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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ---------
--- Data: 11/04/2018--------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo------------------------------------------------------------------------------
Processo nº 142/2018
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, (2ª) arguida com os restantes sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão do T.J.B. que a condenou como co-autora material e na forma tentada da prática 1 crime de “falsificação de documentos”, p. e p. pelo art. 18°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, na condição de, no prazo de 30 dias, pagar à “CASA ECF. FELLOWSHIP ORPHANAGE INC.”, (恩慈院兒童之家), a quantia de MOP$5.000,00; (cfr., fls. 210 a 216 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a arguida recorreu.

Motivou para concluir afirmando o que segue:

“i. Por Acórdão condenatório proferido a fls. 210 a 215 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR2-17-0159-PCC, do 2.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, a ora Recorrente A foi condenada, como co-autora, na forma tentada, de um crime de “Falsificação de documentos”, p. e p. pelo artigo 18.°, n.° 2, da Lei n.° 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa por 2 anos, com a condição de entregar uma contribuição monetária, no valor total de cinco mil patacas, a favor da instituição de solidariedade social “恩慈院兒童之家”;
ii. A ora Recorrente não se encontra conformada com o direito aplicável;
iii. Do ponto de vista da Recorrente considera que, in casu, o crime de “Falsificação de documentos” previsto no artigo 18.° n.° 2 da Lei n.° 6/2004, a qual lhe foi imputada e condenada, não tem aplicabilidade jurídica na RAEM, nem na forma consumada, nem na forma tentada, uma vez que o aludido falso documento autêntico, a Certidão de Casamento, passada pelas Autoridades competentes da China, tinha sido falsificado apenas e só no Interior da China;
iv. Do ponto de vista doutrinal e jurisprudencialmente, o crime de “Falsificação de documentos” enquadra-se no âmbito dos crimes de perigo abstracto, isto é, crimes que não carecem a verificação de um resultado típico, basta que os factos praticados produzissem perigo ao bem jurídico protegido, bem jurídico este que visa “tutelar directa e imediatamente interesses públicos (colectivos), tais como o da confiança e da fé pública no documento, da segurança e da credibilidade que a verdade intrínseca do documento encerra como tal” – vd. Tribunal de Segunda Instância, Acórdão 189/2002 de 14/11/2002;
v. Salvo das diversas melhores opiniões, para efeitos de consumação do crime previsto no artigo 18.° n.° 2 da Lei n.° 6/2004, é necessário verificar cumulativamente dois requisitos essenciais: o primeiro, é necessário que haja falsificação de um documento autêntico, autenticado ou particular, bem como falsas declarações sobre a identidade do agente ou de terceiro, através de quaisquer um dos meios tipificados nas alíneas a) e b) do artigo 244.°, n.° 1 do Código Penal; segundo, a intenção de obter qualquer dos documentos legalmente exigidos para a entrada, permanência ou autorização de residência na RAEM;
vi. Além da existência de um documento falso, carece ainda, e apenas, a verificação de uma intenção (dolo) de, através do qual, obter qualquer dos documentos legalmente exigidos para a entrada, permanência ou autorização de residência na RAEM;
vii. Não necessita a verificação de um certo resultado típico, resultado este que seria a obtenção efectiva de um documento legalmente exigido para efeitos de entrada, de permanência ou de autorização de residência na RAEM;
viii. Em termos de tentativa, do nosso ponto de vista, este crime de “Falsificação de documentos” só poderia ser incriminada, quando os agentes não conseguirem obter o falso documento pretendido (in casu, a Certidão de Casamento), e verificar o preenchimento de todos dos elementos e requisitos exigidos para tal, nos artigos 21.° e 22.° do Código Penal, para efeitos obtenção do documento legalmente exigido para a entrada, permanência ou autorização de residência na RAEM, que não foi o caso, conforme a matéria de facto provada, constante na douta Sentença ora recorrida, pelo que, não está em causa qualquer crime de “Falsificação de documentos”, por forma tentada;
ix. Do nosso ponto de vista jurídica, mas sempre a respeito das diversas melhores opiniões, consideramos que, in casu, o crime em causa já se encontra consumado no Interior da China, precisamente, aquando a Recorrente e o 3.° arguido conseguiram obter tal Certidão de Casamento, passada pelas Autoridades competentes do Interior da China, mediante um “casamento falso” celebrado entre eles, junto ao Conservatória de Registo Civil da China;
x. Conforme a matéria de apreciação de factos, a Recorrente e o 3.° arguido celebrou tal “casamento falso”, cuja finalidade era ajudar o 3.° arguido, através da Certidão de Casamento, requerer a autorização de residência na RAEM para poder cuidar o 1.° arguido, sendo o pai do 3.° arguido – cfr., fls. 213, pág. 7 da Sentença Condenatória;
xi. Há luz do princípio da territorialidade, consagrado no artigo 7.° do Código Penal, consideramos que, in casu, a Lei Penal de Macau, ou melhor, o artigo 18.° n.° 2 da Lei n.° 6/2004 não tem aplicabilidade, quer seja por forma consumada, quer seja por forma tentada, uma vez que os factos criminosos tinha sido praticados exclusivamente fora da RAEM, e nada se verifica nos presente autos, que existe uma parte do crime de falsificação tinha cometido na RAEM para que a lei penal local, neste caso o artigo 18.°, n.° 2, da Lei n.° 6/2004, seja aplicável;
xii. Conforme a matéria de facto provada, verificou-se que a Recorrente tinha utilizado tal Certidão de Casamento, para requerer, a título de união familiar, junto à Direcção dos Serviços de Identificação, a autorização de residência a favor do 3.° arguido – cfr. o artigo 8.° da matéria de facto provada, fls. 212, pág. 5 da douta Sentença Condenatória;
xiii. Sempre com devido respeito e salvo das diversas melhores opiniões, considera a ora Recorrente que o Tribunal “a quo” deveria aplicar, in casu, o artigo 18.° n.° 3 da Lei n.° 6/2004, dado que ficou provado que a ora Recorrente tinha efectivamente utilizado tal falso documento autêntico, a Certidão de Casamento, passada pelas Autoridades competentes da China;
xiv. Se este Venerando Tribunal de Segunda Instância acolher a tese jurídica apresenta pela Recorrente no presente Recurso, no sentido de alterar a condenação para o n.° 3 do artigo 18.° da Lei n.° 6/2004, a pena principal aplicada deveria ser também alterada; e
xv. Assim, tendo em conta que a ora Recorrente tinha confessado sem reserva os factos que lhe foram imputados, tinha também demonstrado o seu sincero arrependimento, sendo ela primária, o grau da ilicitude não é grave, o grau de culpa é moderada, após da prática do crime manteve-se sempre uma boa conduta, e atendendo outra circunstância relevantes para efeitos de atenuação da pena, consideramos que seria mais adequada e proporcional a aplicação de uma pena de prisão não superior a 6 meses, suspendendo a sua execução por 1 ano e 6 meses”; (cfr., fls. 229 a 239).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 241 a 242-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Recorre A do acórdão exarado a fls. 210 e seguintes dos autos, que a condenou na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, como co-autora material de um crime de falsificação de documentos, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 18.°, n.° 2, da Lei n.° 6/2004, 21.°, 22.° e 67.° do Código Penal.
Na motivação de recurso, reclama a alteração da decisão, no sentido de ser condenada pela prática de um crime de uso de documento falso, p. e p. pelo artigo 18.°, n.° 3, da Lei n.° 6/2004, já que a lei de Macau não se mostra aplicável aos factos substanciadores do crime de falsificação conexo com o casamento forjado, pois estes ocorreram e consumaram-se na China continental.
Na sua minuta de resposta à motivação, o Ministério Público na primeira instância pronuncia-se pela improcedência do recurso, fazendo-o de forma adequada e abrangente, que temos por bem acolher, não havendo muito mais a acrescentar.
Na verdade, temos para nós que a motivação do recurso parte do pressuposto de que todos os passos e elementos integrantes da falsificação por que foi condenada a recorrente e outros ocorreram na China continental. Porém, isso não se afigura exacto.
A partir da matéria de facto considerada provada, verifica-se que a actuação da recorrente e demais co-autores, posto que se tenha iniciado na China continental – onde chegaram a ser cometidos ilícitos autónomos que não são objecto do presente processo – prosseguiu em Macau, sendo aqui dirigida à obtenção de documentos que permitissem a permanência e a residência do 3.° arguido na Região Administrativa Especial de Macau. Desiderato que a recorrente e demais arguidos só não conseguiram por motivos de todo alheios às suas vontades.
Assim, a condenação da recorrente e demais arguidos reporta-se à actividade, não consumada, de obtenção de documentos em Macau, desconformes à realidade que retractariam, factos de que aliás estavam acusados; e não à actividade de obtenção, na China continental, de documentos forjados, de que não estavam acusados.
Não se divisa, pois, qualquer erro de qualificação ou de subsunção legal dos factos apurados, pelo que improcedem os fundamentos do recurso, devendo ser-lhe negado provimento”; (cfr., fls. 240 a 240-v).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Do julgamento resultaram assentes os factos seguintes:

“ 1.
Quando o residente do Interior da China, A (feminino, 2.ª arguida), trabalhava como empregada de mesa num restaurante sita na Cidade de Zhongshan da China em 1995, conheceu o residente de Macau, B (1.º arguido), os dois iniciaram o relacionamento.
2.
O 1.º arguido e a sua mulher, C, divorciaram-se no ano de 1996. Após o divórcio e até ao presente, o 1.º arguido e C ainda coabitam numa fracção sita na ...5º andar E, em Macau.
3.
O 1.º arguido e a 2.ª arguida contraíram casamento em 1997 em Xin Hui da Província de Guangdong da China, e os seus dois filhos, D e E, nasceram em 1997 e 2001, respectivamente.
4.
Durante o período entre 1997 e 2001, o 1.º arguido e a 2.ª arguida viviam separadamente, o 1.º arguido vivia em Macau e a 2.ª arguida vivia na casa do filho biológico do 1.º arguido (ou seja, 3.º arguido F), sita em Xin Hui da Província de Guangdong da China. Após o casamento, o 1.º arguido apresentou o pedido de fixação de residência da 2.ª arguida em Macau por motivo da junção conjugal. Em 2001, a 2.ª arguida e os dois filhos mudaram-se para a fracção do 1.º arguido, sita na ...5º andar E, em Macau.
5.
A 2.ª arguida obteve o Bilhete de Identidade de Residente de Macau em 2005.
6.
No início de 2006, o 1.º arguido pediu à 2.ª arguida que viesse a contrair falso casamento com o seu filho (ou seja, o 3.º arguido) para este último obter título de residência em Macau e, a 2.ª arguida aceitou.
7.
O 1.º arguido e a 2.ª arguida divorciaram-se em Fevereiro de 2006. Em Maio do mesmo ano, a 2.ª arguida e o 3.º arguido contraíram casamento em Xin Hui da Província de Guangdong da China.
8.
Seguidamente, através do uso de tal certidão de casamento e por motivo da junção conjugal, a 2.ª arguida apresentou à Direcção dos Serviços de Identificação de Macau um pedido da autorização de fixação de residência do 3.º arguido em Macau.
9.
Em 2007, o 3.º arguido demitiu o seu trabalho no Interior da China, entrou em Macau com visto para visita familiar, e vivia numa fracção sita na ...5º andar E, em Macau, conjuntamente com o 1.º arguido, a 2.ª arguida, a sua mãe biológica C, e os dois filhos do 1.º arguido e da 2.ª arguida.
10.
Em 15 de Abril de 2013, o agente policial do CPSP deslocou-se à fracção acima referida para proceder à investigação. Durante a inquirição feita pelo agente policial, os três arguidos descreveram o estado civil dos três mesmos e a situação de uma vida que as seis pessoas acima mencionadas vivem conjuntamente na mesma fracção, daí resultando que o relacionamento familiar destas seis pessoas, quer no passado quer no presente, é contraditório.
11.
A 2.ª arguida declarou não trocar presentes no momento em que contraiu casamento com o 3.º arguido, mas, o 3.º arguido declarou que trocou um par de anéis de platina no valor de RMB$3.000,00 e uma pulseira de casamento.
12.
Os três arguidos acordaram que, através da dissolução do casamento celebrado entre o 1.º arguido e a 2.ª arguida, a 2.ª arguida e o 3.º arguido contraíram casamento para obter uma certidão de casamento, cujo conteúdo é falso, e foi utilizada tal certidão para enganarem as autoridades do Interior da China e de Macau, a fim de ajudar o 3.º arguido a obter o título da residência em Macau e o Bilhete de Identidade de Residente de Macau.
13.
A conduta dos três arguidos não só afectou a autenticidade e a fé pública do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, mas também prejudicou os interesses da RAEM e de terceiros.
14.
Os três arguidos, de forma concertada e com distribuição de tarefas, agiram livre, consciente e voluntariamente ao praticar dolosamente a aludida conduta.
15.
Devido aos factores fora dos três arguidos, a finalidade dos mesmos acabou por não ter bem-sucedida.
16.
Os três arguidos bem sabiam que esta sua conduta era proibida e punida por lei.
Em audiência, apura-se ainda o seguinte:
Em 17 de Abril de 2013, no Ministério Público, o 3.º arguido declarou que tem o ensino secundário complementar como habilitações literárias, não tinha qualquer receita naquela altura e não tem ninguém a seu cargo.
Segundo o certificado de registo criminal, os três arguidos são delinquentes primários.
Verificaram-se as situações económica e pessoal dos arguidos:
O 1.º arguido declarou que tem o 1.º ano do ensino secundário geral como habilitações literárias, sobrevive com a pensão do Fundo de Segurança Social e tem os pais e um filho a seu cargo.
A 2.ª arguida declarou que tem o 2.º ano do ensino secundário geral como habilitações literárias, aufere um vencimento mensal de MOP$19.000,00 e tem os pais e dois filhos a seu cargo”.

Justificando esta sua decisão, e consignando que nenhum facto ficou por provar, fez o Tribunal a quo constar o que segue:

“O 1.º arguido prestou declarações em julgamento e confessou, sem reservas, os factos de que vinha acusado. O 1.º arguido disse que o 3.º arguido bem sabia que o casamento é falso, e praticou o acto do casamento falso com o 3.º arguido.
A 2.ª arguida prestou declarações em julgamento e confessou, sem reservas, os factos de que vinha acusada, nomeadamente, manifestando que, devido ao acidente vascular cerebral do 1.º arguido, queria o 3.º arguido a residir em Macau para cuidar o 1.º arguido. A 2.ª arguida disse que o 3.º arguido bem sabia que o casamento é falso, e praticou o acto de casamento falso com o 3.º arguido.
Pelo requerimento do 3.º arguido, este Tribunal procedeu à leitura do auto de declarações prestadas ao Ministério Público aquando da sua inquirição como arguido, no qual o 3.º arguido negou a prática dos factos de que vinha acusado, e referiu especialmente que ele casou com a 2.ª arguida por amor verdadeiro, sem qualquer outro fim. O 3.º arguido revelou que ele é residente do Interior da China, a 2.ª arguida reside e trabalha em Macau, devido ao desemprego, o mesmo pediu o visto para visita familiar para se deslocar a Macau, se encontrar e morar conjuntamente com a 2.ª arguida numa fracção sita na ...5º andar E, em Macau, cuja proprietária é a sua mãe, C. Dizendo ainda que ele morava num quarto com a 2.ª arguida e a filha do 1.º arguido e da 2.ª arguida, o 1.º arguido e uma filha da sua mãe moravam num quarto, e a mãe do 3.º arguido morava na sala de estar. A 2.ª arguida não pagou as rendas aos pais, mas pagou mensalmente os alimentos dos pais do 3.º arguido, no valor de MOP$6.000,00.
Pelo depoimento prestado em audiência de julgamento por um agente policial do CPSP, X, quem fez a investigação da presente causa, referiu-se que os três arguidos estavam presentes no dia em que realizou uma visita domiciliária de surpresa, o relacionamento familiar deles é duvidoso.
Em audiência de julgamento, procedeu-se à apreciação das provas documentais constantes dos autos, nomeadamente, as informações apresentadas pela Direcção dos Serviços de Identificação de Macau relativas ao pedido da autorização de residência do 3.º arguido em Macau e à identificação da 2.ª arguida (vide fls. 151 a 165v. dos autos).
Formou-se a convicção na consideração das declarações dos dois arguidos, do auto da inquirição do 3.º arguido, dos depoimentos das testemunhas, das provas documentais e das outras provas. Em audiência de julgamento, o 1.º arguido e a 2.ª arguida confessaram, sem reservas, os factos de que vinham acusados. Mesmo que o 3.º arguido negasse a prática dos respectivos factos, o 1.º arguido e a 2.ª arguida alegaram que o 3.º arguido bem sabia que o casamento é falso. Através dos depoimentos das testemunhas, das provas documentais e da investigação feita por agente do CPSP na fracção, demonstra-se que, na inquirição feita por agente policial, os três arguidos descreveram o estado civil dos três mesmos e a situação da vida que eles moravam conjuntamente na respectiva fracção, daí resultando que o relacionamento familiar destes três arguidos, quer no passado quer no presente, é contraditório, nomeadamente, o 1.º arguido e a 2.ª arguida contraíram casamento um com o outro e têm dois filhos, seguidamente, o 1.º arguido e a 2.ª arguida divorciaram-se e, em consequência, a 2.ª arguida contraiu casamento com o 3.º arguido (filho do 1.º arguido e de outra mulher). Tendo sido ponderadas as provas recolhidas em audiência de julgamento, entende este Tribunal que a versão alegada pelos 1.º e 2.ª arguidas é mais razoável e confiável, pelo que basta reconhecer que, os três arguidos acordaram que, através da dissolução do casamento celebrado entre o 1.º arguido e a 2.ª arguida, a 2.ª arguida e o 3.º arguido contraíram casamento para obter uma certidão de casamento, cujo conteúdo é falso, e foi utilizada tal certidão para enganarem as autoridades do Interior da China e de Macau, a fim de ajudar o 3.º arguido a obter o título da residência em Macau e o Bilhete de Identidade de Residente de Macau. Assim, este Tribunal entende que basta reconhecer os factos acima indicados”; (cfr., fls. 211-v a 213).

Do direito

3. Vem a arguida recorrer do Acórdão que a condenou como co-autora material e na forma tentada da prática 1 crime de “falsificação de documentos”, p. e p. pelo art. 18°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos.

Afirma – em síntese – que “não tem aplicabilidade jurídica na RAEM, uma vez que o aludido falso documento autêntico, a Certidão de Casamento, passada pelas Autoridades competentes da China, tinha sido falsificado apenas e só no Interior da China”, pedindo a sua “absolvição”, ou pugnando por uma alteração da qualificação jurídica da sua conduta, no sentido de ser condenada como co-autora de 1 crime do art. 18°, n.° 3 – e não art. 18°, n.° 2 – da Lei n.° 6/2004.

Porém, e como se deixou adiantado, apresenta-se evidente e manifesta a falta de razão da arguida, imperativa sendo uma decisão de rejeição do presente recurso, bastando, para tal, (e por uma questão de economia processual), dar-se aqui como integralmente reproduzidas as doutas considerações pelo Exmo. Representante do Ministério Público tecidas no seu Parecer, onde se dá clara e cabal resposta à motivação da ora recorrente.

Seja como for, e ainda que abreviadamente, não se deixa de consignar o que segue.

Nos termos do art. 18° da Lei n.° 6/2004:

“1. Quem, com a intenção de frustrar os efeitos da presente lei, por qualquer dos meios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal, falsificar bilhete de identidade ou outro documento autêntico que sirva para certificar a identidade, passaporte ou outros documentos de viagem e respectivos vistos, bem como qualquer dos documentos legalmente exigidos para a entrada e permanência ou os que certificam a autorização de residência na RAEM, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2. A mesma pena é aplicada à falsificação, pelos meios referidos no número anterior, de documento autêntico, autenticado ou particular, bem como às falsas declarações sobre elementos de identificação do agente ou de terceiro, com intenção de obter qualquer dos documentos legalmente exigidos para a entrada, permanência ou autorização de residência na RAEM.
3. Quem usar ou possuir qualquer dos documentos falsos referidos nos números anteriores, é punido com pena de prisão até 3 anos”.

No caso, e como se deixou retratado, provado está que a arguida ora recorrente simulou um casamento com o 3° arguido, declarando, (requerendo), posteriormente, à Direcção dos Serviços de Identificação de Macau tal facto, a fim de viabilizar que o referido 3° arguido viesse a obter o Bilhete de Identidade de Residente de Macau; (cfr., nomeadamente, os “factos provados” referenciados com o n.° 6, 7°, 8° e 12°).

E, nenhuma censura merecendo a “decisão da matéria de facto”, dúvidas não há que a factualidade dada como assente constitui a arguida recorrente autora do crime pelo que foi condenada, (nos termos do n.° 2 do art. 18° da Lei n.° 6/2004), necessárias não se afigurando mais alongadas considerações porque ociosas.

Dest’arte, e outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará a arguida a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 11 de Abril de 2018
José Maria Dias Azedo
Proc. 142/2018 Pág. 22

Proc. 142/2018 Pág. 21