e não de despachos do relator.
Não assiste, pois, razão à reclamante, pelo que se deve indeferir a reclamação e manter a decisão de não admissão do recurso interposto a fls. 152.
II. Quanto ao recurso contencioso:
Objecto do presente recurso contencioso é o acto de 5 de Setembro de 2016, da autoria do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que indeferiu pedido da recorrente, “Sociedade de Investimento Imobiliário Rio Keng Van S.A.”, para prorrogação do prazo de concessão por arrendamento do lote A3, com a área de 4 169 m2, na zona A do “Fecho da Baía da Praia Grande, na Península de Macau.

A recorrente acha que o acto padece dos vários vícios que lhe imputa na sua petição de recurso - falta de fundamentação, violação do princípio da boa-fé, errada aplicação da Lei de Terras e violação da protecção dispensada pela Lei Básica à propriedade privada -, o que é contestado pela entidade recorrida, que contrapõe a observância, pelo acto recorrido, dos exigidos parâmetros de legalidade.
Vejamos, abordando o primeiro dos vícios imputados ao acto, ou seja, o de forma por falta de fundamentação.
Atendo-nos ao teor do acto globalmente considerado, entendemos que ele ostenta, de forma suficientemente clara e inteligível, os motivos ou as razões do indeferimento da requerida prorrogação do prazo de concessão por arrendamento. Com efeito, convoca, como fundamentos fácticos, a circunstância de estar em causa uma concessão provisória cujo prazo, de 25 anos, se iniciou em 30 de Julho de 1991, já terminou em 30 de Julho de 2016, e não pode ser renovado ou prorrogado, além de que referencia tais fundamentos, em termos normativos, à Lei de Terras, nomeadamente aos seus artigos 44.º, 47.º, n.º 1, e 48.º. Perante esta constatação, não se crê razoável imputar ao acto o arguido vício de forma. É fora de questão que um destinatário médio, em face do seu conteúdo, fica a saber as razões de facto e de direito por que se decidiu naquele sentido e não noutro. Tanto basta para que o acto se deva ter por suficientemente fundamentado à luz do artigo 115.º do Código do Procedimento Administrativo. Aliás, do teor da sua petição de recurso, resulta nítido que a recorrente compreendeu a motivação da decisão, ou seja, a razão que levou a Administração a decidir da forma como decidiu.
A eventual menor clareza que a recorrente assinala ao ponto 13 da proposta que contém a fundamentação do acto, especialmente ao seu segundo parágrafo, não é suficiente para obscurecer a intelecção da fundamentação globalmente considerada e de lançar dúvidas sobre a motivação e o sentido do acto.
Improcede o vício de falta de fundamentação.
Esgrime-se, depois, a violação do princípio da boa-fé.
Nesta matéria, a recorrente destaca que, ao longo do período de vigência do contrato, a Administração foi transmitindo uma relação de confiança, através da prática de uma série de actos que criaram na recorrente o convencimento de que poderia efectivar o desenvolvimento do terreno objecto de concessão. Todavia, acabou a Administração por não emitir a licença e os documentos necessários ao efectivo aproveitamento do terreno. Daí que, ao recusar agora prorrogar o prazo de concessão, esteja a Administração a venire contra factum proprium e a atentar contra o princípio da boa-fé, já que não lhe faculta a possibilidade de proceder ao aproveitamento do terreno.
De acordo com o acto e a sua fundamentação apura-se que foi determinante para o indeferimento da pretensão a circunstância de a concessão não poder ser renovada ou prorrogada. Isto porque, como aí se refere, mostra-se transcurso o prazo da concessão provisória sem que tenha sido observado o aproveitamento a que se subordinou a concessão e sem que o terreno haja conhecido demarcação definitiva, o que era imprescindível para a concessão se converter em definitiva e poder ser renovada. No fundo, o que a Administração está a dizer é que a concessão provisória caducou pelo decurso do seu prazo sem que entretanto se tivesse tomado definitiva.
Pois bem, é sabido que a jurisprudência de Macau vem sendo unânime quanto ao carácter vinculado do acto de declaração de caducidade, verificados que se mostrem os respectivos pressupostos. Assim, se estão reunidos os pressupostos para a declaração de caducidade, como se afirma no acto, não resta à Administração outra alternativa que não seja declarar a caducidade. E é óbvio que, neste cenário, jamais poderia o prazo da concessão, ou mesmo o prazo do aproveitamento, ser prorrogado.
Então, o que, no caso, assume relevo e deve prevalecer sobre considerações associadas à postura das partes no desenvolvimento do contrato é a vinculação que a legalidade impõe à actuação administrativa, o que retira acuidade ao invocado princípio da boa-fé.
Soçobra, assim, este vício.
Em seguida, sustenta-se ter havido errada aplicação/interpretação do artigo 48.º, n.º 1, da Lei de Terras. Nesse sentido, a recorrente argumenta que uma correcta interpretação do referido normativo não pode alhear-se do princípio da culpa inerente à imputação do não aproveitamento.
Concordamos que a avaliação da falta de aproveitamento no prazo específico fixado para efeito de aproveitamento tem que lidar com a questão da culpa e emitir um juízo de imputabilidade quanto ao incumprimento. Isso é consensual, segundo cremos, e está bem espelhado, v.g., no artigo 104.º, n.º 5, da Lei de Terras, admitindo-se que, em função dos motivos e da sua apetência justificativa, possa ser suspenso ou prorrogado o prazo de aproveitamento do terreno. Ou seja, a denominada caducidade-sanção derivada da violação do prazo do aproveitamento demanda a verificação da imputabilidade do atraso ao concessionário.
Já o incumprimento, enquanto impedimento da conversão, em definitiva, da concessão provisória, como pressuposto da declaração de caducidade na sua vertente preclusiva, não está dependente de um juízo de imputabilidade. Uma coisa é verificar se foi cumprido, realizado, concluído, o aproveitamento, outra é saber, apurar, indagar as razões do incumprimento e quem por ele é responsável. Salvo melhor juízo, na declaração da caducidade pelo decurso do prazo da concessão provisória sem cumprimento do aproveitamento, a lei basta-se com a constatação do incumprimento do clausulado, não impondo um juízo de imputabilidade ou culpabilidade. Neste mesmo sentido, vejam-se as considerações tecidas no acórdão do Tribunal de Última Instância, de 11 de Outubro de 2017, in Processo n.º 28/2017: ...o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo (25 anos, se outro não for o fixado no contrato) se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano.
E o Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
Isto para concluir que o acto não padece de qualquer erro de interpretação da norma do artigo 48.º, n.º 1, da Lei de Terras, ao não lhe associar um juízo de imputabilidade.
Também este vício claudica.
Finalmente, a recorrente sustenta haver violação da protecção do direito à propriedade privada garantido pela Lei Básica.
É certo que a Lei Básica manda proteger o direito à propriedade privada, tal como impõe o reconhecimento e protecção dos contratos de concessão de terras celebrados antes do estabelecimento da RAEM e que se prolonguem para além da data de transferência de soberania. Mas relega, para a lei, a forma e as condições que moldam essa protecção, como melhor se vê das normas pertinentes (artigos 6.º e 120.º). Pois bem, no que respeita aos terrenos pertença do antigo Território de Macau e da actual RAEM - terrenos do Estado -, não há concessões por tempo indeterminado. Há prazos de concessão e há regras para o aproveitamento dos terrenos. Esses prazos e regras estão disciplinados por lei e, na maioria dos casos, até são vertidos para os contratos de concessão.
Portanto, a protecção conferida pela Lei Básica é uma protecção subordinada ao cumprimento das regras legalmente instituídas, que se pode esvair com a inobservância dessas regras. E as regras, em matéria de terras, têm como pano de fundo a finalidade social dos direitos associados ao seu uso, o que demanda o seu efectivo aproveitamento nos prazos que o legislador teve por razoáveis, adentro do seu poder de conformação. Daí que o artigo 48.º ao estabelecer a impossibilidade de renovação das concessões provisórias em nada afronte os princípios vertidos naqueles artigos da Lei Básica.
Improcede, pois, a suscitada violação do direito de propriedade.
Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido de ser recusado provimento ao recurso».
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Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
1 - O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - De acordo com o contrato de concessão regulado pelo despacho n.º 91/SATOP/94 publicado no Boletim Oficial de Macau, n.º 30, II Série, 27 de Julho de 1994, foram transmitidos, a favor da recorrente”Sociedade de Investimento Imobiliário Hio Keng, SA” e com a autorização do Governo de Macau, os direitos resultados da concessão, por arrendamento, do lote A3 à concessionária primitiva “Sociedade de Empreendimentos Nam Van SARL” (fls. 2 a 4 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
2 - Segundo a cláusula 2ª do aludido contrato de concessão, o arrendamento objectivo do contrato foi válido até 30 de Julho de 2016, podendo este prazo ser, de acordo com a lei, sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049.
3 - Segundo a cláusula 3ª do contrato, o lote A3 deveria ser aproveitado para a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado a comércio, escritório e estacionamento, em conformidade com a Portaria n.º 69/91/M alterada pela Portaria n.º 134/92/M.
4 - Conforme a cláusula 5ª do contrato, o aproveitamento do terreno em causa devia operar-se no prazo de 66 meses contados a partir da data de 6 de Julho de 1992.
5 - De acordo com a cláusula 10ª, o contrato em causa rege-se, pelo estipulado no contrato de concessão titulado pelo Despacho n.º 73/SATOP/92, com as alterações introduzidas pelos Despachos n.º 57/SATOP/93 e n.º 56/SATOP/94, e pela Lei n.º 6/80/M.
6 - Em 30 de Outubro de 1997, a então concessionária “Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A.R.L”. requereu junto do então Governo de Macau a alteração da finalidade dos lotes 1 e 3 da zona A do empreendimento «Fecho da Baía da Praia Grande». (fls. 15 a 16 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
7 - Através do ofício n.º 127/SATOP/98, o então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas (SATOP) afirmou que não se opôs à alteração da finalidade e que o respectivo procedimento podia ser aberto. (fls. 41 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
8 - Em 8 de Junho de 1998, a recorrente apresentou à DSSOPT o pedido de alteração da finalidade do lote A3 conforme as exigências descritas no ofício acima referido, solicitando que a finalidade do terreno fosse alterada para a construção de um edifício, com 141,5 metros de altura, destinado a habitação, comércio e estacionamento, anexando ao pedido documentos tais como a declaração de responsabilidade do arquitecto, a memória descritiva e as guias técnicas. (fls. 17 a 42 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
9 - Através do ofício n.º 577/1385.1/DSODEP/98, a então DSSOPT notificou a recorrente da necessidade da alteração do projecto e da apresentação de documentos complementares relativamente ao acima mencionado pedido de alteração da finalidade do lote A3. (fls. 54 a 56 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
10 - Em 7 de Janeiro de 1999, a pedido do supra aludido ofício, o arquitecto da recorrente submeteu à DSSOPT os documentos complementares por esta exigidas. (fls. 51 a 84 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
11 - Através do ofício n.º 065/1385.1/DSODEP/99, a então DSSOPT notificou a recorrente do recebimento dos respectivos documentos complementares. (fls. 66 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
12 - Em 8 de Fevereiro de 1999 e quanto ao ofício supra mencionado, o arquitecto da recorrente solicitou que a DSSOPT, tendo em conta o tempo do respectivo trabalho, apreciasse o respectivo pedido de alteração da finalidade do lote A3 o mais depressa possível. (fls. 89 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
13 - Através do ofício n.º 280/962.4/DSODEP/99, a então DSSOPT notificou a original concessionária Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A.R.L. para alterar a minuta do contrato de concessão de 31 de Julho de 1991 e incluir, no prazo de 20 dias, as respostas dos titulares do lote A3. (fls. 115 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
14 - Em 13 de Julho de 1999, a recorrente respondeu à então DSSOPT conforme o exigido no ofício supra referido, pedindo a autorização da alteração da finalidade do lote A3. (fls. 117 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
15 - Através do ofício n.º 310/1385.1/DSODEP/99, a então DSSOPT notificou a recorrente para a apresentação de alterados documentos de arquitectura respeitante à alteração da finalidade do lote A3. (fls. 146 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
16 - Em 28 de Julho de 1999 (T-2283), a recorrente enviou carta à então DSSOPT para apresentar, conforme exigido pelos ofícios n.º 280/962.4/DSODEP/99 e n.º 310/1385.1/DSODEP/99, a memória descritiva das fracções autónomas e os respectivos projectos do prédio após a alteração da finalidade do lote A3.
17 - Em 5 de Agosto de 1999, o arquitecto da recorrente enviou carta à então DSSOPT, dizendo que já lhe tinha apresentado o pedido de alteração em 26 de Julho de 1999 conforme exigido pelos ofícios acima referidos e requerendo a emissão, por parte da Administração, do ofício que autorizasse a alteração.
18 - Em virtude das diversas dificuldades enfrentadas no âmbito económico e na construção das infra-estruturas, o prazo de aproveitamento da zona A estipulado na cláusula sexta do contrato de concessão acima referido foi prorrogado pelo período de 60 meses, quer dizer que o prazo de aproveitamento do lote A3 foi prorrogado pelo então Governo de Macau para 18 de Agosto de 2004. (documento 2 – Despacho n.º 71/SATOP/99, a fls. 59-65 dos autos).
19 - Através do ofício n.º 456/1385.1/DSODEP/99, a então DSSOPT respondeu à recorrente, emitindo parecer sobre a viabilidade da alteração da finalidade do lote A3 mencionada pela recorrente em 28 de Julho de 1999 (T-2283), e exigindo a alteração dos documentos de arquitectura apresentados no pedido. (fls. 235 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
20 - Em 18 de Novembro de 1999, o arquitecto da recorrente respondeu ao aludido ofício, requerendo novamente a decisão da DSSOPT relativamente ao estudo prévio por aquele apresentado. (fls. 240 do processo n.º 1385 da DSSOPT).
21 - De acordo com o ofício n.º 6765/DURDEP/99 de 29 de Dezembro de 1999, foram emitidos pareceres de viabilidade respeitante ao estudo prévio n.º BC/164-98 apresentado em 4 de Março de 1998 e ao estudo prévio da alteração da finalidade de terreno apresentado em 18 de Novembro de 1999. (fls. 241 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
22 - Em 17 de Agosto de 2004 (T-4315), a recorrente apresentou junto da DSSOPT o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do lote A3; em 20 de Abril de 2005, a mesma foi notificada pela DSSOPT através do ofício n.º 214/1385/DSODEP/2005 da concessão de prorrogação do prazo de aproveitamento do lote A3 para 18 de Agosto de 2008. (fls. 256 e 266 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
23 - O ofício n.º 214/1385/DSODEP/2005 da DSSOPT indica expressamente que a supra referida concessão de prorrogação de prazo não implica multa.
24 - Por outro lado, durante o referido prazo de aproveitamento, o despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006 revogou o Regulamento do Plano de Intervenção Urbanística dos Novos Aterros do Porto Exterior (PIUNAPE) e os Regulamentos dos Planos de Pormenor do Plano de Reordenamento da Baía da Praia Grande, respectivamente aprovados pelas Portarias n.os 68/91/M e 69/91/M (documento a fls. 66-67 dos autos)
25 - Em 24 de Fevereiro de 2009, a recorrente requereu à DSSOPT a prorrogação do prazo de aproveitamento do lote A3. (fls. 267 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
26 - Conforme a comunicação interna da DSSPOT, a Administração nunca emitiu a planta de alinhamento oficial relativamente ao lote A3. Da comunicação interna também resulta que os prédios existentes no lote A3 foram construídos em directa conformidade com as condições de construção estabelecidas para lote A3 pela Portaria n.º 69/91/M. (vide fls. 307 e 309 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
27 - Em 31 de Maio de 2011, a DSSOPT notificou a recorrente, através do ofício n.º 390/1385.02/DSODEP/2011, para apresentar a exposição escrita relativamente a não integral aproveitamento do lote A3. (fls. 325 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
28 - Em 27 de Junho de 2011, a recorrente respondeu ao ofício supra mencionado, apresentando também à DSSOPT o estudo prévio do lote A3, o projecto de construção e de obra do lote, o mapa de horário de execução, o certificado das condições financeiras e a certidão de inexistência de registo de prémio em dívida emitida pela DSF, bem como o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno para 28 de Fevereiro de 2016. (fls. 332 a 362 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
29 - Quanto ao aludido pedido e resposta, a DSSOPT não emitiu qualquer ofício à recorrente para notificá-la de qualquer processo de apreciação e decisão relativamente aos supra referidos estudo prévio e documentos de arquitectura do lote A3.
30 - Em 25 de Fevereiro de 2013, a DSSOPT notificou a recorrente, por ofício n.º 150/1385.02/DSODEP/2013, da audiência prévia relativamente ao sentido da decisão de declarar a caducidade da concessão do terreno por incumprimento das obrigações contratuais. (vide fls. 747 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
31 - Em 14 de Março de 2013, a recorrente apresentou a audiência escrita em conformidade com o ofício n.º 150/1385.02/DSODEP/2013 de 25 de Fevereiro de 2013 da DSSOPT, e também exigiu à Administração o tratamento do estudo prévio por aquela apresentada em 27 de Junho de 2011 e o fornecimento de condições, designadamente a emissão da planta de alinhamento oficial do terreno concedido para que a recorrente devolvesse o respectivo terreno de acordo com o contrato de concessão. (fls. 749 a 774 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
32 - Após a realização da audiência, a Administração não incluiu o presente caso no âmbito de declaração de caducidade de concessões.
33 - Em 22 de Agosto de 2014, a recorrente foi notificada, por ofício n.º 213/DSTSEA/2013 da Comissão de Terras, de que o prazo de aproveitamento do lote A3 foi prorrogado para 30 de Julho de 2016. (vide fls. 1749 a 1750 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
34 - O aludido ofício da Comissão de Terras foi feito em harmonia com o parecer n.º 79/2014 de 14 de Agosto de 2014, que tem o seguinte conteúdo:
“…
60.2 O arrendamento deste terreno é válido até 30 de Julho de 2016 (cerca de dois anos)

60.4 O acompanhamento do processo ora em andamento - a elaboração do presente relatório/proposta, parecer e despacho, parecer da Comissão de Terras, a realização da audiência prévia e a efectuação do pagamento de multa em relação a que, aquando da não abertura do processo de declaração de caducidade da concessão e da prorrogação do prazo de aproveitamento, se deve ou não ser aplicada a multa conforme o período em que a responsabilidade pelo incumprimento do prazo de aproveitamento do terreno era imputável à empresa concessionária – precisa de vários meses, o que reduzirá o tempo de aproveitamento do terreno no remanescente prazo de dois anos;
60.5 Mesmo que a concessionária cumpra a finalidade do terreno e a área de construção, seria muito provável que apresente um projecto que implique a necessidade de alteração contratual. Também deve ser emitida a planta de condições urbanísticas no sentido de que, se tal projecto seja elaborado conforme a planta e a legislação vigente, deve ser aprovado. Razão pela qual, será preciso mais tempo, o que reduzirá o tempo disponível para o aproveitamento do terreno no restante prazo.

62. …No entanto, o prazo de arrendamento irá expirar em 30 de Julho de 2016, e o tempo de cerca de dois anos não é suficiente para concluir o aproveitamento do terreno em causa. O que é preciso fazer dentro deste prazo são os trâmites de prorrogação do prazo de aproveitamento, a emissão da planta de condições urbanísticas para a elaboração e a entrega do projecto, a apreciação desse projecto para a nova execução de obra, bem como a realização da vistoria, a emissão da licença de utilização e do certificado de conclusão de aproveitamento para que a concessão se torne definitiva antes da expiração do prazo de arrendamento, …”
35 - Em 9 de Junho de 2015, a recorrente requereu à DSSOPT a planta de condições urbanísticas do lote A3. (fls. 1810 a 1812 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
36 - Em 25 de Junho de 2015, o Chefe do Executivo enviou uma carta ao Comissário contra a Corrupção, exigindo que a CCAC realizasse investigação relativamente a existência ou não de infracção no processo da decisão de não declarar caducada a concessão das 16 parcelas de terrenos e apresentasse-lhe relatório. (documento a fls. 68-95 dos autos– fls. 2 do relatório de investigação do CCAC sobre as 16 parcelas de terrenos cuja concessão não foi declarada caducada)
37 - O terreno em causa é um dos acima referidos 16 terrenos cuja concessão não foi declarada caducada.
38 - Durante o período de investigação por parte do CCAC, a DSSOPT não emitiu licença ou documento necessário ao desenvolvimento do terreno em causa, suspendendo a apreciação da respectiva licença ou documento.
39 - Em 24 de Dezembro de 2015, o CCAC publicou o relatório de investigação, do que resultou que a não declaração de caducidade do terreno em causa não violou a disposição legal vigente.
40 - Em 16 de Março de 2016, o Conselho do Planeamento Urbanístico realizou reunião para discutir o conteúdo do projecto da planta de condições urbanísticas do lote A3. (fls. 1810 a 1812 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
41 - Em 27 de Abril de 2016, a DSSOPT aprovou a proposta n.º 344/DPU/2016 e emitiu a planta de condições urbanísticas do lote A3. (fls. 1810 a 1812 do processo n.º 1385 da DSSOPT)
42 – No dia 23/08/2016 foi lavrada a seguinte Proposta nº 334/DSODEP/2016:
Proposta N.º: 334/DSODEP/2016
Data: 23/08/2016
Assunto: Relatório do instrutor – pedido de prorrogação do prazo de concessão por arrendamento, do terreno sito na Península de Macau, com a área de 4 169 m2, designado por lote 3 da zona “A” do Plano da Praia Grande, titulado pelo Despacho n.º 91/SATOP/94, a favor da “Sociedade de Investimento Imobiliário Hio Keng Van, SARL”. (Proc. n.º 1385.03)
1. Por despacho do Exmo. Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP), de 27 de Julho de 2016, exarado sobre a Proposta n.º 299/DSODEP/2016 de 19 de Julho, que pretende indeferir o pedido efectuado pela Sociedade de Investimento Imobiliário Hio Keng Van, SARL (adiante designado por “requerente”), de prorrogação do prazo de concessão por arrendamento, do terreno com a área de 4 169 m2, designado por lote 3 da zona “A” do Plano da Praia Grande com fundamento de que nos termos do artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 «Lei de terras», o estado jurídico da concessão do terreno em epígrafe está provisória, a sua prorrogação do prazo de concessão por arrendamento violará o n.º 1 do artigo 47.º da mesma Lei. (Anexo 1)
2. Nos termos dos artigos 93.º e 94.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M de 11 de Outubro, através do ofício n.º 727/1385.03/DSODEP/2016 de 27 de Julho, foi notificada a requerente, no prazo de 10 dias contados a partir de recepção do referido ofício, para se pronunciar por escrito sobre a referida intenção decisória. (Anexo 2)
3. Em resposta ao referido ofício e para efeito da audiência prévia, a requerente apresentou uma alegação escrita com entrada sob o n.º 112796/2016 de 8 de Agosto de 2016, e com os fundamentos principais seguintes: (Anexo 3)
3.1 Falta da audiência escrita, o conteúdo do ofício n.º 727/1385.03/DSODEP/2016 não conforme com o n.º 2 do artigo 94.º do CPA;
3.2 Imcompetência, o STOP não tem competência para decidir o pedido em causa;
3.3 Erro na aplicação da lei, os artigos 44.º e 47.º da Lei n.º 10/2013 «Lei de terras» não se aplicam ao presente caso;
3.4 Falta da resposta aos fundamentos concretos alegados no pedido em causa.
Análise
4. A questão que se coloca traduz-se, em suma, em saber se a viabilidade prorrogável do prazo de arrendamento em regime da Lei de terras em vigor.
5. De acordo com o estipulado na cláusula 2.ª do contrato de concessão, esta foi atribuída pelo prazo de 25 anos, contado a partir da data (no dia 30 de Julho de 1991) outorga da escritura pública do contrato de concessão.
6. O referido prazo terminou em 30 de Julho de 2016.
7. De acordo com o estipulado no artigo 44.º e no n.º 1 do artigo n.º 47.º da Lei n.º 10/2013, «Lei de terras», a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo que não pode exceder 25 anos e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente.
8. As concessões provisórias não podem ser renovadas nos termos do n.º1 do artigo 48.º da «Lei de terras».
9. Assim sendo, as concessões provisórias não são renováveis nem prorrogáveis.
10. Contrariamente ao alegado na alínea 3.1, conforme o primeiro e último parágrafos do nosso ofício n.º 727/1385.03/DSODEP/2016 de 27 de Julho, já forneceu os elementos necessário, nomeadamente a decisão a tomar nas matérias de facto e de direito, bem como as horas e o local onde o processo pode ser consultado, por isso, não violou o n.º 2 do artigo 94.º do CPA.
11. Relativamente à incompetência da prática do acto do indeferimento do pedido de prorrogação do prazo de concessão por arrendamento, salienta-se que o despacho do STOP de 27 de Julho de 2016 não é um acto com efeito externo, mas sim um acto de instrumentos, visa apenas notificar à requerente da intenção decisória para efeito da audiência prévia, nunca influenciar à esfera jurídica da mesma.
Para além disso, de referir que embora a alínea 4) do artigo 39.º da «Lei de terras» atribua a competência para autorizar a renovação das concessões de terrenos ao Chefe do Executivo, o acto pode ser praticado pelo STOP nos termos da delegação de competências executivas efectuada pelo Chefe do Executivo no STOP através da Ordem Executiva n.º 113/2014, pois que, na qual decretada com base no artigo 15.º da Lei n.º 2/1999 e no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 85/84/M, de 11 de Agosto, o Chefe do Executivo delegou no STOP todas as competências em relação a todos os assuntos respeitantes à DSSOPT (cfr. artigo 6.º e Anexo VI do Regulamento Administrativo n.º 6/1999).
Inserindo-se o acto de para autorizar a renovação das concessões de terrenos nas matérias da gestão e utilização dos solos na RAEM que fazem parte das atribuições da DSSOPT, competindo-lhe nesse domínio, entre outras funções, assegurar o uso e desenvolvimento dos solos, zelar pelo cumprimento dos contratos de concessão, bem como fiscalizar os terrenos concedidos (cfr. artigos 2.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 29/97/M, de 7 de Julho).
12. Em relação com erro na aplicação da lei, nos termos do artigo 215.º da «Lei de terras», a mesma lei aplica-se às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, e os direitos e deveres dos concessionários são imediatamente regulados
Como não foi procedido ao aproveitamento do terreno até 1 de Março de 2014, data em que a Lei n.º 10/2013 (nova lei de terras) entrou em vigor, quando a concessão do terreno ainda era provisória, pelo que a mesma nova lei é aplicável à presente concessão imediatamente ao abrigo do referido artigo.
Na aplicação imediata da Lei n.º 10/2013, sem dúvida, a presente concessão provisória não pode ser renovada. (cfr. n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013)
13. Em face à falta da resposta aos fundamentos concretos alegados no pedido em causa, salienta-se que na área da concessão provisória, não existe qualquer circunstância prevista na Lei n.º 10/2013 que possa prorrogar o seu prazo, salvo a situação prevista no n.º 2 do artigo 48.º da mesma lei, mas o presente caso não pertence a esta excepção.
Como a natureza improrrogável das concessões provisórias, toma-se inútil apreciar se tais alegados vícios subsistem ou não na actividade administrativa com fundamento na falta de aproveitamento do terreno no prazo fixado, já que ainda que os mesmos procedessem, nada poderiam alterar o sentido da decisão do indeferimento do pedido de prorrogação do prazo de concessão por arrendamento.
14. Portanto, não foram carreados para o procedimento elementos ou argumentos de facto e de direito que pudessem conduzir à alteração do sentido da decisão de indeferimento do pedido em causa.
Conclusão
15. Por fim, tendo em conta o artigo 44.º e o n.º 1 do artigo n.º 47.º da «Lei de terras», submete-se a presente proposta à consideração de V. Ex.ª, a fim de indeferir o pedido efectuado pela concessionária, de prorrogação do prazo de concessão por arrendamento do terreno em causa;
A consideração superior.
O Técnico Superior,
XXX
43 - Em 5/09/2016 o Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu o seguinte despacho: “Concordo” (fls. 55 dos autos).
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IV – O Direito
A – Da reclamação
A recorrente contenciosa reclama para a conferência do despacho do relator que não admitiu o recurso jurisdicional, que por si mesma fora interposto contra o seu despacho de não proceder, por desnecessário, à produção de prova testemunhal nos presentes autos.
Apreciando.
Recordemos que o despacho sob reclamação assenta na circunstância de, dos despachos do relator, não caber recurso, mas sim reclamação para a conferência.
Foi dito em tal despacho o seguinte (cfr. fls. 153):
«Fls. 151 e 152:
O despacho de fls. 140 não é recorrível, embora seja susceptível de reclamação para a conferência (cfr. art. 15º, nº2, do CPAC).
Assim sendo, não se admite o recurso.
Notifique».
Mas este despacho vem na sequência do anterior, proferido na mesma página 153, que dizia o seguinte:
«Fls. 142-149:
Face à posição assumida a fls. 150, desentranhe a peça em causa e entregue-a à parte, ficando uma cópia em seu lugar».
Ora, esta primeira parte do despacho em apreço decorre do facto de a recorrente, através do mandatário, Dr. Sérgio Ho, ter vindo requerer o desentranhamento do articulado de fls. 142 a 149, em que, pela mão de outro mandatário, Dra. Lei Weng U, fora apresentada reclamação para a conferência do dito despacho de não admissão de prova testemunhal.
Portanto, e em suma, num primeiro momento a sindicância foi bem introduzida em juízo, pretendendo-se que o despacho fosse submetido a conferência. Mas, num posterior momento, a recorrente fez mudança de direcção, e preferiu apresentar recurso jurisdicional. Fê-lo de livre vontade, por sua própria iniciativa, e pedindo expressamente o desentranhamento da primeira pretensão.
Sendo assim, o despacho reclamado em causa é de manter.
Na verdade, se o despacho em crise afirmou que da decisão singular do relator cabe reclamação para a conferência, é de concluir que a afirmação está correcta, face ao disposto no art. 15º, nº2, do CPAC, onde é dito que “Cabe reclamação para a conferência dos despachos do relator, com excepção dos de mero expediente e dos que admitam recursos de acórdão do tribunal”. A mesma ideia vem, aliás, de um modo ainda mais claro e específico, no art. 153º, nº2, onde é esclarecido que “Do despacho do relator que não admita ou retenha o recurso interposto de decisão do Tribunal de Segunda Instância, cabe reclamação para a conferência”
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A reclamante diz agora que do art. 15º não resulta uma obrigação de reclamar. Pois não, nisso tem razão. Ao dizer que do despacho do relator “cabe” reclamação está a prescrever uma mera faculdade, é certo. E por isso, a parte interessada pode reclamar ou não; depende de si não reagir ou mostrar-se inconformada. Mas, neste segunda hipótese de inconformismo, só lhe resta uma via impugnativa: a reclamação para a conferência e não recurso para o TUI. Em resumo: a faculdade resume-se à possibilidade de impugnação, não à escolha do meio!
Ora, se a recorrente abandonou expressamente a ideia primitiva de reclamar, que depois trocou pela de recorrer, torna-se claro que o relator não podia admitir o recurso.
E a verdade é que, notificado daquele despacho, nem assim a recorrente requereu a convolação do meio impugnativo (o que, mesmo assim, seria motivo para ponderação por parte do relator, uma vez que essa possibilidade já expressamente tinha sido abandonada). E não o tendo pedido, também o não podia fazer o relator, uma vez que ele já sabia que a verdadeira intenção da recorrente contenciosa não era reclamar, mas sim e somente reclamar.
Indefere-se, pois, a reclamação.
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B – Do recurso contencioso
1 – Vem impugnado no presente recurso contencioso o acto do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 5/09/2016, que indeferiu o pedido da recorrente de que lhe fosse concedida prorrogação por mais dez anos do período da concessão por arrendamento do lote A3 identificado nos autos.
Imputa-lhe a recorrente os vícios seguintes:
- De forma, por falta de fundamentação;
- De violação do princípio da boa fé e da tutela da confiança;
- De lei, por errada aplicação dos arts. 41º, 48º, nº1 e 104º, 5, da Lei de Terras;
- De violação do direito de propriedade privada protegida pela Lei Básica.
Apreciando.
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2 – Do vício de forma
Entende a recorrente que este vício ocorre, na medida em que, contra o que vem estatuído no art. 115º do CPA, o acto padece de obscuridade, contradição e insuficiência de fundamentação.
Claramente, está equivocada a recorrente.
O despacho sindicado, ao dar a sua concordância com o teor da Proposta nº 334/DSODEP/2016, assumiu o seu conteúdo na íntegra. Fez, portanto, o autor do acto o exercício de remissão a que respeita o art. 115º, nº1, do CPA.
E o teor da referida Proposta é bem explícito acerca das razões pelas quais o pedido deve ser indeferido. E tanto é assim que a recorrente percebeu perfeitamente o seu alcance, apresentando uma petição de recurso sem falhas, hiatos ou lacunas que revelem incompreensão da fundamentação utilizada no acto sindicado.
E a fundamentação do acto prende-se, com é bom de ver pela sua claríssima expressão, com o decurso do prazo da concessão e da impossibilidade da sua renovação e prorrogação, de acordo com as disposições que cita da Lei de Terras.
Por ser assim, sem mais considerandos, este vício é de improceder.
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3 – Do vício de violação do princípio da boa fé e da tutela da confiança
Tem a jurisprudência da RAEM, por diversas vezes, asseverado que a matéria em causa é de observância vinculada pela Administração. Ou seja, temos interpretado as disposições da Lei de Terras concernentes à caducidade-preclusiva pelo decurso do prazo geral máximo da concessão no sentido de que ela se impõe, inevitavelmente, à entidade administrativa competente. É, pois, um acto vinculado, por ter a sua raiz mergulhada na circunstância de esse efeito caducitário decorrer directamente ope legis, sem qualquer interferência do papel da vontade do administrador. É da lei que advém fatalmente a caducidade.
Sobre este carácter vinculado da actividade em apreço, ver, entre outros:
- Ac. do TUI, de 11/10/2017, Proc. nº 28/2017;
- Ac. do TSI, de 24/11/2016, Proc. nº 1074/2015;
- Ac. do TSI, de 2/03/2017, Proc. nº 432/2015;
- Ac. do TSI, de 25/05/2017, Proc. nº 434/2015;
- Ac. do TSI, de 13/07/2017, Proc. nº 743/2016;
- Ac. do TSI, de 21/09/2017, Proc. nº 672/2015;
- Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016.
E se é vinculada a actividade administrativa concernente à caducidade, o mesmo carácter forçosamente tem a decisão de indeferir o pedido de prorrogação da concessão após o decurso do prazo da caducidade.
Ora, o princípio da boa fé e da tutela da confiança (cfr. art. 8º, nºs 1 e 2, do CPA) constitui um limite intrínseco à actividade administrativa discricionária e não vinculada. E é sabido que as decisões tomadas ao abrigo de poderes discricionários só são escrutináveis, no que concerne à violação dos princípios gerais de direito administrativo, nos casos de erro manifesto e grosseiro (v.g., Ac. do TUI, de 28/01/2015, Proc. nº 123/2014 ou de 4/11/2015, Proc. nº 71/2015; Ac. do TSI, de 26/05/2016, Proc. nº 325/2015 e de 27/10/2016, Proc. nº 678/2015 e de 2/03/2017, Proc. nº 432/2015). E tal não é o caso em análise.
Sendo assim, é de dar por improcedente este vício.
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4 – Do vício de violação de lei, por errada aplicação dos arts. 41º, 48º, nº1 e 104º, 5,da Lei de Terras
Vejamos.
Estas disposições rezam assim:
Artigo 41.º
Regime jurídico
A concessão por arrendamento e o subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano regem-se pelas disposições da presente lei e diplomas complementares, pelas cláusulas dos respectivos contratos e, subsidiariamente, pela lei civil aplicável.
Artigo 48.º
Renovação de concessões provisórias
1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as concessões provisórias não podem ser renovadas.
2. A concessão provisória pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo, caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto.
3. O requerimento referido no número anterior deve ser apresentado em conjunto com o requerimento de renovação da concessão definitiva do terreno, devendo os prazos de renovação de ambas as concessões ser idênticos.
Artigo 104º
(…)
5. A requerimento do concessionário, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo.
Vê-se que o comando das disposições dos arts. 48º e 104º é aplicável a situações diferentes. O art. 48º, por exemplo, aplica-se à renovação das concessões, ao passo que o art. 104º se aplica à suspensão ou à prorrogação do prazo inicial de aproveitamento.
Ora, no caso que apreciamos, o que estava equacionada era a pretensão de prorrogação (do prazo) da própria concessão e não a prorrogação do prazo do aproveitamento. É o que, antes de mais nada, se nos oferece dizer.
Quanto ao prazo geral da concessão não há previsão legal alguma que permita a sua prorrogação, mas somente a renovação contemplada no art. 48º.
Sucede que a situação fáctica dos autos não cabe no âmbito da situação tipificada no art. 48º e só nela pode uma tal pretensão de renovação obter satisfação.
Acresce dizer que, tal como o TUI teve ocasião de manifestar, a caducidade pelo decurso do prazo geral da concessão não depende do apuramento por parte do Chefe do Executivo se houve incumprimento das cláusulas contratuais e se ele “…se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior (Ac. de 11/10/2017, Proc. nº 28/2017).
Assim, sem mais formalidades, somos a dar por improcedente o vício.
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5 – Da violação do direito de propriedade privada protegida pela Lei Básica.
Neste passo, a recorrente faz um apelo ao disposto nos arts. 6º e 103º e 120º da Lei Básica, para se mostrar inconformado com a decisão sindicada.
Mas, com o devido respeito, nem aqui sequer tem razão.
Certo está o digno Magistrado do MP quando opina “É certo que a Lei Básica manda proteger o direito à propriedade privada, tal como impõe o reconhecimento e protecção dos contratos de concessão de terras celebrados antes do estabelecimento da RAEM e que se prolonguem para além da data de transferência de soberania. Mas relega, para a lei, a forma e as condições que moldam essa protecção, como melhor se vê das normas pertinentes (artigos 6.º e 120.º). Pois bem, no que respeita aos terrenos pertença do antigo Território de Macau e da actual RAEM - terrenos do Estado -, não há concessões por tempo indeterminado. Há prazos de concessão e há regras para o aproveitamento dos terrenos. Esses prazos e regras estão disciplinados por lei e, na maioria dos casos, até são vertidos para os contratos de concessão.
Portanto, a protecção conferida pela Lei Básica é uma protecção subordinada ao cumprimento das regras legalmente instituídas, que se pode esvair com a inobservância dessas regras. E as regras, em matéria de terras, têm como pano de fundo a finalidade social dos direitos associados ao seu uso, o que demanda o seu efectivo aproveitamento nos prazos que o legislador teve por razoáveis, adentro do seu poder de conformação. Daí que o artigo 48.º ao estabelecer a impossibilidade de renovação das concessões provisórias em nada afronte os princípios vertidos naqueles artigos da Lei Básica.».
Mas, vejamos.
O art. 6º da Lei Básica dispõe que “O direito à propriedade provada é preterido por lei na Região Administrativa Especial de Macau”.
Parece evidente que o art. 6º invocado se mostra inócuo ao caso. Realmente, não parece que em lado nenhum do acto possamos entrever uma ofensa ao direito de propriedade da recorrente.
Quanto ao art. 103º, nº1, da Lei Básica, ele dispõe que: “A Região Administrativa Especial de Macau protege, em conformidade com a lei, o direito das pessoas singulares e colectivas à aquisição, uso e disposição e sucessão por herança da propriedade e o direito à sua compensação em caso de expropriação legal”.
Ora, como não está em causa qualquer expropriação de nenhum bem que pertença à esfera privada do direito de propriedade da recorrente, não se pode dar por desrespeitada esta disposição da Lei Básica.
No que respeita ao art. 120º, ele dispõe que:
“A Região Administrativa Especial de Macau reconhece e protege, em conformidade com a lei, os contratos de concessão de terras legalmente celebrados ou aprovados antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau que se prolonguem para além de 19 de Dezembro de 1999 e os direitos deles decorrentes.
As concessões de terras feitas ou renovadas após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau são tratadas em conformidade com as leis e políticas respeitantes a terras da Região Administrativa Especial de Macau”.
Sobre o assunto, já este TSI se pronunciou nos termos que seguem:
«É correcto afirmar que a Lei Básica, no corpo do artigo, reconhece e protege os contratos de concessão de terras celebrados, e os direitos deles decorrentes, antes do estabelecimento da RAEM que se prolonguem para depois de 19/12/1999. Mas tal segmento normativo apenas pode ser utilizado para consagrar o respeito que a RAEM deve reconhecer aos direitos emergentes dos contratos que se encontrem em vigor após 19/12/1999. Ora, quanto a este aspecto, e como já tivemos ocasião de observar, o contrato celebrado em nada impedia a prática do acto administrativo que aqui está em apreciação, por em nada ter afrontado o clausulado inicial do contrato e das suas revisões.
E mesmo quanto ao seu parágrafo único1, igualmente não encontramos no acto nenhuma ofensa à força imperativa deste inciso legal, se pensarmos que ele se limita a mandar aplicar às novas concessões e às renovações (quando possíveis, obviamente) o regime legal e as “políticas” que vierem a ser produzidos já no âmbito da RAEM. A imposição que brota deste parágrafo está, de resto, em sintonia com o art. 11º do Código Civil e com o princípio tempus regit actum.» (Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016).
Por assim ser, sem mais formalidades, improcede o vício.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 – Julgar improcedente a reclamação para a conferência.
Taxa de justiça pela reclamante: 2 UCs (arts. 87º e 89º, nº1, RCT).
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2 – Julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 8 UCs.
T.S.I., 26 de Abril de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

Mai Man Ieng
1 “As concessões de terras feitas ou renovadas após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau são tratadas em conformidade com as leis e políticas respeitantes a terras da Região Administrativa Especial de Macau”.
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